Templo de Jerusalém e rebeldia de Jesus: e nós? Por Frei Gilvander Moreira[1]
Segundo as
comunidades cristãs do quarto evangelho da Bíblia, levou-se 46 anos para que o
templo de Jerusalém fosse reconstruído pelo governador Herodes O Grande (Jo
2,20), que mandou construir a fortaleza Antônia, em um dos vértices do Templo
de Jerusalém, o que foi considerado por muitos judeus como uma profanação ao
modelo do templo construído pelo rei Salomão. Herodes mandou colocar no templo
várias esculturas pagãs do Império Romano, inclusive a Águia Imperial, que
motivou a ira de jovens judeus que se amotinaram e foram, por isso, presos e
queimados vivos, a mando do rei Herodes Agripa. Essa foi uma obra faraônica que
exigiu o trabalho de cerca de 10 mil operários diariamente.
Na época de
Jesus, Jerusalém tinha cerca de 30 mil pessoas, estima-se. O templo
era meio de vida para muita gente, pois gerava emprego para cerca de 18 mil
pessoas; era símbolo de identidade; lugar de comércio com lucro abusivo; lugar
de carestia: de 3 a 6 vezes mais caro do que no interior da Palestina; lugar de
cobrança de impostos (de 25% a 50%); centro de peregrinação; “morada de Deus”
no meio da comunidade e casa de oração.
O templo de
Jerusalém era centro de romarias e peregrinações. Foi destruído pela força
militar do império romano, sob o comando do general Tito Flávio, nos anos 70 do
século I, e outra vez no ano de 135 da era cristã. Bastante suntuoso, composto
de degraus, pórticos e tabernáculo com o Santo dos Santos, com arca da aliança
e as tábuas da Lei. Muitos consideravam o templo como a morada de Deus no meio
do povo. No Santo dos Santos só o sumo sacerdote entrava apenas uma vez por
ano. Era considerado pelos judeus o lugar mais sagrado do mundo. Para consertar
o Santo dos Santos os operários tinham que ser pendurados e baixados para não
pisar no chão sagrado. Os judeus rasgavam suas roupas ao verem o Templo pela
primeira vez. Ainda hoje na hora do casamento, o noivo precisa quebrar um prato
para lembrar a todos a tristeza que sente pela perda do Templo. Os judeus de
todo o mundo ao orarem se voltam para Jerusalém. Na época de
Jesus, estima-se que a população da Palestina
era cerca de 600 mil habitantes. Em Jerusalém, 30 mil. Na festa da Páscoa,
Jerusalém chegava a receber 180 mil pessoas. Além disso, havia mais de 7 mil sacerdotes na Palestina,
a maioria em Jerusalém, divididos em 24 grupos que se revezaram nos trabalhos litúrgicos
do templo.
A Aristocracia de sacerdotes e os saduceus administravam o
tesouro do Templo. Historiador da época das primeiras comunidades cristãs,
Flávio Josefo fala que na época de Jesus havia inflação, salários baixos,
greves e revoltas populares. No livro Guerra
Judaica, Josefo descreve assim o templo construído por Herodes: “O exterior arrebatava os olhos e o espírito.
Por estar recoberto de ouro, refletia desde o amanhecer a luz do Sol tão
intensamente, que obrigava a afastar a vista aos que queriam observá-lo. Aos
estrangeiros que chegavam parecia uma montanha de neve, pois onde não estava
coberto de ouro brilhava mármore branquíssimo. O cimo estava eriçado de pontas
de ouro afiadas para impedir que as aves pousassem e sujassem o teto. Algumas
das pedras da construção tinham vinte metros de comprimento...”[2]
A Revolta popular de 66 da era cristã, liderada pelo movimento
popular religioso dos zelotas, foi o estopim da Guerra Judaica, pois visava
também destruir os arquivos do Templo onde estavam registradas as dívidas do povo
escravizado e os impostos.
Enfim, o
templo de Jerusalém era o centro religioso-econômico e cultural da Palestina,
era também centro político, pois aí se reunia o Sinédrio, sob a chefia do
Sumo-sacerdote, vitalício e quase sempre do grupo dos saduceus – latifundiários
da época -, os maiores detentores do poder econômico da época. Tudo parecia
inquestionável, mas ...
De forma clandestina, Jesus e os
seus entram em Jerusalém. Após uma longa marcha da Galileia a Jerusalém (Lc
9,51-19,27), Jesus e o seu movimento popular religioso estão às portas daquela
cidade. De forma clandestina, não confessando os verdadeiros motivos, Jesus e o
seu movimento entram em Jerusalém, narra o Evangelho de Lucas (Lc 19,29-40). De
alguma forma deve ter acontecido essa entrada de Jesus na capital Jerusalém. O
tom midráxico da narrativa torna presente e viva uma profecia do passado, ainda
que provavelmente não tenha acontecido tal como narrado pelo evangelho.
Dois
discípulos recebem a tarefa de viabilizar a entrada na capital, de forma
humilde, mas firme e corajosa. Deviam arrumar um jumentinho – meio de
transporte dos pobres -, mas deviam fazer isso disfarçadamente, de forma
“clandestina”. O texto repete o seguinte: “Se
alguém lhes perguntar: “Por que vocês estão desamarrando o jumentinho?”,
digam somente: ‘Porque o Senhor precisa
dele’”. A repetição indica a necessidade de se fazer a preparação da
entrada na capital de forma clandestina, sutil, sem alarde. Se dissessem a
verdade, a entrada em Jerusalém seria proibida pelas forças de repressão. Com
os “próprios mantos” prepararam o jumentinho para Jesus montar. Foi com o pouco
de cada um/a que a entrada em Jerusalém foi realizada. A alegria era grande no
coração dos discípulos e discípulas, povo camponês e de periferia. “Bendito o que vem como rei...” (Lc
19,38). Viam em Jesus outro modo de exercer o poder, não mais como dominação,
mas como gerenciamento do bem comum.
Ao ouvir o anúncio dos discípulos e discípulas – um
novo jeito de exercício do poder – certo tipo de fariseu, aliado do poder
opressor, se incomoda e tenta sufocar aquele evangelho. Hipocritamente chamam
Jesus de mestre, mas querem domesticá-lo, domá-lo. “Manda que teus discípulos se calem” (Lc 19,39), impunham os que se
julgavam salvos e os mais religiosos. “Manda...!”
Dentro do paradigma “mandar-obedecer”, eles são os que mandam. Não sabem
dialogar, mas só impor. “Que se calem!”,
gritam. Quem anuncia a paz como fruto da justiça testemunha fraternidade e luta
por justiça, o que incomoda o status quo
opressor. Mas Jesus, em alto e bom som, com a autoridade de quem vive o que
ensina, profetisa: “Se meus discípulos/as
(profetas) se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19,40). Esse alerta do
galileu virou refrão de música das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): “Se calarem a voz dos profetas, as pedras
falarão. Se fecharem uns poucos
caminhos, mil trilhas nascerão... O poder tem raízes na areia, o tempo
faz cair. União é a rocha que o povo usou pra construir...!”
Jesus chuta o pau da barraca do deus capital. Os quatro evangelhos da Bíblia[3] narram que
Jesus, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, impulsionado por uma ira
santa, invadiu o templo de Jerusalém, lugar mais sagrado do que os templos da
idolatria do capital que muitas vezes tem a cruz de Cristo pendurada em um
ponto de destaque. Furioso como todo profeta, ao descobrir que a instituição
tinha transformado o templo em uma espécie de Banco Central do país + sistema
bancário + bolsa de valores, Jesus “fez
um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e bois,
destinados aos sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou
suas mesas. Aos que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com
os mais pobres, porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), Jesus ordenou: ‘Tirem estas coisas daqui e
não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio.” Essa ação de Jesus foi o
estopim para sua condenação à pena de morte, mas Jesus ressuscitou e vive também
em milhões de pessoas que resistem em face de toda forma de opressão: fascismo, política de morte
(necropolítica) e genocídio, como o que brutalmente acontece no Brasil
atualmente.
05/05/2021
Obs.:
Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Templos fechados na pandemia: ato de
amor. “Vós sois templos!”– Frei Gilvander, Bella, Caio e Flávio
2 - Templos suntuosos, NÃO! Pequenas
Comunidades, SIM! Ez 47,1-2.8-9.12 ; Jo 12,13-22/Padre Manoel Godoy
3 - Lugares, Pessoas, Bens Naturais e
Culturais Ameaçados pelo Rodoanel de BH e RMBH: a ALÇA SUL
4 - Luta contra a mineração em Minas
Gerais e na Amazônia e os territórios indígenas
5 - Frei Gilvander aponta brutal devastação socioambiental que Rodoanel causará em BH e RMBH - Vídeo 5
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica
no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2] Guerra judaica, V, 222.
[3] Mt 21,12-13;
Mc 11,15-19; Lc 19,45-46 e Jo 2,13-17.