Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
Dom
Vicente Ferreira na Live "Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?"
- Debate Inter-Religioso, dia 12/7/2020.
Para iniciar nosso Debate
Inter-Religioso sobre uma pergunta que precisa interpelar nossa consciência:
Fora, Bolsonaro e todo o (des)governo federal? O Movimento Inter-Religioso do
Vale do Aço, em Minas Gerais, pela Democracia, Justiça, Paz e Vida, promove
mais uma Live com o objetivo de contribuir para que as pessoas religiosas se
posicionem de forma ética, responsável, justa e coerente com o Evangelho de
Jesus Cristo e com a fina flor da sua fé que precisa ser libertadora e jamais
conivente com opressões de nenhuma espécie. Quem votou em Jair Bolsonaro e em
políticos que estão na prática defendendo posturas contrárias ao bem comum que
arrume um jeito de “compensar” esse erro gravíssimo. Conclamamos todos/as ao
compromisso com o Movimento de luta pela Democracia, Justiça, Paz e Vida, o que
passa necessariamente por FORA BOLSONARO E TODO O (DES)GOVERNO FEDERAL, pois
não podemos ser omissos e nem cúmplices diante de um (des)governo genocida que
está matando de inúmeras formas. Estão gritando por direitos a mãe Terra, a
irmã Amazônia e os outros biomas, a irmã água, os povos indígenas, os
quilombolas, os LGBTQIs, os sem-terra, sem-teto, os desempregados, o povo
negro, os povos das periferias, os 500 mil irmãos nossos que estão em situação
de rua, as mulheres vítimas de feminicídio, o povo ludibriado por falsos
pastores, por falsos padres, por falsos líderes religiosos que barganham com um
governo fascista e abusam do nome de Deus e de textos bíblicos para acumular
dinheiro, se aproveitando das angústias das pessoas com discursos religiosos
“sem pé nem cabeça” ... Todos esses gritos ensurdecedores precisam interpelar
nossa consciência. Desta Live participaram: 1) Dom Vicente Ferreira, bispo
auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e da Comissão de Ecologia Integral e
Mineração da CNBB; 2) Makota Celinha, coordenadora do CENARAB e do Candomblé;
3) Filipe Gibran, pastor da Frende de Evangélicos pelo Estado Democrático de
Direito; 4) Irmã Claudicéa Ribeiro, da Congregação de Filhas de Maria
Missionárias; 5) Paulo Amaral, do Movimento Inter-Religioso pela Democracia,
Justiça, Paz e Vida e Movimento Negro do Vale do Aço, MG; 6) Frei Gilvander
Moreira, da CPT e CEBI. Aqui neste vídeo o pronunciamento do bispo Dom Vicente
Ferreira na Live "Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?" - Debate
Inter-Religioso, dia 12/7/2020. Com cabeça erguida, de forma profética, Dom
Vicente Ferreira se posicionou exigindo Fora, Bolsonaro e todo o (des)governo
federal.
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Ao celebrarmos os 45 anos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) - 1975 a 2020 – importante se faz recordarmos os ensinamentos e a atuação dos profetas Amós, Oseias e Isaías. Na Bíblia, no livro de Amós, nos capítulos 1 a 9, de meados do século VIII antes da era cristã, encontramos literatura de protesto e resistência. “O acento principal da mensagem de Amós está na crítica social e no anúncio de um juízo iminente de Deus na história, bem como na tênue, mas clara exigência do restabelecimento da justiça como alicerce das relações sociais” (REIMER, 2000, p. 171). A profecia de Amós constitui-se como uma exigência veemente pelo restabelecimento da justiça social[2]. Segundo Haroldo Reimer, no artigo “Amós – profeta de juízo e justiça”, a profecia de Amós é: “Uma crítica veemente e contundente aos agentes e mecanismos de exploração e opressão dos camponeses empobrecidos sob o governo expansionista de Jeroboão II e sob as condições de um incremento de relações de empréstimos e dívidas entre pessoas do próprio povo no século VIII a.C.” (REIMER, 2000, 188).
Em outros termos, o profeta Amós não apenas critica pessoas exploradoras, mas também questiona enfaticamente o sistema monárquico que as gera. Não somente as mazelas pessoais estão na mira de Amós, um camponês que entrou para a história como profeta da luta por justiça social. Ele compreendia as causas profundas da injustiça e tinha consciência de que o problema fundamental da iniquidade reinante na sociedade não é fruto somente de fraquezas pessoais, mas tem como causa matriz estruturas sócio-econômico-político-culturais e religiosas que engrenam uma máquina de moer pessoas. Na mira do profeta Amós também estão relações comerciais que causam às pessoas endividamento, escravizam e aprisionam retirando-lhes a liberdade e o direito de serem pessoas humanas.
A profecia de Oseias aconteceu provavelmente entre os anos 755 a 721 antes da era cristã, no reino do Norte, na Palestina/Israel, durante os últimos anos do reinado do rei Jeroboão II e de Oseias, filho de Ela. No primeiro capítulo do livro de Oseias está uma forte crítica contra a dinastia de Jeú. Os capítulos 2 e 3 de Oseias refletem certa prosperidade de produção no campo e tranquilidade política, marcas do reinado de Jeroboão II. Do capítulo 5 em diante, estão reflexos da crise que se instaura na Palestina/Israel, devido a pressões externas vindas do Império Assírio. Com a chamada guerra siro-efraimita e a subjugação de parte do território pelo rei da Assíria Teglat-Falasar III, por volta do ano 733 antes da era cristã, aumenta significativamente o clima de violência e insegurança interna. Os capítulos finais do livro de Oseias testemunham os acontecimentos em torno do ano 724 antes da era cristã, data do cerco à cidade de Samaria e da destruição do reino do Norte com o consequente exílio do povo para a Assíria, potência imperialista da época. O profeta Oseias identificava os detentores do poder religioso como causadores de violência social. Segundo a profecia de Oseias, os sacerdotes são os grandes culpados pela violência reinante na sociedade. O povo percebe que os sacerdotes haviam se transformado em assassinos e se comportavam como malfeitores: “Como bandidos na emboscada, um bando de sacerdotes assassinam pelo caminho de Siquém e cometem horrores” (Oseias 6,9). Com a participação do profeta Oseias, o povo percebe a ilusão que é acreditar no Império Assírio como caminho de salvação: “Não é a Assíria que nos salvará, não montaremos mais cavalos, jamais chamaremos novamente de nosso Deus a um objeto feito por nossas próprias mãos, pois é em ti, só junto de ti, que o órfão encontra compaixão” (Oseias 14,4). “Não montar mais cavalos” significa não acreditar mais em militarismo e nem em repressão como solução para problemas e injustiças sociais. Guiado pelo profeta Oseias, o povo se desvencilha de idolatrias que na prática resultavam em opressão e superexploração, inclusive dos mais vulneráveis, entre eles, os órfãos. O povo cai na real e consegue ver que os reis e príncipes são insensatos, mentirosos e se matam por disputas internas (cf. Oseias 7,1-7) e por disputas políticas externas (cf. Oseias 5,1-15; 7,8-16; 8,8-14; 10,6-15). Diante dessa dramática máfia religiosa e política, o povo, passando por um processo sofrido de conversão, conclui, voltando-se para o Deus Javé: “... é em Ti que o órfão encontra misericórdia” (Oseias 14,4). A hipocrisia e o cinismo dos sacerdotes na condução do culto fazem o povo descobrir que o caminho para a libertação não passa pelos sacrifícios, mas pela misericórdia. A conclusão é: Misericórdia, sim; sacrifício, não! (Oseias 6,6).
Atuando na Palestina por volta do ano 730 antes da era cristã, o profeta Isaías criticou o latifúndio e a grilagem de terras, porque na sua época, tempo de sistema político monárquico, os latifundiários estavam solapando o projeto comunitário das tribos autônomas sem poder centralizado. No livro de Isaías a grilagem de terras é denunciada com veemência: "Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra” (Isaías 5,8). E Isaías denunciou, também, as autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário: "Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e saquear os órfãos” (Isaías 10,1-2)! Isaías anuncia, ainda, uma esperança consistente: "O fruto da justiça será a paz” (Isaías 32,17). Ou seja, para o profeta Isaías é impossível conquistar paz verdadeira sem a justiça.
Como resultado desta breve análise, podemos concluir que os profetas Amós, Oseias e Isaías, irmanados, proclamam: injustiça social e idolatria religiosa, NÃO![3]
Referências
REIMER, Haroldo. Amós – profeta de juízo e justiça. In: Os livros proféticos: a voz dos profetas e suas releituras. RIBLA 35-36, p. 171-190. Petrópolis: Vozes e São Leopoldo: Sinodal 2000.
14/7/2020.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima, pois são profetas Amós, Oseias e Isaías que viveram ou vivem no nosso meio atualmente.
1 - Padre Antônio Amorst, 85 anos, missionário em Gov. Valadares e Tumiritinga, MG. Parte I
2 - Padre Antônio Amorst, 85 anos, profeta de Deus no Vale do Rio Doce, MG. Parte II - 11/9/2019.
3 - Padre Antônio Amorst foi imprescindível na CPT/MG na luta pela terra no Vale do Rio Doce. 11/9/2019
4 - Tributo ao Padre Ernesto: Um Profeta no meio do Povo - 27/7/2019
5 - Alvimar da CPT por Luciano di Fanti: "profeta, homem de Deus, sábio, palavra de peso. 22/08/16
6 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra em MG. 1a parte.
7 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra. 2a parte. 07/16
8 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra. 3a parte.
9 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra. 4a parte.
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. também SICRE, José Luís. A justiça social nos profetas. São Paulo: Paulus, 1990; REIMER, Haroldo. Leis de mercado e direito dos pobres na Bíblia Hebraica. In: Estudos Bíblicos, n. 69, p. 9-18. Petrópolis, Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 2001.
[3]Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.
Paulo
e Pedro, dois apóstolos profetas da Igreja - Por frei Gilvander - Na luta por
Direitos (Vídeo) - 11/7/2020.
Paulo e Pedro, dois grandes pilares e bússolas
do cristianismo. Os dois se identificaram totalmente com o projeto do evangelho
de Jesus Cristo, seguindo o mestre radicalmente, orientados pela Boa Notícia
que o Galileu anunciava aos pobres. Pedro e Paulo terminaram a missão
martirizados, segundo a tradição da Igreja.
*Texto e filmagem de frei
Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs, do CEBI, do SAB e da assessoria de
Movimentos Populares. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG.
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43ª Romaria da terra do Rio Grande do Sul, em Mormaço, Diocese de Cruz Alta, dia 25/02/2020. Divulgação / www.diocesecruzalta.com.br
Assim como há ciências, há também teologias que sistematizam a luta pelo bem comum a partir de uma fé emancipatória – fé no Deus da vida e no Evangelho de Jesus Cristo. Na realidade conflituosa e contraditória da sociedade capitalista em que vivemos, marcada por uma das maiores concentrações fundiárias do mundo e por um povo religioso, torna-se necessário analisar a luta pela terra também sob o ponto de vista da teologia bíblica. Em inúmeras passagensbíblicas, as profetisas e os profetas bradam, em nome do Deus da vida: “Queremos a justiça e o direito”! Isso não se mendiga, conquista-se na luta coletiva e organizada.
Há na Bíblia muitos textos de denúncia da grilagem de terras como, por exemplo: "Não removerás os marcos de teu próximo do lugar em que os puseram teus pais para delimitar a herança familiar, no país que o Senhor teu Deus te dará em posse” (Deuteronômio 19,14); "Maldito aquele que remover os marcos da herança do seu próximo” (Deuteronômio 27,17); "Os maus removem os marcos dos terrenos” (Jó 24,2). Na Bíblia a terra aparece como sendo herança de Deus, algo que deve passar de pai para filha/filho, não pode ser vendida, pois não é mercadoria.
Para os povos indígenas “a terra é sagrada, nela se baseia a organização tribal. Entre os tapirapé, os mortos são enterrados dentro das casas em que viveram e onde continuam vivendo os seus parentes” (MARTINS, 1983, p. 117). No livro Os Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político, José de Souza Martins recorda: “A um tapirapé a ideia de sepultar o morto fora da casa em que viveu causa o mesmo terror que causaria a nós a ideia de enterrar os nossos mortos dentro de casa. Seria sinal de abandono do morto por seus parentes, motivo para que viesse assombrá-los. Por isso, a troca ou venda da terra não faria nenhum sentido para um tapirapé, porque significaria, entre outras coisas, o abandono de seus parentes mortos e a quebra dos eixos de sustentação da sua sociedade” (MARTINS, 1983, p. 118).
Na luta pela terra estão envolvidas não apenas questões políticas e econômicas, mas também questões religiosas. Exemplo disso foi que o Estado, por meio da polícia militar, assassinou o monge José Maria em 22 de outubro de 1912. Após sua morte, a guerra do Contestado cresceu muito e se alongou até 1916.
As mulheres parteiras do Egito – a Bíblia registra os nomes de duas: Séfora e Fuá (Êxodo 1,8-22) -, diante de uma “medida provisória” de um faraó (semelhante a um Decreto-Lei) que mandava matar no momento do nascimento as crianças do sexo masculino, organizaram-se e fizeram greve e desobediência civil, política e religiosa. “Não vamos respeitar uma lei autoritária do império dos faraós. O Deus da vida quer respeito à dignidade da pessoa humana e não concorda com a matança de crianças e com nenhuma opressão”, devem ter dito em seus corações as Mulheres do ‘sistema de saúde’ sob o imperialismo egípcio. Diz a Bíblia: “Deus estava com as parteiras. O povo se tornou numeroso e muito poderoso” (Êxodo 1,20), isto é, crescia em quantidade e em qualidade.
Em meados do século IX antes da era cristã, época do profeta Elias, intransigente defensor dos camponeses, a monarquia reinante na Palestina estava reforçando a latifundiarização do país. As pequenas propriedades estavam sendo expropriadas pelos grandes proprietários, entre os quais os detentores do poder político monárquico. Nesse contexto, a Bíblia narra um episódio exemplar. O rei Acab e sua esposa Jezabel cometeram crime de usurpação investindo para açambarcar a pequena propriedade de um posseiro chamado Nabot, nome que significa, em hebraico, aquele que (se) doa. Nabot rejeitou trair os valores dos camponeses da época: “Javé me livre de ceder-te a herança dos meus pais!” (I Reis 21,3). O rei Acab se irritou com a resistência de Nabot. Jezabel, rainha adepta do ídolo Baal – deus da chuva e da fertilidade -, manipulou a religião e a justiça para roubar a terra do posseiro. Caluniou, criminalizou e demonizou Nabot que, com o beneplácito do sistema judiciário da época, foi condenado à pena de morte por apedrejamento. Porém, como a expropriação dos camponeses e o sangue dos mártires suscitam a atuação veemente de profetas, ao ouvir que o rei Acab estava invadindo a pequena gleba do posseiro Nabot, após tê-lo matado, apareceu o profeta Elias e, em alto e bom som, profetizou: “Você matou, e ainda por cima está roubando? Por isso, assim diz Javé (Deus solidário e libertador): No mesmo lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabot, lamberão também o seu. Farei cair sobre você a desgraça” (I Reis 21,19.21). O profeta Elias foi veemente na condenação da ação do chefe da monarquia (I Reis 21,17-26). A compreensão da terra como pertencente a Deus permeia e perpassa toda a Bíblia. Por exemplo, no livro de Levítico se afirma: “Assim disse Javé, o Deus da Vida: A terra não será vendida, pois que a terra me pertence” (Levítico 25,23).
O profeta Miqueias nasceu no interior de Judá, sul da Palestina, e atuou entre os anos 725 e 696 antes da era cristã. Miqueias foi provavelmente um camponês empobrecido, marginalizado e vítima de processo de expropriação pela falta de apoio à agricultura camponesa. Miqueias denunciou a cobiça e as injustiças sociais que os dirigentes políticos e religiosos estavam cometendo sobre o campesinato da época. Ele condena a riqueza como fruto da exploração. Profeta dos sem terra, Miqueias defendeu a partilha e a socialização da terra.Vindo do campo, ao chegar à capital Jerusalém, ele se defronta com os enriquecidos – políticos profissionais, especuladores e religiosos funcionários do sagrado -, denuncia a exploração e a expropriação dos camponeses do sul da Palestina. Miqueias, de forma intrépida e contundente, profetiza:“Ai daqueles que, deitados em seus leitos de marfim, ficam planejando a injustiça e tramando o mal! É só o dia amanhecer, já o executam, porque têm o poder em suas mãos. Cobiçam campos, e os roubam. Tomam as casas do povo, oprimem o homem, sua família e sua comunidade; roubam a herança deles, a perspectiva de futuro” (Miqueias 2,1-2).
Para Miqueias, ‘a herança deles’ é a terra, que é roubada. Com o dedo em riste, o profeta acusa os exploradores: “São vocês os inimigos do meu povo: de quem está sem o manto, vocês exigem a veste”(Miqueias 2,8).“Vocês expulsam da felicidade de seus lares as mulheres do meu povo” (Miqueias, 2,9a). “Vocês tiram dos filhos a liberdade que eu lhes tinha dado para sempre” (Miqueias 2,9b). Ele ameaça e condena Israel (o reino do norte da Palestina) e seus chefes exploradores como “aqueles que comeram a carne do povo, arrancaram-lhe a pele...” (Miqueias 3,1-3) e aponta como culpados os militares, os falsos profetas, os chefes, os comandantes, os juízes, os sacerdotes; enfim, a classe dominante da época. Denuncia ainda o profeta Miqueias: “Essa gente tem mãos habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande mostra a sua ambição. E assim distorcem tudo. O melhor deles é como espinheiro, o mais correto deles parece uma cerca de espinhos! O dia anunciado pela sentinela, o dia do castigo chegou: agora é a ruína deles” (Miqueias 7,3-4).
Apesar da opressão e das injustiças contra os camponeses, o profeta Miqueias (e/ou suas/seus discípulas/discípulos), não perde a esperança e anuncia também a utopia que está sendo produzida nas entranhas da luta coletiva pelo bem comum: “Em um campo em ruínas, na Samaria, uma plantação de vinhas – lavouras – será feita.” (Miqueias 1,6). “De suas espadas vão fazer enxadas, e de suas lanças farão foices” (Miqueias, 4,3).[2] Como herdeiro da fina flor libertária da caminhada dos povos da Bíblia, passando pela sabedoria do povo – “Os pobres possuirão a terra” (Salmo 37,11) -, Jesus Cristo ecoa no discurso da montanha a utopia da terra partilhada e socializada com quem precisa: “Felizes os humildes, porque herdarão a terra” (Mateus 5,4). Portanto, a luta pela terra não é apenas uma questão política, mas também uma questão de fé, espiritual e profética. Feliz quem dela participa[3].
Referências
MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 2ª edição. Petrópolis: Vozes, 1983.
MOREIRA, Gilvander Luís. Profeta Miqueias, um camponês que clama por Justiça(Mq 1-3). p. 37-42. In: AMARAL DA COSTA, Julieta (Org.). Em tempos difíceis, o profeta Miqueias aponta saídas: uma leitura do livro de Miqueias feita pelo CEBI-MG. São Leopoldo/RS: CEBI, 2016.
07/7/2020.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Acampamento Dênis Gonçalves, do MST, em Goianá, MG - luta pela terra. Frei Gilvander - 26/8/2010.
2 - Acampamento Eloy Ferreira, do MST, Engenheiro Navarro/MG: luta pela terra. Frei Gilvander. 02/9/2010
3 - MST na luta pela terra no sul de MG - Grito dos Excluídos - Frei Gilvander/luta por direitos/07/9/10
4 - Palavra Ética: Luta pela terra e por moradia em Pirapora e em Santa Luzia, MG. E Leonardo Boff.
5 - 160 famílias na luta pela terra em Pirapora, MG, há 20 anos. Despejar é injusto/violência. 17/2/2020
6 - CEBs na luta pela terra com o MTC em Córrego Danta, MG: Fé e luta por direitos. Vídeo 3 - 16/8/2019
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. também MOREIRA, Gilvander Luís. Profeta Miqueias, um camponês que clama por Justiça(Mq 1-3). p. 37-42. In: AMARAL DA COSTA, Julieta (Org.). Em tempos difíceis, o profeta Miqueias aponta saídas: uma leitura do livro de Miqueias feita pelo CEBI-MG. São Leopoldo/RS: CEBI, 2016.
[3]Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.
Estudo
- Em três décadas Amazônia perde o equivalente aos estados de SC, PR, SP, RJ e
ES - JN - 02-7-2020.
Estudo: em 3 décadas, Amazônia perdeu área
equivalente aos estados de SC, PR, SP, RJ e ES. O Mapbiomas pesquisou a área
conhecida como Pan-Amazônia, região da floresta que alcança nove países:
Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname Guiana e Guiana
Francesa. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram
que a destruição da Amazônia está aumentando. Em relação ao número de
queimadas, este foi o pior mês de junho em 13 anos. - Reportagem do Jornal
Nacional dia 02/7/2020.
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Zé
Vicente e Dom Vicente Ferreira - Versos e Preces - Parte I - Espiritualidade
profética - 24/6/2020.
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Coronavírus:
Argentina dá de goleada no Brasil no enfrentamento à pandemia - Por frei
Gilvander - 1º de julho de 2020
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