Agrotóxico e câncer, não; agroecologia, sim.
Por Gilvander
Moreira[1]
Foto: Divulgação / Redes Sociais |
Já está acionada a luz vermelha sobre a relação da
‘epidemia’ de câncer com o uso e a aplicação de agrotóxicos nas lavouras de monoculturas
do café, da cana, do eucalipto, do feijão, da soja e outras. Está comprovado
pelo Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA -, da
ANVISA[2]: a)
a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos acima dos limites máximos
“recomendados”; b) a presença em muitos alimentos de venenos não
permitidos. Afora isso, nas
fiscalizações junto às empresas produtoras de agrotóxicos observa-se,
recorrentemente, muitas irregularidades. “No Município de Lucas de Rio Verde,
no Mato Grosso, constatou-se a contaminação do leite materno, das águas da
chuva, do solo e até do ar” (MOREIRA, 2016b, p. 224). Estima-se que, a cada
ano, 25 milhões de trabalhadores são contaminados por agrotóxicos apenas nos
países empobrecidos.
Põe o dedo na ferida, de novembro de 2011, o
Relatório do deputado federal Padre João Carlos (PT/MG), então relator da
Subcomissão Especial sobre o Uso dos Agrotóxicos e suas Consequências à Saúde e
integrante da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados: “A
incidência de câncer em regiões produtoras de Minas Gerais, que usam
intensamente agrotóxicos em patamares bem acima das médias nacional e mundial,
sugere uma relação estreita entre essa moléstia e a presença de agrotóxico.
Neste estado, na cidade de Unaí, está sendo construído um Hospital do Câncer,
em virtude da grande ocorrência desta doença na região. Segundo os dados
apresentados na Ausculta Pública que realizamos nesse município, já estão
ocorrendo cerca de 1260 casos/ano/100000 pessoas. A média mundial não
ultrapassa 400 casos/ano/100000 pessoas” (Fonte: Relatório da Subcomissão do
Uso de Agrotóxico, 2011, p. 30).
Há muitas pesquisas científicas, tais como as da
Fio Cruz, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), da Universidade
Federal do Ceará (UFCE) e da Universidade de Brasília (UNB), que apontam a
estreita relação entre uso ou ingestão de agrotóxico e câncer, como atesta
Eloísa Caldas, coordenadora do Laboratório de Toxicologia da UNB: “Existem mais
de 400 pesticidas permitidos para uso e bactérias diferentes que causam efeitos
diversos para a saúde. Podem causar problemas neurológicos, podem levar ao
desenvolvimento de câncer e outras patologias” (Fonte: Relatório da Subcomissão
do Uso de Agrotóxico, 2011, p. 54).
XX Romaria das Águas e da Terra do estado de Minas Gerais, em Unaí, dia 23/7/2017, durante a marcha que atravessou grande parte da cidade. Foto: frei Gilvander |
Várias leis já foram criadas para tratar dos
agrotóxicos: Lei nº 7.802/1989, Lei nº 9.974/2000, Lei nº 11.657/2008,
instituíram o dia 18 de agosto como o Dia Nacional do Campo Limpo; Lei nº
6.938/81, referente à Política Nacional de Meio Ambiente e a Lei nº 12.305/10,
referente à Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essas leis são dribladas o
tempo todo, além de serem generosas com a indústria dos agrotóxicos, o que fere
mortalmente a dignidade humana e dignidade da mãe terra, da irmã água, do irmão
ar e de todos os seres vivos.
Atualmente no Assentamento Primeiro do Sul, do MST,
em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, há o acompanhamento e a orientação de
agrônomos das cooperativas de café que determinam os tipos de agrotóxicos a
serem usados na lavoura e as quantidades. Eles fixam os limites, conforme diz o
assentado Wadilsom Manoel da Silva: “O limite é o que o agrônomo determina. Se
ele determina usar 200 ml, não adianta usar 300 ml, pois será jogar fora
dinheiro e contaminar mais ainda a terra, o ar e a plantação. Temos que seguir
a dosagem certa, a que é definida pelo agrônomo. Se não será burrice”. Os
assentados seguem os agrônomos que não são da EMATER, mas das quatro
cooperativas existentes na região com as quais os assentados têm contratos: a
COOXUPÉ, a COPERCAM, a CAFÉ e a CAMPONESA. Os camponeses assentados pagam uma
quota para poderem se filiar à cooperativa.
Em média,
para se produzir uma saca de café – de sessenta quilos –, em preços de
fevereiro de 2015, o custo estava em torno de 280 a 300 reais e se podia vender
por 400 reais por saca quando o café era muito bom, nível 6. O preço depende de
uma série de fatores. “A qualificação do café vai do número 6 ao número 10. O
número 6 é o melhor e 10 é o pior. A maior parte do café que enviamos para a
cooperativa é classificado como número 7, o que reduz muito o preço”, informa
Wadilsom Manoel. Mas, outro Sem Terra, com olhar crítico, alerta: “O nosso café
é avaliado de acordo com o que está rolando na bolsa de valores”.
Dentro da
proposta de Reforma Agrária Popular, definida no 6º Congresso do MST, em
janeiro de 2014, a autonomia na gestão daquilo que os camponeses assentados
produzem é fundamental. Aqui se insere a criação da Cooperativa Camponesa, que
é imprescindível para emancipar os assentados das teias das cooperativas do
agronegócio. É o que diz Sílvio Neto, da coordenação nacional do MST: “Não terá
nenhum assentado que aceitará converter toda sua produção para o modelo
agroecológico se não tiver uma cooperativa para viabilizar a comercialização,
pois se ele for produzir de forma agroecológica e entregar sua produção nas cooperativas
convencionais, perderá muito economicamente, pois certamente sua produção será
classificada como inferior. Não é uma questão de boa ou má vontade. Acontece
que o fator econômico é preponderante. Não dá para defender o que
economicamente implica prejuízo”.
A
produção de café só pode sair do terreno do produtor com a guia autorizando o
transporte e com o seguro antirroubo, pois o café está muito visado. Não dá
para correr o risco de andar com uma carreta de café procurando preço melhor e
ser roubado antes de entregar o produto para o comprador. É o que analisa
Sílvio Neto: “Teríamos que ter o controle de toda a cadeia produtiva, desde a
produção até a venda final. Muitas famílias vendem o café antecipadamente,
porque precisam de insumos, de botas e do sustento diário ou porque um filho
adoeceu e é preciso dinheiro para realizar o tratamento. Precisamos romper com
as empresas do agronegócio, as cooperativas, mas não dá para romper somente no
tocante à comercialização. Temos que construir autonomia em toda a cadeia
produtiva, senão é muito difícil implementar o modelo da agroecologia. O poder
do agronegócio no campo não passa necessariamente pela propriedade da terra,
mas muitas vezes, por uma lógica e engrenagem que aprisionam os pequenos
produtores que acabam forçados a fazer o tal do agronegocinho. Ou seja, o
modelo do agronegócio envolve matriz tecnológica, pacote de insumos,
assistência técnica ditada pelo capital, financiamento etc. Enfim, controla de
ponta a ponta a vida do campesinato. Nesse cenário, a agroecologia não é apenas
um conjunto de práticas de cultivo com adubação orgânica e não uso de venenos.
É outra lógica que exige outra engrenagem que possa estar sob o controle
autônomo dos camponeses assentados. É
outro modelo que garante cooperação
popular, autonomia na produção, na venda, na compra etc.”.
Referências.
MOREIRA,
Gilvander Luís. A luta por direitos no campo e na cidade. In: SOUZA, Miracy
Barbosa de; MUNDINM, Fernanda de Lazari Cardoso; PEREIRA, Aline Rose Barbosa
(Orgs.). CIDADE E ALTERIDADE:
Convivência multicultural e justiça urbana. Belo Horizonte: Editora
D’Plácido, p. 211-228, 2016b.
Belo
Horizonte, MG, 20/03/2019.
Obs.: Abaixo, vídeos
que versam sobre o assunto discutido, acima.
1
- Do Agrotóxico para a Agroecologia/1ª Pré-Romaria da XXI Romaria/Águas e
Terra/MG/Arcos/23/6/2018
2
- Comida saudável vem da luta-Inauguração do Armazém do Campo, do MST - BH/MG–3ª
Parte- 26/11/ 2017
3
- Horta Comunitária na Ocupação Esperança - Região da Izidora - BH/MG - 1a
Parte - 12/11/2017
4
- Comida saudável/Economia Solidária/Festival Reforma
Agrária/MST-BH/MG-08/10/2017-2ª Parte
5
- Nazaré - Câncer na Família e agrotóxicos em Unaí: 20ª Romaria das Águas e da
Terra/MG. 20/7/2017
6
- Na TV Assembleia, denúncia de exagero de agrotóxico no feijão em Unaí.
7
- Frei Gilvander denuncia na TV Assembleia: exagero de agrotóxico causa câncer
em Unaí/MG. 12/12/2012
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
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