Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
terça-feira, 17 de outubro de 2017
O Senado Federal cuspirá no rosto do povo até quando? Por frei Gilvander
O Senado
Federal cuspirá no rosto do povo até quando?
Por frei Gilvander Luís Moreira[1]
Agora no mês de outubro de 2017, a maioria
dos senadores do Senado Federal pressionou o Supremo Tribunal Federal (STF) diante
da imposição de medidas cautelares suspendendo o mandato do senador Aécio Neves,
do PSDB-MG. Em reunião de 13 horas, o STF, por 6 a 5 se curvou ao poderio do
Senado e abriu mão do direito constitucional de manter as medidas cautelares
imposta ao senador Aécio Neves pelo ministro Edson Fachin sem aval do senado.
Ajoelhando aos pés do Senado, o STF deliberou que são os senadores quem deve
confirmar ou não a suspensão do mandato do senador Aécio. Muitos senadores
tiveram a cara de pau de advogar que a votação deve ser secreta. Foi preciso o
senador Randolfe Rodrigues exigir Liminar junto a um ministro do STF no sentido
de que a votação seja aberta e nominal. O voto secreto seria tão escabroso,
imoral e inconstitucional que até um ministro governista de carteirinha,
Alexandre de Moraes, concedeu liminar na manhã de hoje, dia 17 de outubro de
2017 exigindo votação aberta. Óbvio que se os senadores fossem representantes
do povo, deveriam, sim, votar de forma aberta. Por que e para que voto secreto?
Só os filhos das trevas agem de forma escondida. Essa investida de senadores
usurpadores do voto popular me fez recordar de um artigo que o professor José
Luiz Quadros de Magalhães e eu publicamos em março de 2008, mas após 9 anos ainda
atual, exceto algumas partes que refletiam a conjuntura do momento. Por isso o
transcrevo, abaixo, com pequenos cortes.
Senado pra quê?
Em 2007 a absolvição pelo Senado do Senador
Renan Calheiros trouxe revolta em parte da opinião pública brasileira. Algumas
vozes passaram a defender o fim do Senado Federal; outras mais moderadas, a
fusão das duas casas, o que pode significar a mesma coisa por caminhos
diferentes e uma linguagem menos agressiva. Como de costume, passados alguns
meses, uns escândalos a mais, ameaças de CPIs, que vão transformando o
Congresso Nacional em comissariado de polícia, o que definitivamente não é sua
função, a longa discussão da CPMF com a irresponsável extinção do tributo por
razões meramente partidárias, a aprovação da DRU – Desvinculação das Receitas
da União – que, na prática, beneficia o capital.
O tema do bicameralismo e unicameralismo foi
rapidamente esquecido. Naquele momento, as razões para extinção ou fusão das
duas casas legislativas eram muito mais emocionais do que técnicas, mas
despertaram em muitas pessoas a vontade de compreender a finalidade e utilidade
desta casa legislativa em nossa história, especialmente sua finalidade e
utilidade contemporânea.
Para que o Senado cumpra sua função
constitucional é fundamental uma reforma. Acreditamos que da forma como
funciona atualmente o nosso Senado, mais do que desnecessário, é uma
instituição ruim para a democracia e para o nosso federalismo. “É um depósito
de ex-governadores”, afirma João Pedro Stédile. O Senado, no contexto histórico
institucional e constitucional da república democrática instituída no Brasil a
partir de 1988, é desnecessário, e mais do que isto, pode ser prejudicial, uma
vez que não cumpre sua função de casa de representação dos entes federados,
distorce a soberania popular fundada no sufrágio igualitário universal (que
proíbe a existência de voto censitário ou qualquer outra forma de pesos
diferenciados de votos para os cidadãos brasileiros), e ainda é historicamente
marcado por uma majoritária representação de elites políticas e econômicas
conservadoras, famílias que se alojam no poder, perpetuando um familismo extremamente
prejudicial para a ideia de República e impedindo reformas e transformações que
a Câmara Federal, muitas vezes, poderia promover.
Em nossa Constituição a Câmara de Deputados é
formalmente a representação popular onde o mecanismo de escolha deve respeitar
a ideia de soberania popular e voto igualitário: um cidadão um voto. O Senado é
formalmente a casa de representação dos interesses dos entes federados em um
estado federal.
O nosso Senado, além de casa de representação
dos Estados membros e do Distrito Federal, cumpre a função de casa legislativa
revisora de natureza moderadora conservadora, com o objetivo de barrar
prováveis mudanças bruscas na legislação e na Constituição decorrentes de uma
alteração radical na composição da Câmara dos Deputados, uma vez que esta casa
tem todas as suas cadeiras em disputa de quatro em quatro anos, enquanto no
Senado a renovação ocorre na proporção de um terço ou dois terços a cada quatro
anos, permanecendo, portanto sempre uma parcela de componentes eleitos na
legislatura anterior. Desta forma, uma mudança radical na composição da câmara
de deputados seria amortecida pelos senadores eleitos há quatro anos atrás, que
podem ser na proporção de um terço ou dois terços de todo o Senado. Esta
característica bastante conservadora é capaz de prejudicar a vontade popular
expressa em um momento político específico, frustrando a população com o papel
desempenhado pelo legislativo. Esta situação pode ser mais grave quando a
maioria do Senado for contrária à maioria da Câmara e ao Governo eleito. Na
prática, a renovação na Câmara é pequena, porque o poder econômico acaba
reelegendo a maioria dos deputados. Como sabemos o governo depende do Congresso
nacional para governar, como em qualquer democracia representativa do mundo, e
como o Senado participa da votação em todo processo legislativo, não havendo
separação de competências legislativas segundo a vocação da casa, esta
característica conservadora será ainda mais acentuada.
O conservadorismo do Senado é muito mais
marcante do que sua natureza de Casa Legislativa com a responsabilidade de manter
o equilíbrio federal. Esse conservadorismo negativo manifesta-se, claramente,
em cinco momentos: a) o mandato de seus membros; b) a forma de renovação dos
mesmos; c) a suplência; d) Três por estado; e) a sua competência legislativa
onde não há demarcações claras de iniciativas legislativas para uma e outra
casa levando em consideração sua função e finalidade constitucional.
O mandato dos Senadores é de 8 anos, o dobro
do mandato dos Deputados Federais, não existindo, ainda, a possibilidade de
renovação de todos os seus membros de uma só vez, pois a eleição ocorre a cada
quatro anos, renovando-se um terço e dois terços dos seus membros
alternadamente. O estabelecimento desse mecanismo como já mencionado, implica
na existência de uma casa legislativa, que poderá representar em determinado
momento político, barreira às transformações mais amplas apoiadas pela maioria
da população, oriundas de uma Câmara dos Deputados totalmente renovada pelo
voto popular. Há suplentes que passam a ser senadores sendo ilustres
desconhecidos do povo. Foram arrolados como suplentes por interesses dos
senadores, por serem parentes ou por ter sido patrocinadores econômicos de
campanha. “Três por estado” também gera distorções enormes. Por exemplo,
Eduardo Suplicy, senador pelo estado de São Paulo, eleito com mais de dez
milhões de votos, tinha o mesmo peso, no senado, de José Sarney que, depois de
estar bastante desgastado politicamente no Maranhão, se elegeu senador pelo
pequeno estado do Amapá, com pouco mais de cem mil votos.
O caráter limitador do processo legislativo
exercido pelo Senado se agrava pelo processo de elaboração normativa
estabelecida na Constituição, onde todas as matérias devem ser votadas,
normalmente, nas duas casas legislativas separadamente, e em alguns casos, como
na apreciação de veto presidencial, pelo Congresso Nacional, em sessão
unicameral.
A adoção desse processo implica que as
matérias oriundas da Câmara dos Deputados deverão ser discutidas e votadas no
Senado, sendo que se não aprovadas serão arquivadas ou então, sofrendo emendas,
voltarão para apreciação das modificações pela Câmara. Aprovadas ou não, as
modificações sofridas no Senado por meio de emendas, mas aprovado o projeto de
lei, este será encaminhado para sanção ou veto do Presidente da República. Se o
projeto de lei é proposto por senador, iniciando-se no Senado ocorre o mesmo
procedimento só que em sentido contrário. Importante observar que os projetos
de lei de iniciativa do Presidente da República, do Poder Judiciário, de
iniciativa popular, de iniciativa do Ministério Público ou de iniciativa de
deputados federais, deverão se iniciar na Câmara, seguindo o procedimento
acima. Já os projetos de iniciativa dos senadores devem se iniciar no Senado
seguindo então o procedimento já referido: depois de discutido, votado e
aprovado no senado segue para a Câmara, esta pode arquivar ou então, aprovar
sem emendas indo para sanção ou veto do Presidente da República. Se houver
emendas aprovadas ao projeto de lei estas emendas retornam para apreciação da Câmara.
Aprovadas ou rejeitadas as emendas, segue o projeto para sanção ou veto do
Presidente da República. O que chama atenção e que causa problemas é a
inexistência de matérias de iniciativa exclusiva do Senado e da Câmara conforme
a finalidade constitucional de cada uma destas casas. Para que o Senado
cumprisse sua função de representação dos interesses dos Estados membros
evitando a distorção que ele provoca da proporcionalidade da representação
popular, e para que a Câmara cumprisse sua função de representação igualitária
do povo evitando a distorção que causa da simetria federal, teríamos que
corrigir os seguintes equívocos e omissões constitucionais: as matérias de
interesse dos Estados (matéria fiscal e orçamentária, por exemplo) deveriam
iniciar obrigatoriamente no Senado e ter obrigatoriamente a palavra final do
Senado, após discussão e aprovação ou não do projeto de lei, com ou sem emendas
por parte da Câmara de deputados. A não aprovação de um projeto de lei do
Senado implicaria em veto da Câmara que obrigatoriamente retornaria ao Senado
para apreciação. Todas as outras matérias de interesse popular em geral
deveriam ser iniciadas na Câmara de Deputados e depois de passar pelo Senado,
retornar sempre à Câmara de Deputados para discussão e votação final, na forma
acima descrita.
Estas análises do nosso texto constitucional
criam uma desconfiança em relação ao nosso bicameralismo e a busca de nova
configuração para nossa democracia representativa que possa oferecer maior
clareza, celeridade e transparência no processo legislativo. O unicameralismo
pode oferecer uma dinâmica muito mais adequada a um país em transformação. O
SENADO NÃO É ESSENCIAL AO FEDERALISMO NÃO SE CONSTITUINDO, PORTANTO, EM
CLÁUSULA IMODIFICÁVEL.
Diante do que já foi dito sobre equilíbrio
federal percebemos com bastante clareza que não se constitui a existência do
Senado em uma cláusula imodificável, justamente pelo fato de que sua
inexistência não afetaria o federalismo. Acrescente-se ainda a constatação aqui
feita, de que sua configuração atual fere a Constituição trazendo desequilíbrio
na representação popular, perpetuando privilégios locais por meio do familismo,
além de não cumprir sua função de representação dos Estados. O que caracteriza
o federalismo, o seu elemento essencial sem o que não se pode falar em
federalismo, é a descentralização de competências constitucionais (o poder
constituinte decorrente). A existência ou não de um Senado Federal não é um
elemento essencial, mas apenas uma característica de um tipo federal. A partir
da Constituição de 1988, os municípios brasileiros não só mantém sua autonomia
como conquistam a posição de ente federado, podendo, portanto, elaborar suas
Constituições municipais (chamadas pela Constituição Federal de leis
orgânicas), auto-organizando os seus poderes executivo e legislativo e
promulgando sua Constituição sem que seja possível ou permitida a intervenção
do legislativo estadual ou federal para a respectiva aprovação. O que ocorrerá
com as Constituições municipais (leis orgânicas) será apenas o controle a posteriori
de constitucionalidade o mesmo que ocorre com os Estados membros.
Diante de tudo isto podemos tirar uma
primeira conclusão, que reside na constatação da necessidade de reforma de
nosso sistema representativo que pode seguir duas direções: a manutenção de um
bicameralismo em um federalismo simétrico com a especialização das duas casas
ou a adoção de um federalismo unicameral também simétrico. A manutenção do
atual sistema se mostra irracional e prejudicial aos interesses populares,
portanto ofensivos à democracia representativa e participativa que estamos
construindo em nosso país após 1988.
A transformação de nosso Senado em casa
conservadora e investigadora ofende a vontade popular. Não há no Senado nenhuma
discussão de grandes projetos de transformação das instituições e da sociedade
brasileira. A característica conservadora demonstrada neste ensaio, assim como
a ausência de uma postura de defesa dos interesses dos estados membros, que
possa compensar a inexistência de mecanismos processuais constitucionais
adequados para o exercício desta função de representação dos entes federados,
tem transformado o Senado em uma casa protelatória, que inviabiliza a aplicação
de políticas públicas adequadas, que são exigidas com maior rapidez diante de
um mundo em constantes e rápidas mudanças.
A adoção de um federalismo descentralizado e
unicameral, mantendo-se o equilíbrio entre os interesses dos estados
brasileiros como mecanismo de busca da redução das desigualdades regionais e
sociais pode ser um importante mecanismo de transformação de nossa sociedade. Um
legislativo ágil, que se renova a cada eleição, e que responde à necessidade de
debate e construção de projetos nacionais demandados pela população, e,
portanto, em constante diálogo com a população pode ser um importante
instrumento de transformação posto a serviço do povo. A isto poderíamos somar o
fim da profissionalização da política e dos políticos com a generalizada
proibição da reeleição. O povo sabe e sente que político profissional é, em
geral, distante do povo e comprometido com grupos de pressão do grande poder
econômico que financiam suas campanhas eleitorais. Fazer política por vocação,
buscando o bem comum, pode ser a forma mais nobre de amar o próximo. Eis uma
proposta de estrada a ser percorrida pela sociedade civil organizada e pelos
movimentos populares, pois sem luta social, se ficarmos esperando por “eles”,
nenhuma reforma política séria e justa acontecerá. Mãos à obra.
[1] Padre
da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício
Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor
da CPT, CEBI, SAB, Movimentos Populares Urbanos e Ocupações Urbanas;
e-mail: gilvanderlm@gmail.com –www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Professor da UFMG e PUC-MG; Dr. em Direito
Constitucional; email: ceede@uol.com.br
[3] Frei
e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR;
bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício
Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor
da CPT, CEBI, SAB, Movimentos Populares Urbanos e Ocupações Urbanas;
e-mail: gilvanderlm@gmail.com –www.freigilvander.blogspot.com.br
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segunda-feira, 16 de outubro de 2017
domingo, 15 de outubro de 2017
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