terça-feira, 17 de março de 2020

Minerar no Parque Alto Cariri deixará Salto da Divisa, MG, sem água.

Minerar no Parque Alto Cariri deixará Salto da Divisa, MG, sem água. 
Por Gilvander Moreira[1]

Comunidade Tradicional Agroextrativista e Artesã da Cabeceira do Piabanha, em Salto da Divisa, MG, dia 31/12/2016. Fotos: Divulgação / CPT/MG.

Na cidade de Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, e em frente ao portão de entrada da Barragem da Usina Hidrelétrica da empresa Itapebi Geração de Energia S.A, que atinge vários municípios em Minas Gerais e na Bahia, dia 14 de março de 2020, aconteceu a Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Almenara, com o tema: “Terra e Água, santuários de vida”; e o lema: “Jequitinhonha: ver, sentir e cuidar”. Durante a Romaria, com a participação de centenas de romeiros e romeiras de vários municípios do Baixo Jequitinhonha, várias denúncias foram feitas.
O povo do município de Salto da Divisa está correndo o risco de ficar sem água, por causa da exploração minerária da mineradora Nacional de Grafite, que está planejando minerar dentro do Parque Estadual Alto Cariri, criado em 2008, onde existem as únicas 16 nascentes do município, que irrigam o Rio Piabanha, que abastece o Assentamento Dom Luciano Mendes e toda a população que ainda sobrevive na zona rural do município. A Comunidade Camponesa Agroextrativista e Artesã da Cabeceira do Piabanha, constituída por 12 famílias de camponeses posseiros há 66 anos na cabeceira do rio Piabanha, no município de Salto da Divisa, dentro do Parque Estadual Alto do Cariri, já reconhecida pelo Estado de Minas Gerais, resistiu na terra, nos últimos cinco anos, sob ameaças de fazendeiros, da mineradora Nacional de Grafite e pelo projeto de Lei 1480/2015, do deputado estadual Carlos Pimenta (PDT), que busca alterar os limites do Parque Estadual Alto Cariri. Se for aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o PL 1480/2015 alterará os limites do Parque Estadual Alto do Cariri para beneficiar a mineradora Nacional de Grafite, que pretende minerar dentro do Parque que está parcialmente no município de Salto da Divisa e é onde estão as nascentes do rio Piabanha, que passa por várias fazendas e margeia o Assentamento Dom Luciano Mendes, além de gerar água para a mineradora Nacional de Grafite, que está pouco acima do Assentamento Dom Luciano. As nascentes da Cabeceira do Piabanha são as únicas nascentes que ainda resistem no município de Salto da Divisa. Se os deputados de Minas Gerais aprovarem na ALMG o PL 1480/2015 abrindo espaço legal para mineradora Nacional de Grafite minerar dentro do Parque Alto Cariri, toda a população do município de Salto da Divisa ficará sem água, porque minerar na Cabeceira do Piabanha dizimará todas as 16 nascentes de água classe especial que jorram dali.

 

Algumas famílias da Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha, bombardeadas por muita pressão e ameaçadas, aceitaram “contra a própria vontade”, proposta de acordo forçado pelo juízo da Vara Agrária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para deixarem a área, mas sempre dizem: “Nascemos na Cabeceira do Piabanha e ali será sempre nossa terra”. No dia 26 de fevereiro de 2020, três famílias saíram amarguradas de dentro do Parque Estadual Alto Cariri e, em seguida, o fazendeiro, protagonista dos conflitos, colocou gado dentro do parque. Como pode TJMG conceder reintegração de posse para fazendeiro dentro de um parque estadual? Como pode o Governo de Minas Gerais não cuidar do Parque Estadual Alto Cariri? É injustiça que clama aos céus retirar famílias tradicionais que nasceram na Cabeceira do Piabanha, transformado em Parque em 2008, deixar fazendeiro colocar gado dentro do Parque e, pior, aprovar na ALMG o PL 1480/2015 para viabilizar mineração dentro do Parque Estadual Alto Cariri! Um fazendeiro de Salto da Divisa, dia 10 de outubro de 2015, promoveu emboscada a três agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), quando voltavam da Comunidade Camponesa Agroextrativista e Artesã da Cabeceira do Piabanha.
No ano de 2016, Assentados do Assentamento Dom Luciano já denunciavam: “Está difícil por causa da falta de chuva e também porque a mineradora Nacional de Grafite está acabando com a água do rio Piabanha com ferrugem e rejeitos de mineração de grafite”. De fato, em outubro de 2016, a produção estava fraquíssima por causa da falta de chuva e também porque a mineradora Nacional de Grafite estava represando a pouca água do rio Piabanha e as 25 famílias do PA Dom Luciano e as fazendas a jusante ficavam sem água. Um vaqueiro de uma das fazendas de Salto da Divisa me informou também em 2016: “O gado bebe água na cocheira em 13 tanques com sistema de boias. Captamos água com uma bomba no rio Piabanha e distribuímos para uma rede de canalização de 160 mil metros de canos de água em toda a fazenda. Captamos cerca de 9 mil litros d’água por dia. Água para beber nós compramos na COPASA, na cidade de Salto da Divisa”.



O município de Salto da Divisa tem histórico de devastação de suas matas. Atualmente o município não tem nenhuma comunidade rural, exceto os Assentamentos Dom Luciano Mendes e Irmã Geraldinha, a Comunidade Quilombola Braço Forte e famílias que ainda resistem em ilhas do violentado Rio Jequitinhonha. Salto da Divisa foi transformado em monocultura do capim para criação de gado. Em Salto da Divisa e em todo o Baixo Jequitinhonha, os fazendeiros colocavam os empreiteiros para derrubar a mata e transformar em pastagem de capim colonião. Os agregados podiam fazer uma pequena roça para a subsistência – mandioca, banana, milho, abóbora, feijão, batata doce, arroz e alguma verdura -, mas no ano seguinte não podiam replantar. Aldemir Silva Pinto, Sem Terra assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes, resgata a história assim: “Os agregados podiam criar galinha e porcos, mas todos deviam estar aramados, isto é, com um arame no focinho para não fuçar o capim. O capim não podia ser tocado. Ai de quem arrancasse um pé de capim. Só capim deveria ficar. A gente fazia cerca apenas na frente da roça. O excesso de produção a gente vendia na feira na cidade de Salto da Divisa. Quando os fazendeiros precisavam, eles compravam feijão e arroz dos agregados. Como toda a região era mata, os fazendeiros colocavam os trabalhadores para abrir a mata pra frente. Naquela época chovia muito. A COBRAS era uma serraria que tinha no Salto da Divisa, que serrava madeira e vendia pra fora. A COBRAS abriu estrada para carrear a madeira. Com seis juntas de bois, cansei de arrastar madeira pra fora da mata até uma praça onde os caminhões pudessem pegar a madeira. Primeiro, se jogava a madeira em cima dos caminhões no braço, depois com uma catraca. Só na fazenda Monte Cristo – que tinha 19 mil hectares -, ao longo do rio Piabanha, de um lado e do outro, até a cabeceira, havia 366 famílias que moravam como agregadas. Esse processo foi até acabar com as matas e virar tudo capim. Era a época dos coronéis. Se eles dissessem: ‘Você não deve passar mais aqui’ tinha que ser obedecido. Eles iam pisando devagar, encurtando o jeito de o sujeito viver, encurtando o direito de fazer roça e quando eles chamavam para trabalhar para eles tinha que ir. Se não fosse, era motivo para ser expulso. O gerente falava na cara. Iam azucrinando o trabalhador até ele sair. Colocavam o gado para comer a roça. Cerca era de madeira. Não tinha arame ainda. Não adiantava plantar porque o gado comia tudo. Muita gente daqui foi embora para o Pará, porque se ouvia que era fácil conquistar terra lá. Eu fui o último dos 366 chefes de família a sair. A gente criava um jegue para carregar carga. Eles davam uma vaca para a gente amansar e tirar leite. Se alguém fizesse um crime e chegasse aqui, o coronel Tinô dizia: ‘Entre lá pra dentro’. E ninguém mexia com a pessoa. Aqui era um fim de mundo. Tinha chegada, mas não tinha saída”.
Na Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Almenara, também foi denunciado que a empresa Itapebi Geração de Energia S.A. continua violentando todo o povo de Salto da Divisa, porque desde a construção da barragem de Itapebi, em 1997, ainda não indenizou de forma justa centenas de pescadores, de lavadeiras, de extratores de pedras e de todo o povo da cidade de Salto da Divisa que ficou sem poder desfrutar das águas do Rio Jequitinhonha, que foi apunhalado de morte por mais essa barragem que atinge quatro municípios.
Enfim, o povo de Salto da Divisa já foi violentado por coronéis, pela empresa Itapebi com a construção da barragem, e agora tem sobre si uma nova espada de Dâmocles: a mineradora Nacional de Grafite com seus interesses em minerar dentro do Parque Estadual Alto Cariri. Basta de mineração devastadora!

17/3/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Em defesa da Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha/Salto da Divisa/MG 2a parte. 08/06/16



2 - 76 anos, Sr. Manoel, 63 anos com 12 famílias tradicionais/Cabeceira do Piabanha/MG. 08 06 16



3 - Posseiros da Cabeceira do Piabanha/MG lutam pelos seus direitos, na ALMG: ameaças, não!



4 - Ameaças à Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha, em Salto da Divisa, MG, e a CPT. 08/06/16



5 - Mineradora Grafite planeja minerar Parque Alto Cariri e fazendeiros ameaçam posseiros. 12/07/16



6 - Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha, em Salto da Divisa/MG. Respeito, exigimos! 08/06/16



- Atingidos pela barragem de Itapebi em Salto da Divisa, MG: Irmã Geraldinha. 12/08/14



8 - Promotor do MP/MG, de Jacinto, MG: compromisso com os atingidos pela Barragem de Itapebi. 08/06/16



9 - Pescadores de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados por empresas e barragem. 08/06 /16



10 - Vazanteiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16



11- Pedreiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16



12 - Em Salto da Divisa, MG, casas desabando pela barragem de Itapebi e extratores pisados. 08/06/16


13 - Lavadeiras de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados pela Itapebi com barragem. 08/06/16


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 10 de março de 2020

Vale: inferno na vida do povo e da natureza?


Vale: inferno na vida do povo e da natureza?
Por Gilvander Moreira[1]


A realidade demonstra que a mineradora Vale mente, engana, pressiona quem se opõe aos seus interesses, faz propaganda enganosa, coopta lideranças e políticos, coloca o Estado de joelhos diante dos seus interesses de acumulação de capital e, assim, a Vale tem sido inferno para o povo e para a natureza. Dia 05 de março de 2020, aconteceu em Catas Altas, MG, audiência coordenada por representante da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (SEMAD), do Governo de Minas Gerais. Tinha sido anunciado que a audiência seria para discutir a reabertura das Minas de Tamanduá e Almas, da mineradora Vale, mas, estranhamente, a Vale apresentou projeto de ampliação da mina de São Luiz, do Complexo de Fazendão. A Vale pretende expandir a cratera da mina de São Luiz, que passaria dos atuais 135,71 hectares para 215,67 hectares, um aumento de 79,96 hectares.
A audiência foi um circo de horrores. A Vale montou um circo com grande tenda, com centenas de cadeiras alugadas; na entrada, moças do cerimonial colhiam assinaturas e nomes das pessoas; seguranças privados revistavam as pessoas, com detector de metais, inclusive; mesa com saquinhos de lanche para quem quisesse; mesa com copos de água para quem quisesse; um grande número de policiais militares e seguranças privados acompanharam a audiência que, como em um “circo”, foi, de fato, um espetáculo de horrores. Por que e para que tantos policiais e seguranças privados? Se fosse projeto para gerar vida para a comunidade, não precisava desse temor. Entretanto, como já sabem que é projeto de morte que vão tentar empurrar goela abaixo do povo, convocam o braço repressor do Estado para inibir e controlar a imensa indignação e revolta que as pessoas da comunidade sentem. Eram uns quinhentos participantes, entre os quais uns trezentos funcionários da Vale trazidos com o propósito de coibir questionamentos ao projeto de ampliação de mina. Uniformizados, sentaram à frente de todos. Muitos pareciam não saber que: a) o uniforme verde da Vale está com sangue; b) funcionam como uma máquina de guerra contra o povo, a natureza, todos os seres vivos e as próximas gerações, pois vão deixando terra arrasada por onde passam.
Sob pagamento da Vale, a empresa Total Ambiente apresentou estudos de impacto ambiental afirmando nas entrelinhas que, de fato, a ampliação da mina de São Luiz causará uma série de impactos socioambientais irreversíveis: “na área foram cadastradas 67 nascentes”, que serão secadas certamente; “Na área há sete cavernas”, que serão destruídas com anuência cúmplice do CECAV/ICMBio; “O lençol freático será rebaixado”, o que secará inúmeras nascentes na região e causará falta d’água. E  nesse rol de mentiras alardeadas, alegam que tudo será mitigado e “a Vale monitorará ...” Dá nojo ouvir os/as diretores/ras da Vale tentarem defender o indefensável. Nem eles acreditam no que estão falando. Falam, porque são em-pregados e para receber seus salários e não serem demitidos; atuam como porta-vozes de um projeto de morte. Não sentem vergonha de trabalharem em uma empresa assassina? A consciência dos diretores da Vale não os acusa quando colocam a cabeça no travesseiro? É justo ganhar um salário que custa o sangue do povo e a degradação da natureza?
Ao manterem em funcionamento uma máquina de guerra, como a Vale, estão desonrando os quase 300 mortos pelo crime/tragédia da Vale e do Estado em Mariana e em Brumadinho. Abusam da linguagem e agridem o bom senso ao dizer que “a Vale busca trabalhar em parceria com a comunidade”, que “o diálogo é o caminho”, que “o lema da Vale é a vida em primeiro lugar”. Ouvir isso é trágico e não apenas cômico, pois a realidade demonstra exatamente o contrário: que o lema da Vale é o lucro e a acumulação de capital a qualquer custo, que não dialoga, mas submete as comunidades a intermináveis violências. Não bastam as quase trezentas pessoas assassinadas pela Vale e pelo Estado em Mariana e Brumadinho, sepultadas vivas? Até quando vão insistir em “mais do mesmo”? Será preciso matar 10 mil, 50 mil? Minerarão até não ter mais nem uma gota d’água para beber nem para viabilizar a exploração minerária?
É um absurdo a Vale e o Governo de Minas Gerais continuarem insistindo em ampliar mineração em Minas Gerais. Não podemos tolerar a reprodução e ampliação desse projeto de morte que só produz “terra arrasada”. Temos que discutir é a redução de 95% da mineração em Minas Gerais e no Brasil. Lutar por territórios livres de mineração não é apenas uma utopia, tornou-se uma necessidade para garantir o mínimo de condições objetivas de vida para o povo, para os seres vivos da biodiversidade e para as próximas gerações. Continuar ampliando mineração significa cuspir no rosto de todos os mártires da Vale e do Estado e pavimentar o caminho para continuar reproduzindo os crimes continuados. Em alto e bom som, várias pessoas humanizadas bradaram denunciando as ações da Vale, durante a audiência controlada: “Basta! A Vale não tem caráter”; “A Vale só mente!”; “O Povo não é capacho da Vale, que espiona o povo no Morro da Água Quente, em Catas Altas, MG"; "Tudo o que a Vale fala é mentira. A Vale está matando o povo do Morro da Água Quente, em Catas Altas"; "Vale não pode fazer em Catas Altas o que fez em Barão de Cocais: terror, expulsão de comunidades e morte”; “A Vale só mata”; "Na Vale, vi trabalhador chorando quando percebeu o que estava fazendo"; “Muitos trabalhadores da Vale estão com depressão”. Quem assistir aos vídeos da Audiência em Catas Altas, se for pessoa idônea, humanizada, concluirá que a Vale não tem o direito de seguir ampliando mineração, pois significa ampliar a devastação, os crimes e causar mortandade.
 Catas Altas é um município abençoado, munido de um patrimônio natural, paisagístico, arquitetônico e imaterial inigualável! Possui, inclusive, diversos sítios históricos e ambientais tombados e inventariados em nível federal, estadual e municipal. É lá que está grande parte da Serra do Caraça e toda a sua biodiversidade encantadora! Lá o Santuário do Caraça atesta há mais de 250 anos a dimensão espiritual da região.
Os lugares onde as mineradoras se instalam são verdadeiros paraísos naturais, culturais e arqueológicos, mas após a sua invasão, inicia-se um processo absurdo de usurpação, que sacrifica no altar do deus do mercado a dignidade humana e a dignidade da mãe terra, da irmã água, da flora, da fauna e extinguem-se as condições de vida para as próximas gerações. O crime da Vale e do Estado também foi um atentado contra o Espírito do Deus da vida. Da perspectiva bíblica e teológica, é preciso recordar que toda a criação – os seres humanos, a fauna, a flora e os biomas - é sagrada. A terra é mãe e a água é irmã. “Água, fonte de vida” foi o lema da Campanha da Fraternidade de 2004. “O Espírito de Deus está nas águas”, diz o segundo versículo da Bíblia (Gênesis 1,2). O Espírito vivificador não apenas paira sobre as águas, mas permeia e perpassa as águas. Logo, matar as nascentes, os córregos e os rios é cometer um pecado contra o Espírito Santo, pecado capital que não tem perdão. Integrantes do sistema capitalista, os megaprojetos de mineração são projetos satânicos e diabólicos, que, como o dragão do Apocalipse (Apocalipse 12), cospe fogo e devora tudo o que encontra pela frente. Antes de serem cooptadas pelo Império Romano e pelo imperador Constantino, as Primeiras Comunidades Cristãs se regiam por um Código de Ética que alertava as pessoas cristãs que trabalhar em instituições que reproduzissem o sistema escravocrata do império romano era algo imoral. Um cristão não podia, por exemplo, ser soldado e nem militar do império romano, pois estaria, na prática, reproduzindo um sistema idólatra. É ético trabalhar para uma empresa que reproduz um sistema de morte?
Tiro o chapéu para os/as militantes do MAM (Movimento Popular pela Soberania na Mineração) que não estão medindo esforços para estar ao lado dos povos que estão se levantando e metendo o ‘pé no barranco’ para resistir contra a máquina de triturar vidas das mineradoras.
Benditos os prefeitos que se negam a conceder Declaração de Conformidade para projetos minerários devastadores. Malditos os prefeitos que continuam ajoelhados diante do poderio econômico e político das mineradoras lideradas pela Vale.  Por territórios livres de mineração e da peste da ganância, seguimos lutando. Basta de minério-dependência. A vida exige respeito.

10/03/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, são registros feitos durante a Audiência Pública, em Catas Altas, MG, dia 05/03/2020 para discutir projeto de ampliação de mina da Vale no município de Catas Altas.

1 - Vale mente e comete crimes também em Catas Altas, MG. Por território Livre de Mineração! Vídeo 1 - 05/03/2020.



2 - Verdades na cara da Vale. "Mineração nas minas Tamanduá e Almas/Catas Altas/MG, JAMAIS!" (Sandra Vita) - Vídeo 2 – 05/03/2020.



3 - "Povo não é capacho da Vale, que espiona o povo no Morro da Água Quente, em Catas Altas/MG". Vídeo 3 – 05/03/2020.



4 - "Em Catas Altas/MG, por mim nem mina São Luiz, da Vale, não deveria ter" (Marta de Freitas). Vídeo 4 – 05/03/2020.



5 - "Tudo o que a Vale fala é mentira. A Vale está matando o povo do Morro da Água Quente, em Catas Altas, MG" (Cláudio). Vídeo 5 – 05/03/2020.



6 - "Vale não pode fazer em Catas Altas, MG, o que fez em Barão de Cocais. Basta! Vale só mata”. Vídeo 6 – 05/03/2020.



7 - Em Catas Altas, MG, "... na Vale, chorou quando viu o que estava fazendo". Vale não tem caráter". Vídeo 7 – 05/03/2020.



8 - "A Vale faz guerra ..." "E o cuidado com nossa Casa Comum?" Catas Altas, MG. Vídeo 8 - 05/03/2020



9 - Vale, respeite a Serra do Caraça! Temos que reduzir a mineração em 95%. Catas Altas, MG. Vídeo 9 – 05/03/2020.



10 - Vale não cumpre condicionantes e não responde a perguntas das Comunidades. Catas Altas, MG. Vídeo 10 – 05/03/2020.



11 - "Vale está de olho nas nossas águas". "É muito grave o que a Vale fez em Catas Altas, MG". Vídeo 11 - 05/03/2020.









[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 3 de março de 2020

“Bom” samaritano: “impuro” e “odiado” como exemplo

“Bom” samaritano: “impuro” e “odiado” como exemplo
Por Gilvander Moreira[1]


O tema da Campanha da Fraternidade 2020 – Fraternidade e Vida, Dom e Compromisso – e o Lema Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34) nos convidam a pensar e a agir tendo o “bom” samaritano como exemplo, conforme o episódio-parábola do “Bom” Samaritano (Lc 10,25-37), que apresenta um contexto histórico com muitas semelhanças com o contexto atual e demonstra como o samaritano conseguiu manter o coração aberto e mãos solidárias a partir de quem estava, segundo Teresinha de Jesus, “metade vivo, metade morto”.
O início da vida pública de Jesus Cristo foi marcado por uma grande e crescente receptividade do seu projeto (Ensinamento e Práxis) pelo povo empobrecido. A princípio, ele fascinava a todos. “As multidões acorriam para Jesus” (Lc 6,17-19), mas pouco a pouco Jesus foi aprofundando sua postura e radicalizando sua Opção pelos Pobres, marginalizados e excluídos da sociedade (Lc 4,18-19). A “lua de mel” com “gregos e troianos” - era de “paz e amor” - durou pouco. Começaram a surgir conflitos com poderosos (Lc 13,31), pois sua prática incomodava os interesses dos que viviam explorando e escravizando o povo. Jesus descobriu que precisava formar melhor seus discípulos e discípulas, pois viu que a adesão popular inicial era ‘fogo de palha’ e ‘oba oba’. Com o avanço da missão pública de Jesus, os conflitos com os poderosos da economia, da política e da religião foram aumentando gradativamente. Em seus últimos dias, os embates[2] de Jesus com as autoridades judaicas e grupos religioso-políticos renomados se intensificaram (Cf. PALLARES, 1994, p. 117).
Quem eram os samaritanos para os judeus e vice-versa? Por razões históricas, reinava entre judeus e samaritanos um grande ódio. Alguns motivos aparecem na Bíblia ao falar da infidelidade religiosa. Por exemplo, samaritanos fazem resistência à reconstrução do templo de Jerusalém, após o retorno do exílio babilônico (Cf. 2Rs 17,24-41 e Esd 4,1-5). Em Eclesiástico 50,25-26, os samaritanos são considerados “um povo estúpido”. Talvez Eclo 50,25-26 tenha influenciado o Evangelho de João (Jo 4,9), onde diz que os samaritanos não se davam bem com os judeus e Jo 8,48, onde os judeus acusam Jesus de ser samaritano e, portanto, endemoniado. Uma interpretação rabínica de Êxodo 21,14 diz expressamente que os samaritanos não são “próximos”. “Do lado judeu, a hostilidade era tão grande que nas sinagogas os samaritanos eram frequentemente malditos; os judeus rezavam a Deus para não dar a eles nenhuma parte na vida eterna, recusavam um testemunho feito por um samaritano, não aceitavam nenhum serviço deles” (FEUILLET, 1980, p. 345).
 “As relações entre os judeus e os mestiços samaritanos, que estiveram submetidas às mais diversas oscilações, tinham experimentado nos tempos de Jesus especial agravamento, depois que os samaritanos, entre os anos 6 e 9 da Era Cristã, em Jerusalém, durante uma festa da Páscoa, por volta da meia‑noite, tornaram a praça do Templo impura, esparramando aí ossadas humanas; reinava de ambas as partes ódio irreconciliável. Vê‑se então claramente que Jesus e o Evangelho de Lucas escolhem exemplos extremos” (JEREMIAS, 1976, p. 203). Segundo o historiador do primeiro século, Flávio Josefo, “os samaritanos armaram emboscadas para peregrinos que vinham às festas judaicas e o procurador Cumanus, subornado pelos samaritanos, não interveio. Assim judeus atacaram vilas samaritanas e massacraram seus habitantes” (GIUSEPPE, 1904, XX. 5,4).
Muitos acontecimentos contribuíram para piorar as relações entre samaritanos e judeus, tais como, a construção de um templo samaritano sobre o Monte Garizin no 4º século antes da Era Cristã, e que foi destruído pelos judeus sob o reinado de João Hircano em 129 antes da Era Cristã. O Monte Garizin tem quase 3 mil metros de altitude e é muito mais imponente do que o Monte Sion, onde foi construído o templo de Jerusalém. A própria questão geográfica pode ter gerado ciúmes e críticas entre judeus e samaritanos. Também azedou as relações entre samaritanos e judeus a finalização do Pentateuco Samaritano na segunda metade do 2º século antes da Era Cristã. O texto sagrado para os samaritanos se reduz ao Pentateuco (Torá), os cinco primeiros livros da Bíblia, com algumas diferenças do Pentateuco judeu-cristão. Os samaritanos recusam os demais livros da Bíblia como textos inspirados.
Esse "ódio irreconciliável" entre judeus e samaritanos foi cultivado por quase mil anos de história. É possível que tenha se iniciado após a morte do rei Davi, com a separação dos Reinos do Norte e do Sul, em 931 antes da Era Cristã, quando Roboão se tornou rei em Judá, com “duas” tribos, no sul, e Jeroboão se impôs como rei em Israel, nas “dez” tribos do norte. Esta separação foi forçada e violenta e certamente deixou muitas feridas (Cf. 1Rs 11,26-12,33). Em 722 antes da Era Cristã, o povo do Reino do Norte foi exilado para a Assíria. É provável que os judeus "sulistas" tenham cantado vitória dizendo: foram exilados, porque eram infiéis à Aliança e idólatras. A Assíria "repovoou" o norte da Palestina com pessoas das mais diversas etnias. No coração dos samaritanos nortistas pode ter ficado ressentimento. A vez dos judeus "sulistas" chegou entre 597 e 587 antes da Era Cristã, quando, após vários exílios, foram exilados para a Babilônia. Os judeus do sul sentiram na pele aquilo que já tinha se passado com os "irmãos" do norte. Depois vieram as diversas tentativas de retorno para a Palestina, terra da promessa de Javé aos povos escravizados. A volta do exílio e o processo de reconstrução foram muito complicados, porque havia resistência dos judeus e samaritanos quanto à fixação novamente na terra. É a partir desta história que se entendem os diversos atritos e agressões que se sucederam entre judeus e samaritanos.
Nos tempos do rei Herodes houve um grande crescimento econômico, à custa de uma tremenda injustiça social. Muitas terras de judeus foram expropriadas no norte da Palestina, o que gerou uma massa de desempregados urbanos no sul, com consequentes distúrbios sociais inseridos em um contexto propício para a disseminação de insegurança social.
O Samaritano apontado pela Campanha da Fraternidade de 2020 como modelo/exemplo a ser seguido era: um personagem anônimo; identificado pelo seu país de origem; estrangeiro; impuro e herege, segundo os judeus. “Está em viagem”, no mesmo movimento que o Sacerdote e o Levita; não se sabe se ele ia ou vinha de Jerusalém e este detalhe é importante: tanto o assaltado, quanto o sacerdote e o levita viajavam no mesmo sentido, de Jerusalém para Jericó, mas é possível que o samaritano estivesse viajando na direção contrária. Isto pode significar que o samaritano tinha suas responsabilidades pessoais; estava "em viagem" (de Jerusalém a Jericó?) trabalhando. Enquanto isso, o sacerdote e o levita estavam voltando de seu turno de trabalho no templo, em Jerusalém, e esta circunstância lhes daria maior disponibilidade de tempo.
Oxalá a Campanha da Fraternidade de 2020, na sua 56ª edição, nos ajude a perceber que há muitos padres, pastores e leigos assumindo, na condução de igrejas, postura de Sacerdote e Levita: insensíveis aos clamores do povo injustiçado do nosso querido Brasil. Muitas vezes, com espiritualismos, puritanismos, vida cômoda e amputando a dimensão social do Evangelho de Jesus Cristo, esses falsos pastores ficam só na “toca” dos templos religiosos e se fazem de cegos diante dos clamores dos crucificados dos nossos dramáticos dias. Entretanto, existem, graças a Deus, muitas pessoas que são consideradas ‘impuras’, ‘hereges’, ‘de fora’ dos templos, ‘comunistas’ ... que, na prática, estão sendo solidárias assim como foi o “bom” samaritano. Ah! O samaritano não fez solidariedade ingênua, assistencialista que gera dependência. O samaritano foi também profeta, pois exercitou um tipo de solidariedade que deixou brasas sobre a cabeça do sacerdote, do levita, do escriba (doutor da lei = teólogo) e, provavelmente dos podres poderes políticos, econômicos e religiosos da época.

Referências.
FEUILLET, A. “Le bom Samaritain (Luc 10,25-37). Sa signification christologique et l’universalisme de Jésus,” EspVie 90 (1980), p. 345.
GIUSEPPE, F. Antiquités Judaiques. Paris, 1904, XX. 5,4.
JEREMIAS, J. As Parábolas de JesusSão Paulo: Paulinas, 1976.
PALLARES, J. C. Dios es Puro Corazón, la misericordia de Dios en San LucasMessico, 1994.

BH, MG, 03/3/2020.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Sr. Joel Pereira Gonçalves, 100 anos nas ruas de Belo Horizonte/MG, bom samaritano. 20/4/17



2 - Palavra Ética na TVC/BH: Fernando de Gois, bom samaritano da Chacará 4 pinheiros/trecheiro. 20/06/16


3 - Fernando de Góis: de frei a Bom Samaritano de crianças a adultos na rua. (1a parte). 06/16/16


4 - Fernando de Góis: de frei a Bom Samaritano de crianças a adultos na rua (2a parte). 14/06/16


5 - Fernando de Góis: de frei a Bom Samaritano de crianças a adultos na rua (3a parte). 14/06/16


6 - Fernando de Góis: de frei a Bom Samaritano de crianças a adultos na rua (4a parte). 14/06/16


7 - Fernando de Góis: de frei a Bom Samaritano de crianças a adultos na rua (5a parte) 14/06/16






[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2]  Como por exemplo: Lc 19,45-46; 20,9-26; 21,1-4; 22,2.52;  todo o capítulo 23.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Jesus da Gente: “Só ame!” - Profecia da Mangueira no Carnaval de 2020


Jesus da Gente: “Só ame!” - Profecia da Mangueira no Carnaval de 2020
Por Gilvander Moreira[1]

Jesus da gente como jovem de periferia crucificado pela violência institucionalizada de uma sociedade capitalista, máquina de moer vidas. Foto: Marcelo Barros

A Estação Primeira de Mangueira, na noite de 23 para 24 de fevereiro de 2020, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, RJ, fez um desfile histórico e deu uma Aula Magna de Teologia da Libertação por meio do samba-enredo, pelas fantasias, pela arte, ritmo, coreografias etc. Com um samba-enredo inspirado na afirmação evangélica “A verdade vos fará livres” (João 8,32), o carnavalesco Leandro Vieira mostrou as várias faces de Jesus de Nazaré no meio do povo empobrecido e injustiçado nos dias atuais que nos fazem pensar: Jesus com rosto de mulher, de índio, de jovem da periferia, de negro, de LGBTQIs, ...  Estas várias faces de Jesus estão em estreita sintonia com o Evangelho de Jesus Cristo. No Evangelho de Mateus, por exemplo, em Mt 25,31-46 se narra uma cena de “juízo final”, que em última instância acontece por autojulgamento. “Todos os povos estão reunidos diante de Jesus” (Mt 25,32). Ninguém é excluído a priori. Como Deus é amor, todos são bem-vindos/as, desde que tenham posto em prática relações sociais/humanas de fraternidade, ética, justiça e solidariedade com “quem estava com fome, com sede, nu, exilado/estranho, doente e preso” (Mt 25,35-36). A quem estranha a relação de Jesus com os enfraquecidos, Jesus adverte: “Todas as vezes que vocês se fizeram solidários ao menor dos meus irmãos foi a mim que fizeram” (Mt 25,40). Além de que “todos os seres humanos são imagem e semelhança de Deus criador” (Gênesis 1,26-27) e “o corpo de cada pessoa é templo do Espírito Santo” (I Coríntios 6,19), é sagrado e como tal deve ser respeitado, cuidado e amado. Portanto, quando uma pessoa negra, um índio, uma mulher, um jovem de periferia, um LGBTQIs, um irmão em situação de rua, desempregado, sem-terra, sem-moradia, ... está sendo discriminado/a, violentado/a, torturado/a e morto é Jesus Cristo que está novamente sendo “crucificado” nos dias atuais.
Com ousadia profética, o samba-enredo da Mangueira afirma um ‘Jesus da gente’ com espiritualidade libertadora e aponta verdades que podem nos inspirar rumo à emancipação humana. Destaco aqui alguns raios de luz do samba-enredo: “Só ame!” Não seja intolerante, homofóbico e nem disseminador de ódio. “Teu samba é uma reza”. O divino está no humano, o sagrado no profano. Em estilos religiosos fundamentalistas e moralistas estão mais idolatria do que culto verdadeiro a Deus. “Enxugo o suor de quem sobe e desce ladeira”. Esta afirmação está em profunda consonância com a Opção pelos Pobres que “deve atravessar todas as nossas estruturas e prioridades pastorais”, conforme os Documentos das Conferências Episcopais da América Latina (Documento de Aparecida, n. 396, cf. Medellín, n. 14,4-11; Documento de Puebla, n. 1134-1165; Santo Domingo, n. 178-181). Sendo filho de carpinteiro e de mulher simples do meio do povo, Jesus abraça as alegrias e as dores do povo como suas alegrias e suas dores. Isto se espera de quem se diz seguidor/a do Nazareno. Jesus vivo ressuscitado está presente no meio da classe trabalhadora consolando as pessoas aflitas e afligindo as pessoas opressoras.
Me encontro no amor que não encontra fronteira”. O nosso amor precisa ultrapassar o jeito de amar de moralistas e fundamentalistas. Devemos amar a todos, mas não do mesmo jeito. Devemos amar as pessoas injustiçadas nos colocando ao lado delas para com elas e a partir delas caminhar, solidariamente, lutando pelos seus direitos. E devemos amar os inimigos/opressores do povo fazendo o possível e o impossível para retirar das mãos deles as armas com as quais promovem violência e injustiça. “Procura por mim nas fileiras contra a opressão”. Jesus Cristo está muito mais no meio do povo sofrido e injustiçado do que nos templos e cultos religiosos desligados da vida real do povo, onde mais se furta dinheiro do povo com discursos de autoajuda e teologia da prosperidade.
“... a esperança brilha mais na escuridão”. Realmente, no meio de uma noite escura é possível luz brilhar mais do que o sol do meio dia. Quanto mais os violentos insistem em violentar os enfraquecidos mais se alimenta o movimento popular de luta para construir paz como fruto de justiça social, agrária e socioambiental. “Não tem futuro sem partilha, nem messias de arma na mão”. Eis mais uma verdade que liberta. O sistema capitalista é uma máquina de moer vidas, porque pisoteia cotidianamente na partilha como estilo de vida e insufla a acumulação e a competição como se fossem valores, mas na realidade são vírus que desumanizam quem se deixa desorientar pelo individualismo e pela idolatria do mercado. Jesus de Nazaré propôs: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amo” (João 13,34) e jamais ‘armai-vos uns aos outros’. Quem acredita em arma não acredita no poder infinito do amor. “Só o amor constrói”, já dizia Francisco de Assis há 800 anos.
Enquanto os povos escravizados enfrentavam o deserto, após a libertação do imperialismo dos faraós no Egito, e enquanto lidavam com os desertos interiores, a Bíblia narra que os profetas Eldad e Medad estavam profetizando no Acampamento, fora da tenda (Números 11,27), na caminhada pelo deserto rumo à conquista da "terra que mana leite e mel". Apareceu gente querendo proibir a profecia de Eldad e Medad, porque “eles eram de fora”. Às pessoas que ficaram iradas com a profecia de Eldad e Medad, fora da instituição, Moisés bradou: "Oxalá todo o povo fosse profeta e recebesse o Espírito de Javé, Deus solidário e libertador" (Números 11,29).

Evelyn Bastos representou uma versão feminina de Cristo e desfilou vestida. Foto: Marcos Serra Lima/G1
Evelyn Bastos, a sambista rainha de bateria da Estação Primeira de Mangueira, que representou Jesus como Mulher Negra, com as feridas que uma sociedade capitalista com desigualdade social e violência institucionalizada impõe também às mulheres, - o feminicídio, por exemplo -, disse após se apresentar na Sapucaí: "Renunciei ao que mais amo, que é sambar, para apresentar Jesus Mulher que "só ama". Por respeito às pessoas que pensam diferente também me apresentei sem expor o corpo". Evelyn Bastos perguntou: “Se tivessem nos ensinado que Jesus também poderia ser uma mulher, o Brasil estaria no topo do feminicídio?” E exortou profeticamente: “Que todos os olhos possam acolher todas as imagens de Jesus, porque ele está no meio de nós”. Que beleza profética, amorosa e respeitosa! Eu vi Jesus na Mangueira!

Jesus da gente: “Só ame!” Foto: Marcelo Barros
A quem se escandaliza com o ‘Jesus da gente’ da Mangueira pergunto: por que se tornou normal a imagem de Jesus Cristo como um europeu branco, de olhos azuis?
Se você não assistiu, sugiro assistir sem preconceitos, de coração acolhedor, ao vídeo do desfile da Estação Primeira de Mangueira e você se humanizará com a mensagem libertadora que a Estação Primeira de Mangueira trouxe para o Carnaval em 2020.
Com a Direção do CEBI Nacional, afirmamos: “A Mangueira com ousadia provoca e desestabiliza profeticamente muitos que desde os altares e púlpitos se calam diante das ações de uma política podre e destruidora; outros tomam o púlpito e os altares para defender o que não é o Evangelho de Jesus de Nazaré”. ‘Só ame!”, anuncia a Mangueira. Santo Agostinho dizia: “Ame e seja livre para fazer o que quiser”.

Obs.: Vídeo no link, abaixo, com o Desfile da Estação Primeira de Mangueira, em 2020, na noite de 23 para 24/02/2020.





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Teologia da luta pela terra e por moradia​

Teologia da luta pela terra e por moradia
Por Gilvander Moreira[1]

Em Cascavel, no Oeste do Paraná, 53 dias da Vigília Resistência Camponesa - Por Terra, vida e dignidade! Foto: Júlio César, dia 17/02/2020.
Etimologicamente, Teologia é uma palavra da língua grega composta por teo = Deus, e logia = ciência.  Entretanto, teologia não é apenas ‘ciência de Deus’ e nem é apenas reflexão sobre as coisas relativas a Deus, ao pós-morte, às coisas de fé. Teologia é pensar a partir dos injustiçados qualquer assunto em uma perspectiva de fé no Deus da vida, mistério de infinito amor que nos envolve. Portanto, qualquer assunto pode e deve ser teologizado. Teologia que não for libertadora não é teologia, podendo ser dogmatismo disfarçado de teologia. Na Bíblia há uma infinidade de contradições entre os textos, mas há em toda a Bíblia um fio condutor: o Deus Javé, solidário e libertador, faz opção pelos empobrecidos e escravizados e com estes faz aliança de compromisso libertador. Quem lê a Bíblia na perspectiva da classe dominante ou da pequena burguesia, - eufemisticamente chamada de classe média -, jamais captará o sentido libertador dos textos bíblicos, que é verdade que liberta por consolar os aflitos e por incomodar os opressores. A verdade liberta, porque dói e incomoda. Nessa perspectiva, necessário se faz também pensarmos teologicamente sobre a luta pela terra e pela moradia própria, digna e adequada. Teologia da terra e Teologia da moradia nos dizem que o Deus da vida quer terra e moradia para todos os seres humanos e para todos os outros seres vivos, inclusive. Há Teologias da Libertação na luta pela terra e por moradia. Teologias no plural, porque, além da Teologia da Terra e da Teologia da Moradia, necessário se faz também Teologia da Negritude, Teologia de Gênero, Teologia da Água, Teologia da Ecologia Integral (Ecoteologia), Teologia do Trabalho etc.. Todas essas teologias subsidiam a luta pela partilha e socialização da terra e para que todos tenham acesso à moradia adequada. Ai daqueles que pisam nos pobres, que tripudiam sobre a dignidade de crianças recém-nascidas, idosos, deficientes e indefesos, mãe Terra, irmã água e todos os seres vivos, todos empobrecidos!
Fruto da injustiça agrária e social, do capitalismo, da especulação imobiliária e da falta de reformas agrária e urbana, o latifúndio continua injustamente sendo a coluna mestra da estrutura fundiária no Brasil há 520 anos, o que faz com que o déficit habitacional cresça em progressão geométrica nas cidades. Sem democratização e socialização da terra, a injustiça social e urbana só cresce. Como não dá para sobreviver no ar, com as contradições das injustiças agrária e urbana surgem as ocupações no campo e na cidade. Em uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, uma senhora de uma Ocupação urbana, ameaçada de despejo, no microfone, gritou: “Queremos moradia e não apenas o direito à moradia.” Uma família camponesa sem-terra é como um pé de bananeira sobre o asfalto. Os clamores dos camponeses sem-terra e de milhões de pessoas crucificadas pela especulação imobiliária que gera pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor nos fazem pensar: Deus compactua com essas injustiças? O Deus da vida, Javé, solidário e libertador ao lado injustiçados/as, fica irado diante da concentração da terra e da moradia em poucas mãos. No Brasil nunca foi feito reforma agrária de nenhum tipo. Nos países europeus e nos Estados Unidos, pelo menos reforma agrária capitalista foi feita. Políticas habitacionais populares estão quase somente em discursos e vãs promessas. Direitos fundamentais, como o de acesso a terra e a moradia adequada, vêm sendo há muito tempo violados.
Documento do Ministério Público Federal informa que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila Viva em Belo Horizonte, MG, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento – sem titulação - em apartamentos apertados construídos por esse programa. Do restante, apenas 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindos do Programa de assentamento de famílias removidas em decorrência de execução de obras públicas (PROAS) – 40 mil reais é o teto - e, mais de 50% dos removidos, 4.310, receberam indenização pela remoção compulsória. A indenização é sempre injusta, pois não indeniza o valor do imóvel, mas apenas o valor da construção da casa ou do barraco. Ou seja, ignora-se o direito à posse. Precisamos recordar que a noção de posse é muito mais antiga e mais justa do que a noção de propriedade, que é coisa da modernidade capitalista do século XVI para cá apenas. O que é considerado na indenização é somente o valor da incorporação feita no lote, e, via de regra, uma construção precária. Ainda assim, para os que conseguem ser assentados nos novos imóveis da Prefeitura, a notícia não é das melhores. Com uma pífia política habitacional que mais beneficia as grandes construtoras do que as famílias, nos últimos 25 anos, a prefeitura de Belo Horizonte, de joelhos para os senhores do mercado idolatrado, mais demoliu casas do que construiu. Demoliram-se milhares de casas para construir ‘casas’ para os automóveis, ou seja, construir grandes avenidas, viadutos e estacionamentos. Assim, milhares de famílias foram expulsas para as periferias da região metropolitana de Belo Horizonte. Há Relatório da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), da Polícia Militar, do Ministério Público e da Polícia civil atestando o caos nos predinhos do Programa Vila Viva, que é, na prática, Vila Morta.
O Governo de Minas Gerais, nos últimos 27 anos, não construiu nenhuma moradia para as famílias de zero a três salários mínimos em Belo Horizonte e nem na região metropolitana de Belo Horizonte. Sem-terra e sem-casa, o povo não tolera mais sobreviver sob a pesadíssima cruz do aluguel, que é veneno diário no seu prato. O povo não aguenta mais a cruz da humilhação que é sobreviver de favor: peso nas costas de parentes, chateação cotidiana e perda de liberdade. Muitos conservadores e moralistas ainda criticam a promiscuidade com que sobrevivem muitas famílias. Ora, como não expor crianças às cenas íntimas ou inapropriadas para menores, próprias de casais, se o espaço de convivência é totalmente inadequado?
Nas últimas semanas, as chuvas revelaram a imensa injustiça social e urbana reinante em Belo Horizonte e região metropolitana. Sob o olhar teológico, essa injustiça social que se reproduz cotidianamente mostra a idolatria do mercado reinante na sociedade capitalista. O Deus da vida quer terra e moradia para todos/as.

BH, MG, 18/02/2020.
Obs.: Os filmes e vídeos nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado acima.

1 - 160 famílias na luta pela terra em Pirapora, MG, há 20 anos. Despejar é injusto/violência. 17/2/2020



2 - Sem Moradia acampados na Prefeitura de Santa Luzia, MG: Luta justa por moradia adequada. 14/02/2020



3 - Leonardo Péricles na CMBH põe o dedo na ferida e mostra o rumo da luta social, em Belo Horizonte.








[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Frei Gilvander na CMBH: Rumo para superarmos a injustiça social que está deixando BH em Colapso.


Frei Gilvander na CMBH: Rumo para superarmos a injustiça social que está deixando BH em Colapso.



Dia 13/02/2020, frei Gilvander Moreira, participou na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, MG, de Audiência Pública sobre a tremenda injustiça social que está em Belo Horizonte sob colapso do atual modelo de cidade.

Frei Gilvander Moreira, da CPT e do CEBI, na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, MG, na luta por moradia para todos/as. Foto: Divulgação / Canal de frei Gilvander no youtube

Videorreportagem de frei Gilvander Moreira, da CPT, CEBs, CEBI, SAB e assessoria de Movimentos Sociais.
*Filmagem e Edição: frei Gilvander. Betim, MG, 13/02/2020.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.
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