Acampamento
Cigano do Cascata, em Ibirité, MG: mais um caso de descaso com um Povo
Tradicional e clamor por Direitos.
A cigana Mariana e crianças no Acampamento Cigano do Cascata, em Ibirité, MG, dia 07/7/2018. Foto de A. Baeta. |
No dia 07 de julho de 2018, foi realizada a primeira visita de representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP-MG), do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) e do Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG - Ibirité) ao Acampamento Cigano do Cascata, na periferia de Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Fomos convidados por uma das lideranças do Acampamento, o Senhor Igor, que solicitou formalmente uma ida nossa ao local para conhecer a realidade do acampamento, bem como para uma conversa inicial com a comunidade e apoio na luta por direitos sociais.
As
35 famílias ciganas do Acampamento do Cascata, várias delas presentes à reunião,
afirmaram que Igor e Waguinho são lideranças no Acampamento do Cascata. Por sua
vez, as entidades ali presentes informaram também que só reconheceriam as
lideranças ciganas que morassem no acampamento e que esta tem sido a conduta
para com os outros acampamentos ciganos. Em seguida, os ciganos e as ciganas nos
contaram em linhas gerais a migração forçada deles/as em várias localidades da
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Relataram que já acamparam durante 25 anos em
Betim e tiveram que sair de lá às pressas, devido a perseguições e que na sequência
já estiveram acampados em Ribeirão das Neves e em Igarapé, e de lá tiveram que
sair, montando acampamento em uma área da Fazenda Pintado, no Bairro Cascata,
em Ibirité, no início de 2015, onde residem até hoje. O terreno onde se
encontram possui pouco menos de 1 (Hum) hectare (10 mil metros quadrados, cerca
de 1 campo de futebol), tendo sido alugado quando da sua chegada. Relataram as
dificuldades para levantar recursos para o pagamento do aluguel e de alimentos,
mês a mês. Como o terreno é pequeno para
todas as famílias, mais recentemente três famílias transferiram as suas tendas para
um terreno vizinho da mesma fazenda, também alugado. Fomos informados de que
várias famílias ciganas repassam parte do recurso de benefícios, como bolsa
família, para o pagamento do aluguel do terreno, a fim de garantir a moradia no
local e, com isso, manter seus filhos/as na escola, poder acessar o posto
médico etc.
Ouvimos
atentamente as famílias ciganas, mulheres, homens, jovens, adolescentes e
crianças e percebemos o quanto é necessário, para estas famílias, a garantia da
terra e do território para que possam criar e educar seus filhos,
garantindo-lhes o direito à educação, alimentação saudável, saúde, entre outros
direitos. Como afirmou uma jovem mãe, "eu e as demais mães não tivemos
oportunidade de estudar, aprender a ler. A gente tinha que ficar mudando o
tempo todo. Não queremos isso para nossos filhos. Queremos que eles estudem. Os
tempos mudaram. E não tem como estudar se não tiver moradia. Estão todos
estudando aqui perto, em Ibirité, em escola municipal aqui perto. Não podemos
sair daqui. Nós, mães, também queremos aprender a ler".
O
que se vê, mais uma vez, é um cenário muito preocupante e alarmante, pois o Acampamento
Cigano do Cascata está implantado à beira de um córrego (homônimo) que se
encontra extremamente poluído, um verdadeiro esgoto a céu aberto. As famílias
que vivem no acampamento estão sem condições sanitárias adequadas, expostas a
doenças pela falta de água potável e serviços básicos de saneamento.
Tem
necessidade e direito de ter acesso aos serviços públicos que garantam
qualidade de vida com saúde, bem-estar e, sobretudo, dignidade à Comunidade Cigana
do Cascata, assegurando-lhes seus direitos fundamentais, tais como: terreno
adequado para as suas moradias, sem necessidade de pagamento de aluguel, atendimento
específico no âmbito da saúde, educação, assistência social, ambiental,
garantindo rede de água, energia e saneamento.
Diante disso, denunciamos a ausência de
políticas públicas que garantam o direito ao território e outros direitos
humanos fundamentais para a Comunidade Cigana do Cascata, em Ibirité, MG.
Reivindicamos que o Poder Público, municipal e estadual, destine terreno
adequado, em tamanho e qualidade, para que todas as Comunidades Ciganas possam
viver com dignidade e cultivando sua linda tradição cultural. Ao mesmo tempo,
anunciamos a vida, a força, a beleza e a coragem da Comunidade Cigana do
Cascata: mulheres, homens e crianças que lutam, junto com uma Rede de Apoio,
pelo direito à vida e de viver a partir de sua própria cultura!
Alertamos para os direitos ciganos prescritos
na Constituição Federal, no Estatuto dos Povos Ciganos (em tramitação no
Congresso Nacional), tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário,
como a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho, ligada à
ONU) que exige respeito aos direitos dos Povos Tradicionais, entre os quais
estão os Povos Ciganos. Reivindicamos que a prefeitura de Ibirité crie uma
Política Pública Municipal voltada especificamente para as Comunidades Ciganas,
o que é exigência da Política Nacional de Povos Tradicionais e, agora também,
estadual, pois há alguns meses o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel,
regulamentou a Lei que trata dos Povos Tradicionais. Portanto, o poder público
municipal tem o dever, com extrema urgência, de garantir território para
assentamento de todas as famílias ciganas existentes no município e todas as
políticas públicas nas áreas de saúde, educação, assistência social etc. Criar
um Centro de Tradições Ciganas é também um dever do poder público e direito do
povo cigano.
Importante
lembrar que há toda uma Rede de Apoio mobilizada na luta pelos direitos das
Comunidades Ciganas, composta Pela Associação Nacional dos Ciganos (ANEC),
CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), CPT (Comissão Pastoral
da Terra), MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), MPF
(Ministério Público Federal), Defensorias Públicas Estadual e da União,
advogadas e advogados populares da RENAP-MG (Rede Nacional de Advogadas e
Advogados Populares), Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG (Unidade
Ibirité), professores e estudantes universitários, dentre outros.
Feliz
quem reconhece as belezas milenares da cultura cigana e se compromete na luta
em defesa destes povos que dignificam a plural cultura brasileira! Mexeu com os
ciganos, mexeu com muitas forças vivas! Respeito aos povos ciganos, sempre!
Todo apoio e solidariedade aos Povos Ciganos
nessa luta por terra e por respeito aos seus direitos, à sua dignidade!
Assinam
essa Nota Pública:
Comunidade
Cigana do Cascata, em Ibirité, MG;
CPT
(Comissão Pastoral da Terra);
Kaipora
(Laboratório de Estudos Bioculturais (UEMG – Unidade Ibirité);
CEDEFES
(Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva);
RENAP-MG
(Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares).
Ibirité,
região metropolitana de Belo Horizonte, MG, 10 de julho de 2018.