Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
terça-feira, 28 de novembro de 2017
AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS CONSTANTES.
AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA
PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS
CONSTANTES.
Nota denúncia: a vida está ameaçada. BH, 28/11/2017.
A
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), por meio desta nota, vem denunciar as
diversas formas de ameaças, intimidações e violências que os moradores e
moradoras da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha vêm sofrendo,
desde o ano 2014, quando foi iniciada a tramitação, na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais (ALMG) de um Projeto de Lei de autoria do Deputado Estadual
Carlos Pimenta – PL 1480/2015 (antigo PL 4.743/2013) - propondo alteração nos
limites do Parque Estadual Alto Cariri –
Salto da Divisa e Santa Maria do Salto. O referido Projeto de Lei afeta
diretamente o território da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. Na
época, (2014), os comunitários procuraram a CPT/MG e relataram que estavam
sendo pressionados com frequência para saírem das terras onde moram desde meados
do século passado e o motivo de tal pressão era que tal área seria destinada à
mineração pela mineradora Nacional do Grafite. As ameaças contra a comunidade se
tornaram mais acirradas quando o referido PL foi suspenso devido a um pedido de
vista do Deputado Rogério Correia. Ressaltamos que tal projeto voltou a tramitar
na ALMG.
Segundo
os comunitários, devido às ameaças e agressões, dezenas de Boletins de Ocorrência
já foram registrados contra o fazendeiro Olinto Herculano Pimenta, que, por sua
vez, alega ter documento das terras, ocupadas há dezenas de anos pelas
famílias. São tantas ameaças que o Ministério Público de Minas Gerais moveu uma
Medida Cautelar em favor da comunidade, sendo que na medida, datada de 25/8/2017,
o Juiz de Direito da Comarca de Jacinto – André Luiz Alves - determinou que o
fazendeiro Olinto Herculano Pimenta e outros ameaçadores ficassem proibidos de se
aproximarem a menos de 150 metros das famílias, bem como os proibiu de manterem
qualquer tipo de contado, pessoalmente ou por qualquer outro meio com os
moradores.
No
entanto, segundo as famílias, o fazendeiro Olinto tem descumprido tal decisão e
tem ido à comunidade ameaçar os moradores. Em duas ocasiões, as famílias
registraram Boletim de Ocorrência na Polícia Militar em Salto da Divisa. No dia 15/9/2017 o Sr. Olinto Herculano
Pimenta e seu cunhado Renato Pimenta foram à comunidade e aproximaram-se a
menos de 10 metros das vítimas, como forma de intimidação, como pode ser
confirmado no BO Nº M2246-2017-00000893. Segundo os moradores, de modo
reiterado, no dia 24/11/2017 o Sr. Olinto Herculano Pimenta, descumprindo
novamente a decisão judicial voltou na comunidade e passou a menos de 01 metro
da comunitária Marinez e a menos de 40 metros de Luzeni. Além disso, passou também
a menos de 10 metros da casa de Nivaldo, deixando as famílias apavoradas e
indignadas. Diante disso, os moradores registraram novamente o BO de Nº M
2246-2017-0001118.
Não
bastasse o descumprimento da decisão judicial e as ameaças, acima narradas, no
início de outubro do corrente ano, o fazendeiro Olinto colocou mais de 100
vacas no território da Comunidade, dando prejuízos aos moradores, pois o gado
tem entrado nas roças e destruído as plantações, além de pisotear as nascentes
da comunidade e sujar a água com fezes e urina, deixando a água sem condições
de uso, pois além do odor derivado das fezes e urina, a água está barrenta.
Além
disso, o gado do Sr. Olinto, segundo os moradores, está causando outros
prejuízos ecológicos ao Parque Estadual do Alto Cariri. Já foi feito denúncias
junto a Polícia Ambiental de Salto da Divisa e para o IEF (Instituto Estadual
de Florestas), mas o gado ainda permanece no território. As famílias ficam
indignadas, pois as mesmas não criam gado porque o IEF disse para a comunidade
que é proibido criar gado dentro do Parque e as famílias tem acatado e
concordam que o gado causa muitos danos ecológicos. Em Audiência Pública na
ALMG a Defensoria Pública de MG alertou o Sr. Olinto de que não era permitido
colocar gado dentro do Parque, onde está há muitas décadas a Comunidade
Tradicional da Cabeceira do Piabanha.
A comunidade afirma que há décadas nenhum dos
fazendeiros que alegam ter documento da terra não exerce nenhuma atividade no
local e só a partir de outubro do corrente ano é que veio a criar gado na
localidade numa tentativa desesperada de exercer posse e ameaçar as famílias.
Além de
repudiar e denunciar as violências impetradas contra a comunidade Cabeceira da
Piabanha e os danos ambientais ao Parque Estadual Alto Cariri, a Comissão
Pastoral da Terra também vem pedir ao Poder Judiciário, ao Ministério Público
de Minas Gerais e aos Órgãos de Governo de Minas que tomem providências
urgentes no sentido de fazer valer o direito das famílias da Comunidade Tradicional
da Cabeceira da Piabanha. Exigimos do Governo de Minas Gerais e de seus
Secretários/as as providências cabíveis para que não ocorra um massacre na
comunidade como tem ocorrido em outras localidades por todo país. Exigimos que
a ALMG, por uma questão ética, arquive imediatamente o PL 1480/2015. Tal
projeto é “um crime” que está em curso contra o Parque e contra as famílias da
Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. É um projeto que está a
serviço da mineração e tem aflorado a cobiça de fazendeiros da região que
historicamente têm utilizado a “violência física e simbólica” contra os
camponeses/as da região.
Belo
Horizonte, 28 de novembro de 2017
Assina
essa Nota:
Comissão
Pastoral da Terra – CPT/MG
Obs.: Nos seis links, abaixo, estão vídeos
disponibilizados na internet fazendo as denúncias das violações aos direitos
dos Moradores da Comunidade Tradicional Cabeceira da Piabanha, em Salto da
Divisa, MG, inclusive vídeos da Audiência Pública ocorrida na ALMG em Belo
Horizonte, dia 12/7/2016:
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
Tributo a frei Henri des Roziers: continuaremos sua luta.
Tributo a frei Henri des
Roziers: continuaremos sua luta.
Por Sônia Maria Alves da Costa[1]
O falecimento do frei Henri Gui
Emile Burin des Roziers, neste domingo, 26 de novembro de 2017, deixa muita
tristeza pela perda de um grande mestre e excepcional amigo, exemplo de vida
para muitas/os lutadoras/es do povo, cuja vida foi dedicada de maneira abnegada
à luta contra todas as formas de injustiça e grande parte de sua vida
empenhada à defesa das classes trabalhadora e camponesa no norte do Brasil,
inicialmente em 1979 no antigo norte de Goiás, na cidade de Porto Nacional e em
seguida no município de Gurupi, atual estado de Tocantins e também no Sul do
Pará, nos últimos anos, uma das regiões emblemáticas e de intensa injustiça
agrária e existência de trabalho escravo, uma das mais violentas do país, de
onde ele saiu em 2013, muito a contragosto, para fazer um tratamento de saúde,
já gravemente doente e retornou ao seu país de origem, sua cidade Natal, Paris.
A cada visita de uma brasileira ou de um brasileiro ele repetia que “queria
voltar para morrer no Pará”! Eu me recordo muito bem dessa frase firme dele,
com a mesma firmeza com que conduziu sua luta pelos Direitos Humanos, na
Europa, na América Central e em muitas outras fronteiras de luta e
especialmente no Brasil, onde dedicou décadas de luta ao povo injustiçado do
Norte do nosso país, onde ele se sentia muito realizado, mesmo
diante das graves e constantes ameaças de morte que recebia. Foi uma
grande luta para ele aceitar a proteção da Polícia Federal 24 horas por dia em
um dos momentos mais críticos de sua permanência no Pará. Ele alegava que se o
povo a quem defendia não tinha o mesmo tipo de proteção, por que ele deveria
merecê-la?
Eu não tenho o dom da poesia, mas
penso que um poema de Bertolt Brecht ilustra a missão exercida pelo frei
Henri: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano
e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que
lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. Frei Henri se tornou uma pessoa
imprescindível para os camponeses, para os milhares de trabalhadores submetidos
ao trabalho escravo contemporâneo, para a CPT, para a RENAP, enfim, para o povo
lutador brasileiro e de muitos outros países.
Frei Henri era extremamente
comprometido com a luta, muito exigente, mas de uma humanidade indescritível,
daquelas pessoas que te proporcionava muito prazer em dividir uma taça de vinho
e discutir sobre a vida e a conjuntura do país e, com a mesma determinação,
segui-lo andando a pé por diversos quilômetros até uma ocupação de camponeses
Sem Terra, no meio da mata ou virar a noite elaborando peças processuais ou
ainda escrevendo notas de repúdio para autoridades pelo tombamento de mais uma
vítima pelo braço armado dos latifundiários e pela omissão-cumplicidade do
Estado! Egresso da Sorbonne, Doutor pela Universidade de
Cambridge, recebeu dezenas de prêmios nacionais e internacionais, em Direitos
Humanos, mas valorizava muito mais cada vitória resultante da sua luta em
defesa do povo empobrecido a quem defendia na condição de incansável advogado,
porque era uma pessoa muito simples.
Ele foi inspiração para muitas
pessoas e eu tive a felicidade de conhecê-lo na minha adolescência, por uma
feliz coincidência de morar vizinha ao escritório da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), na cidade de Gurupi, onde, inicialmente participei de reuniões organizadas por ele com as pessoas da vizinhança para
celebrar e para conversar sobre a realidade, em algumas noites, para conhecer
um pouco a realidade local e compartilhar sua vida e luta. Dessa forma, alguns
anos depois, inspirada pelo seu exemplo de vida, decidi estudar Direito.
Resumidamente, por pertencer a uma família nobre da França, frei Henri abdicou
da vida naquele país, para se dedicar à luta pelos Direitos Humanos e chegou ao
Brasil no fim do ano de 1978, ainda durante a Ditadura Militar e permaneceu por
aqui até o ano de 2013.
Sua história de compromisso com
os camponeses injustiçados inspirou a mim e a muitas outras/os lutadoras/es do
povo e eu tive a felicidade de trabalhar quase uma década ao lado dele e foi o
melhor estágio que eu poderia ter tido na vida para o exercício da advocacia
popular, mas sei que não interessa a minha vida, apenas cumpre registrar essa
importante e valiosa contribuição na minha formação jurídica, desde a escolha
do curso e a opção da atuação profissional, que poderia ter trilhado outros
caminhos, mas eu tenho imensa satisfação e serei eternamente grata
por essa oportunidade na vida.
No escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Araguaia-Tocantins, onde fui trabalhar alguns anos após conhecê-lo, foi onde
tive acesso à livros importantes, tais como “Brasil: Nunca Mais”, “1968: o ano
que não terminou”, “Olga” e muitos outros, mas especialmente foi onde conheci a
dureza dos conflitos agrários e a sangrenta e implacável perseguição aos
trabalhadoras/res rurais do norte do então Estado de Goiás, Sul do Pará e Sul
do Mato Grosso, grande região abrangida pela atuação da CPT Araguaia-Tocantins
naquela época. Ali fiz descobertas sobre a gravidade da violência perpetrada
pelo latifúndio contra aquelas famílias de posseiras e posseiros
centenários, cujos pais ou avós já viviam por ali, forjando sua sobrevivência
da maneira possível, sem a presença do Estado, sem nenhuma política pública, pessoas
simples que viviam em uma região isolada, mas que foram marcadas de maneira
indelével pela violência do Estado, dos latifundiários e dos grileiros que pela
ganância ceifaram centenas de vidas e tornaram outras tantas escravas em nome
do “desenvolvimento”, apenas para um reduzido grupo de exploradores violentos,
para quem a vida dessas pessoas não importava.
Nesse cenário de verdadeiro massacre durante
décadas sem trégua e sem poderem se defender diretamente, frei Henri, advogado
lutador e extremamente corajoso e comprometido com as causas do povo violentado
daquela região de intenso conflito agrário, proporcionava, de maneira
incansável, todos os dias da semana, alguma esperança de justiça, ainda que temporária
para continuar a luta. Muitas vitórias importantes foram conquistadas, muitos
assentamentos de Reforma Agrária, mesmo tendo que computar nessa luta desigual
muitas vidas ceifadas, mas sem perder a capacidade de indignação e retirando
energia no combate intenso e incansável de lutar pela justiça.
Esse legado de compromisso com causa do povo camponês
expropriado da região norte do nosso país, fez com que o frei Henri des Roziers
se tornasse exemplo para o seguimento de muitas advogadas e muitos advogados
populares que entraram e seguiram na luta, mesmo com a mudança de cenário, sem
mudar a difícil realidade dessa população que permanece na luta incansável até
os dias atuais, inspiradas e inspirados nos seus ideais de luta, cujo exemplo
não nos deixa perder a capacidade de indignação e seguir na luta sem desanimar
e tentando também envolver outras lutadoras e lutadores nessa difícil – mas
necessária - missão de lutar pela justiça, ainda que ela continue extremamente
seletiva e classista, mas proporcionando as esses sujeitos de direito uma
esperança e força para continuar lutando pelo justo, com o Direito que lhes
pertence, na luta pela dignidade, embora seja difícil alcançá-lo, em face da
imensa desigualdade social e a nefasta estrutura agrária e injusta concentração
de riqueza e renda em nosso país capitalista, que não permite esquecer que os
constantes golpes políticos e de outras variadas formas nos atingem, mas pelo
seu exemplo de luta frei Henri e de tantas outras e outros lutadoras e
lutadores, continuamos o nosso embate, com coragem e determinação para construir
o nosso país e defender “todos os direitos para todos”!
Brasília,
Brasil, 26/11/2017.
[1] Advogada Popular, membro da RENAP (Rede Nacional de
Advogadas e Advogados Populares – www.renap.org.br
), do Coletivo Feminista Marietta Baderna, IPDMS, FIAN e Doutoranda em Direito
na UnB e advogada voluntária no Projeto Maria da Penha/NPJ/UnB; email: soniacosta0807@gmail.com
domingo, 26 de novembro de 2017
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