Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
sábado, 16 de setembro de 2017
Uma igreja justa e sempre próxima do povo. Este é o sonho do frei Gilvander. Entrevista ao Jornal Marco, da PUC Minas.
Uma igreja justa e
sempre próxima do povo. Este é o sonho do frei Gilvander.
Entrevista que frei Gilvander concedeu ao Jornal MARCO,
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo, da Faculdade de Comunicação e Artes,
da PUC Minas, Ano 44, edição 331, setembro de 2017, p. 16. Entrevista realizada
pelas estudantes Marina Menta e Sophia Tibúrcio, 1º e 3º períodos, com
fotografia de Elisa Senra.
Título da Entrevista:
Religioso dedica toda a sua vida à justiça social
Um
homem a serviço de Deus, um soldado da dignidade humana. Talvez essa seja uma
boa definição do frei Gilvander Luís Moreira, da Ordem dos Carmelitas, um dos
grandes defensores das populações que ocupam áreas ociosas na Região Metropolitana
de Belo Horizonte e lutam pela realização do seu direito de ter uma casa própria.
Frei
Gilvander já foi trabalhador na roça, vítima de exploração de patrões e hoje é
bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná,
bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo, mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação
pela Faculdade de Educação da UFMG; assessor da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), CEBs, SAB e de Ocupações Urbanas, em Minas
Gerais. Nessa entrevista, frei Gilvander comenta a crise política e econômica atual do Brasil e aponta
a importância do papel do sacerdote na sociedade.
Jornal Marco: Como o sr. vê a situação
dos trabalhadores no atual momento e que soluções poderiam ser buscadas para
impedir mais perdas de direitos?
Frei Gilvander: “A classe trabalhadora e a
camponesa não estão sendo apenas exploradas, estão sendo superexploradas. A
opressão que o sistema capitalista está perpetrando hoje contra estas classes
nunca foi tão cruel na história, a exploração atingiu um nível insuportável.
Então, o problema principal, hoje, no Brasil não é a corrupção: 80% a 90% da
injustiça e da violência que pairam sobre o povo brasileiro são causados pela
exploração do capital em cima da mão de obra.”
Jornal Marco: No cenário político e econômico de dificuldades
que passa o Brasil, qual deve ser o papel dos padres?
Frei Gilvander: “O papel de seguir, na
prática, Jesus Cristo, o evangelho Dele e de seguir, também, o que diz o papa
Francisco. Se fizermos isso, já vamos dar uma contribuição importante para
superar a montanha de injustiças e violências que, infelizmente, está permeando
o tecido social brasileiro.”
Jornal Marco: O que os padres podem
fazer?
Frei Gilvander: “A solução que eu e os
companheiros da Comissão Pastoral da Terra e dos movimentos sociais populares
propomos é a gente seguir organizando o povo para construir um poder popular em
todos os bairros, todos os cantos e recantos, nas periferias, nas cidades, no
campo, em todos os lugares. Tem que ter o povo organizado fazendo pressão para
frear essa avalanche de violência, porque não pode depender mais da democracia
representativa com políticos desonestos que não representam ninguém.”
Jornal Marco: O sr. acredita na
possibilidade de mudar nossa sociedade? Como?
Frei Gilvander: "Eu
não vejo uma solução a partir dos poderosos; a solução tem que ser a partir da
união dos pequenos. Isso passa por organização de base, passa por formação. Nós
temos que, hoje, fazer uma conversão social das pessoas religiosas, superando o
atual descolamento da fé com o social, com o político, com o econômico. A
solução existe, só não é fácil porque não é a partir de alguns figurões de cima
que vamos conseguir fazer mudanças. Tem que ser um grande movimento de resgate
dos verdadeiros valores da vida; temos que despertar a sociedade para ver a
beleza que é a pessoa ser justa, honesta, solidária, desenvolver
responsabilidades sociais, cultivar a responsabilidade ambiental.”
Jornal Marco: Faltam padres no Brasil e no mundo?
Frei Gilvander: “Não
acho que faltam padres, eu acho que falta valorizarmos mais o sacerdócio comum
e não o sacerdócio ordenado. Se a gente for olhar na Bíblia, principalmente nos
evangelhos do Novo Testamento, o que é mais valorizado são as lideranças
leigas. As primeiras comunidades que celebravam a eucaristia não tinham padre.
Os leigos, as lideranças e, em sua maior parte, mulheres, celebravam. Então, é
errado pedagogicamente essa hiper-valorização do sacerdócio ordenado, porque estaríamos
privatizando a fé.”
Jornal Marco: O que é ser sacerdote?
Frei Gilvander: “Sacerdote
significa, etimologicamente, fazer sagrado; a missão de revelar a sacralidade
existente nas pessoas, na biodiversidade, em tudo. Na verdade, sacerdote não é
aquele que de uma forma mágica vai impor o sagrado sobre a realidade; a missão
dele é revelar e explicitar a dimensão sagrada já existente no real. Tudo é
sagrado. O profano é uma das realidades mais sagradas, como, por exemplo, o trabalho,
as pessoas. Onde tem vida aí está o sagrado.
Ser sacerdote é contribuir para que as pessoas percebam a luz e a força
divina, permeando e perpassando toda a realidade.”
Jornal Marco: O sr. teve de renunciar a
muita coisa?
Frei Gilvander: “Sim,
toda opção implica uma renúncia. Para ser frei e padre eu renunciei a ter uma
companheira, casar e formar uma família, mas na vida é sempre assim. Outro exemplo
é o de que abdiquei de ter filhos, mas conheço dez crianças que carregam meu
nome porque as mamães e os papais colocaram porque admiram o trabalho pastoral que
eu faço. Eu não gerei nenhum filho, mas sinto que tenho um monte de filhos por
aí. Então a gente renuncia a alguma coisa, mas quando a vocação é desenvolvida
com paixão e dedicação, vale a pena.”
Jornal Marco: O que o motivou a ser religioso? Qual foi a reação de sua família?
Frei Gilvander: “Mil
e uma circunstâncias, mas vou falar as principais. Uma delas são meus pais,
porque eram pessoas muito justas, solidárias, amigas de todo mundo. Então, desde
pequeno, eu fui formado e educado para ser uma pessoa solidária, justa, honesta
e isso contribuiu. Outro aspecto é que eu tive uma infância e uma adolescência
muito sofridas, no sentido de viver sem terra, sem moradia, trabalhar na roça e
latifúndio, e quando o fazendeiro levava metade da nossa produção, eu escutava
no meu coração duas afirmações, que diziam “Deus não quer isso”, e “isso não é
justo”. Então, com essa experiência de ser explorado, cresceu em mim o desejo
de ser frei e padre, para ajudar a construir uma sociedade justa, solidária,
lutar contra as injustiças.”
Jornal Marco: O que o deixa mais feliz
na realização do seu trabalho e missão?
Frei Gilvander: “Deixa-me
feliz perceber que, quando a gente faz esse trabalho de base, nessas lutas
populares a gente conquista direitos humanos e sociais. Só para citar um exemplo,
nos últimos dez anos a Prefeitura de Belo Horizonte destruiu e demoliu mais de
15 mil casas para alargar avenidas, construir viadutos, então eu me pergunto:
“será que a dignidade dos automóveis tem mais valor que a dignidade humana?” E a
gente luta contra isso. Na luta coletiva as Ocupações em Belo Horizonte, nos últimos
10 anos, construíram mais de 15 mil casas próprias e dignas.”
Jornal
Marco: Como o sr. vê as posições e ideias inovadoras do papa Francisco?
Frei Gilvander: “Com muita alegria,
o papa Francisco está sendo uma bênção. É o verdadeiro pastor, bom samaritano,
um verdadeiro profeta. O que está deixando muito a desejar nas igrejas de hoje
são alguns padres jovens e seminaristas que não estão seguindo o caminho do
papa. Antes de se tornar papa, ele trabalhou com os pobres mais de 30 anos,
então é um homem muito solidário e está ajudando a libertar a Igreja de muitas coisas
horrorosas.”
Jornal
Marco: As igrejas (neo)pentecostais vêm ganhando espaço cada vez mais no Brasil,
atraindo fiéis especialmente nas periferias das cidades. Qual a causa disto?
Frei
Gilvander:
“Várias causas. Uma delas é o conservadorismo da Igreja Católica com padres moralistas
e autoritários. Outra causa é o capitalismo, quanto mais ele aumenta o nível de
opressão, mais deixa as pessoas angustiadas, buscando um “Oásis”, uma aba de
salvação, então correm para as Igrejas (neo)pentecostais que lhes prometem isto.
Lá são abraçadas, acolhidas e vivenciam uma literatura de auto ajuda ao lidar
com as grandes opressões. Por um lado as pessoas são acolhidas, mas, por outro,
são sugadas através do dízimo e do que se chama de “teologia da prosperidade”.
Nesse caso, se desenvolve uma grande
mentira, que é fruto de uma falsa interpretação da Bíblia.”
Jornal
Marco: A
igreja Católica tem dificuldade de dialogar com o povo mais humilde? Por quê? Frei
Gilvander: “Aconteceu na Igreja Católica de 1962 a 1965 o Concílio do Vaticano
II, que abriu a Igreja para o mundo, para opção pelos pobres, para o profetismo,
para a inculturação. Depois de cinco conferências dos bispos latino-americanos,
a opção pelos pobres e o protagonismo dos leigos permaneceu. Infelizmente, nos
pontificados de João Paulo II e do Ratzinger, a cúpula da Igreja foi gradativamente
abandonando a opção pelos pobres. Agora o papa Francisco está sinalizando para
as igrejas corrigirem esse grave erro e retomar a opção pelos pobres, conviver
com eles e serem solidárias com suas lutas.”
sexta-feira, 15 de setembro de 2017
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
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