Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
domingo, 14 de maio de 2017
sábado, 13 de maio de 2017
20ª Romaria das águas e da terra de Minas Gerais, no noroeste de MG, coração do agronegócio
20ª Romaria das águas
e da terra de Minas Gerais, no noroeste de MG, coração do agronegócio[1].
Por frei Gilvander Luís Moreira[2],
da CPT.
Com o Tema: “Povos da Cidade e do Sertão
Clamando por Água, Terra e Pão”; e com o Lema: “Povos, Rios, Veredas e Nascentes
são Dons de Deus em Romaria e Resistência”, a 20ª Romaria das águas e da terra
de Minas Gerais está acontecendo de forma processual no Noroeste de Minas, na
Diocese d
e Paracatu, e terá celebração final dia 23 de
julho de 2017, na cidade de Unaí. Estão acontecendo várias pré-romarias nas
seguintes cidades: Uruana, Buritis, Chapada Gaúcha, Arinos, Urucuia,
Bonfinópolis, Unaí, Boqueirão, Paracatu, etc. Convocada pela memória subversiva
do Evangelho da Vida e da Esperança, fiel ao Deus dos pobres, à terra, às águas
de Deus e aos pobres da terra e das águas, também ouvindo o clamor que vem dos
biomas violentados - Cerrados, Mata Atlântica, Amazônia, Caatinga, Pampas e
Pantanal - e seguindo a prática de Jesus, a Comissão Pastoral de Terra (CPT),
há quatro décadas, vem realizando em todo Brasil, romarias da Terra, que com o
passar dos anos, foi ampliada para Romaria das águas e da terra.
As romarias consistem em espaço importante de
reflexão, de celebração, anúncio, denúncia e posicionamento frente à
concentração de terras, a privatização das águas, dos direitos negados aos
povos do campo e das cidades. Também anunciamos as conquistas e vitórias do
povo organizado, o reencontro com a terra prometida e partilhamos saberes e
sabores.
Para a realização das romarias das águas e da
terra, a CPT conta com a participação das dioceses, paróquias, Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), Cáritas, Pastorais Sociais, STRs e Movimentos Sociais
Populares (MST, MPA, Levante Popular da Juventude, etc.).
Em Minas Gerais acontecem romarias regionais
com foco central nos problemas locais nas lutas dos camponeses e das
camponesas. Desde 1996 a Romaria das águas e da terra vem sendo celebrada anualmente
em caráter estadual como um momento forte de celebração da vida e
reconhecimento da sacralidade da vida humana e de toda a biodiversidade, da Mãe
Terra e de nossa irmã Água. São Francisco de Assis, patrono da romaria, é o
símbolo da sociedade que queremos, onde tudo e todos devem agir como irmãos e
irmãs, construindo fraternidade universal a partir dos oprimidos e super-explorados.
O papa Francisco nos apoia e exorta: “Saiam para as ruas, para a luta!”.
Antes da 1ª Romaria estadual da terra e das
águas de Minas Gerais, que aconteceu dia 04 de outubro de 1996, na cidade de
Manga, no Norte de Minas, à beira do rio São Francisco, aconteceram duas
Romarias da terra no noroeste de Minas. A 1a, dia 25 de julho de 1991, em
Igrejinha, distrito de Arinos, no meio de um grande conflito de terra na
Fazenda Menino – que já serviu no passado de esconderijo de muitos líderes de
esquerda, como Brizola, Oscar Niemayer, Lamarca e outros, que fugiam da
perseguição dos tiranos da ditadura militar-civil-empresarial.
Nessa
Romaria, mais de mil romeiros/as marcharam a pé 12 quilômetros, da Igrejinha
até a Fazenda Menino, onde o fazendeiro José Alfredo tinha mandado seu jagunço
Milton matar os irmãos camponeses posseiros Januário e José Natal. O jagunço
foi condenado a 22 anos e 6 meses de prisão e esta Romaria foi o ponto de
partida para muitas conquistas de terra pelos movimentos sociais do campo no
Noroeste de Minas. Naex-fazenda Menino estão assentadas mais de 500 famílias
camponesas nos Caminhos do Sertão de Guimarães Rosa. A 1ª Romaria da terra de
Arinos mostrou aos fazendeiros que matar posseiros e trabalhador rural para
tomar suas terras já não ficariam mais impune como os assassinatos dos
camponeses Praxedes, Sr. Júlio de Miranda e dezenas de outros no norte e
noroeste de Minas.
A 2ª Romaria da terra do noroeste de MG
aconteceu na cidade de Arinos dia 25 de julho de 1993 com aproximadamente 5.000
romeiros/as. Os fazendeiros, com o poder
do coronel Jarbas, organizaram 250 policiais para prender os caminhões que
traziam os/as romeiros/as e tentar proibir a entrada dos/as romeiros/as na
cidade de Arinos, os quais tiveram que seguir a pé por até 20 quilômetros. A
desculpa era: “caminhão sem toldo não pode carregar ninguém na carroceria.” Revistaram
todas as bolsas das mulheres, jovens e idosas. Depois desta Romaria, todas as
grandes fazendas de Arinos se tornaram assentamentos, que hoje são 27 ao todo.
Nos 14 municípios do noroeste de MG, os camponeses Sem Terra, sob liderança dos
STRs (FETAEMG) e MST, já conquistaram 77 assentamentos de reforma agrária. “Conquistamos
a terra, mas agora estão nos roubando as águas para o agronegócio e
hidronegócio”, lamentam os camponeses.
Todas as Romarias têm, no geral, os mesmos
problemas e reações e tem, acima de tudo, como missão ouvir os clamoresdos/as
camponeses/as, das terras e das águas como princípio e sustentabilidade da
vida. A região noroeste de Minas Gerais, marcada pela luta pela terra, pela
reforma agrária e por direitos básicos no campo, está sendo violentada pela
multiplicação dos agentes do agronegócio e do hidronegócio. Os municípios de
Unaí e Paracatu são os campeões do Brasil em número de pivôs de irrigação e em
área irrigada, mais de 150 mil hectares. O exagero de agrotóxico jogado na
agricultura empresarial tem causado uma “epidemia” de câncer, alzaimer e outras
doenças.
As fontes de água, que eram abundantes, estão
sendo dizimadas pelo capitalismo e pelos capitalistas do campo. Barragens
construídas em nascentes de córregos, voltadas para a irrigação das terras dos
grandes empresários, têm secado córregos de água que serviam aos moradores
locais, o que provocou crise hídrica gravíssima na região. Sob a liderança do
Comitê de Defesa da Bacia do Rio Urucuia (COMDHRU), o povo camponês de Buritis
fez vigília durante nove meses na nascente do Córrego Barriguda (a cerca de 50
km da cidade de Buritis, MG), denunciando a injustiça agrária e hídrica vivida no
noroeste de Minas, as dificuldades impostas aos moradores locais/camponeses e
alertando para a necessidade de lutas coletivas para a superação da crise
hídrica desde a sua raiz - neste caso, o Rio Urucuia, um dos principais
afluentes do Rio São Francisco.
Antigamente, esperava-se vir a chuva para
plantar, mas agora os empresários do agronegócio plantamvárias vezes por ano. E
para isso captam água das lagoas, dos córregos, dos rios e do lençol freático
via poços artesianos. Só que a captação está beneficiando apenas alguns
proprietários empresários e deixando milhares de famílias camponesas na
dificuldade. Assim, a miséria está se alastrando no campoe na cidade no
noroeste de Minas também.
O que
acontece no noroeste mineiro é que os grandes fazendeiros praticantes da
agricultura empresarial têm avançado na consolidação de seus projetos de
irrigação, de forma abusiva. Ocorre que se tornou rotina na região a construçãode
barragens nas cabeceiras dos principais córregos, em nascentes e lagoas, com o
objetivo de captar água para a irrigação. Isso funciona com uma quantidade
enorme de água sem que eles sejam autorizados ou licenciados pelos órgãos
ambientais. E esses córregos são responsáveis pelo abastecimento dos rios
Urucuia, Preto, Paracatu e outros afluentes do rio São Francisco. O poder
público/Estado e os órgãos ambientais estão sendo cúmplices dessa devastação
socioambiental. Não fiscalizam e concedem licenças ambientais que na prática
são usadas para se captar muito mais água do que o permitido legalmente. A 20ª
Romaria das águas e da terra de Minas vem denunciar isso e anunciar que o
caminho justo e ecologicamente sustentável é reforma agrária, agricultura familiar
agroecológica em comunhão com preservação ambiental. Isso precisa ser garantido
através de lutas coletivas em nome da responsabilidade socioambiental e
geracional que temos.
Belo Horizonte, MG, Brasil, dia 13/5/2017.
[1] Texto publicado no
Jornal A VERDADE, ano 17, n. 194, 05/5 a 05/6/2017, p. 8.
[2] Frei e padre da Ordem dos Carmelitas;
bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma,
Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e
Movimentos Populares urbanos de luta por moradia; e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
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