sábado, 26 de março de 2016

Dandara: ocupação comunidade, em Belo Horizonte/MG: 7 anos de luta e mui...

Manifesto de religiosas e religiosos em defesa da democracia.

Manifesto de religiosas e religiosos em defesa da democracia

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. (Artigo 1ª da Declaração Universal de Direitos Humanos.)

Pertencemos a várias tradições religiosas. Queremos, com o nosso testemunho, contribuir para o diálogo e para a superação da crise pela qual passam o Brasil e diversos países da América Latina. Em nossas tradições a justiça é sagrada e sustenta a vida em igualdade. Os princípios que nos orientam não admitem que a avaliação de um grupo social se sobreponha ao outro, determinando, a partir de seus critérios e interesses, se um governo é bom ou ruim. Todos somos filhas e filhos do Criador. Por isso, todas as pessoas são portadoras dos mesmos direitos de avaliação e as mesmas obrigações com o bem comum e o bem viver.
Neste contexto de aflições, expressamos uma palavra de conforto e fortalecimento para irmãs e irmãos, companheiras e companheiros que vivem o seu testemunho em coerência com o projeto de igualdade e justiça. Colocamo-nos em comunhão com todas as pessoas perseguidas por causa do seu compromisso pela paz, pela justiça social e por um novo mundo possível. Por isso, afirmamos:
1 - Aprendemos pela fé que toda crise acarreta sofrimento, mas pode também ser como dores de parto, portadora de uma vida nova. Que essa experiência de dor nos ajude a rever os erros cometidos pelas instituições e poderes constituídos e por nós mesmos. Como pessoas de diferentes tradições religiosas, nem sempre cumprimos a missão de permanecer vigilantes para cuidar do exercício da Política e de seu papel de garantir direitos e promover o bem comum.
Que esse tempo nos encoraje para as autocríticas necessárias. Não nos deixemos tomar pelo desânimo e pessimismo. Repudiamos as manifestações de ódio, violência e intolerância que os meios de comunicação e a elite desse país têm insuflado na população. Não concordamos com a judicialização da política, com a partidarização da justiça e com a espetacularização de ações judiciais. Essas são práticas que contribuem para o descrédito das instituições e o acirramento de posições polarizadas, o que leva a população brasileira a desacreditar na justiça. Não podemos entrar no mesmo jogo. Optamos por manter o respeito a quem pensa diferente.
Defendemos o direito ao pluralismo democrático e ao contraditório. Sejamos fiéis ao diálogo sincero, mesmo com quem tem posições políticas contrárias às nossas.
2 – Lembramos que a corrupção, infelizmente, é antiga. Ela é inerente ao espírito do capitalismo, competitivo e individualista. Devemos nos empenhar para a superação dessa prática, nas esferas pública, empresarial e pessoal. Mas o combate à corrupção não pode ser um pretexto, como em diversas vezes na história do Brasil, para legitimar golpes de Estado que acarretaram perseguições e sofrimento para o povo.
3 – Reconhecemos que, além das causas oriundas de situações que são da realidade nacional, há sinais claros de interferências e patrocínios, oriundos de interesses internacionais. Esses interesses visam desestabilizar nossos países, quando nossas nações buscam independência política e econômica. Portanto, o que está acontecendo no Brasil não pode ser desligado das intervenções golpistas como as que aconteceram em Honduras e no Paraguai. Na Argentina, decisões judiciais a serviço dos interesses de corporações internacionais acarretaram prejuízos graves para aquele país. Vemos também a realidade brasileira ligada às tentativas de desestabilizar os governos da Bolívia, Venezuela, Equador e outros do continente.
Expressamos o nosso compromisso com as pessoas vulneráveis: povos indígenas, quilombolas, da floresta, mulheres, jovens negros e da periferia, LGBTTs, idosos, idosas entre outros que poderão ser profundamente impactados com os ajustes econômicos e com a ruptura da ordem democrática e do Estado de Direito.
A democracia é essencial para a convivência e a coexistência entre diferentes religiões, grupos e pessoas não religiosos. Por isso, permaneceremos vigilantes. É com a democracia que aprendemos a ser tolerantes com o outro. No entanto, nossas experiências de fé nos desafiam a irmos para além. Devemos caminhar em direção ao reconhecimento do direito do outro à existência.

Vamos fortalecer o diálogo e anunciar a paz!
24 de março de 2016. Dia Internacional para o Direito à Verdade e 36° ano do martírio de Oscar Romero.

Assinam:
Frei Rodrigo Peret, Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Franciscanos.
Frei Gilvander Luís Moreira, CPT
Etc...
Obs.: Religiosas e religiosos que quiserem assinar, esse Manifesto favor enviar adesões até o dia 29 de março para o email: secretariageral@conic.org.br 
Ao enviar a sua adesão precisamos de: Nome completo, título religioso (caso tiver) e tradição religiosa.



quarta-feira, 23 de março de 2016

QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA. Por Leonardo Boff em 22/03/2016.

QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA
Leonardo Boff, Adital - 22 de março de 2016

Em momentos de crise, assomam quatro sombras que estigmatizam nossa história cujos efeitos perduram até hoje.
A primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo dominado: sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.
A segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce manchará para sempre a memória nacional.
Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente "gente”, por isso suas terras são tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.
A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5 milhões de pessoas foram trazidas da África como "peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala.
Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salário é caridade e não direito.
Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito. Criou-se um Estado para servir aos interesses dos poderosos, e não ao bem de todos, e uma complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação e reforma no Brasil) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de injustiças sociais.
Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si.
Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento.
Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.
A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.
As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C. G. Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada.
Leonardo Boff escreveu: Que Brasil queremos, Petrópolis, RJ: Vozes 2000.


segunda-feira, 21 de março de 2016

A dieta do fascismo e o tênue brilho da razão Mauro Santayana, em 20/03/2016.

A dieta do fascismo e o tênue brilho da razão
Mauro Santayana, em 20/03/2016.

A Agência Espacial japonesa lançou, há poucos dias, o Telescópio Astro-H, destinado ao estudo do espaço profundo, por meio da captação de raios-x.
Trabalhando a uma temperatura próxima do zero absoluto, as diferentes câmeras do Hitomi, ou “pupila” como também é conhecido, são capazes de identificar fontes extremamente distantes e tênues de raios X, e separar a sua luz em um espectro, semelhante a um arco-íris, identificando os fótons que a compõem, por meio da variação de sua temperatura individual, permitindo o estudo de estruturas supermassivas, como aglomerados de galáxias, e eventos de alta energia, como buracos negros.
Se dispuséssemos de um instrumento com acuidade semelhante para detectar, no universo político e empresarial brasileiro um brilho tênue de razão e equilíbrio, no caótico buraco negro marcado pelo radicalismo, a cegueira e a rápida sucessão de acontecimentos – muitos deles propositadamente fabricados - destes tempos confusos e sombrios, é possível que ele tivesse captado, no início desta semana, as observações feitas pelo empresário Eli Horn, fundador do Grupo Imobiliário Cyrela, após um evento organizado por sua empresa sobre as perspectivas para o Brasil e a importância do empreendedorismo.
Afirmando, em entrevista ao jornal Valor Econômico, estar otimista com a economia – sua empresa faturou mais de 3 bilhões de reais no ano passado (2015) – e que a “crise atual é pequena e faz parte da vida”, Horn deu a entender que é preciso negociar, e que a solução para a atual crise política é a realização de um acordo entre todos os partidos, que tenha como objetivo o “bem do país”.
“Tem que haver um acordo político – afirmou – e se os políticos quiserem, é possível fazê-lo. É só querer do fundo do coração.”
As afirmações de Elie Horn são um lampejo de razão, em um país dividido pela ambição, o egoísmo e a conspiração, caminhando celeremente para o abismo, em um momento em que parte daqueles que possuem mandato eletivo se lançam, desesperadamente, à derrubada do governo, sem perceber que há uma terceira força, descontrolada e radical, em ascensão, que se baseia e se alimenta da antipolítica e da sabotagem da governabilidade, e aposta na destruição da democracia como a conhecemos para entregar a tutela do Estado a castas sem voto, que agem colocando a lei a serviço de seus interesses, por meio da força discricionária do personalismo e do arbítrio.    
Tudo isso – não se iludam aqueles que acham que o Brasil amanhecerá um mar de rosas no day after de um eventual impeachment - seguindo uma estratégia contínua, permanente, coordenada, que está voltada para a conquista do poder, e que não será afrouxada, ou abandonada, se o PT for afastado do governo federal.
Ainda mais razão tem Elie Horn, em suas palavras, quando as ruas estão tomadas e ocupadas, como já ocorreu em praças de países que se autodestruíram, como o Egito, a Síria, a Líbia, a Ucrânia, por multidões desatinadas, verdadeiras colchas de retalho, que não dispõem de outro consenso que não o do ódio e já começam a agredir não apenas transeuntes ou cidadãos que não se curvam aos seus gritos e à sua vontade – convocando pela internet grupos de “bombados” imbecilizados para fazer isso - como qualquer um que delas se aproxime, reservando o culto da personalidade para “mitos” que se travestem, justamente, de “antipolíticos” e que se situam, até mesmo pelas “limitações” técnicas de seus cargos,  teoricamente à margem do contexto “político”.
Nas manifestações contra Dilma, um casal foi espancado, na quarta-feira, dia 16.
E um menino de 17 anos de idade quase foi linchado na quinta-feira em que a direção da FIESP mandou publicar anúncios coloridos de página inteira, com o apelo, em letras garrafais de RENÚNCIA JÁ, provavelmente dirigidos à Presidente da República.
A mesma quinta-feira em que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ordenou, em uma cena digna de um filme de Fellini, que seus elegantes garçons servissem filé mignon, torta e purê de batatas aos líderes das forças antidemocráticas e anti-petistas acampadas em frente à sua sede da Avenida Paulista.
Como cidadãos e empresários, talvez tivesse sido melhor que os dirigentes da FIESP dessem ouvidos a ponderações como a do colega Eli Horn, proprietário da Cyrela, em vez de se deixar seduzir pela malta acampada em seus portões.
Até porque, apesar dos anúncios e do repasto, quando o Presidente da Federação, Paulo Skaf, saiu à rua, com alguns assessores, para tentar cantar, horas depois, o hino nacional entre os manifestantes, ele também foi escorraçado aos gritos, e teve que voltar, correndo, para o abrigo e a segurança de sua instituição, assim como ocorreu com outras autoridades e personalidades, como o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Morais, e o próprio Senador Aécio Neves e o Governador Geraldo Alckmin, também expulsos, no domingo, da Avenida Paulista, pela multidão.
A esperança é que esses episódios - principalmente os espancamentos ocorridos na principal via pública do país - abram o ouvido dos surdos e os olhos dos cegos, e contribuam, didaticamente, no universo político e do empresariado, e no que resta de bom senso na opinião pública, para o entendimento de uma verdade histórica simples e cristalina: 
Como as feras do Coliseu Romano e certos cães, quando enfermos ou enfurecidos, o fascismo é, por natureza, desatado e incontrolável, e se nutre de ignorância, ódio, preconceito, truculência e sangue.
Sangue como o do menino espancado por um numeroso bando de covardes na Avenida Paulista - por mais que se tente bajulá-lo, e alimentá-lo, com suculentos steaks de filé mignon.