Luta pela terra: de Trombas/Formoso
e Ligas ao Assentamento Oziel
Antes das Ligas
Camponesas (1955-1964), camponeses sem-terra do Maranhão migraram para o estado
de Goiás e, na região de Trombas, se instalaram em terras ainda “livres”. “Eles
não sabiam, mas estavam entrando num território de conflitos potenciais, já com
alta incidência de grilagem de terras, falsificações de documentos de
propriedade e especulação imobiliária. Os migrantes transformaram-se em
posseiros. Os grileiros das terras tentaram convencê-los a assinar contratos de
arrendamento, o que viabilizaria posteriores expulsões por via judicial. Os
posseiros se recusaram, o que deu início à violência. A repercussão do caso
levou à região uns poucos militantes do Partido Comunista, que ensinaram aos
camponeses modos de organização e de resistência. Em Trombas, os posseiros
rapidamente se organizaram em conselhos políticos, os chamados “Conselhos de Córrego”
e organizaram grupos armados de autodefesa” (MARTINS, 1999, p. 63-64).
Observe-se
que grileiro “é o homem que se assenhoreia de uma terra que não é sua, sabendo
que não tem direito a ela, e através de meios escusos, suborno e falsificação
de documentos, obtém finalmente os papéis oficiais que o habilitam a vender a
terra a fazendeiro e empresários. [...] Grileiro é um autêntico traficante de
terras” (MARTINS, 1983, p. 104).
Sendo produto das
próprias contradições do capital, os três mil camponeses posseiros de Trombas,
assim, constituíram um território autônomo e, com o apoio de quatro militantes
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), organizaram-se em Conselhos de Córregos,
trabalhavam coletivamente, inclusive com Comissão de Segurança, e fundaram a
Associação dos Lavradores de Formoso e Trombas (Cf. MARTINS, 1983, p. 72); conquistaram
a criação do município de Formoso e elegeram um de seus líderes, José Porfírio,
como deputado estadual, mas logo nos jornais se ‘plantou’ a notícia: “República
Socialista de Trombas,” que somente no início da década de 1970, seis anos após
o golpe militar, foi invadida por tropas do exército brasileiro. “Durante cerca
de vinte anos, os camponeses de Trombas estiveram politicamente organizados num
território próprio, imune ao poder do Estado. Tratava-se da tática política
usada na Guerra da Coreia, da mesma época, que foi a de conquistar e liberar
territórios, ali instituindo a presença organizada de camponeses armados”
(MARTINS, 1999, p. 64).
A partir de meados do
século XX, “a luta pela terra crescera nos anos cinquenta, com as revoltas
camponesas do Sudoeste do Paraná, a da região de Porecatu, no mesmo Estado, e a
da região de Trombas, em Goiás, sem contar a ampla e rápida disseminação das
Ligas Camponesas, sobretudo no Nordeste” (MARTINS, 1989, p. 47). Mas foi em
Minas Gerais, “um estado tradicionalmente oligárquico, de política fortemente
clientelística, que um desses focos de conflito, em Governador Valadares,
serviu de estopim para o golpe militar” (MARTINS, 1989, p. 47), na antiga
Fazenda Ministério, de 1942 hectares, que já foi conquistada pelo MST, onde foi
constituído o Assentamento Oziel Alves Pereira, com 68 famílias assentadas,
desde 25 de setembro de 1997.
Nascidas em 1955, no
Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, as Ligas de camponeses
“arrendatários submetidos a formas arcaicas de pagamento de renda-em-trabalho,
pediram e obtiveram permissão do fazendeiro para organizar uma cooperativa
funerária para amenizar os custos de sepultamento dos mortos” (MARTINS, 1999,
p. 60). As Ligas Camponesas chegaram a ser mais de 1200 pelo Brasil afora e
fizeram a elite econômica e militar temer a crolagem do sistema capitalista e,
para abortar a marcha de emancipação humana, impuseram o golpe
militar-civil-empresarial em 31 de março de 1964. “Quando houve o golpe de
1964, as Ligas, além de serem hostilizadas pelo governo de Goulart, pelo
partido Comunista e pela igreja Católica, estavam divididas internamente, o que
as enfraquecera” (MARTINS, 1983, p. 226).
Cada Sem Terra, de
alguma forma, consciente ou inconscientemente, carrega em si, na luta pela
terra, o legado de rebeldia e indignação de Sepé Tiaraju, de Zumbi dos
Palmares, de Dandara, dos camponeses que ‘viviam em comunidade’ em Canudos, dos
posseiros de Trombas e Formoso, dos lavradores do Contestado, dos camponeses
arrendatários das Ligas Camponesas e de milhares que foram assassinados ou
feridos no corpo e na alma na luta pela terra nos últimos cinquenta anos.
Em 32 anos de luta, o
MST conquistou com muita luta, com muito suor, sangue e lágrimas, terra para
cerca de 370 mil famílias,
mas milhares de companheiros foram tombados na luta pela terra no Brasil. A
CPT, desde 1975, acompanha, da perspectiva da Teologia da Libertação, a luta
pela terra no Brasil, com uma presença pastoral solidária e profética ao lado
dos camponeses e de seus movimentos do/no campo.
Referências.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta.
2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
Belo Horizonte, MG, 15/02/2018.
Obs. 1: Os vídeos,
abaixo, ilustram o texto, acima.
1) O clamor das Comunidades Pesqueiras/Vazanteiras de Minas
Gerais por justiça. 3ª Parte. BH/MG. 13/11/2017
2) Comunidades Pesqueiras/Vazanteiras de Minas Gerais lutam
na defesa de seus territórios. 2ª Parte. BH/MG. 13/11/2017