Nota
técnica da ASF - Arquitetos Sem Fronteiras Brasil – à Prefeita de Santa Luzia, MG,
Roseli Pimentel, e a todo seu secretariado, inclusive seu procurador.
À Prefeita de Santa Luzia,
MG, Roseli Pimentel
A seus/as secretárias/os e
procurador.
Argumentos
contra o despejo das Ocupações-comunidades da Izidora:
1) O
fato é em si inominável: jogar no chão cerca de 5000 casas, expulsar cerca de
8000 famílias.
2) Ao
autoproduzir o espaço, os moradores das ocupações da Izidora mostram-nos que,
para sobreviver, não podem depender nem da produção imobiliária formal nem
daquela de iniciativa estatal, ambas inacessíveis - a eles e a muitos outros,
sem casa, isto é, a única solução para a sua moradia é, nas circunstâncias, de
fato a que autoproduziram: não fosse assim, não haveria ocupações urbanas.
3) De 2013 a 2016 os moradores da Izidora construíram
sozinhos, com seus próprios recursos e esforços, mais unidades habitacionais do
que duas gestões sucessivas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, com
verbas federais. Não há garantia,
portanto, a despeito do que se possa argumentar, de que o poder público tenha a
capacidade de dar solução para a moradia daquelas pessoas, uma vez despejadas.
4) Despejos
forçados no Brasil, além de violentos em si, a despeito de medidas chamadas
humanitárias, resultam em mais pessoas sem-casa, na piora e não na melhoria das
condições de moradia e de vida dos despejados.
5) Os
impactos do despejo forçado daquelas milhares de famílias serão sentidos nos
municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os moradores despejados irão buscar moradia
nas regiões próximas, onde o aluguel é mais barato ou onde há áreas vazias ou
subutilizadas. Assim, trata-se, apenas de deslocar o problema, que apenas se
agrava. O déficit habitacional da Região Metropolitana de Belo Horizonte e a
pressão por habitação social aumentarão exponencialmente, com a constituição de
periferias cada vez mais precárias e reprodutoras da exclusão social e
econômica.
6) Os parcos
serviços públicos oferecidos na região, densamente ocupada e insuficientemente
servida, serão sobrecarregados com o aprofundamento das carências relativas à
saúde, à assistência social, à educação, à segurança pública, com graves consequências
associadas à violência urbana.
7) Do
ponto vista do campo da Arquitetura e do Urbanismo, a melhor solução para o
caso Izidora seria manter ali aquelas famílias, qualificando-se o seu espaço,
por que:
- toda demolição de edificações é
insustentável; implica no desperdício tanto dos recursos materiais e
energéticos consumidos para a sua construção, quanto do próprio processo de
transformação do território para a sua inserção, isto é, a demolição de casas,
equipamentos comunitários, ruas e largos, independente do seu padrão,
representa um enorme prejuízo ambiental, enquanto sua qualificação representa
um ganho, na medida em que todos – moradores da metrópole e do planeta- nos
beneficiamos do aproveitamento dos recursos ali já empregados;
- as ocupações Esperança, Rosa Leão e
Vitória, dadas as suas organizações socioespaciais, não se distinguem do que
denominamos bairros, exceto pelo seu não reconhecimento pelo Estado;
- o espaço autoproduzido, como o é o das
ocupações urbanas, guarda, ao contrário do que se possa pensar, um enorme
potencial de recuperação ambiental, diferente do espaço da chamada cidade
formal, onde a urbanização completa dá-se segundo um modelo de saneamento que conduz
à degradação ambiental: do solo, da água, do ar, com alta geração de resíduos e
prejuízos à vida;
- existem políticas públicas urbanas e
habitacionais para reconhecer, qualificar e consolidar ocupações como áreas de
interesse social (vide a Política Municipal de Habitação de Belo Horizonte).
8) A
noção função social da propriedade, trazida na Constituição Brasileira de 1988
e regulamentada na Lei Federal Estatuto da Cidade, é reconhecida e legitimada
pelos planos diretores dos municípios da Região Metropolitana de Belo
Horizonte. A manutenção de áreas vazias ou subutilizadas na cidade é criminosa.
Até agora, os moradores das ocupações estão dando utilidade àquele território,
mantido vazio por cerca de 70 anos.
9) A
Operação Urbana Simplificada do Isidoro não é o instrumento adequado para a
ocupação sustentável daquela região, a maior e última extensão de área natural
pouco transformada, em vetor de expansão e de adensamento urbanos, com alta
vulnerabilidade social. Qualquer instrumento de política urbana para aquela
região deve considerar a sua cabal realidade, e envolver todos os agentes
interessados e afetados, entre os quais a Prefeitura Municipal de Santa Luzia,
até agora alijada da negociação em curso. O modelo de transformação do
território colocado pelo empreendimento e expresso no próprio licenciamento
ambiental não condizem com os avanços do planejamento ambiental urbano, em
especial a consideração da bacia hidrográfica como principal unidade de
planejamento.
Documento da ASS – Arquitetos Sem Fronteiras
Brasil, protocolado na Prefeitura de Santa Luzia na manhã do dia 05/10/2016.
Santa Luzia, MG, Brasil, 05 de outubro de 2016.