Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
quinta-feira, 17 de novembro de 2016
segunda-feira, 14 de novembro de 2016
Papa Francisco, um homem de muita coragem! por João Pedro Stedile.
Papa Francisco, um
homem de muita coragem!
Por João Pedro Stedile, da
coordenação do MST e da Via Campesina.
Jornal Brasil de fato, 14 de
novembro de 2016.
Estive recentemente
no III Encontro mundial de movimentos
populares em diálogo com o Papa Francisco, realizado no Vaticano de 2 a 5
de novembro de 2016. Participaram mais de 200 delegados de 60 países,
representando movimentos inseridos nas lutas sociais de três áreas: Trabalho,
terra e Teto. Do Brasil estávamos em oito delegados escolhidos pelos movimentos dessas áreas.
O
encontro se insere num processo permanente de debate que iniciamos em 2013, do qual resultou o primeiro encontro no Vaticano em outubro de
2014, depois um segundo mais massivo e
latinoamericano, quando reunimos mais de 5 mil militantes populares em Santa
Cruz de la Sierra, Bolívia. E agora o
terceiro encontro, de novo no
Vaticano.
Esse
processo de debates e diálogos entre o Papa Francisco e os movimentos
populares, partiu de uma vontade política do Papa, de dialogar e dar
protagonismo aos movimentos populares em todo mundo, como estimulo
à organização dos trabalhadores e dos mais pobres, como esperança e
necessidade para as mudanças
necessárias no sistema capitalista.
Por
isso, os delegados são escolhidos entre os dirigentes de movimentos populares,
de todos os continentes, com a maior pluralidade possível e existente de: etnias,
religiões, idade, culturas e com equidade de gênero. Ele pediu que se
evitasse levar agentes de pastorais da igreja católica, pois teriam outros
espaços. Mas sempre participam também desse processo de
dialogo, representantes do Vaticano, em especial da Pontifícia Comissão de
Justiça e Paz, e alguns bispos e cardeais, que tenham vínculos reais com os
movimentos populares em suas regiões.
No
primeiro encontro, a base do dialogo foi o debate sobre a realidade e a causa
dos problemas que vivem os trabalhadores nas três esferas da luta social. Foi
apresentado um amplo diagnóstico e
reflexões sobre as soluções necessárias. Usando sempre o método
ver-julgar-agir. O Papa Francisco construiu um documento, que na essência se
resumiu na defesa de um programa de que não deveríamos ter mais: “Nenhum
camponês sem terra; Nenhum trabalhador sem direitos e nenhuma família sem
moradia digna!”
Entre o
primeiro e o segundo encontro seguiu-se um diálogo em torno dos problemas
ambientais, dos agrotóxicos, das sementes transgênicas, em que o Papa consultou
muitos especialistas, teólogos, bispos e movimentos que atuam nessa área. E o resultado foi uma esplêndida Encíclica, “Louvado seja!” aonde
o Papa sistematiza reflexões, analisa as causas dos problemas ambientais
e propõem soluções. O Texto é a mais profunda
e rica contribuição teórica e programática sobre o tema produzida
em todos os tempos. Uma
contribuição que nem mesmo a tradição teórica de esquerda havia produzido.
Depois
no segundo encontro na Bolívia, com presença marcante de afro-descendentes, povos indígenas e povos
com conflitos em seus territórios, como o povo Curdo, avançou-se para o direito
ao território. O Papa inseriu em suas
reflexões o conceito de que todo o povo tem o direito a soberania popular sobre
o seu território. E avançou-se também na concepção de que os bens da natureza
que existem nesses territórios devem ser aproveitados em benefício de todo povo, ou seja trata-se de
um bem comum e não apenas um recurso a ser transformado em mercadoria e renda extraordinária, como querem as empresas
capitalistas que exploram os bens da
natureza, como os minérios, petróleo, água e biodiversidade.
Agora,
no terceiro encontro estava na pauta dos debates, novos temas relacionados com
os graves dilemas que a sociedade moderna está enfrentando em todo
mundo. O primeiro tema foi a questão do
estado e da democracia. Tivemos aqui a
participação também do ex- Presidente Pepe Mujica, do Uruguai, e de outros dirigentes
políticos progressistas que enviaram
reflexões. Há uma crítica generalizada em todo mundo, que a forma de funcionar
do estado burguês não representa mais as bases republicanas dos interesses da
maioria. Porque a democracia representativa, formal, burguesa, não consegue
mais expressar apenas pelo voto, o direito e a vontade da maioria da
população. O capital sequestrou a democracia pela forma de organizar as
eleições.
E sobre
esse tema o Papa reagiu e foi contundente que assombrou a todos, quando definiu
de que na realidade existe um estado mais que excludente, um estado terrorista,
que usa do dinheiro e do medo, para manipular a vontade das maiorias. O dinheiro expresssa a força do capital que
sobrepassa as instituições democráticas, e o medo, imposto à população pela
manipulação midiática permanente.
Entre
todos participantes ficou a certeza de que precisamos aprofundar o debate em
nossos países, para construir novas formas de participação política do povo,
que de fato, garanta o direito do povo participar do poder político em todos os
espaços da vida social. E ninguém tem uma receita, uma fórmula, depende da
construção real na luta de classes de cada pais. A realidade é que esses
processos eleitorais atuais não são democráticos e nem permitem a realização da
vontade do povo.
Outro
tema debatido, que representou avanços em relação aos encontros anteriores, foi
o tema dos migrantes econômicos e dos refugiados políticos. A Europa vive uma
verdadeira tragédia com os refugiados do Oriente médio e da África. Milhões, repito milhões de pessoas estão
migrando todos os dias, de todas as formas, de barco, caminhando quilômetros e
quilômetros para fugir da morte rumo a Europa, e lá encontram mais
exclusão e xenofobia, sendo que apenas estão lá, porque as empresas europeias
são as principais fornecedoras de armas para a Arábia Saudita e governos repressores da região.
Nesse
sentido a reflexão dos movimentos seguiu na linha do direito a um território e
da luta contra a xenofobia. Do direito a autodeterminação dos povos e contra as
guerras. As guerras não resolvem nenhum conflito social e apenas criam mais
problemas sociais, além de ceifar a vida de milhares de pessoas, em geral os
mais pobres e trabalhadores. Todos os seres humanos são iguais, na sua
natureza e nos seus direitos. Aqui emergiu a ideia de que devemos
incorporar em todos nossos programas a proposta da igualdade. A
igualdade de oportunidades, de direitos e deveres, é a unica base de uma
sociedade realmente democrática.
E nesse
tema o Papa Francisco revelou toda sua coragem, ao denunciar de que quando um
banco vai a falência, logo surgem bilhões de euros para salvar seus acionistas.
Porém quando um povo está em dificuldade e migra, nunca há recursos públicos
para ajudá-los e encontra-se todo tipo de desculpas possíveis. O Papa denunciou
o sistema capitalista como autor dessa tragédia humana, contemporânea que
estamos vivendo, de exclusão, de superexploração dos migrantes e dos
refugiados, não só na Europa, mas em diversas regiões mundo, aonde os países
ditos ricos, se protegem dos pobres e migrantes, praticando ainda mais
exclusão. Nunca se ergueram tantos muros de exclusão, em tantos países,
como agora!
Como veem
os debates foram muito interessantes. E
devem seguir, por muito tempo ainda, graças a abertura e generosidade do Papa
Francisco. Todos os documentos na íntegra
e os discursos do Papa vocês poderão encontrar
na página http://movimientospopulares.org/
De nossa
parte, da delegação brasileira, levamos uma faixa de FORA TEMER, em plena
praça da Basílica de São Pedro, denunciando o golpe por aqui
e saímos convencidos de que além de São Francisco de Assis, agora
temos mais um Francisco, revolucionário na igreja.
sábado, 12 de novembro de 2016
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
Discurso do Papa Francisco no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016. “Terra, casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).
Discurso do Papa Francisco no III
Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016.
“Terra,
casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).
Vaticano,
Roma, Itália, 05/11/2016
O
Terceiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares aconteceu de 2 a 5 de novembro
de 2016, na cidade de Roma, na Itália. O Papa Francisco participou da conclusão
do encontro, sábado à tarde, acontecimento que reuniu cerca de 3.000 pessoas,
na Sala Paulo VI. Antes da chegada do Papa, os presentes viveram um momento de
entretenimento, intercalado com canções e testemunhos. À sua chegada, o Papa
foi recebido pelo cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do Pontifício
Conselho Justiça e Paz, que lhe dirigiu uma breve saudação. Seguiu-se um vídeo
que apresentou uma síntese dos trabalhos realizados ao longo do III Encontro e
a leitura do documento das conclusões programáticas dos movimentos populares. O
III Encontro Mundial dos Movimentos Populares terminou com um discurso do Papa,
a seguir.
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO NO 3º
ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES: terra, casa e trabalho para todos!
Sábado,
5 de novembro de 2016
"Irmãs
e irmãs, boa tarde!
Neste
nosso terceiro encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo
grito: terra, casa e trabalho para todos. Agradeço os/as delegados/as que
vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais
de 60 países, que vieram para discutir mais uma vez sobre como defender estes
direitos que nos convocam. Obrigado aos Bispos que vieram para vos acompanhar.
Obrigado aos milhares de italianos e europeus que se uniram hoje ao final deste
encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública
que vieram com humildade escutar e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens!
Agradeço também ao Senhor Cardeal Turkson, pelo trabalho que fez no Dicastério;
e gostaria também de recordar a contribuição do ex-Presidente José Mujica, que
está presente.
No último encontro, na Bolívia, com maioria de
latino-americanos, falamos da necessidade de uma mudança para que a vida seja
digna, uma mudança de estruturas; além disto, de como vocês, os movimentos
populares, são semeadores desta mudança, promotores de um processo em que
convergem milhares de pequenas e grandes ações concatenadas em modo criativo,
como em uma poesia; por isto quis vos chamar “poetas sociais”; e temos também
elencado algumas tarefas imprescindíveis para caminhar em direção a uma
alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. Colocar a
economia à serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe
Terra.
Aquele
dia, com a voz de uma “papeleira” e de um agricultor, foram leitos, na
conclusão, os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra ‘mudança’
era repleta de grande conteúdo, era ligada às coisas fundamentais que vocês
reivindicam: trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado de
trabalho; terra para os agricultores e as populações indígenas; moradia para as
famílias sem-teto; integração humana para os bairros populares; eliminação da
discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de
escravidão; o fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão;
liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia a
serviço dos povos. Ouvimos também como vocês se comprometeram em abraçar um
projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor
entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de
“viver bem” aquilo que vocês reclamam, a “vida boa”, e não aquele ideal egoísta
que enganosamente inverte as palavras e propõe a “bela vida”.
Nós
que hoje estamos aqui, de origens, crenças e ideias diferentes, poderíamos não
estar de acordo com tudo, seguramente pensamos diversamente sobre muitas
coisas, porém certamente estamos de acordo sobre estes pontos.
Soube
também de encontros e laboratórios realizados em diversos países, onde se
multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isto é muito
importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de
uma, três ou mil conferências: devem ser fruto de um discernimento coletivo que
amadureça nos territórios junto com os irmãos, um discernimento que se torne
ação transformadora “segundo os lugares, os tempos e as pessoas”, como dizia
Santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de “certos
nominalismos declaracionistas que são belas frases, mas que não conseguem
sustentar a vida de nossas comunidades” (Carta ao Presidente da Pontifícia
Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016). São slogans. O
colonialismo ideológico globalizante procura impor receitas supraculturais que
não respeitam a identidade dos povos. Vocês seguem por um caminho que é, ao
mesmo tempo, local e universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para
organizar a multidão em grupos de cinquenta para distribuir o pão (cf. Homilia
na Solenidade de Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004).
Há
pouco pudemos ver o vídeo que vocês apresentaram como conclusão deste terceiro
encontro. Vimos os vossos rostos nas discussões sobre como enfrentar “a
desigualdade que gera violência”. Tantas propostas, tanta criatividade, tanta
esperança na vossa voz que talvez teria mais motivos para lamentar-se,
permanecer paralisada nos conflitos, cair na tentação do negativo. Mesmo assim
vocês olham em frente, pensam, discutem, propõe e agem. Congratulo-me convosco,
vos acompanho, vos peço para continuar a abrir caminhos e a lutar. Isto me dá
força, nos dá força. Acredito que este nosso diálogo, que se soma aos esforços
de tantos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça em todo o
mundo, está lançando raízes. Eu queria tocar em alguns temas mais específicos,
que são os que recebi de vocês, que me fizeram refletir e os devolvo neste
momento.
- O
terror e os muros.
Todavia,
esta germinação, que é lenta, que tem os seus tempos como todas as gestações, é
ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que age em sentido
contrário. Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de
amadurecimento de uma mudança que seja capaz de deslocar o primado do dinheiro
e colocar novamente no centro o ser humano, ao homem, a mulher. Aquele “fio
invisível” do qual havíamos falado na Bolívia, aquela estrutura injusta que
liga todas as exclusões que vocês sofrem, pode consolidar-se e transformar-se
em um chicote, um chicote existencial que, no Antigo Testamento, torna
escravos, rouba a liberdade, fere sem misericórdia alguns e ameaça
constantemente os outros, para abater todos como gado até onde quer o dinheiro
divinizado. Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do
medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que
gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar
nunca. Quanta dor, quanto medo!
Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religiosos. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as partes. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro (Coletiva de imprensa no vôo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o firmar-se de uma ditadura econômica global que chamou “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo anno, 15 de maio de 1931, 109). Estou falando do ano de 1931!. A sala na qual agora nos encontramos se chama “Paulo VI”, e foi Paulo VI que denunciou há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político” (Carta Encíclica Octogesima adveniens, 14 de maio 1971, 44). São palavras duras mas justas de meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que tanto escandaliza que repete o Papa neste tempo, em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina Igreja e o magistério de meus predecessores se rebela contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religiosos. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as partes. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro (Coletiva de imprensa no vôo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o firmar-se de uma ditadura econômica global que chamou “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo anno, 15 de maio de 1931, 109). Estou falando do ano de 1931!. A sala na qual agora nos encontramos se chama “Paulo VI”, e foi Paulo VI que denunciou há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político” (Carta Encíclica Octogesima adveniens, 14 de maio 1971, 44). São palavras duras mas justas de meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que tanto escandaliza que repete o Papa neste tempo, em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina Igreja e o magistério de meus predecessores se rebela contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Nenhuma
tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Isso é chave. Disto o fato de
que toda a tirania seja terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas
periferias é com massacres, saques, opressão e injustiça, explode nos centros
com diversas formas de violência, até mesmo com atentados odiosos e covardes,
os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa
segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam
outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda
mais aterrorizados de outro. É esta a vida que Deus nosso Pai quer para os seus
filhos?
O
medo é alimentado, manipulado... Porque o medo, além de ser um bom negócio para
os mercadores das armas e da morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói
as nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do
sofrimento dos outros e no final nos torna cruéis. Quando ouvimos que se
festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que
se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando
constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta
crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo. Peço-vos para
rezarem por todos aqueles que têm medo, rezemos para que Deus dê a eles coragem
e que neste ano da misericórdia possa amolecer os nossos corações. A
misericórdia não é fácil, não é fácil... exige coragem. Por isto Jesus nos diz:
‘Não tenhais medo” (Mateus 14,27), porque a misericórdia é o melhor antídoto
contra o medo. É muito melhor do que os antidepressivos e dos ansiolíticos.
Muito mais eficaz do que os muros, das grades, dos alarmes e das armas. E é
grátis: é um dom de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não deixemo-nos enganar. Como vocês disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitem abater os muros da exclusão e da exploração”. (Documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de 2015, Santa cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não deixemo-nos enganar. Como vocês disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitem abater os muros da exclusão e da exploração”. (Documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de 2015, Santa cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.
- O
amor e as pontes
Um
dia como este, um sábado, Jesus fez duas coisas que, nos diz o Evangelho,
apressaram o complô para matá-lo. Passava com os seus discípulos por um campo
de sementes. Os discípulos tinham fome e comeram as espigas. Nada se diz sobre
o “dono” daquele campo... subjacente é a destinação universal dos bens. O que é
certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de
Deus antes que a uma interpretação formalística, obsequiosa e interessada da
norma. Quando os doutores da lei lamentaram com indignação hipócrita, Jesus
recordou a eles que Deus quer o amor e não sacrifícios, e explicou que o sábado
é feito para o homem e não o homem para o sábado (cf. Mateus 2,27). Enfrentou o
pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf.
Homilia, I Congresso de Evangelização da Cultura, Buenos Aires, 3 de novembro
de 2006), que dá sempre a prioridade ao homem e não aceita que determinadas
lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.
E depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo de “pior”, algo que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e com isso lhe restituiu a dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho! Porque os hipócritas, para defender sistemas injustos, se opõem a que sejam curados. Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam os vossos trabalhos, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade de consumo, enfrentando a inclemência do tempo para vender em uma praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar para alimentar quem tem fome, quando vocês fazem isto estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, esta atrofia do sistema socioeconômico reinante, que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês às vezes sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não interessa aquilo que vocês dizem.
E depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo de “pior”, algo que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e com isso lhe restituiu a dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho! Porque os hipócritas, para defender sistemas injustos, se opõem a que sejam curados. Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam os vossos trabalhos, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade de consumo, enfrentando a inclemência do tempo para vender em uma praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar para alimentar quem tem fome, quando vocês fazem isto estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, esta atrofia do sistema socioeconômico reinante, que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês às vezes sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não interessa aquilo que vocês dizem.
Jesus,
que naquele sábado arriscou a vida, porque depois que curou aquela mão,
fariseus e herodianos (cf Mc 3,6), dois partidos opostos entre eles, que temiam
o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e armaram um complô para
matá-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei – o quero recordar, a
quero recordar - que alguns não estão aqui hoje porque arriscaram a vida... Mas
não existe amor maior que dar a vida. Isto nos ensina Jesus.
Os 3 T, o vosso grito que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo Cardeal Turkson preside o Dicastério que leva este nome: Desenvolvimento Humano integral. O contrário do desenvolvimento, se poderia dizer, é a atrofia, a paralisia. Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas “próteses” cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se compram, são usadas e jogadas fora, nos envolvendo a todos em uma vertiginosa dinâmica do descarte... Mas não consente o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso pela criação, desta casa comum.
Os 3 T, o vosso grito que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo Cardeal Turkson preside o Dicastério que leva este nome: Desenvolvimento Humano integral. O contrário do desenvolvimento, se poderia dizer, é a atrofia, a paralisia. Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas “próteses” cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se compram, são usadas e jogadas fora, nos envolvendo a todos em uma vertiginosa dinâmica do descarte... Mas não consente o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso pela criação, desta casa comum.
- A
Bancarrota e o resgate
Queridos
irmãos, quero compartilhar com vocês algumas reflexões sobre outros dois temas
que, junto aos “3-T” e à ecologia integral, estiveram ao centro de vossos
debates dos últimos dias e foram focalizados neste período histórico. Sei que
vocês dedicaram um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados.
O que fazer diante desta tragédia? No Dicastério cujo responsável é o Cardeal
Turkson existe um setor que se ocupa destas situações. Decidi que, ao menos por
um certo tempo, este setor vai ficar submetido diretamente ao Pontífice, porque
esta é uma situação infame, que posso somente descrever com uma palavra que me
veio em mente espontaneamente em Lampedusa: vergonha. Lá, como em Lesbos, pude
ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas de sua terra por
motivos econômicos ou violências de todos os tipos, multidões exiladas – disse
isto diante das autoridades de todo o mundo – por causa de um sistema
socioeconômico injusto e de guerras que não buscaram, que não criaram aqueles
que hoje sofrem o doloroso desenraizamento da sua pátria, mas antes muitos daqueles
que se recusam em recebê-los. Faço minhas as palavras de meu irmão o Arcebispo
Hieronymos da Grécia: “Quem vê os olhos das crianças que encontramos nos
campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a
“bancarrota” da humanidade”. (Discurso no Campo de Refugiados de Moria, em
Lesbos, 16 de abril de 2016). O que acontece no mundo de hoje que, quando
ocorre a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para
salvá-lo, mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer
uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o
Mediterrâneo transformou-se em um cemitério e não somente o Mediterrâneo... muitos
cemitérios próximos aos muros, muros manchados de sangue inocente. Durante
os dias deste encontro, o mostravam no vídeo. Quantos morreram no mediterrâneo?
O medo endurece o coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver o sangue, a dor, o rosto do outro. O disse o meu irmão o Patriarca Bartolomeu: “Quem tem medo de vocês não vos olhou nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu os vossos rostos. Quem tem medo de vocês não vê os vossos filhos. Esquece que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e transcende a divisão. Esquece que a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo”. (Discurso no campo de Refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É realmente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da própria pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis circunstâncias, o migrante se vê lançados nas garras dos traficantes de pessoas para atravessar as fronteiras, e é triplo se chegam à terra em que se pensava encontrar um futuro melhor e são desprezados, explorados e até mesmo escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades. Ou simplesmente não o deixa entrar. Peço a vocês para fazerem todo o possível e não esquecerem nunca que também Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos para exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir moradias, integrar bairros segregados e reclamar sem se deter como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18,1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, buscam refúgio longe de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal. Dar exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto me leva ao segundo tema que vocês debateram em vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se até se tornar irreconhecível. A lacuna entre os povos e as nossas atuais formas de democracia se alarga sempre mais como consequência do enorme poder dos grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las. Os movimentos populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito de novo Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – mas não é a única – de viver o compromisso cristão a serviço dos outros”. (Carta Ap. Octosegima adveniens, 14 de maio de 1971, 46). Ou esta frase que repito tantas vezes, que sempre me confundo, não sei se é de Paulo VI ou de Pio XII: “A política é uma das formas mais elevadas da caridade, do amor”. Gostaria de sublinhar dois riscos que giram ao redor da relação entre os movimentos populares e política: o risco de deixar-se “formatar” (– no sentido de limitar os movimentos. O Papa usou a palavra “encorsetar”), e o risco de deixar-se corromper.
Primeiro, não se deixar “formatar” porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, o horto agroecológico, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais... até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a política com a maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais concebidas como uma política em direção aos pobres, mas nunca “com” os pobres, nunca “dos” pobres e tanto menos inserida em um projeto que reúna os povos, me parece às vezes uma espécie de mascarado por conter os descartes do sistema. Quando vocês, do vosso arraigamento ao território, da vossa realidade cotidiana, do bairro, do local, da organização de trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousem colocar em discussão as “macro-relações”, quando gritam, quando indicarem ao poder um planejamento mais integral, então não se tolera vocês mais tanto. Não se tolera tanto, porque estão saindo do “formato”, estão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu destino.
Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que vos reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória. Sabemos que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”. (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 202). Por isto, o disse e o repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças”. (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento no encontro de Juízes e Magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho 2016). Este era o primeiro risco: o risco da limitação e o convite de entrarem na grande política.
O medo endurece o coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver o sangue, a dor, o rosto do outro. O disse o meu irmão o Patriarca Bartolomeu: “Quem tem medo de vocês não vos olhou nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu os vossos rostos. Quem tem medo de vocês não vê os vossos filhos. Esquece que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e transcende a divisão. Esquece que a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo”. (Discurso no campo de Refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É realmente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da própria pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis circunstâncias, o migrante se vê lançados nas garras dos traficantes de pessoas para atravessar as fronteiras, e é triplo se chegam à terra em que se pensava encontrar um futuro melhor e são desprezados, explorados e até mesmo escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades. Ou simplesmente não o deixa entrar. Peço a vocês para fazerem todo o possível e não esquecerem nunca que também Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos para exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir moradias, integrar bairros segregados e reclamar sem se deter como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18,1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, buscam refúgio longe de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal. Dar exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto me leva ao segundo tema que vocês debateram em vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se até se tornar irreconhecível. A lacuna entre os povos e as nossas atuais formas de democracia se alarga sempre mais como consequência do enorme poder dos grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las. Os movimentos populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito de novo Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – mas não é a única – de viver o compromisso cristão a serviço dos outros”. (Carta Ap. Octosegima adveniens, 14 de maio de 1971, 46). Ou esta frase que repito tantas vezes, que sempre me confundo, não sei se é de Paulo VI ou de Pio XII: “A política é uma das formas mais elevadas da caridade, do amor”. Gostaria de sublinhar dois riscos que giram ao redor da relação entre os movimentos populares e política: o risco de deixar-se “formatar” (– no sentido de limitar os movimentos. O Papa usou a palavra “encorsetar”), e o risco de deixar-se corromper.
Primeiro, não se deixar “formatar” porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, o horto agroecológico, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais... até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a política com a maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais concebidas como uma política em direção aos pobres, mas nunca “com” os pobres, nunca “dos” pobres e tanto menos inserida em um projeto que reúna os povos, me parece às vezes uma espécie de mascarado por conter os descartes do sistema. Quando vocês, do vosso arraigamento ao território, da vossa realidade cotidiana, do bairro, do local, da organização de trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousem colocar em discussão as “macro-relações”, quando gritam, quando indicarem ao poder um planejamento mais integral, então não se tolera vocês mais tanto. Não se tolera tanto, porque estão saindo do “formato”, estão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu destino.
Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que vos reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória. Sabemos que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”. (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 202). Por isto, o disse e o repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças”. (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento no encontro de Juízes e Magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho 2016). Este era o primeiro risco: o risco da limitação e o convite de entrarem na grande política.
O
segundo risco, dizia para vocês, é deixar-se corromper. Como a política não é
uma questão dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da política. Existe
corrupção na política, existe corrupção nas empresas, existe corrupção nos
meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e existe corrupção também
nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que existe
uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em particular na
atividade financeira, e que é menos notícia do que a corrupção diretamente e
ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que muito vezes se utilizam
os casos de corrupção com más intenções. Mas é também justo esclarecer que
aqueles que escolheram uma vida de serviço, têm uma obrigação ulterior que se
soma à honestidade com que qualquer pessoa deve agir na vida. A medida é muito
alta: é necessário viver a vocação de servir com um forte sentido de
austeridade e a humildade. Isto vale para os políticos, mas vale também para os
dirigentes sociais e para nós pastores. Disse “austeridade”. Gostaria de
esclarecer a que me refiro com a palavra austeridade. Pode ser uma palavra equivocada.
Austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade em como levo em
frente a minha vida, minha família. Austeridade moral e humana. Porque no campo
mais científico, científico-econômico se quiserem, ou das ciências do mercado,
austeridade é sinônimo de ajuste. E não é a isto que me refiro. Não estou
falando disso.
A qualquer pessoa que sejam muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas suntuosas, as roupas refinadas, o carro de luxo, aconselharia de entender o que está acontecendo em seu coração e de rezar a Deus para libertá-lo destes apegos. Mas, parafraseando o ex-Presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado a todas estas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre no seminário.
Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-vos de não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos “3-T”. Peço a vocês, dirigentes, para não cansarem-se de praticar esta austeridade moral, pessoal e peço a todos para exigir dos dirigentes esta austeridade, que – de resto – os fará muito felizes.
Queridas irmãs e irmãos, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
A qualquer pessoa que sejam muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas suntuosas, as roupas refinadas, o carro de luxo, aconselharia de entender o que está acontecendo em seu coração e de rezar a Deus para libertá-lo destes apegos. Mas, parafraseando o ex-Presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado a todas estas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre no seminário.
Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-vos de não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos “3-T”. Peço a vocês, dirigentes, para não cansarem-se de praticar esta austeridade moral, pessoal e peço a todos para exigir dos dirigentes esta austeridade, que – de resto – os fará muito felizes.
Queridas irmãs e irmãos, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
Gostaria,
para concluir, pedir a vocês para continuar a combater o medo com uma vida de
serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles
que sofrem. Vocês poderiam errar muitas vezes, todos erramos, mas se
perseveramos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. E insisto: contra
o terror, o melhor remédio é o amor. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois
do Sínodo sobre a Família escrevi Amoris
laetitia, um documento sobre o amor em cada família, mas também naquela
outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade. Alguém de
vocês me pediu para distribuir um fascículo que contém um fragmento do capítulo
quatro deste documento. Penso que entreguem a vocês na saída. E portanto com a
minha bênção. Lá encontram-se alguns “conselhos úteis” para praticar o mais
importante dos mandamentos de Jesus. Na Amoris
laetitia, cito um falecido líder afro-americano, Martin Luther King, que
sabia sempre escolher o amor fraterno até mesmo em meio às piores perseguições
e humilhações. Quero recordá-lo com vocês: “Quando te elevas ao nível do amor,
da sua grande beleza e poder, a única coisa que busca derrotar são os sistemas
malignos. As pessoas que estão presas por aquele sistema, as ame, porém procure
derrotar aquele sistema (...) Ódio por ódio intensifica somente a existência do
ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me fere, e te retribui o golpe e
tu me retribuiu o golpe, e assim por diante, é evidente que se continua até o
infinito. Simplesmente não acaba nunca. Uma das partes deve ter um pouco de bom
senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é a pessoa que é capaz de
quebrar a cadeia de ódio, a cadeia do mal”. (n. 118; Sermão na Igreja
Batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957).
Agradeço-vos
novamente pela vossa presença. Agradeço-vos pelo vosso trabalho. Desejo pedir a
Deus nosso Pai que vos acompanhe e vos abençoe, que vos cumule de seu amor e
vos defenda no caminho, dando-vos em abundância a força que nos mantém em pé e
nos dá a coragem para romper a cadeia do ódio: a força é a esperança. Peço-vos,
por favor, de rezarem por mim, e aqueles que não podem rezar, saibam, pensem
bem de mim e me enviem uma boa onda. Obrigado”.
Tradução
livre do Programa Brasileiro (From Vatican Radio).
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
Ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, MG: "Não queremos uma polícia violenta com quem luta por direitos humanos fundamentais." Paz, sim; violência, não!
Ocupações
da Izidora, em Belo Horizonte, MG: "Não queremos uma polícia violenta com
quem luta por direitos humanos fundamentais." Paz, sim; violência, não!
Frei Gilvander Moreira.
Em diferentes ocasiões, a Polícia Militar de
Minas Gerais tem agido com violência contra os moradores das comunidades da
Izidora, de Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, o que demonstra a falta de
preparo para lidar com a situação de um despejo de tamanha proporção como o
determinado pelo Órgão Especial do TJMG dia 28/09/2016: o despejo das 8.000
famílias (30.000 pessoas) das três Ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão,
Esperança e Vitória), comunidades em franco processo de consolidação já com
mais de 5.000 casas de alvenaria construídas, em 3,5 anos de luta.
Por exemplo, em 24 de julho de 2014, na
ocasião de uma manifestação pacífica pela permanência das ocupações, um
policial militar da cavalaria desferiu um golpe de espada contra o morador
Dinei Delfino Pereira (foto abaixo), que sofreu ferimento em sua face e esteve
por alguns momentos desacordado. Quando a cavalaria passou por cima do povo que
bloqueava a pista lateral da MG 010 (Linha Verde), diante da Cidade
Administrativa, um policial da cavalaria desferiu uma espadada que retalhou o
rosto de Dinei. Por um trisco, Dinei não foi assassinado por um dos policiais
da cavalaria. Há vídeos na internet mostrando que a cavalaria passou por cima
do povo e voltou em disparada passando novamente por cima do povo. Os cavalos
tiveram a destreza de não pisar no Dinei caído e desacordado, após sofrer uma
espadada no rosto. Confira, por exemplo, o vídeo disponibilizado no link https://www.youtube.com/watch?v=voc_MrfxV6k
Conforme relato da Promotora de Justiça Dra. Nivia Mônica Silva, do Centro de
Apoio Operacional às Promotorias de Direitos Humanos de Minas Gerais, em
resposta à Corte Interamericana de Direitos Humanos (fls.1112/1117-TJ): “foram
noticiados ao MPMG casos diversos de violência policial contra moradores das
referidas comunidades, em relação aos quais foram instaurados Procedimentos de
Investigação Criminal - PICs - no âmbito da 18ª Promotoria de Justiça de Defesa
dos Direitos Humanos e Controle Externo da Atividade Policial em Belo
Horizonte. Como exemplo, cumpre destacar o episódio ocorrido em 24 de julho de
2014. Durante a realização de reunião entre lideranças e o poder público em que
se demandava a elaboração de proposta alternativa à remoção das famílias da
área ocupada, membros das ocupações realizavam manifestação pacífica próximo à
sede do poder público estadual, conhecida como Cidade Administrativa, no
intuito de sensibilizar os representantes do Governo de Minas para a resolução justa
e pacífica do conflito fundiário e social da Izidora, que se tornou o maior
conflito de luta pela terra da América Latina e um dos sete maiores do mundo.
Na ocasião, quando se manifestava pacificamente, Dinei Delfino Pereira, recebeu
golpe de armamento legal (identificado pela vítima e testemunhas como “espada”)
em sua face por parte de soldado da cavalaria da Polícia Militar do Estado de
Minas Gerais, sofrendo grave ferimento na cabeça.”
Alertamos: Se a PM de MG for despejar as
8.000 famílias (30.000 pessoas) das três Ocupações-comunidades da Izidora, em
BH e Santa Luzia, MG, poderá causar um grande massacre. Queremos paz com
justiça social. Lutamos em defesa da dignidade humana e por isso lutamos por
moradia digna, própria e adequada. Conflito social se resolve de forma justa e
pacífica é com Política e não com polícia.
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