Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
quarta-feira, 2 de agosto de 2017
A Comunidade Quilombola dos Luízes clama por justiça e nos faz recordar ...
A Comunidade Quilombola dos Luízes clama por
justiça e nos faz recordar ...
Por frei Gilvander Luís Moreira[1]
Dia 31 de julho último (2017), a Comunidade
quilombola dos Luízes, em Belo Horizonte, MG, foi violentada nos seus direitos
constitucionais pela Polícia Militar de Minas Gerais e por pessoas/empresas que
insistem em invadir seu território. Arbitrariamente quatro pessoas quilombolas
foram presas e conduzidas à delegacia simplesmente porque defendiam seu
território. Na delegacia, os quilombolas ouviram palavras e gestos racistas e
preconceituosos. Após mais de um século de invasão do seu território, a
comunidade quilombola dos Luízes teve mais uma área sua invadida, tendo um
cadeado sido quebrado, inclusive.
O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação
(RTID) da Comunidade Quilombola dos Luízes, de Belo Horizonte, MG, foi
publicado no Diário Oficial da União no dia 14/6/2012 e republicado dia
15/6/2012. A Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal
(MPF), advogados populares, Movimentos Sociais, a CPT e uma grande Rede de
Apoio, sob o protagonismo da Comunidade Quilombola dos Luízes, lutarão sempre
para que se estanque as invasões do território dos Luízes e que as partes do
seu território invadidos sejam resgatados. Os direitos quilombolas estão
inscritos na Constituição de 1988. Artifícios legais infraconstitucionais não
podem sustentar apoio jurídico para agressores que insistem em invadir o
território quilombola dos Luízes, quilombo centenário que existe na capital
mineira desde o século XIX - antes de a capital de Minas ser transferida para
onde está atualmente, criando as condições materiais objetivas para que o
território do quilombo fosse invadido e amputado gradativamente durante mais de
um século.
Os
Luízes nos fazem recordar ...
Com a invasão dos europeus portugueses, o
Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial para a produção de commodities para a exportação. Daí a
exploração do pau-brasil, a produção de açúcar e café até os dias de hoje com
as monoculturas da soja, do eucalipto e minério, quase tudo para exportação. “O
Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial resultante de uma
aliança entre a burguesia mercantil, a Coroa e a nobreza” (VIOTTI DA COSTA,
1999: 173). Milhões de negros foram escravizados, mas muitos se rebelaram e
formaram quilombos, como os liderados por Zumbi dos Palmares e Dandara, no
final do século XVII.
A exploração também atingiu o povo negro,
nossos irmãos de sangue, que alimentaram com suor e vida a ganância e a opulência
da nobreza lusitana. Nesse período, a resistência dos quilombos alterou a
correlação de forças que obrigou uma das mais tardias ações da colonialidade no
mundo: a libertação dos escravos com a lei áurea de 1.888 e o aprisionamento da
terra 38 anos antes, por meio da Lei de Terras de 1.850, no Brasil imperial.
Mais do que omisso ou conivente, o Estado
brasileiro tem sido cúmplice, sustentador e fomentador da iníqua estrutura
fundiária reinante no Brasil. Grande parte dos conflitos de terra em Minas acontece em
terras devolutas. Além das demandas das famílias sem-terra,
existem no estado de Minas Gerais cerca de 800 áreas de remanescentes de
quilombos que estão em processo de auto-reconhecimento, reivindicando titulação
e demarcação. Apenas entre 2004 e 2007 foram reconhecidas pela Fundação
Palmares, em Minas Gerais, 81 comunidades quilombolas.[2] Os
conflitos envolvendo comunidades quilombolas – do movimento quilombola, outro
movimento socioterritorial - na luta pela terra estão crescendo. Na noite do
dia 23 de março de 2017, o casal quilombola Jurandir e Rosa foram torturados na
Comunidade Quilombola de Marobá dos
Teixeira, no município de Almenara. Dia 28 de julho último, um fazendeiro,
seguranças armados e policiais invadiram o território
quilombola de Brejo dos Crioulos, no norte de Minas Gerais, e tentaram
expulsar famílias quilombolas. O território da Comunidade Quilombola de Mangueiras, também em Belo Horizonte, teve
seu território invadido e a comunidade está resistindo em um território de
apenas alguns hectares. O território
quilombola de Matição, em Jaboticatubas, MG, também já teve grande parte do
seu território invadido e grilado.
As elites brasileiras sempre estiveram
atentas para exterminar com castigos cruéis os focos de insurreição precavendo-se,
assim, para que bons exemplos de resistência dos povos oprimidos não se
disseminassem pelo país. Por exemplo, seguindo ordem do governador da capitania
de Minas Gerais, José Antônio Freire de Andrade, a expedição chefiada pelo
paulista capitão-mor, capitão do mato, Bartolomeu Bueno do Prado, destruiu, com
requinte de crueldade, um grande número de quilombos nas regiões do Alto
Paranaíba, Triângulo Mineiro e Sudoeste de Minas Gerais, entre eles, em 1756, o
quilombo do Rio Grande. Nina Rodrigues se refere à destruição do quilombo do
Rio Grande como “circunstância bárbara e repugnante” pelo fato de, além da
mortandade perpetrada, ter “Bartolomeu Bueno trazido como troféu da vitória
3900 pares de orelhas tiradas aos negros destroçados e mortos” (RODRIGUES, 1988:
96).
As comunidades quilombolas estão espalhadas
por quase todo o território mineiro, em mais de 600 já com auto-reconhecimento.
No
Brasil, a Fundação Palmares contabiliza a certificação de 2821 comunidades como
remanescentes de quilombo rural ou urbano.[3]
A luz dos Luízes precisa continuar brilhando.
A sociedade brasileira precisa pagar a imensa dívida histórica que tem com o
povo negro. Basta de racismo e discriminação. O povo negro exige respeito, não
quer apenas compaixão.
Referências.
CEDEFES
(Org.). Comunidades quilombolas de Minas
Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte:
Autêntica/CEDEFES, 2008.
OLIVEIRA, Ariovaldo
Umbelino de. Camponeses, indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie
aumenta. In: Conflitos no Campo Brasil
2015. Goiânia: CPT Nacional, p. 28-42, 2015.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Brasília: Ed.
Universidade de Brasília, 1988.
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia
à república: momentos decisivos. 6ª edição. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
1999.
[1] Padre da Ordem os Carmelitas,
bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto bíblico de
Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor do CEBI, CEBs e SAB e
integrante da coordenação da CPT/MG; www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
– gilvanderlm@gmail.com – face:
Gilvander Moreira III
[2]
Cf. https://www.achetudoeregiao.com.br/mg/quilombolas.htm
. Acesso dia 28/5/2016 às
12h13. Sobre
história e resistência dos quilombolas em Minas Gerais, cf. CEDEFES (Org.). Comunidades quilombolas de Minas Gerais no
século XXI: história e resistência. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES,
2008.
[3] Informação de reportagem sobre a
concessão de certificado para 14 comunidades quilombolas em seis municípios do
Vale do Jequitinhonha, MG, dia 22/8/2016, disponível em http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/comunidades-rurais-do-jequitinhonha-recebem-certificacao-quilombola
, acesso em 02/11/2016 às 17h28.
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