Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
sábado, 26 de março de 2016
Manifesto de religiosas e religiosos em defesa da democracia.
Manifesto de
religiosas e religiosos em defesa da democracia
“Todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão
e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade”. (Artigo 1ª da Declaração Universal de Direitos Humanos.)
Pertencemos
a várias tradições religiosas. Queremos, com o nosso testemunho, contribuir
para o diálogo e para a superação da crise pela qual passam o Brasil e diversos
países da América Latina. Em nossas tradições a justiça é sagrada e sustenta a
vida em igualdade. Os princípios que nos orientam não admitem que a avaliação
de um grupo social se sobreponha ao outro, determinando, a partir de seus critérios
e interesses, se um governo é bom ou ruim. Todos somos filhas e filhos do Criador.
Por isso, todas as pessoas são portadoras dos mesmos direitos de avaliação e as
mesmas obrigações com o bem comum e o bem viver.
Neste
contexto de aflições, expressamos uma palavra de conforto e fortalecimento para
irmãs e irmãos, companheiras e companheiros que vivem o seu testemunho em
coerência com o projeto de igualdade e justiça. Colocamo-nos em comunhão com
todas as pessoas perseguidas por causa do seu compromisso pela paz, pela
justiça social e por um novo mundo possível. Por isso, afirmamos:
1 - Aprendemos pela
fé que toda crise acarreta sofrimento, mas pode também ser como dores de parto,
portadora de uma vida nova. Que essa experiência de dor nos ajude a rever os
erros cometidos pelas instituições e poderes constituídos e por nós mesmos.
Como pessoas de diferentes tradições religiosas, nem sempre cumprimos a missão
de permanecer vigilantes para cuidar do exercício da Política e de seu papel de
garantir direitos e promover o bem comum.
Que esse tempo nos
encoraje para as autocríticas necessárias. Não nos deixemos tomar pelo desânimo
e pessimismo. Repudiamos as manifestações de ódio, violência e intolerância que
os meios de comunicação e a elite desse país têm insuflado na população. Não
concordamos com a judicialização da política, com a partidarização da justiça e
com a espetacularização de ações judiciais. Essas são práticas que contribuem
para o descrédito das instituições e o acirramento de posições polarizadas, o
que leva a população brasileira a desacreditar na justiça. Não podemos entrar
no mesmo jogo. Optamos por manter o respeito a quem pensa diferente.
Defendemos o direito
ao pluralismo democrático e ao contraditório. Sejamos fiéis ao diálogo sincero,
mesmo com quem tem posições políticas contrárias às nossas.
2 – Lembramos que a
corrupção, infelizmente, é antiga. Ela é inerente ao espírito do capitalismo,
competitivo e individualista. Devemos nos empenhar para a superação dessa
prática, nas esferas pública, empresarial e pessoal. Mas o combate à corrupção
não pode ser um pretexto, como em diversas vezes na história do Brasil, para
legitimar golpes de Estado que acarretaram perseguições e sofrimento para o povo.
3 – Reconhecemos que,
além das causas oriundas de situações que são da realidade nacional, há sinais
claros de interferências e patrocínios, oriundos de interesses internacionais.
Esses interesses visam desestabilizar nossos países, quando nossas nações
buscam independência política e econômica. Portanto, o que está acontecendo no
Brasil não pode ser desligado das intervenções golpistas como as que aconteceram
em Honduras e no Paraguai. Na Argentina, decisões judiciais a serviço dos
interesses de corporações internacionais acarretaram prejuízos graves para
aquele país. Vemos também a realidade brasileira ligada às tentativas de
desestabilizar os governos da Bolívia, Venezuela, Equador e outros do
continente.
Expressamos o nosso
compromisso com as pessoas vulneráveis: povos indígenas, quilombolas, da
floresta, mulheres, jovens negros e da periferia, LGBTTs, idosos, idosas entre
outros que poderão ser profundamente impactados com os ajustes econômicos e com
a ruptura da ordem democrática e do Estado de Direito.
A democracia é
essencial para a convivência e a coexistência entre diferentes religiões,
grupos e pessoas não religiosos. Por isso, permaneceremos vigilantes. É com a
democracia que aprendemos a ser tolerantes com o outro. No entanto, nossas
experiências de fé nos desafiam a irmos para além. Devemos caminhar em direção
ao reconhecimento do direito do outro à existência.
Vamos fortalecer o
diálogo e anunciar a paz!
24 de março de 2016.
Dia Internacional para o Direito à Verdade e 36° ano do martírio de Oscar
Romero.
Assinam:
Frei Rodrigo Peret, Comissão Justiça, Paz e
Integridade da Criação dos Franciscanos.
Frei Gilvander Luís Moreira, CPT
Etc...
Obs.: Religiosas e
religiosos que quiserem assinar, esse Manifesto favor enviar adesões até o
dia 29 de março para o email: secretariageral@conic.org.br
Ao enviar a sua adesão precisamos de: Nome
completo, título religioso (caso tiver) e tradição religiosa.
quarta-feira, 23 de março de 2016
QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA. Por Leonardo Boff em 22/03/2016.
QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA
Leonardo
Boff, Adital - 22 de março de 2016
Em
momentos de crise, assomam quatro sombras que estigmatizam nossa história cujos
efeitos perduram até hoje.
A
primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é
violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a
língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se
totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo
dominado: sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o que é
estrangeiro é bom.
A
segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os
massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da
Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI
em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce
manchará para sempre a memória nacional.
Consequência: temos
dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio
não é ainda considerado plenamente "gente”, por isso suas terras são
tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma
tradição de intolerância e negação do outro.
A
terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5
milhões de pessoas foram trazidas da África como "peças” a serem
negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como
escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam
ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala.
Gilberto
Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal,
mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes
senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o
outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salário é caridade e não
direito.
Predominou
o autoritarismo; o privilégio substitui o direito. Criou-se um Estado
para servir aos interesses dos poderosos, e não ao bem de todos, e uma
complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo
Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação
e reforma no Brasil) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado
para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes
opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma
nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um
dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de
injustiças sociais.
Uma
sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que
lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui
imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas
depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a
irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si.
Nasceu
uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O
Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico,
sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A
coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central.
Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao
pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no
sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria
e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas uma
quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção.
Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria
hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy
Barbosa no Parlamento.
Setores
importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam.
Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido.
Devem ser julgados e punidos.
A
justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara
vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio
Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre
dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto
velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram
mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem
suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT
respondeu à altura.
As
quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese
integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora,
manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real
contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C. G. Jung, para
que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca
fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre
válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas
relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada.
Leonardo
Boff escreveu: Que Brasil queremos, Petrópolis,
RJ: Vozes 2000.
segunda-feira, 21 de março de 2016
A dieta do fascismo e o tênue brilho da razão Mauro Santayana, em 20/03/2016.
A dieta do fascismo e o tênue brilho da razão
Mauro Santayana, em 20/03/2016.
A Agência Espacial
japonesa lançou, há poucos dias, o Telescópio Astro-H, destinado ao estudo do
espaço profundo, por meio da captação de raios-x.
Trabalhando a uma
temperatura próxima do zero absoluto, as diferentes câmeras do Hitomi, ou
“pupila” como também é conhecido, são capazes de identificar fontes
extremamente distantes e tênues de raios X, e separar a sua luz em um espectro,
semelhante a um arco-íris, identificando os fótons que a compõem, por meio da
variação de sua temperatura individual, permitindo o estudo de estruturas
supermassivas, como aglomerados de galáxias, e eventos de alta energia, como
buracos negros.
Se dispuséssemos de
um instrumento com acuidade semelhante para detectar, no universo político e
empresarial brasileiro um brilho tênue de razão e equilíbrio, no caótico buraco
negro marcado pelo radicalismo, a cegueira e a rápida sucessão de
acontecimentos – muitos deles propositadamente fabricados - destes tempos
confusos e sombrios, é possível que ele tivesse captado, no início desta
semana, as observações feitas pelo empresário Eli Horn, fundador do Grupo
Imobiliário Cyrela, após um evento organizado por sua empresa sobre as
perspectivas para o Brasil e a importância do empreendedorismo.
Afirmando, em
entrevista ao jornal Valor Econômico, estar otimista com a economia – sua
empresa faturou mais de 3 bilhões de reais no ano passado (2015) – e que a
“crise atual é pequena e faz parte da vida”, Horn deu a entender que é preciso
negociar, e que a solução para a atual crise política é a realização de um
acordo entre todos os partidos, que tenha como objetivo o “bem do país”.
“Tem que haver um
acordo político – afirmou – e se os políticos quiserem, é possível fazê-lo. É
só querer do fundo do coração.”
As afirmações de Elie
Horn são um lampejo de razão, em um país dividido pela ambição, o egoísmo e a
conspiração, caminhando celeremente para o abismo, em um momento em que parte
daqueles que possuem mandato eletivo se lançam, desesperadamente, à derrubada
do governo, sem perceber que há uma terceira força, descontrolada e radical, em
ascensão, que se baseia e se alimenta da antipolítica e da sabotagem da
governabilidade, e aposta na destruição da democracia como a conhecemos para
entregar a tutela do Estado a castas sem voto, que agem colocando a lei a
serviço de seus interesses, por meio da força discricionária do personalismo e
do arbítrio.
Tudo isso – não se
iludam aqueles que acham que o Brasil amanhecerá um mar de rosas no day after de um eventual impeachment -
seguindo uma estratégia contínua, permanente, coordenada, que está voltada para
a conquista do poder, e que não será afrouxada, ou abandonada, se o PT for
afastado do governo federal.
Ainda mais razão tem
Elie Horn, em suas palavras, quando as ruas estão tomadas e ocupadas, como já
ocorreu em praças de países que se autodestruíram, como o Egito, a Síria, a
Líbia, a Ucrânia, por multidões desatinadas, verdadeiras colchas de retalho,
que não dispõem de outro consenso que não o do ódio e já começam a agredir não
apenas transeuntes ou cidadãos que não se curvam aos seus gritos e à sua
vontade – convocando pela internet grupos de “bombados” imbecilizados para
fazer isso - como qualquer um que delas se aproxime, reservando o culto da
personalidade para “mitos” que se travestem, justamente, de “antipolíticos” e que
se situam, até mesmo pelas “limitações” técnicas de seus cargos, teoricamente
à margem do contexto “político”.
Nas manifestações
contra Dilma, um casal foi espancado, na quarta-feira, dia 16.
E um menino de 17
anos de idade quase foi linchado na quinta-feira em que a direção da FIESP
mandou publicar anúncios coloridos de página inteira, com o apelo, em letras
garrafais de RENÚNCIA JÁ, provavelmente dirigidos à Presidente da República.
A mesma quinta-feira
em que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ordenou, em uma cena
digna de um filme de Fellini, que seus elegantes garçons servissem filé mignon,
torta e purê de batatas aos líderes das forças antidemocráticas e anti-petistas
acampadas em frente à sua sede da Avenida Paulista.
Como cidadãos e
empresários, talvez tivesse sido melhor que os dirigentes da FIESP dessem
ouvidos a ponderações como a do colega Eli Horn, proprietário da Cyrela, em vez
de se deixar seduzir pela malta acampada em seus portões.
Até porque, apesar
dos anúncios e do repasto, quando o Presidente da Federação, Paulo Skaf, saiu à
rua, com alguns assessores, para tentar cantar, horas depois, o hino nacional
entre os manifestantes, ele também foi escorraçado aos gritos, e teve que
voltar, correndo, para o abrigo e a segurança de sua instituição, assim como
ocorreu com outras autoridades e personalidades, como o Secretário de Segurança
Pública de São Paulo, Alexandre de Morais, e o próprio Senador Aécio Neves e o
Governador Geraldo Alckmin, também expulsos, no domingo, da Avenida Paulista,
pela multidão.
A esperança é que
esses episódios - principalmente os espancamentos ocorridos na principal via
pública do país - abram o ouvido dos surdos e os olhos dos cegos, e contribuam,
didaticamente, no universo político e do empresariado, e no que resta de bom senso
na opinião pública, para o entendimento de uma verdade histórica simples e
cristalina:
Como as feras do
Coliseu Romano e certos cães, quando enfermos ou enfurecidos, o fascismo é, por
natureza, desatado e incontrolável, e se nutre de ignorância, ódio, preconceito,
truculência e sangue.
Sangue como o do
menino espancado por um numeroso bando de covardes na Avenida Paulista - por
mais que se tente bajulá-lo, e alimentá-lo, com suculentos steaks de filé
mignon.
domingo, 20 de março de 2016
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