quarta-feira, 8 de abril de 2020

Brasil-Colônia no século XXI em queda livre. Até quando?


Brasil-Colônia no século XXI em queda livre. Até quando?
Por Alenice Baeta[1] e Gilvander Moreira[2]



Artigo publicado na revista Science demonstra que “o desaparecimento da  biodiversidade global é, atualmente, mil vezes mais veloz do que se ele acontecesse naturalmente, sem o impacto do homem. É uma taxa muito maior do que a estimada anteriormente, em 1995, quando estava em cem vezes”[3]. Não é toda e qualquer pessoa que está impactando o planeta Terra, mas o ‘homem capitalista’, um devastador por ser idólatra do mercado e, consequentemente, da acumulação de capital. Com Bolsonaro incentivando, os madeireiros e ruralistas desmatando e queimando a Amazônia, dizimando o cerrado que existia em 14 estados, com agronegócio e monoculturas com irrigação desenfreada, com uso indiscriminado de agrotóxicos e, como consequência, urbanização sempre crescente, os animais do campo estão ficando sem habitat e estão sendo forçados a migrar também para as cidades, o que já está comprovado por várias pesquisas de doutorado. Este cenário nos diz que o progresso e o desenvolvimento econômico capitalista criaram as condições objetivas para o aparecimento do coronavírus e, pior, se não for interrompido esse modelo ecocida e genocida, outras pandemias mais letais surgirão. Necessário se tornou frearmos o consumismo e a produção industrial e econômica do que for supérfluo. À beira da extinção da espécie humana, tornou-se não apenas ético, mas necessário, cultivar estilo de vida simples e austero. “Viver com o mínimo e ter mais liberdade”, nos ensinam os hippies (Artesãos de rua, Malucos BR).
A pandemia do coronavírus, que causa a COVID-19, tirou todas as máscaras dos capitalistas neoliberais, neocolonialistas, melhor dizendo. As políticas neoliberais de privatização e de redução do Estado o fazem “mínimo” para o povo em termos de políticas públicas, mas ‘máximo’ em termos de repressão.  Com a diminuição dos investimentos públicos em saúde, educação, habitação, transporte e outros, com a privatização das empresas estatais e dos serviços públicos, o Estado ficou incapaz de salvar vidas do povo que agora está com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça: o coronavírus que já matou em todo o mundo mais de 70 mil pessoas, no Brasil mais de 700. A idolatria do capital e do mercado está se revelando como arma mortífera que mata milhares de pessoas só no Brasil, todos os anos. Por que o governo federal e o congresso nacional não cancelam a Proposta de Emenda Constitucional n. 95 aprovada - a que congelou os investimentos em saúde, educação e assistência social por 20 anos? Porque praticam a necropolítica, um novo tipo de nazifascismo que mata cotidianamente em uma guerra onde as vítimas são só os empobrecidos, além de pessoas não produtivas, sejam idosos ou com baixa imunidade. Só em 2019, por causa desse covarde congelamento dos investimentos em Saúde Pública, Educação Pública e Assistência Social, 20 bilhões de reais foram sonegados ao SUS. Por isso, faltam leitos, UTIs, respiradores artificiais, máscaras, médicos, enfermeiros etc. Se não for abolida a PEC 95, em 20 anos, quantas pessoas serão mortas por não encontrar acolhida em hospitais? Milhões, certamente.
Sob modelo capitalista neoliberal (neocolonial), o Estado Brasileiro, em 2019, de um orçamento total no valor de R$ 2,711 trilhões, reteve mais de 38% do orçamento (mais de 1 trilhão de reais[4]) para repassar para banqueiros como pagamento de juros e amortizações da infame dívida pública, fruto de agiotagem. Eis mais uma injustiça e covardia contra os pobres no Brasil. Assim se reproduz uma das maiores desigualdades sociais do mundo. Isso comprova que, de fato, temos no Brasil uma elite escravocrata, bélica e geronticida, que tem o deleite em humilhar, torturar e matar, com requintes de crueldade. Por isso, toda a ostentação da elite está enxovalhada de suor e sangue da classe trabalhadora, como os milhões de indígenas e negros escravizados.
Estudo da UFRJ e da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) analisou 1,2 milhão de tuites a favor do (des)presidente Bolsonaro e concluiu que 55% de publicações pró-Bolsonaro são feitas por robôs. Este dado demonstra de forma inequívoca que as pessoas bolsonaristas são não apenas ingênuas, mas disseminadoras de mentiras que matam e disseminam o ódio. O Evangelho de João afirma: “a verdade liberta” (João 8,32), mas “a mentira mata, é coisa diabólica” (João 8,44), macabra.
Liberar apenas R$600,00 para cada trabalhador, a conta-gotas, é esmola para frear a rebelião popular que a fome trará. As panelas já estão vazias. É injustiça hedionda o repasse imediato de bilhões para os banqueiros salvarem seus bancos que fazem agiotagem com capa de legalidade.
O desgoverno federal está escondendo uma verdade muito perigosa e mortal. Um secretário do Ministro da Saúde, no afã de questionar o prolongamento da quarentena que está sendo feita graças à postura ética e responsável de vários governadores, disse que todos devem se imunizar com o coronavírus, que o contágio comunitário só diminuirá quando pelo menos 50% da população já tiver contraído o vírus. Disse que parte das pessoas nem vai ficar sabendo que contraiu o vírus, pois nem sintomas estas pessoas terão. Outros terão os sintomas e uma porcentagem menor precisará ser internada e precisará de respirador artificial, o que está em escassez nos dois sistemas de saúde no Brasil, no SUS e na rede privada. Além disso, o desgoverno federal está omitindo a informação da Organização Mundial da Saúde (OMS), respaldada por cientistas idôneos, que demonstra que, no mundo, cerca de 2% dos que contraem o coronavírus acabam morrendo. Mais grave: o Ministério da Saúde informou dia 07 de abril que no Brasil a taxa de mortos entre os que contraem o coronavírus está sendo de 4,9%. No Brasil, com 212.000.000 (duzentos e doze milhões) de pessoas, 4,9% significam 10.388.000 (dez milhões e trezentos e oitenta e oito mil) pessoas. Então, se o povo brasileiro aceitar seguir o que o desgoverno federal está propondo, antes dos pesquisadores descobrirem remédio ou vacina, de fato, eficaz, é preciso que saibam desta verdade que está sendo escondida: o número de mortos no Brasil poderá chegar a 10.388.000 pessoas, não apenas pessoas idosas, diabéticas, com câncer, cardíacas, quem está com baixa imunidade, do grupo de risco, mas também pessoas aparentemente saudáveis, que já estão entre os mais de 700 mortos, nesse país continental. Propor seguir um caminho que pode levar à morte mais de mais de dez milhões de pessoas, só no Brasil, é ‘brincar com fogo’, é amar o capital e não a Deus. Por isso, Jesus disse: “Não se pode servir a dois senhores: a Deus e ao capital” (Mateus 6,24). Neste cenário perigoso, ficar em casa, em quarentena, até que se descubra remédio ou vacina capaz de impedir que pessoas morram de COVID-19 é imperativo ético e necessidade vital.
Estamos presenciando um projeto patológico de mentiras ou fakes, também chamado de pseudologia robótica, perpetrado pelos bolsonaristas nazifascistas que adoeceu parte da população brasileira,  com o apoio de partidos políticos aliados, de milícias, militares, ruralistas, e claro, de agentes do Ministério Público em suas instâncias estadual e federal e do Supremo Tribunal Federal (STF) - ou melhor, toda a corja da direita que coaduna com o desmantelamento da democracia e das políticas públicas do país. Presenciamos a destruição da saúde pública, da educação pública e da pesquisa científica. Lembremos da covarde expulsão dos dez mil médicos cubanos, aplaudida por alguns insanos. Tudo promessa de campanha e, acreditem, muitos votaram no atual presidente sabendo que esta catástrofe, entre outras, iria mesmo acontecer.  Não há máscara que tape esta vergonha, nem álcool em gel que apague este ato. O único compromisso destes meliantes é se tornarem subservientes ao desgoverno xenofóbico de Donald Trump[5], fazendo o Brasil se portar como colônia subalterna dos Estados Unidos. De fato, quem se ajoelha aos interesses dos USA não respeita o povo brasileiro. Afinal, quem apoiou todas as conspirações lideradas por Jair Bolsonaro e por Sérgio Moro em 2017 e 2018?  As atuais agressões ao governo chinês fazem parte deste perverso plano de subserviência colonial ao Tio Sam. Por isso, as tais encomendas brasileiras de equipamentos de prevenção ao coronavírus foram retidas por Trump, em clara alusão à prática da pirataria, pois pilhou e interceptou uma carga encomendada por outro país. Agora esta é a especiaria da vez, como já foram a seda, as ervas e o marfim. Claro, primeiro a metrópole, e se sobrar, talvez seja liberada para a colônia, aqui do sul. Não é assim que funcionam as relações coloniais? Parece que estamos mesmo no período da “Nova Colônia”. Mesmo com a ameaça do presidente americano de impor tarifas à China, em declarada guerra comercial, tempos atrás, agora os produtos chineses são ovacionados pelos americanos e suas relações mútuas se incrementam. Tudo pelos americanos! “America First”! Trump se aproxima ardilosamente de Xi Jinping, presidente da China, que almeja acordos vantajosos. 
O Brasil não parece fazer parte dos principais projetos comerciais da China nas Américas, que ainda se encontra empenhada em estreitar relações e negócios na África, Ásia, Oriente Médio e Europa; a Nova Rota da Seda[6], que agora também tem os equipamentos de Saúde como novo produto em rede. Fortalecida política e economicamente,  em tempos de pandemia, a China parece concentrar suas transações e alianças com o Norte Global (Europa, Reino Unido e América do Norte), como sinalizado pelo governo chinês no último Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, mantendo os investimentos na segurança cibernética, política industrial, projetos de transporte e de infraestrutura e controle de portos em vários locais do planeta, além de pesquisas científicas. Segundo a agência de notícias oficial do governo, a China já teria assinado 173 documentos de cooperação com 125 países e 29 organizações internacionais. A soja exportada pelo Brasil, por sua vez, sempre foi utilizada para o consumo animal na China, pois não atinge os seus padrões rígidos de segurança alimentar. Com o aumento progressivo do uso de  agrotóxicos, piorou ainda mais o interesse em adquirir os produtos alimentares brasileiros, e isto ressoa em todo o mundo.  Mas parece que nem para o bichos chineses serve mais a soja brasileira, depois de tanta agressão do filho do Bolsonaro, do atual chanceler, e, por último, do ministro da (des)educação. Sorrateiramente, Trump negocia a venda de soja estadunidense para a China, em substituição da brasileira. O plano sórdido e macabro continua. As relações bilaterais Brasil-China se arrefecem neste momento de verdadeiro caos e pandemia no Brasil.
Considerando que o crescimento do contágio comunitário pelo coronavírus acontece não apenas em uma progressão aritmética (1, 2, 4, 6, 8, 10 ...), mas em uma progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024 ...), de forma exponencial, se quisermos salvar vidas, temos que agir rápido, antes que aumente muito o número de pessoas infectadas, e colocar em prática todas as medidas que evitam o contágio: ficar em casa, em quarentena, lavar as mãos com frequência, usar máscara quando tiver que sair de casa. Se o contágio não for barrado logo no início, se for disseminado, será quase impossível impedir que todas as pessoas sejam infectadas. 
Apesar dos históricos e insanos bloqueios à  Cuba, em paralelo a este jogo repugnante, os médicos cubanos, de forma solidária e profissional, ajudam de forma heróica o povo italiano a sair de uma grande tragédia epidemiológica e social; muitos, os mesmos que foram expulsos do Brasil no início de 2019. Assim segue o Brasil Colônia no Século XXI... em queda livre. 
Até quando?

08/4/2020.



[1] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Arqueologia e Antropologia-FAFICH/UFMG; Mestre em Educação pela FAE/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - www.cedefes.org.br - : e-mail: alenicebaeta@yahoo.com.br

[2] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[5] Segundo New York Times, Trump é Sócio de empresa que produz a tal da cloroquina. É por isto que Bolsonaro tanto insiste no uso da cloroquina?
[6] A antiga Rota da Seda era composta por inúmeros itinerários que interligavam a Ásia, o Extremo Oriente e a Europa, por onde escoavam produtos e cargas, transportados por caravanas e embarcações oceânicas. Trata-se de antigos territórios comerciais e mercantis onde surgiram diversas cidades e entrepostos (Cf. FRANKOPAN, Peter. As Rotas da Seda – uma nova história do mundo. São Paulo: Ed. Relógio D’Água, 2018).

terça-feira, 7 de abril de 2020

Quando as máscaras caem: política, religiosidade e desavenças entre parentes. Por Gilvander

Quando as máscaras caem: política, religiosidade e desavenças entre parentes
Por Gilvander Moreira[1]



Quem é minha mãe e meus irmãos?” (Mc 3,33), perguntou Jesus Cristo em plena missão no meio do povo. Jesus também brigou com parentes? Desde a última campanha eleitoral, temos ouvido falar de briga entre parentes, em grupos de família no WhatsApp, via telefone ou presencialmente. Como resultado destes embates, parentes se afastam, saem dos grupos de WhatsApp, porque discordam de posturas uns dos outros.  A evolução tecnológica colocou celulares nas mãos da maioria da população. Com isso a comunicação virtual se acelerou e possibilitou revelar o que há de bom nas pessoas, mas também o que há de pior e execrável. Hoje em dia é cada vez mais raro ouvir falar sobre um grupo de família no WhatsApp em que não tenha ocorrido chateação e discórdia entre parentes. Para além do grupo, muitos se bloqueiam definitivamente. 
Ocorre que tudo tem mesmo um limite e diante de tremenda desigualdade social sendo reproduzida cotidianamente, já não dá mais para suportar posturas capitalistas, egoístas, distribuição de fake news (armas de opressão) e a disseminação de visões religiosas absurdas e preconceituosas, que são, na prática, idolátricas.  Difícil tolerar pessoas que usam reiteradamente em vão o nome de Deus e torturam textos bíblicos para tirar conclusões que justificam  discriminação, preconceito e posturas que ofendem os empobrecidos e as maiorias sociais e étnicas no Brasil e no mundo. Não é atitude criminosa e genocida ficar publicando em grupos de WhatsApp de família e em outros lugares fake news e afirmações irresponsáveis e imorais incitando as pessoas a se exporem a se contaminarem e a contaminar outras pessoas com o perigoso coronavírus? Essa atitude diabólica pode levar à morte de milhares de irmãs e irmãos nossos. Isso não pode ser atitude de ser humano e muito menos de quem se diz pessoa cristã. 
Basta de tanta ignorância e analfabetismo político, religioso, econômico, social e ambiental. Não dá para conceber que pessoas possam continuar defendendo o (des)presidente da República diante da realidade que demonstra que ele está desestruturando o país, aumentando a violência e a desigualdade social. Só quem não ama o próximo e está em um oásis ou em uma bolha, longe da realidade dos empobrecidos, ou quem tem como único interesse a manutenção de privilégios ou o usufruto das benesses dessa máquina de moer vidas, que é o capitalismo, pode ainda se apegar em defender o que é indefensável sobre todos os aspectos, como é o caso do     facínora presidente, sua familícia e seus comparsas. 
Causa asco a atitude de quem continua chamando de comunista todos/as aqueles/as que questionam as atrocidades que o (des)presidente vem cometendo diariamente ao longo de seu desgoverno, mas, em especial, no contexto mais recente no qual se espera de qualquer governante o mínimo de competência e humanidade no enfrentamento da pandemia do coronavírus e não atitudes imprudentes e perversas como as que ele vem tomando. Espera-se de um governante, como virtudes essenciais, no mínimo, a prudência, o respeito à imprensa, aos cientistas, em especial, aqueles/as da área da saúde e da infectologia.  Mas, nem isto temos verificado por parte do (des)governo federal no Brasil. Ele e seus asseclas seguem com  ignorância, desmantelando as políticas sociais, educacionais e culturais da plural população brasileira. Ao que tudo indica, a síntese “Quanto pior, melhor” é o retrato fiel do desgoverno e de seus seguidores conhecidos por “gado” que chegam ao limite menosprezando até os nossos anciãos, porque só se interessam pela riqueza que a classe trabalhadora pode produzir para eles.
Não dá para tolerar posturas religiosas alienadas de quem diz que ama a Deus, “Deus acima de tudo”, mas não questiona essa engrenagem de violência que segue matando milhões de pessoas. Muitos falsos pastores, falsos padres, falsos intelectuais e falsos cristãos estão sendo cúmplices de opressores sociais e violências no Brasil, porque reduzem a religião à autoajuda e à idolátrica teologia da prosperidade. Reduzem Deus a um quebra-galho para resolver “o meu problema” ou, no máximo “o problema da minha família”. E os problemas e os sofrimentos dos outros, das outras famílias?  Não devemos ter solidariedade para com quem está sofrendo por ser injustiçado?
O que está matando o povo no Brasil, nos EUA, na Europa, no Japão, na América Latina e na África, é, principalmente, o capitalismo e os capitalistas. Por que não questionar os capitalistas, os banqueiros, a turma do agronegócio? Os donos do agronegócio, por exemplo, com sua ganância desmesurada,  segundo pesquisas científicas, são os responsáveis por mais de 700 mil pessoas contraírem câncer por ano no Brasil, pelo uso indiscriminado de centenas de  agrotóxicos no afã de produzir mais e assim obter maior lucro a qualquer custo, mesmo que este custo seja contabilizado no crescente número de mortes humanas e de outras espécies naturais por doenças diversas que tem nos venenos sua origem. Cegos ou cegados, aqueles/as que levantam essa cortina de fumaça vendo “comunismo” em tudo escondem as verdadeiras causas da injustiça social, da violência e da superexploração do povo e antes, sim, auxiliam a manter o status quo opressor.
Muitos tipos de oração transferem para Deus responsabilidades que são nossas. Rezar ou orar para Deus acudir os desempregados, os doentes ... não pode se tornar uma forma de lavarmos as nossas mãos, como Pilatos, diante das injustiças sociais que causam tantas mazelas e sofrimentos. É contraditório ser capitalista (egoísta, competidor/a, consumista, individualista) e ser pessoa cristã. Ou se é pessoa cristã ou se é capitalista. Não dá para servir a Deus e ao capital, ao mesmo tempo. Segundo o Evangelho de Jesus Cristo, pessoa cristã precisa ser anticapitalista, cultivar estilo de vida simples e austero e ser pessoa que gera fraternidade. Frei Humberto, padre carmelita holandês que trabalhou por mais de 40 anos no noroeste de Minas Gerais, um dia me disse: “A causa principal de todos os sofrimentos do povo é o capitalismo. Por isso, em toda missa que celebro, faço uma prece para que aconteça reforma agrária no Brasil.” Quando entrei para o seminário, em 1981, um frei me disse: “A solução para superar as injustiças sociais no Brasil é acabar com o capitalismo e implantar aqui o socialismo. Só que não podemos dizer isso para o povo, senão seremos considerados subversivos e comunistas”. Por que não podemos discutir o capitalismo, essa máquina de moer vidas? Reproduzir a opressão capitalista sempre pode?
Muitos padres e pastores - pretensos intelectuais também - não questionam o capitalismo e as práticas capitalistas, por ignorância ou porque lhes interessa mentir para o povo para controlá-lo e continuar acumulando riquezas e privilégios por meio de ofertas, como o dízimo, por exemplo. Interessa aos falsos padres e falsos pastores manter o povo na ignorância religiosa e manter postura política covarde, não confessada, mas que apoia quem mata como, por exemplo, aquela adotada pela bancada evangélica no Congresso Nacional, na qual mais de 100 pastores apoiam a bancada ruralista, a do boi, que, pelo agronegócio (monoculturas irrigadas com uso indiscriminado de agrotóxico) está desertificando o Brasil, disseminando doenças diversas, mas, principalmente, o câncer, acabando com as nascentes de água e com espécies animais e vegetais necessárias ao equilíbrio da natureza.
Recordemos sempre: chefes religiosos condenaram Jesus Cristo à morte. Nosso salvador Jesus Cristo foi torturado pelos podres poderes da política, da economia e da religião. Como pode alguém que se diz pessoa cristã defender quem defende tortura, defender quem aplaude milicianos (jagunços), defender quem já liberou mais de 600 tipos de agrotóxicos em 2019, defender quem mente descaradamente e divulga fake news?
Com a quarentena exigida pela pandemia do coronavírus, os capitalistas estão desesperados, porque estão vendo o tanto que dependem da classe trabalhadora. Se os trabalhadores param de trabalhar, o lucro dos patrões se dissolve como castelo de areia na praia. Por isso incitam as pessoas a voltarem ao trabalho e, na prática, a entrar na fila do matadouro, porque sabem que terão prejuízos que querem suprimir, mesmo que a custa de vidas humanas. Isto é necropolítica, é escolher quem deve viver e quem deve ser morto. Não é postura ética, é idolatria do capital e da morte. Quem está alardeando isso ama o ídolo capital.
Ponham o dedo na consciência, por amor às crianças, aos idosos, às pessoas com saúde frágil, ao Deus da vida e às próximas gerações. Parem de distribuir fake news, armas de morte e de insensatez. É preciso conhecer os verdadeiros inimigos e eles estão pousando de “cidadãos de bem”, mas são, sim, cidadãos de bens. Observem o que a Mãe Terra está nos mostrando neste momento tão sensível com a pandemia do coronavírus. O tempo está nos exigindo reflexão, lucidez, conversão e humanização.
Enfim, os véus caíram, as máscaras também. As desavenças entre parentes nos fazem recordar que Jesus Cristo perguntou: “Quem é minha mãe e meus irmãos?” (Mc 3,33). E se voltando para seus discípulos e discípulas, arrematou: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,35). O Evangelho de Lucas explicita: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lucas 8,21). Ou seja, para além dos laços sanguíneos, devemos nos sentir membros da família humana que luta pela construção de um mundo para além do capitalismo, um mundo justo economicamente, solidário socialmente, ético, plural culturalmente, (macro)ecumênico religiosamente, sustentável ecologicamente e responsável geracionalmente. Em fim, até ser encontrado remédio ou vacina para a COVID-19, ficar em casa em quarentena é defender a vida. Eis um imperativo ético do momento gravíssimo que atravessamos[2].

07/04/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Coronavírus - A importância do uso de máscaras de proteção - Dr. Fabiano Hueb - 06/4/2020



2 - Capitalismo nu, por Wilson Ramos Filho, o Xixo - 27/3/2020



3 - Roda Viva com o biólogo Atila Iamarino - 30/03/2020



4 - COVID-19 e o Capitalismo em Estado Crítico - uma conversa com Ricardo Abramovay





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Gratidão à Alenice Baeta, pós-doutora em Antropologia e Arqueologia, e à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fizeram a revisão deste texto.

terça-feira, 31 de março de 2020

Quarentena para salvar vidas. Por frei Gilvander


Quarentena para salvar vidas
Por Gilvander Moreira[1]

Ilustração de Rita Wainer e Júlia Gastin sobre o isolamento social causado pelo coronavírus. Divulgação / Rede Virtual

“Fique em casa!”. Esse é o alerta dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelas autoridades sanitárias sensatas e pelas jurisdições éticas e responsáveis. “Um grito pode salvar a boiada”, diz a sabedoria popular. Ficar em casa, em quarentena, até debelarmos a transmissão comunitária do coronavírus é necessário, vital e imperativo ético. O despresidente do Brasil, que está desgovernando nosso país, por meio de atitudes deprimentes, irresponsáveis e criminosas, ao desdenhar da ciência e da OMS, continua incitando o povo a entrar na fila do matadouro. Ignorem-no! A história nos mostra que a pandemia que teve início em 1918, a do vírus influenza, chamada erroneamente de “gripe espanhola”, infectou 500 milhões de pessoas e matou mais de 50 milhões de seres humanos, um quarto da população mundial à época, há 102 anos, entre 1918 e 1920. O ex-presidente do Brasil, Rodrigues Alves, morreu, vítima desta pandemia, inclusive.
O conto A Roupa Nova do Rei, de Hans Christian Andersen, de 1837, versa sobre um rei ensimesmado e narcísico, que passava o tempo só trocando de roupas e se exibindo. Se dizendo tecelões, dois artistas chegaram diante do rei e prometeram-lhe fazer a roupa mais maravilhosa do mundo, capaz de lhe tornar invisível diante das pessoas que não fossem capazes de exercer as funções reais e diante dos tolos.  O rei pensou: “Com essa roupa controlarei todo o povo, espionando quem é incompetente e serei temido pelos medrosos e aplaudido pelos tolos.” Após o rei fornecer muita seda pura e uma infinidade de fios de ouro, os dois artistas seguiram ludibriando o rei. Despiram-no e lhe fizeram acreditar que estava vestindo uma roupa imaginária maravilhosa. Após, o rei narcísico saiu em cortejo pela cidade, onde muitos temendo contrariá-lo elogiavam mentirosamente a beleza de sua nova roupa. Diz o conto: “Até que subitamente uma criança, do meio da multidão gritou: O rei está nu!!! “Ouçam! Ouçam o que diz esta criança inocente!” - observou o pai a quantos o rodeavam. Imediatamente o povo começou a cochichar entre si. “0 rei está nu! O rei está nu!!”- começou a gritar o povo”.
Grandes empresários, banqueiros, investidores e capitalistas em geral – elite escravocrata -, tal como no conto A Roupa Nova do Rei estão nus e desesperados. Nunca se demonstrou com tanta evidência que é a classe trabalhadora do campo e da cidade que produz tudo com sua força de trabalho a partir da mãe terra e de toda a natureza.  Cegados e obcecados pela ganância em acumular capital, os capitalistas, como capitães do mato, incitam parte da classe trabalhadora a voltar ao trabalho e a abandonar a quarentena. Não caiam nesta armadilha! Eles dizem que o coronavírus é uma ‘gripezinha”, porque querem continuar lucrando e acumulando capital. Eles sabem muito bem que o coronavírus já matou em todo o mundo mais de 38 mil pessoas e matará milhões, provavelmente. No Brasil já são mais de 200 mortos. É hora de combatermos a ignorância e os interesses escusos de quem, de forma criminosa, incita o desrespeito à quarentena. Estima-se que no Brasil, pelo coronavírus, podem morrer de 50 mil a um milhão de pessoas. Portanto, quem está dizendo que o povo não precisa ficar em quarentena, que não deve se precaver, está maquinando a morte de milhares de seres humanos. Isso é necropolítica, é fascismo, é nazismo, é crime de lesa-humanidade. Se a quarentena não for levada a sério por todo o povo brasileiro agora, sem vacilar, quando a mortandade de pessoas se alastrar, teremos que fazer quarentena aos prantos com uma espada de dor transpassando o coração pela morte de muitos parentes, amigos e outras milhares de pessoas, senão milhões, isso só para falar no nosso querido Brasil.
Segundo a Bíblia, as “pragas” do tempo do Êxodo do povo escravizado pelo imperialismo dos faraós do Egito eram pragas, mas também maravilhas. Para os opressores eram pragas, porque desmascarava a violência perpetrada contra o povo e exigia conversão, mas para o povo escravizado eram maravilhas, porque era caminho para a superação da escravidão. Como Deus solidário e libertador, Javé enviou nas entranhas da história uma praga/maravilha propondo conversão. Como a conversão não veio, tornou-se necessário a segunda praga/maravilha e sucessivamente até a ‘décima’ praga/maravilha até a libertação do povo passando pelo mar vermelho. Além do mais, as tais “pragas”, no mundo antigo, não eram castigo de Deus, mas o resultado de situações críticas naturais ou políticas: a fome era o resultado de toda estiagem prolongada e peste nas plantações, assim como a morte dos jovens era o efeito da ação militarista e beligerante dos governantes. Logo, o coronavírus não é castigo de Deus, pode ser praga ou maravilha para a humanidade, dependendo da forma como o encaramos e das lições que tiraremos dessa pandemia. Eliane Brum, uma das melhores jornalistas do Brasil, no artigo O vírus somos nós (ou uma parte de nós), alerta: “O futuro está em disputa: pode ser Gênesis ou Apocalipse (ou apenas mais da mesma brutalidade)”. Brum aponta o rumo: “A pandemia de coronavírus revelou que somos capazes de fazer mudanças radicais em tempo recorde. A aproximação social com isolamento físico pode nos ensinar que dependemos uns dos outros. E por isso precisamos nos unir em torno de um comum global que proteja a única casa que todos temos. O vírus, também um habitante deste planeta, nos lembrou de algo que tínhamos esquecido: os outros existem.”[2]
Na Bíblia, os profetas e profetisas sabem que a palavra profética conduz, às vezes, à conversão de alguns poucos, mas, na maioria das vezes, leva ao endurecimento de muitos, em um primeiro momento. Os oráculos de condenação no futuro, pronunciados com absoluta segurança, refletem a consciência dos profetas de que a advertência seria inútil. Essa consciência dos profetas e profetisas se apresenta, de modo muito claro, por meio do profeta Isaías, em Is 6,9-11: “Então disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis. Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado. Então disse eu: Até quando Senhor? E respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, e as casas sem moradores, e a terra seja de todo assolada”. Oxalá, o povo e as autoridades ouçam o quanto antes o jeito sábio e necessário de lidarmos com essa pandemia, antes que seja tarde.
Se a quarentena for levada a sério, a pandemia do coronavírus nos trará dores de parto e não estertor de morte. Vivamos com serenidade, paz interior, amor no coração e esperança no olhar, essa noite escura da humanidade transformando, como propõe Carlos Rodrigues Brandão, "quarentena" em "recolhimento", "não sair de casa" em "voar com a imaginação e o sentimento", "isolamento" em "reencontro", "não abraçar" em "comungar", "medo do contágio" em "desejo do contato"... E que tal darmos asas à criatividade que tem sido partilhada e socializada, gratuitamente, pelas redes virtuais por meio de poesias, vídeos instrutivos, ironia que nos faz sorrir, reflexões humanizadoras, denúncias da necropolítica etc. Cultivemos eterna gratidão aos trabalhadores e trabalhadoras das áreas essenciais: da saúde, da limpeza, do transporte, da segurança pública e da produção de alimentos, em especial aqueles que praticam a agroecologia e fazem chegar a nossa mesa alimentos saudáveis. Porém, repudiemos o despresidente do Brasil por decretar que “cultos e celebrações religiosas” e também as atividades de “mineração” são serviços essenciais. Isso é criminoso e revela o quanto o presidente cego está em conluio com falsos pastores idólatras e com o império da mineração no qual se destaca a empresa Vale.
Em sintonia com Tatiana Ribeiro de Souza: “Esperamos que um dos legados do coronavírus seja a percepção de que a existência de ilhas de prosperidade em um oceano de miséria é, além de imoral, insustentável.”[3]. E por falar em poesia, termino com Thiago de Mello: “Faz escuro mas eu canto, / porque a manhã vai chegar. / Vem ver comigo, companheiro/a, / a cor do mundo mudar. / Vale a pena não dormir para esperar / a cor do mundo mudar. / Já é madrugada, / vem o sol, quero alegria, / que é para esquecer o que eu sofria. / Quem sofre fica acordado / defendendo o coração. / Vamos juntos, multidão, / trabalhar pela alegria, / amanhã é um novo dia”. Sim, é noite escura, mas no meio de noite escura pode brilhar uma luz que nos humaniza e poderá impedir o extermínio da humanidade do Planeta Terra, nossa única Casa Comum. Enfim, pelo exposto acima ficarmos em casa, em quarentena, é medida necessária e ética para salvar vidas[4].

31/03/2020, 56 anos da Ditadura militar-civil-empresarial de 1964. Ditadura Nunca Mais!

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Poesia e lutadores da história no V Congresso do MLB em Recife. Vídeo 7 - 14/9/2019



2 - Café com Poesia, Mesa de Thereza, Cantoria de Eda Costa - Armazém do Campo/MST/BH - 26/11/2017



3 - Emily Roots e Mari Mari Mari-1ª Parte: Poesia e Música de luta da Ocupação Rosa Leão/BH/MG. 05/8/17



4 - Emily Roots e Mari Mar-2ª Parte- Luta e resistência na poesia e na música-BH/MG-05/8/2017



5 - Poesia e Música de Luta e Resistência na Abertura do XXII Encontro da RENAP -BH/MG- 06/ 9/ 2017



6 - "Para vocês avião, para nós camburão." Poesia na 39a Romaria da terra e das águas da Bahia. 02/07/16





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[4] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, que fez a revisão deste texto. Carmem é Doutora em Sociologia Política pela UENF.

terça-feira, 24 de março de 2020

Colapso. Fim do mundo? “E agora, José?”

Colapso. Fim do mundo? “E agora, José?”
Por Gilvander Moreira[1]

Colapso. Fim do mundo? “E agora, José?”

Em plena quaresma, tempo de 40 dias para conversão pessoal, social, ecológica, social, política, econômica e religiosa, de 2020, estamos em casa, “forçadamente”, em quarentena, na esperança de impedirmos o avanço avassalador do coronavírus, que já matou mais de 10 mil pessoas e infectou outras 250 mil em vários países com a doença COVID-19. Se não for interrompido o contágio comunitário, esse vírus poderá matar milhões de seres humanos no Brasil e em muitos países. Uma crise sem precedentes na história da humanidade chegou com o colapso das condições de vida. Uma guerra biológica - uso de agentes biológicos como arma – em todo o mundo? O medo da morte toma conta de muitas pessoas. Outras, cegadas e em atitude estúpida, ignoram a guerra que já está em território brasileiro, com esse inimigo invisível, mas avassalador: o coronavírus. No Brasil, um país desgovernado por fascistas e estúpidos, o “governo” federal, idolatrando a manutenção de lucros e acumulação de capital de grandes empresas, “para tentar salvar a economia de depressão”, está postergando tomar medidas urgentes que poderiam impedir milhares de mortes. Atitude infame! Futuramente, as autoridades que deveriam tomar decisões políticas para salvar vidas e não tomam por mesquinhos interesses, serão julgadas por crimes de lesa-pátria.
Tudo nos leva a pensar que entrou em colapso o modelo de sociedade capitalista, individualista, consumista, competidora, egocêntrica, narcisista e devastadora da natureza. No mundo, atualmente, estão em curso 378 guerras contra a vida humana e a natureza. Por meio do agronegócio com monoculturas e grandes mineradoras, o mercado idolatrado segue fazendo guerra contra a natureza (a mãe terra, a irmã água, os biomas, toda a biodiversidade), arrasando o meio ambiente. Como dragão do Apocalipse, as grandes mineradoras seguem apunhalando as entranhas da mãe Terra. Chegou o fim do mundo capitalista neoliberal e neocolonial. É momento de pensar profundamente, refletir e converter radicalmente nosso modo de viver, de conviver e de nos relacionar com a mãe Terra, com a irmã água e todos os seres vivos da natureza. A natureza está gritando: “Respeite-me! Se vocês que se dizem humanos continuarem violentando e devastando todas as condições de vida no Planeta Terra, saibam que a espécie humana será extinta assim como foram exterminados os dinossauros e outros”. Diante de massacre de galileus, ordenado pelo governador Pilatos e diante de uma tragédia criminosa (queda da torre de Soloé), Jesus Cristo analisou a situação gravíssima e alertou: “Se vocês não se converterem, vão morrer todos” (Lucas 13,3.5). Por meio da parábola da figueira estéril “há três anos” (Lucas 13,6-9), Jesus propôs seguirmos a sabedoria do camponês: “Senhor, vou cavar em volta da figueira e adubar. Quem sabe, no futuro ela dará fruto!” (Lucas 13,8-9). Cuidar da mãe terra, nossa mãe, eis o caminho para voltarmos a viver e conviver com dignidade.
As cidades grandes se tornaram venenosas com excesso de poluição de vários tipos. O médico italiano Antônio Lupo diz que o coronavírus, na Itália, está tendo maior contágio nas cidades grandes onde a poluição é maior. Diz ele: “Na poeira invisível da poluição o vírus segue contagiando as pessoas”. Continuar vivendo nas grandes cidades será continuar no corredor da morte. O povo deve viver espalhado por todo o território e não amontoado nas grandes cidades. As cidades devem ser pequenas, onde os valores comunitários prevalecem e não o individualismo e a competição das grandes cidades.
A ambientalista antiglobalização Vandana Shiva pondera: “A natureza encolhe à medida que o capital cresce. O crescimento do mercado não pode resolver a própria crise que ele cria. Ou teremos um futuro em que as mulheres liderem o caminho para fazer as pazes com a Terra ou não teremos um futuro humano". Ou seja, não basta pensar que após superarmos a contaminação comunitária do coronavírus, oxalá, nos próximos meses e com um baixo número de mortos, poderemos, depois, voltar a viver do mesmo jeito e fazer o mesmo que estávamos fazendo até agora. Insistir em “mais do mesmo” será de fato galopar rumo à extinção da espécie humana sobre o Planeta Terra que, sem nós, poderá pouco a pouco se revitalizar e cuidar das outras espécies que sobreviverem ao holocausto que o sistema capitalista está impondo à espécie humana.
Obcecados por acumular capital, sob a forma de dízimo, esmola e ofertas, muitos depravados pastores e padres promovem o divórcio da fé cristã com a realidade sociopolítica e ambiental, dão ênfase exclusivamente na espiritualização da mensagem do Evangelho de Jesus Cristo, teimando, assim, em amputar a dimensão social da mensagem bíblica. Desse modo, cultivam analfabetismo político que contribui para eleger pessoas que praticam a necropolítica, a exemplo daqueles que, como o atual presidente da República, defende e justifica a tortura, a violência e a morte. E, pior, induzem o povo a ter uma visão idolátrica de Deus que leva as pessoas a ‘só orar’, ‘só louvar’ e a pensar de forma resignada que “só Deus pode nos livrar dessa tragédia”. Ignoram a orientação do apóstolo Paulo em sua Primeira Carta aos Coríntios: “sejamos cooperadores de Deus” (1Co 3,9). O Deus da vida só tem o poder do amor. Quem ama deixa a pessoa amada livre. Deus propõe, mas não se impõe. Jamais Deus – mistério de amor - vai agir de forma mágica atropelando a natureza e a condição humana. O Deus da vida age, sim, por meio de nós, de forma encarnada e comprometida com os desafios da história. A Bíblia nos apresenta várias situações em que o povo de Deus, conhecendo o perigo que se aproximava, agiu, guiado pela luz divina. Avisado sobre a iminência de um dilúvio, Noé construiu a arca e acolheu nela um casal de todas as espécies. Assim, Noé se tornou um dos pais da ecologia integral. Diante dos sinais de que uma grave seca se instalaria em toda a região do Egito, José armazenou alimentos. Sabendo do Decreto do rei Herodes, que determinava matar toda criança de dois anos para baixo, José e Maria, pai e mãe de Jesus, bem que poderiam ter ficado no mesmo lugar, mas fugiram para o Egito, para salvar o menino Jesus da morte.
No 4º domingo da quaresma, dia 22/03/2020, o Evangelho lido nas missas não presenciais foi João 9,1-41 – sexto sinal -, que narra Jesus curando um cego “de nascença”. Cegado e acostumado ao sistema, parte do povo não reconhecia o jovem que passou a enxergar, só o via enquanto pedinte (Cf. João 9,8). Após ter sido curado por Jesus, o cego foi interrogado pelos fariseus e, de cabeça erguida, por falar a verdade reconhecendo Jesus como profeta, foi perseguido e expulso da sinagoga pelos chefes religiosos (Cf. João 9,13-17.24-34). Ao saber que o cego que passou a enxergar tinha sido expulso, Jesus foi ao encontro dele e viu que ele estava firme para se tornar discípulo do mestre Galileu. No final da narrativa, o Evangelho termina afirmando que cego mesmo era as lideranças do poder religioso e quem passa a enxergar são as pessoas excluídas por um sistema de morte, as que seguem o ensinamento de Jesus Cristo. Por curar, Jesus também foi perseguido até a condenação a pena de morte, mas ressuscitou e está vivo em nosso meio. Em torno dos anos 80 do I século, era comum à Comunidade Judaica o poder de, na sinagoga, interrogar, julgar e até expulsar seus membros (João 9,13.18.22.34). A Sinagoga tinha uma assistência social que ajudava os cegos, as viúvas e os órfãos, mas com a condição que fossem “judeus”. A sinagoga definia quem era “justo” e quem era “pecador”. Os judeus, após a destruição de Jerusalém no ano 70 do I século, chegaram a um acordo com os romanos imperialistas: o judeu que se filiasse a uma sinagoga e nela pagasse o imposto teria seus direitos reconhecidos pelo Império Romano. Quem não se adequasse ao sistema religioso da época era excluído. O pai e a mãe do cego curado por Jesus também foram investigados pelos chefes do poder religioso (Cf. João 9,18-230). Se os pais do cego testemunhassem confirmando que Jesus havia curado a cegueira do filho, eles seriam expulsos da sinagoga e excluídos. Por isso, não puderam dizer a verdade para as autoridades.
Para Jesus Cristo a cegueira “dá oportunidade para a ação de Deus” (Cf. João 9,3). “Temos que realizar as obras de Deus já, enquanto é dia, pois a noite está chegando e ninguém mais poderá trabalhar” (João 9,4), alerta Jesus. Por que fazer ver – gerar conhecimento que liberta - incomoda tanto? Por que o povo é condenado a sobreviver cegado? Quem é verdadeiramente cego: quem assume o caminho da fé e da vida, mesmo fora dos esquemas estabelecidos ou quem prefere a comodidade das instituições e a garantia do poder? Um cego que passa a enxergar estremece o status quo, subverte muita coisa. Ver/conhecer a partir das vítimas é algo revolucionário. Quem passa a ver não precisa mais de esmolas e adquire autonomia. O pior cego não é apenas o que não quer ver, mas aquele que impede os outros de ver, isto é, o pior cego é o que coloca uma venda nos olhos dos outros. Na sociedade capitalista, os arautos do desenvolvimento e do progresso econômico ilimitado, via ideologia dominante e fake news, colocam uma venda nos olhos do povo. Quem, de cabeça erguida, questiona esse sistema de morte que está levando ao Apocalipse da espécie humana, é expulso e excluído do sistema.
No livro Ensaio sobre a cegueira, de 1995, José Saramago, em trezentas páginas, convida-nos a experimentar durante a leitura, sob intenso sofrimento e angústia, que não somos bons e que dói muito reconhecer que não somos bons e que estamos sobrevivendo como cegos. “Estou cego, estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tornaram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos”. Um motorista parado no semáforosubitamente descobre que está cego. Assim Saramago inicia o romance da história de uma epidemia de cegueira que atingiu todas as pessoas em uma cidade. A convivência social se tornou um caos, com pessoas isoladas e abandonadas à própria sorte. Na cidade em caos, destruição humana campeia. Todos cegos – cegados, melhor dizendo – se batem pela sobrevivência imediata. No desespero, os traços de humanidade são aniquilados.
Já em outra dimensão, José Saramago não está mais entre nós para ver o colapso que ocorre agora no mundo com o coronavírus matando milhares de pessoas e impondo “toque de recolher” em todos os países. Na Itália, país 27 vezes menor que o Brasil, sem cidade com mais de quatro milhões de habitantes, está morrendo mais gente também porque a privatização do sistema de saúde levou à diminuição e ao sucateamento do sistema de saúde do país.
Enfim, o colapso que a pandemia de coronavírus causou no mundo demonstra inequivocamente que se não o fim de todos os mundos chegou, pelo menos o fim do mundo moderno capitalista neocolonial chegou para ficar. Não será mais possível insistir em “mais do mesmo”. Com o poeta Drumond, perguntamos “E agora, José?” Melhor passar a palavra aos povos originários (indígenas) e aos povos tradicionais (quilombolas, geraizeiros, vazanteiros ...) e termos a humildade de aprender com eles a reinventar o jeito de viver e conviver.
Em tempo: para o povo brasileiro não morrer de fome e nem ser forçado a saquear todos os armazéns em busca de comida, o governo federal precisa garantir já renda básica de emergência mensal no valor mínimo de R$300 reais por pessoa para as 77 milhões de pessoas mais pobres do Brasil - aquelas que têm renda familiar inferior a 3 salários mínimos[2].

24/03/2020: 40º aniversário do martírio de Dom Oscar Romero, assassinado dia 24/04/1980, enquanto celebrava uma missa. Foi metralhado pela ditadura militar-civil-empresarial em El Salvador, imposta a mando do Império dos Estados Unidos.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Palavra Ética TVC/BH: Davi Kapenawa, xamã do povo yanomami. Igrejas X Mineração. 02/3/2019



2 - Mirian, da Bíblia, 12 anos, está na Ocupação Vitória, em BH. C/ Mirian e Davi, venceremos. 23/05/15



3 - Famílias do Acampamento Zequinha, Bicas/MG, vivem da agroecologia. Despejo, NÃO! Vídeo 3 - 26/1/2020



4 - Palavra Ética na TVC/BH: Agroecologia na XXI Romaria em MG e Quilombo do Baú Araçuaí. 29/9/2018



5 - Do Agrotóxico para a Agroecologia/1ª Pré-Romaria da XXI Romaria/Águas e Terra/MG/Arcos/23/6/2018



6 - Assentamento Pastorinhas - Agroecologia - www.assentamentopastorinhas.blogspot.com - 16/04/2012







[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Gratidão a Carmem Imaculada Brito e a Nádia Aparecida Sene Oliveira que fizeram a revisão deste texto.