sábado, 3 de setembro de 2016

A luta pela terra em Três Marias, MG, de 1959 a 1964: Liga Camponesa com a liderança de Randolfo Fernandes de Lima.

A luta pela terra em Três Marias, MG, de 1959 a 1964: Liga Camponesa com a liderança de Randolfo Fernandes de Lima.


“Da outra margem do rio havia um mato muito bom. Procurei saber de quem eram aquelas terras”, conta Randolfo Fernandes de Lima. E pediu para trabalhar por ali como arrendatário. Em 1959, o homem que diziam ser o dono daquela grande área não cultivada recusou a proposta. Ciente de que, pela Lei, a União tem domínio sobre até trinta metros às margens dos rios navegáveis, Randolfo decidiu ocupar uma gleba daquelas à beira do São Francisco, no estado de Minas Gerais, a dois quilômetros da barragem de Três Marias. Tomou posse da área junto a outras famílias, em um total de cento e vinte pessoas. Construíram seus ranchos e passaram a plantar arroz, feijão, milho, mandioca, cana, banana e hortaliças. Em pouco tempo, outras famílias uniram-se à empreitada de Randolfo. A reação do pretenso dono não tardou.
Em 1961, vieram os representantes dos fazendeiros: oficiais de Justiça munidos de um mandado de reintegração de posse e capangas armados. Além de expulsos, os posseiros tiveram suas roças e casas destruídas, tendo que se deslocar para a localidade de “Córrego Seco”, onde, como sugeria o nome, viveram à míngua, sem ter como cultivar. Mas o movimento dos posseiros ali se consolidava, fundando-se na consciência de que fortaleciam um movimento social de âmbito nacional. Era o ano do I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, realizado em Belo Horizonte (conhecido por Congresso de Belo Horizonte), e no qual compareceram nada menos do que trezentos e seis representantes da então recém criada Associação de Lavradores de Três Marias. O conflito às margens do rio São Francisco transformava-se assim em luta política de toda uma classe. Na fundação da associação, a causa dos camponeses posseiros respaldava-se pela presença de quinhentas pessoas, entre lavradores e figuras notórias, como o professor Tiago Cintra, o líder camponês Jôfre Correia, o deputado do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Hernani Maia e o advogado Romanelli. Sob forte tensão, foram todos ameaçados por um grupo de jagunços que gritavam “os cubanos estão aqui!”; “eles são comunistas!”. Mas a luta não esmoreceu. Ao contrário, ganharam de volta o direito à posse e, a partir daí, articularam-se a diversas forças políticas de esquerda, como as Ligas Camponesas com a visita de Francisco Julião, o PCB, a AP, e a POLOP.
Com três mil membros, a associação transformou-se no Sindicato Rural dos Produtores Autônomos de Três Marias. Em 1963, perderam na Justiça o direito a permanecer nas terras, mas, em resposta à carta aberta destinada ao presidente da Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA), João Pinheiro Neto, obtiveram a intervenção favorável direta do presidente João Goulart. Por meio de Decreto, Jango anula a decisão judicial, destinando a terra “à fixação dos camponeses que ali se encontram trabalhando e produzindo, tendo em vista solucionar gravíssimo problema social.” A notícia repercutiu e, em reportagem do Estado de Minas, os fazendeiros prometiam reação. O golpe militar viria em seguida. Randolfo Fernandes e outros líderes de Três Marias foram presos, os demais camponeses, de uma vez por todas expulsos de suas terras.


P.S.: O texto acima consta livro CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Brasília: MDA, 2010, p. 199-201. Disponível em http://w3.ufsm.br/gpet/files/pageflip-4001789-487363-lt_Retrato_da_Represso_P-9170061.pdf