quarta-feira, 23 de março de 2016

QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA. Por Leonardo Boff em 22/03/2016.

QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA
Leonardo Boff, Adital - 22 de março de 2016

Em momentos de crise, assomam quatro sombras que estigmatizam nossa história cujos efeitos perduram até hoje.
A primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo dominado: sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.
A segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce manchará para sempre a memória nacional.
Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente "gente”, por isso suas terras são tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.
A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5 milhões de pessoas foram trazidas da África como "peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala.
Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salário é caridade e não direito.
Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito. Criou-se um Estado para servir aos interesses dos poderosos, e não ao bem de todos, e uma complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação e reforma no Brasil) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de injustiças sociais.
Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si.
Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento.
Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.
A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.
As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C. G. Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada.
Leonardo Boff escreveu: Que Brasil queremos, Petrópolis, RJ: Vozes 2000.


segunda-feira, 21 de março de 2016

A dieta do fascismo e o tênue brilho da razão Mauro Santayana, em 20/03/2016.

A dieta do fascismo e o tênue brilho da razão
Mauro Santayana, em 20/03/2016.

A Agência Espacial japonesa lançou, há poucos dias, o Telescópio Astro-H, destinado ao estudo do espaço profundo, por meio da captação de raios-x.
Trabalhando a uma temperatura próxima do zero absoluto, as diferentes câmeras do Hitomi, ou “pupila” como também é conhecido, são capazes de identificar fontes extremamente distantes e tênues de raios X, e separar a sua luz em um espectro, semelhante a um arco-íris, identificando os fótons que a compõem, por meio da variação de sua temperatura individual, permitindo o estudo de estruturas supermassivas, como aglomerados de galáxias, e eventos de alta energia, como buracos negros.
Se dispuséssemos de um instrumento com acuidade semelhante para detectar, no universo político e empresarial brasileiro um brilho tênue de razão e equilíbrio, no caótico buraco negro marcado pelo radicalismo, a cegueira e a rápida sucessão de acontecimentos – muitos deles propositadamente fabricados - destes tempos confusos e sombrios, é possível que ele tivesse captado, no início desta semana, as observações feitas pelo empresário Eli Horn, fundador do Grupo Imobiliário Cyrela, após um evento organizado por sua empresa sobre as perspectivas para o Brasil e a importância do empreendedorismo.
Afirmando, em entrevista ao jornal Valor Econômico, estar otimista com a economia – sua empresa faturou mais de 3 bilhões de reais no ano passado (2015) – e que a “crise atual é pequena e faz parte da vida”, Horn deu a entender que é preciso negociar, e que a solução para a atual crise política é a realização de um acordo entre todos os partidos, que tenha como objetivo o “bem do país”.
“Tem que haver um acordo político – afirmou – e se os políticos quiserem, é possível fazê-lo. É só querer do fundo do coração.”
As afirmações de Elie Horn são um lampejo de razão, em um país dividido pela ambição, o egoísmo e a conspiração, caminhando celeremente para o abismo, em um momento em que parte daqueles que possuem mandato eletivo se lançam, desesperadamente, à derrubada do governo, sem perceber que há uma terceira força, descontrolada e radical, em ascensão, que se baseia e se alimenta da antipolítica e da sabotagem da governabilidade, e aposta na destruição da democracia como a conhecemos para entregar a tutela do Estado a castas sem voto, que agem colocando a lei a serviço de seus interesses, por meio da força discricionária do personalismo e do arbítrio.    
Tudo isso – não se iludam aqueles que acham que o Brasil amanhecerá um mar de rosas no day after de um eventual impeachment - seguindo uma estratégia contínua, permanente, coordenada, que está voltada para a conquista do poder, e que não será afrouxada, ou abandonada, se o PT for afastado do governo federal.
Ainda mais razão tem Elie Horn, em suas palavras, quando as ruas estão tomadas e ocupadas, como já ocorreu em praças de países que se autodestruíram, como o Egito, a Síria, a Líbia, a Ucrânia, por multidões desatinadas, verdadeiras colchas de retalho, que não dispõem de outro consenso que não o do ódio e já começam a agredir não apenas transeuntes ou cidadãos que não se curvam aos seus gritos e à sua vontade – convocando pela internet grupos de “bombados” imbecilizados para fazer isso - como qualquer um que delas se aproxime, reservando o culto da personalidade para “mitos” que se travestem, justamente, de “antipolíticos” e que se situam, até mesmo pelas “limitações” técnicas de seus cargos,  teoricamente à margem do contexto “político”.
Nas manifestações contra Dilma, um casal foi espancado, na quarta-feira, dia 16.
E um menino de 17 anos de idade quase foi linchado na quinta-feira em que a direção da FIESP mandou publicar anúncios coloridos de página inteira, com o apelo, em letras garrafais de RENÚNCIA JÁ, provavelmente dirigidos à Presidente da República.
A mesma quinta-feira em que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ordenou, em uma cena digna de um filme de Fellini, que seus elegantes garçons servissem filé mignon, torta e purê de batatas aos líderes das forças antidemocráticas e anti-petistas acampadas em frente à sua sede da Avenida Paulista.
Como cidadãos e empresários, talvez tivesse sido melhor que os dirigentes da FIESP dessem ouvidos a ponderações como a do colega Eli Horn, proprietário da Cyrela, em vez de se deixar seduzir pela malta acampada em seus portões.
Até porque, apesar dos anúncios e do repasto, quando o Presidente da Federação, Paulo Skaf, saiu à rua, com alguns assessores, para tentar cantar, horas depois, o hino nacional entre os manifestantes, ele também foi escorraçado aos gritos, e teve que voltar, correndo, para o abrigo e a segurança de sua instituição, assim como ocorreu com outras autoridades e personalidades, como o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Morais, e o próprio Senador Aécio Neves e o Governador Geraldo Alckmin, também expulsos, no domingo, da Avenida Paulista, pela multidão.
A esperança é que esses episódios - principalmente os espancamentos ocorridos na principal via pública do país - abram o ouvido dos surdos e os olhos dos cegos, e contribuam, didaticamente, no universo político e do empresariado, e no que resta de bom senso na opinião pública, para o entendimento de uma verdade histórica simples e cristalina: 
Como as feras do Coliseu Romano e certos cães, quando enfermos ou enfurecidos, o fascismo é, por natureza, desatado e incontrolável, e se nutre de ignorância, ódio, preconceito, truculência e sangue.
Sangue como o do menino espancado por um numeroso bando de covardes na Avenida Paulista - por mais que se tente bajulá-lo, e alimentá-lo, com suculentos steaks de filé mignon.



sexta-feira, 18 de março de 2016

Rede GLOBO e FIESP querem justiça social? por frei Gilvander Moreira. BH, 18/03/2016.

Rede GLOBO e FIESP querem justiça social?
Frei Gilvander Moreira[1]

Na Bíblia, há inúmeras passagens que alertam o povo contra os ataques dos falsos profetas, dos lobos vestidos de cordeiros, dos falsos sacerdotes, dos latifundiários (saduceus) e imperialistas (reis, Herodes etc). “Cuidado com o fermento dos fariseus, dos saduceus e de Herodes (Marcos 8,15; Mateus 16,6)” e “se a vossa justiça não superar a justiça dos fariseus, não entrareis no reino dos céus (Mateus 5,20),” enfatizam os evangelhos.
“Diga com quem tu andas e o que fazes que direi quem tu és”, diz um ditado popular. Quem está liderando e insuflando a gritaria pró-impeachment da presidenta Dilma e exigindo a prisão do ex-presidente Lula é a Rede gLOBO, a FIESP, o PSDB, o DEM e vários outros integrantes da classe dominante. Representante gigante do poder midiático, a rede gLOBO cresceu apoiando – e sendo beneficiada pela - a ditadura militar-civil-empresarial de 1964 e está envolvida até o pescoço numa mega-evasão de divisas no SUIÇALÃO e de evasão fiscal no próprio país (estimado em mais de 600 milhões), sem contar as falcatruas envolvendo a CBF e a FIFA. Líder do mega poder econômico no Brasil, a FIESP é a Federação das Indústrias de São Paulo. Há 516 anos, no Brasil reina a exploração da classe trabalhadora pela classe dominante de plantão em ciclos sucessivos: pau brasil, açúcar, café, ouro, monoculturas do eucalipto, da soja, do capim, do agronegócio, enfim. “Importa produz produtos primários para exportar”, praticam a classe no poder. Somente nos últimos 14 anos, integrantes da classe trabalhadora conquistaram vários direitos sociais. O PSDB e DEM querem retornar ao poder junto com o PMDB, que está no poder há 30 anos.
A corrupção é a febre de uma doença em crise aguda, que é o capitalismo e o sistema do capital, que tem como regra violentar a dignidade humana e ecológica de forma ampliada e sem limites. Quem dissemina a corrupção e a imoralidade no tecido social é a TV gLOBO com Big Brother, novelas imorais e alardeamento de violência e economicismo. A classe dominante furta (dizer ‘lucro’ é eufemismo) e esfola a classe trabalhadora de forma impiedosa há 516 anos. Os banqueiros nunca furtaram tanto como nos últimos 14 anos. A corrupção corresponde a 10% do roubo, mas 90% do roubo é feito pelo sistema do capital. Por que os badaladores do golpe não questionam o lucro excessivo das grandes empresas?
O PT errou sim e muito, traindo seus princípios originários, mas ser justicializado em “justiça de fariseus e de saduceus” não é aceitável. Até 2002, toda a corrupção era empurrada para debaixo do tapete pelos governantes com a cumplicidade da classe dominante. Foi com Lula e Dilma que o Ministério Público e a Polícia Federal ganharam autonomia para investigar. Foi Dilma que sancionou a lei das delações, o que está viabilizando investigar e punir corruptos e corruptores. Mas por que não se investiga e condena todos os corruptos e corruptores? Por que investigação seletiva, só à esquerda? Por que não investiga o Aécio Neves, o PSDB em São Paulo, o Michel Temer, o Cunha, o Renan Calheiros e tantos outros? Por que não se faz uma Auditoria cidadã das dívidas pública e externa? Duas pedras e duas medidas não é justiça ética.
O juiz Sérgio Moro está sendo parcial, tendencioso, inconstitucional e cometeu várias ilegalidades chegando ao cúmulo de grampear telefones da Presidência da República, cuja competência é do STF, pois a Presidenta tem foro privilegiado. E se ele tiver gravado falas sobre assuntos de segurança nacional? Fazer espetáculo midiático mandando conduzir coercitivamente Lula para depor é se revelar testa de ferro da TV gLOBO e da FIESP. Sérgio Moro está sendo construído pela rede gLOBO, PSDB e FISP para ser Collor 2. Collor, em 1991, abriu as portas do Brasil para o neoliberalismo e para as multinacionais, processo continuado por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, com a privatização de mais de 170 empresas estatais, entre as quais a Vale do Rio Doce, hoje rio azedado pela Vale/Samarco/BHP, que vem cometendo desde o dia 05 de novembro de 2015 o maior crime humanitário-socioambiental da história da humanidade.
A classe trabalhadora está indignada com a crise econômica, com a falta de reforma agrária, de reforma urbana, com a perda de direitos trabalhistas, sociais e ecológicos. Está também irada com o PT, com o PSDB e com toda a classe política, com raras exceções, mas não aceitamos o golpe do capital, midiático e com roupagem jurídica que está sendo insuflado. A Constituição e a democracia precisam prevalecer. A vontade da maioria que elegeu nas urnas Dilma para presidenta precisa ser respeitada, pois Dilma não cometeu crime de responsabilidade.
O grave atual momento histórico ensina que os movimentos sociais e populares, o povo trabalhador organizado deste país que sempre esteve em marcha, nas ruas e na luta, precisa com lutas coletivas intervir muito mais no judiciário, no legislativo, no executivo, na opinião pública e em todas as formas de poderes deste país, sobretudo no combate a Rede gLOBO e toda mídia que está a serviço do capital. É urgente regatarmos a ética e a justiça social nas instituições e nas relações humanas e ecológicas.
Enfim, temos que ser contra o golpe do capital, golpe midiático, do poder econômico e de enclaves capitalistas no judiciário. Alegam combate à corrupção, mas não querem apenas o extermínio de Dilma, de Lula e do PT, desejam ardentemente reforçar a Casa Grande e empurrar a classe trabalhadora (90% da população) para as novas senzalas. Rede gLOBO e FIESP são lobos em pele de cordeiro. Feliz quem não acreditar na manipulação e na incitação à violência que rede gLOBO, PSDB,  FIESP e seus adeptos estão fazendo.
Belo Horizonte, MG, 18 de março de 2016.




[1] Assessor da CPT, de CEBs, do CEBI e do SAB; doutorando em Educação pela FAE/UFMG. Email: gilvanderufmg@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br