Contaminação
e Guerra de Extermínio contra os Povos Indígenas -
pestes,
armas biológicas e o COVID-19.
Por
Alenice Baeta[1]
Ilustração de nativos com varíola, extraída da obra original: SAHAGÚN, Bernardino. “História General de las Cosas de Nueva Espana”, Códice Florentino (séc. XVI). Biblioteca Digital Mundial. |
A revista
científica Science
Advances divulgou,
em 2016, importantes informações sobre o passado dos povos nativos americanos.
Trata-se de resultados de pesquisa de um grupo de cientistas[2] do Instituto Max Planck para a Ciência da História
Humana, Alemanha, que analisou amostras de cabelo, dentes e ossos de 92
restos mortais humanos encontrados em distintos sítios arqueológicos da América
do Sul. Estes sequenciaram o genoma mitocondrial,
ou melhor, a parte do DNA que passa de mães para os filhos e o compararam ao de
populações atuais da América do Sul.
Dentre outros resultados sobre seus modos de vida, foi indicado que parte expressiva
de antigas populações indígenas teria sido aniquilada depois da chegada dos
conquistadores espanhóis. Em entrevista ao jornal El Pais[3],
o coautor
do estudo Wolfgang Haak pondera
o seguinte: “não determinamos qual porcentagem de
população desapareceu, mas vimos que a conquista teve efeitos devastadores na população
local já que, em alguns pontos da costa oeste da América do Sul, pelo menos
metade desapareceu”.
Guerras de
extermínio, arsenal bélico, expulsão de territórios tradicionais, violência e
escravização, perpetradas pelos colonizadores europeus contra os povos nativos,
além de desmatamento, queimadas, secas, desnutrição, fome, contaminação das
águas, do solo e abatimento psicológico foram eventos que propiciaram parte da
dizimação da população nativa. Todavia, doenças infecciosas, muitas delas trazidas
voluntária e involuntariamente pelos invasores europeus, se alastraram neste
cenário socioambiental de caos e conflitos, tendo sido também uma importante causa
na dramática mortandade de indígenas na América no período colonial, como
também em períodos seguintes. Outros
especialistas[4] em arqueogenética da universidade
alemã Tubingen, associados a pesquisadores mexicanos, concluíram que
quando os espanhóis pisaram em 1519 no que é hoje o território do
México e parte da Guatemala, havia na região mesoamericana pelo
menos 15 a 30 milhões de autóctones, todavia, ao final do século XVI, a
estimativa se aproxima de dois milhões. Visando entender melhor elementos
relativos ao decréscimo populacional ameríndio e o processo de extermínio dos
mesmos associados a pestes e a doenças - no âmbito da imunologia, pesquisadores
focalizaram seus estudos no sítio arqueológico de Yucundaa-Teposcolula. Buscaram entender qual teria sido o agente
patogênico denominado “cocoliztli” (o mal ou pestilência,
na língua
nativa), que propiciou a mortalidade em massa naquela população em consecutivos
períodos ao longo do século XVI, segundo a história oral e crônicas espanholas
da época. Consideraram este sítio arqueológico ideal para este tipo de
abordagem, pois o seu contexto histórico oferecia um ambiente peculiar para a
descoberta do desconhecido
agente microbiano responsável pela dizimação de sua população, tendo em vista que
os
sobreviventes migraram
para outras localidades, fugindo do que os assolava. Isso fez com que as praças,
ruas e também o cemitério da antiga cidade fossem conservados devido ao total abandono. Os arqueólogos encontraram na área da escavação centenas
de corpos
sepultados, muitos deles em grupos empilhados, fora dos padrões tradicionais
mortuários, insinuando que teriam sido enterrados às pressas. Identificaram nos dentes dos indígenas exumados a
presença de uma bactéria, a Salmonella
enterica, conhecida por causar febre entérica, como a febre tifóide. Inferiram
que este teria sido, provavelmente, um importante vetor da catastrófica hecatombe
humana na região (WAIZBORT, 2019).
Segundo Warren
Dean (1996), de todas as armas transportadas nas embarcações dos europeus,
nenhuma foi tão eficaz e funesta quanto os microparasitas disseminados sobre os
povos nativos, considerando importante chave tal tema para se compreender o
curso do imperialismo no Novo Mundo.
Segundo Coimbra Jr.
et al (2007), seria incorreto afirmar que não existiam doenças no
continente americano antes da invasão dos europeus. Por certo os nativos
estavam expostos a muitos padecimentos e agravos, não obstante, houve a
introdução de doenças potencialmente favorecedoras de epidemias e pestes, que
tinham a capacidade de matar grandes contingentes populacionais em um curto
período de tempo. Contrastando com as enfermidades consideradas autóctones, há
evidências de que aquelas que ocasionaram elevados níveis de redução
populacional com a morte de milhares de índios nos primeiros tempos de contato
foram certamente introduzidas nas Américas a partir da colonização europeia,
trazidas de outras partes do mundo. Os agentes patógenos, algumas vezes, passam
despercebidos na análise dos processos de contato, colonização e seus
desdobramentos históricos e socioambientais.
Muitos indígenas acreditavam inicialmente
que as novas e desconhecidas enfermidades que os acometiam eram provenientes da
punição de seres celestiais e naturais. Foram culpados de forma oportunista pelos
colonizadores, pelos novos males que lhes grassavam, por serem politeístas ou
pela dita "falta de alma", por não serem pessoas cristãs. As misteriosas
pestes foram muito bem exploradas no processo de colonização e de diáspora. As doenças do além-mar provaram ser excepcionalmente
mortíferas a partir do intercâmbio de
micro-organismos e também de diferentes animais que ali aportaram trazidos nas
caravelas.
Segundo o
historiador A. Crosby, autor da obra: “Imperialismo Ecológico - a expansão
biológica da Europa”[5], as
doenças foram trazidas por uma “biota portátil” pelos vorazes colonizadores,
responsáveis por expulsar e desencadear a eliminação de parte da flora, fauna e
habitantes nativos de distintas regiões, não só da América, mas de outras
partes do mundo. Nesta mesma esteira, o ecólogo e linguista J. Diamond, autor
das obras “Armas, Germes e Aço” (2009) e “Colapso” (2005), discute a
importância de dar luz à incidência de pestes no continente americano, o que
ajudaria a compreender um suposto padrão histórico de contato e de expansão de
fronteiras sobre as populações nativas[6].
“A importância dos micróbios letais na história
humana é bem ilustrada pelas conquistas europeias e o despovoamento do Novo
Mundo. Muito mais ameríndios morreram abatidos pelos germes eurasianos do que
pelas armas e espadas europeias nos campos de batalha. Esses germes minavam a
resistência indígena matando grande parte dos índios e seus líderes e abalando
o moral dos sobreviventes” (DIAMOND, 2009: 77).
Fundamental, em
contraponto, para não cairmos em um determinismo imunológico em contextos tão
complexos e heterogêneos, considerar, sobretudo, os agentes políticos,
econômicos e sociais presentes no processo de dominação colonial e neocolonial,
as distintas conjunturas e temporalidades, como bem ponderado por Calahan
(2005) e Livi-Bacci (2003; 2007). Imprescindível ainda considerar que a
ecologia nativa foi severamente impactada tendo em vista que os indígenas
tiveram seus territórios invadidos, impossibilitando o acesso livre a certos
ambientes e biomas, fundamental para a sua medicina tradicional, manejo, dieta
alimentar, práticas sociais, culturais, místicas e cosmológicas.
Segundo os especialistas em
paleopatologia[7], a
doença mais devastadora na América pós-desembarque dos europeus foi a varíola ou o “mal das bexigas”, mas houve outras imolações
mortíferas tais como o sarampo, tifo, peste bubônica, febre amarela, rubéola, catapora, malária, pneumonia e gripes. As epidemias tiveram
efeitos muito diferentes em distintas partes das Américas, e muitas vezes acometiam
variadas comunidades nativas ou tradicionais em uma mesma ocasião. Não é o caso de ‘uma’ epidemia que chega ao
território de uma população imunologicamente virgem, mas de populações expostas
a muitos patógenos diferentes, às vezes, simultaneamente (WAIZBORT,
2019:931).
A médica
brasileira C. Gurgel (2009) em sua tese de doutorado abordou a história das
doenças contagiosas, dentre elas, a varíola (Mereba-ayba, na língua Tupi) no contexto do processo de colonização
e os decorrentes colapsos populacionais das comunidades nativas no Brasil.
“A varíola, provavelmente originária da
Índia, chegou à Europa durante a Idade Média trazida pelos sarracenos, deixando
um rastro de morte por onde passasse. Era uma velha inimiga na Ásia e África,
cujas populações desde tempos imemoriais invocavam divindades protetoras como
Sitala Mata (Índia), Ma-Chen e Pan-Chem (China) e Sopona (África – yorubás); no
Brasil foi introduzido com os nomes de Omulu e Obaluaê), mas a moléstia era
totalmente desconhecida nas Américas” (GURGEL, 2009: 123).
Gurgel (2009)
destaca em sua pesquisa um importante registro etnográfico de uma epidemia de
gripe no Brasil, possivelmente suína, vinda com as embarcações europeias que teria
ocorrido no ano de 1554 na capitania de São Vicente, sendo que seus efeitos
foram testemunhados e descritos pelo aventureiro e mercenário alemão Hans
Staden na obra “Duas Viagens ao Brasil”, em 1557. Na ocasião, enquanto
prisioneiro de uma tribo tupinambá, ele notou o adoecimento e a morte de
famílias indígenas inteiras, sem que ele mesmo sequer adoecesse; quando relatou
como o Deus cristão ganhou força e fama diante do desespero indígena, tanto
entre os nativos quanto entre os colonos.
As reduções, as
missões e os aldeamentos aglomeravam os indígenas, os expondo ainda mais ao
fatal contágio de várias doenças, antigas e novas. A mais temida, a varíola podia
manifestar-se sob uma forma fulminante, a “púrpura variolosa”, cuja vítima era
rapidamente levada à morte sem que houvesse tempo para a erupção de lesões e
pústulas - tendo matado milhares de nativos. No Brasil, as epidemias variólicas
seguiram seu curso ao longo dos séculos, em sucessivos surtos e irromperam em
diferentes regiões, todos iniciados a partir de portos, polos comerciais e econômicos
da colônia e do império (GURGEL, 2009).
O naturalista A.
Saint-Hilaire (2002) relata em uma de suas viagens à região sul do Brasil
imperial, em 1821, o abandono e o desamparo, certamente proposital e programado
por parte dos administradores locais, dos enfermos indígenas nas missões, pois
a varíola vinha sempre em nocivas ondas, sendo um grande flagelo na mesma.
“Desde o tempo dos jesuítas, ela vem de três em três
anos, arrebatando vidas. Sabe-se que essa moléstia, em geral, poupa menos os
índios que os homens doutras raças. [...] O Marechal Chagas jamais procurou
introduzi-la (vacina) entre os índios das Missões e mesmo após haver
testemunhado o mal causado pela varíola não se preocupou em antecipar-se contra
o retorno do flagelo” (SAINT-HILAIRE, 2002: 366).
Alguns colonos
acharam na manipulação e disseminação de doenças um meio propício e eficaz para
combaterem os índios que resistiam às investidas e às invasões de seus
territórios, impedindo o domínio colonial e a submissão de seu povo e de seus
aldeamentos. Deixavam perto das aldeias ou em seus caminhos tradicionais mudas
de vestes, alimentos e objetos contaminados de pestes visando o padecimento de
seus membros – tratava-se de uma mortífera arma biológica.
“Cientes que roupas de variólicos podiam
transmitir o mal, os colonizadores propositadamente deixavam-nas próximo às
aldeias cuja população queriam destruir. Deram origem a uma arma biológica das
Américas e estas práticas nefastas, longe de serem exceções, perpetuaram-se nos
séculos seguintes. Em 1799, um ofício do ouvidor de Ilhéus, Balthazar da Silva
Lisboa, informava das doações destas vestimentas e suas fatais consequências aos
índios” (GURGEL, 2009).
No início do século XIX, o médico e botânico
Von Martius (1939) advertiu sobre peças do vestuário “inficionadas” ou
infectadas propositalmente, deixadas por imigrantes europeus, colonos e
portugueses nas matas e proximidades de aldeias e ranchos como forma
“maliciosa” de revide por conta dos ataques dos índios - considerados
obstáculos para a dita civilização. As pestes invertiam, muitas vezes, o
resultado de muitas batalhas e combates cuja vitória nativa parecia de antemão certa
(ALMEIDA & NOTZOLD, 2010: 3).
Já na porção
norte do Brasil, no Maranhão, em 1815, há relatos que índios Canelas Finas foram
atraídos pelas autoridades locais com o único intuito de lhes presentear com
brindes e roupas previamente contaminadas por doenças e pragas (GOMES, 1988).
No século XX, há
também denúncias da utilização de disseminação de agentes etiológicos contra
diversas tribos indígenas mato-grossenses que habitavam áreas de extração de
borracha, entre os anos 1957 e 1963, bem como de inseminação programada de
tuberculose em aldeias do Norte da Bacia Amazônica, entre 1964 e 1965, já na
ditadura empresarial-civil-militar (DAVIS, 1978). Poderia ser aqui listada uma
série de situações de contágios propositais de povos indígenas, mas ainda cabe
alertar sobre a incidência devastadora de atividades de mineração, desmatamento
e implantação de projetos de desenvolvimento em territórios ou próximos a estes
que são particularmente preocupantes, pois deixa a população indígena mais vulnerável.
Nesses contextos, elevadas taxas de morbidade e mortalidade por causa de
inúmeros tipos de doenças infecciosas, dentre elas a malária, têm sido
observadas por agentes da área de saúde. Outro agravante ambiental com consequências
dramáticas para a saúde indígena e de povos tradicionais decorre da
contaminação pelo mercúrio utilizado em garimpos de ouro.
O caso dos Yanomami,
em Roraima, ocorrido nos decênios 80 e 90 do século XX, segundo Coimbra Jr.,
especialista em antropologia médica, é ilustrativo de uma epidemia de malária
causada pela invasão de garimpeiros, e consequente de degradação ambiental no território
indígena, favorecendo a transmissão de malária e parasitas resistentes aos
quimioterápicos usuais, levando muitos indígenas a óbito. Ainda alerta sobre a precariedade
das condições de saneamento de muitas aldeias indígenas, pois raramente os
postos indígenas, onde convivem funcionários administrativos, agentes de saúde,
escolares e visitantes, dispõem de infraestrutura sanitária adequada. Tal
cenário também apresenta condições favoráveis à transmissão de helmintos e
protozoários intestinais que propiciam a contaminação da água de consumo e dos
alimentos por enterobactérias e rotavírus (COIMBRA Jr. et. al., 2007).
Atualmente, há denúncias que haja, somente nas terras dos Yanomami, aproximadamente
30 mil garimpeiros invasores.
No que se refere ao COVID-19, esta modalidade do novo coronavírus é certamente
mais um grande risco infeccioso, mas como exposto, os povos indígenas são
ameaçados constantemente por vírus, bactérias e outras tipos de enfermidades ao
longo de sua história, e na grande maioria dos casos, com a conivência, negligência
e interesse dos próprios governantes.
É de conhecimento público que o atual presidente do Brasil é
declaradamente contrário aos povos indígenas e tradicionais por meio de repetidos
pronunciamentos que afrontam os seus direitos. Direitos previstos não somente
na Constituição Brasileira de 1988, como também na Declaração das Nações Unidas
sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, e na
Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, de 1989, Organização
Internacional do Trabalho (OIT) da ONU.
O desaparelhamento que se
arraigou em 2019 da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), da Agência Nacional de Mineração (ANM) e a
redução dos controles por parte da polícia federal e do exército, permitiram o
aumento de garimpos ilegais, grilagem de terras e exploração ilegal de madeira na região amazônica, sendo que o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aponta que as áreas desmatadas
praticamente dobraram na Amazônia, saltando de 2.649 quilômetros quadrados,
para 5.076 quilômetros quadrados.
A saída
inaceitável dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos gerou, em 2019, uma deficiência ainda maior no
atendimento aos indígenas, tendo em vista que parte dos
profissionais atuava em comunidades indígenas, o que já teria causado o aumento
em 12% da mortalidade de crianças, associada ao desmonte dos programas de saúde
indígena, tendo ainda aumentado a dificuldade de acesso à medicação e exames,
em geral. Importante reiterar que as doenças do aparelho respiratório ainda continuam
sendo a principal causa de mortalidade infantil na população indígena,
acendendo um sinal vermelho com relação ao COVID-19. As comunidades
indígenas, tanto na Amazônia como no restante do país, contam basicamente com o
trabalho incessante de suas lideranças, de entidades indigenistas e
ambientalistas, bem como, de alguns profissionais de saúde comprometidos em
travar esta guerra contra mais esse inimigo invisível, entretanto, faltam
equipamentos de proteção individual (EPIs), vacinas contra a gripe H1N1 e
material para testagem do novo coronavírus em pessoas que apresentam sintomas
de contaminação.
Mais uma prova cabal deste quadro alarmante de desmantelamento
programático da política indigenista foi a publicação da Portaria nº 419/PRES,
de 17 de março de 2020, que estabelece medidas temporárias de prevenção à
infecção e à propagação do novo coronavírus (COVID-19) no âmbito da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI). Chamou a atenção de indígenas e indigenistas, artigo
que trata especialmente sobre as comunidades isoladas, certamente as mais
vulneráveis nesta situação de pandemia. O artigo 4º suspende todas as
atividades que “impliquem em contato com comunidades indígenas isoladas”.
Porém, o parágrafo único abre uma exceção: “caso a atividade seja essencial à
sobrevivência do grupo isolado, deve ser autorizada pela CR por ato
justificado”. Em reação a esta portaria foi divulgada uma nota[8]
de repúdio pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), de 19 de março de
2020, onde se destaca o seguinte trecho:
“Sob o
governo de Jair Bolsonaro, a atuação da FUNAI tem destoado totalmente da sua
missão, na contramão do que é seu papel institucional como órgão indigenista,
voltando-se, contraditória e criminosamente, aos interesses anti-indígenas do
agronegócio, do capital predador e do fundamentalismo religioso. Distancia-se,
assim, dos interesses e da proteção das populações indígenas, de suas
aspirações e de seus direitos, conquistados com muita luta e muito sangue
derramado. Nesse período de profunda crise de saúde pública, não podemos permitir
que outros interesses sejam facilitados para adentrar os territórios, colocando
em risco de vida toda a população indígena. Portanto, nos somamos a outras
instituições na recomendação e exigência da retirada de toda e qualquer
possibilidade de entrada nos territórios dos povos isolados e de contato com
essas populações (...)”.
Frente a este cenário de necropolítica, as entidades e associações dos
povos indígenas estão se mobilizando como podem no sentido de proteger e
informar as comunidades indígenas e suas aldeias, visando seguir as orientações de isolamento físico e
de quarentena dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A principal
reivindicação é a formação de um comitê específico participativo de crise interinstitucional
para a proteção das vidas dos indígenas, sob direção do Ministério Público
Federal (MPF). A Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)[9],
inclusive, informou o adiamento presencial do Acampamento Terra Livre (ATL) de 2020, em
Brasília, que ocorreria dentro da programação do Abril Indígena, importante evento
de mobilização e articulação política panindígena realizada no Brasil há quinze
anos, que costuma reunir milhares de lideranças e indígenas de distintas
regiões do país, como também do exterior. Está sendo proposto em substituição, o
virtual “Abril Vermelho”, mobilização em rede dos povos e entidades
comprometidas com a pauta e luta indígena. Foi ainda criada pela ONG Instituto
Socioambiental (ISA) uma plataforma[10]
de monitoramento e de consulta a respeito da situação
indígena junto à pandemia do COVID-19 no Brasil. Tais informações e
dados vêm sendo divulgados com base nos boletins emitidos pela Secretaria
Especial de Saúde Indígena (SESAI-MS).
Recentemente, as lideranças e
“guardiões” indígenas vêm se empenhando heroicamente em várias localidades do
país em realizar um plano de contenção e de barreiras visando monitorar o
isolamento das aldeias e expulsar os invasores de seus territórios, impedindo o
avanço de atividades clandestinas e da degradação ambiental, o que vem
agravando ainda mais os conflitos, violência, falta de suprimentos e insumos,
fome, morte e diversos tipos de contaminação.[11]
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Sites Consultados
[1] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP;
Pós-Doutorado Arqueologia e Antropologia-FAFICH/UFMG; Mestre em Educação pela
FAE/UFMG; Historiadora e Membro da ONG CEDEFES (Centro de Documentação Eloy
Ferreira da Silva – www.cedefes.org.br – :
e-mail: alenicebaeta@yahoo.com.br
[2] LLAMAS, B. et al.
(2016)
[4] VAGENE, A. et al. (2018).
[5] CROSBY, A. W.
(2011).
[6] Argumenta, como
exemplo, que a vitória do explorador espanhol F. Pizarro em Cajamarca em 1532 sobre
os Povos Incas teria sido também precipitada por uma epidemia de varíola e
desunião de suas lideranças, quando foram mortos somente em uma batalha pelo
menos cinco mil guerreiros incas (DIAMOND, 2009: 77).
[7] Ramo da Ciência que estuda as doenças
pré-coloniais e ancestrais por meio de ossos, múmias e vestígios arqueológicos.
[9] A Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil é uma associação nacional de entidades que representam os povos
indígenas do Brasil.
[11] Gratidão a Gilvander Luís Moreira (graduado
em Filosofia e Teologia, mestre em Ciências Bíblicas e Doutor em Educação pela UFMG),
que fez a revisão deste texto.