MST no sul de MG e Agroecologia: que beleza!
Por Gilvander
Moreira[1]
]Foto: Divulgação / MST |
O Projeto
de Assentamento (PA) Primeiro do Sul, do MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, foi formado,
primeiro, para produzir alimentos com a finalidade de matar a fome e eliminar a
miséria que reinava no seio das 48 famílias camponesas assentadas. Ainda não se
tinha a consciência do paradigma agroecológico. Diferentemente, o PA Santo
Dias, em Guapé, de 12 de maio de 2006, distante 70 quilômetros de Campo do
Meio, nasceu dentro da concepção agroecológica e, por isso, sua produção é
hoje, basicamente, agroecológica. É o que informa Sílvio Neto, da Direção
Nacional do MST: “No PA Santo Dias, em Guapé, desde que os Sem Terra pisaram lá
não jogaram nem uma gota de agrotóxico no assentamento. Lá tem 19 modelos
agroecológicos sendo praticados. Temos, inclusive, homeopatia para o manejo do
gado. Enfim, temos no PA Santo Dias um amplo processo agroecológico, coisa que
não existe em nenhuma outra propriedade da região sul de Minas”.
O MST
está se dedicando em aprofundar o debate, a consciência e as práticas
agroecológicas nos assentamentos em todo o Brasil. Uma série de fatores
influenciam os camponeses assentados para se desenvolverem como agroecológico
ou não. É o que recorda o Sem Terra Sebastião Mélia, do PA Primeiro do Sul: “No
PA Santo Dias, a questão geográfica influencia muito, pois lá é muito difícil
de mecanizar por causa dos terrenos acidentados. Por outro lado, o PA Primeiro
do Sul está ao lado da fazenda Ipanema, que, com 23 mil hectares, é a que mais
produz café em toda a América Latina: cerca de 100 mil sacas por ano, 100% com
agrotóxico”.
Essa
condição material objetiva, que é estar ao lado de uma fazenda gigante do
agronegócio do café, influencia sobremaneira a consciência e a postura dos
assentados do PA Primeiro do Sul. Acresce-se a isso o fato da prática dos
assentados que trabalharam por muitos anos como boias-frias nas fazendas de
café da região, sem nenhuma experiência agroecológica. Assim, os camponeses Sem
Terra, com a experiência da agricultura tradicional, ouvem o tempo todo o canto
da sereia do agronegócio que acontece à base do agrotóxico. Mas o MST não está
resignado diante disso e vem apresentando a proposta de mudança do jeito de
produzir, de saída do agronegocinho e assimilação da perspectiva agroecológica.
O MST não impõe às camponesas assentadas e aos camponeses assentados deixar as
práticas de agricultura com uso de agrotóxico, o que geraria um ônus político
muito grande para o MST internamente nos assentamentos. Em uma perspectiva
emancipatória, militantes do MST vêm desenvolvendo um processo pedagógico[2] que
acontece conforme o que é relatado por Sílvio Neto: “A partir de reuniões,
estudos e visitas a comunidades com práticas agroecológicas, propusemos às
famílias do PA Primeiro do Sul que elas apartassem 10% da lavoura para um lote
de plantio na linha agroecológica. Propomos às famílias fazer a experiência de
plantar sem uso de venenos e comparar a produção em termos quantitativos e
qualitativos, os custos, a produtividade etc. Há vários anos estamos fazendo
essa experiência. Há famílias que estão percebendo que caiu a produção, mas
caiu também o custo. Muitos estão observando que a qualidade da produção
agroecológica é infinitamente melhor. Uns estão contentes; outros, não. Isso
tudo está na perspectiva de fazermos uma transição efetiva da produção de café
com uso de agrotóxicos para a produção de café totalmente agroecológico. Esse é
nosso sonho, difícil, mas não impossível, pois o contexto conspira a favor do
agronegócio, que é produção totalmente com venenos”.
A
transição da agricultura com agrotóxicos para a agricultura agroecológica é um
processo difícil, mas necessário e questão de responsabilidade social,
ambiental e geracional, sob a perspectiva de futuro. Se as famílias camponesas
do PA Primeiro do Sul abandonassem abruptamente o uso de agrotóxico, poderia
implicar em um primeiro momento na diminuição do poder econômico delas, o que
reduziria seu nível de vida econômico, visto que a produção certamente
diminuiria e também porque o mercado para a produção agroecológica ainda é
pequeno e extremamente difícil. “As famílias no PA Primeiro do Sul têm vínculos
- não amorosos, mas econômicos - com as cooperativas do agronegócio da região.
Isso as obriga muitas vezes a venderem a safra antes de ela ser produzida. Tem
contratos assinados que precisam ser honrados”, informa Sílvio Neto.
Além da
produção de café com o uso de agrotóxico determinado pelo sistema de mercado,
essas famílias acampadas ou assentadas do MST estão produzindo café ecológico
com a marca Café Guaii, que está sendo produzido em proporção minoritária no PA
Primeiro do Sul, mas em 100% da produção de café no PA Santo Dias, em Guapé, e
em vários pré-assentamentos do MST nas terras da ex-usina Ariadnópolis. Essa
transição do café convencional - o que segue os ditames do mercado e do
agronegócio – para o café agroecológico tem gerado muita discussão entre as
famílias. Além disso, estão se avolumando os problemas no plantio convencional,
conforma relata o assentado Wadilsom Manoel do PA Primeiro do Sul: “Tem dado
muitas discussões, mas é uma experiência muito interessante até porque a
produção de café convencional nos últimos anos tem sido péssima. Em 2013,
tivemos uma produção muito boa, mas o preço caiu lá embaixo e, assim, mal deu
para cobrir os custos. Em 2014, o preço foi razoável, mas quase não tinha café”.
Vários casos de câncer já aconteceram em pessoas
que moravam e trabalhavam no PA Primeiro do Sul, conforme recorda Sebastião
Mélia: “Várias pessoas morreram de câncer no Assentamento Primeiro do Sul, mas
é bem provável que já chegaram ao Primeiro do Sul envenenados. Há relatos que
enquanto trabalhavam nas fazendas de café da região, trabalhadores levavam água
para beber nos galões de roundup,
veneno à base de glifosato. Esse era o costume nas fazendas onde trabalhavam
como boias-frias, de onde vieram grande parte dos trabalhadores para a luta
pela terra. Quando eu era criança, cheguei a ver trabalhadores que passavam o
inseticida BHC[3] no
corpo para os carrapatos não subirem no corpo enquanto roçavam as pastagens. De
primeiro, não se falava que BHC era veneno, mas remédio. Era como se fizesse um
bem para a pessoa. Os que aqui morreram de câncer provavelmente vieram
contaminados das fazendas de café da região. Mas hoje o povo está mais
orientado, tem mais preocupação. Já seguem várias cautelas como usar os EPI,
equipamentos de proteção individual”.
Enfim, a luta do MST para produzir alimentos
saudáveis, na linha da agroecologia, aponta para a construção de uma sociedade
do Bem Viver e Conviver, onde a preservação ambiental é condição para a convivência
social e adquirir estilo de vida simples e austero será um caminho promissor.
Belo
Horizonte, MG, 12/03/2019.
Obs.: Abaixo, vídeos
que versam sobre o assunto discutido, acima.
1 - Reflorestamento e Produção no
Quilombo Campo Grande, do MST/MG - Vídeo 4 - 25/11/2018
2 - Trabalho e Produção Sustentável:
Acampamentos/MST/Campo do Meio/sul de MG. Vídeo 2. 25/11/18
3 - Quilombo Campo Grande/MST/MG: A
terra produz e reergue Campo do Meio/Vídeo 3. 22/11/18
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2]
Como fruto da luta do MST no sul de Minas, o Reitor e Presidente do Conselho
Superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas
Gerais (IFSULDEMINAS), Professor Marcelo Bregagnoli, assinou em 23 de março de
2016 a Resolução n. 010/2016, aprovando o Projeto Pedagógico e criando o Curso
Técnico em Agropecuária Subsequente: ênfase Agroecologia para Educandos da
Reforma Agrária do Sul de Minas Gerais no IFSULDEMINAS, Campus Machado.
[3]
BHC é um
inseticida fitossanitário
organoclorado persistente. A
sigla advém do nome na língua inglesa - Benzene Hexachloride. Trata-se de um
produto que combate pragas na lavoura e ao entrar em contato com a pele tem
efeito cumulativo, causando danos irreversíveis ao sistema nervoso central. A
absorção pelo organismo pode ocorrer por via oral, respiratória ou simples
contato com a pele. Entre os sintomas estão convulsões, dores de cabeça,
tremores, arritmia e até óbito em casos mais graves. O BHC está proibido no
Brasil desde 1985.