Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
segunda-feira, 7 de março de 2016
quinta-feira, 3 de março de 2016
Libertai os presos do Presídio Regional de Nova Lima, prisão subterrânea, no porão de uma casa. por frei Gilvander. BH, 03/03/2016.
Libertai os presos do Presídio Regional de
Nova Lima, prisão subterrânea, no porão de uma casa.
Frei Gilvander
Moreira[1]
Na Campanha da Fraternidade de 2009, ouvimos o brado de Jesus
de Nazaré: “Libertai os presos!” “Eu vim para libertar os presos” (Lucas 4,18),
proclamou Jesus de Nazaré ao apresentar seu projeto de ação pública na pequena
sinagoga de Nazaré.
Como conselheiro do
CONEDH (Conselho Estadual dos Direitos Humanos) e como assessor da CPT
(Comissão Pastoral da terra), fiquei estarrecido ao saber que o Presídio
Regional de Nova Lima está “torturando” 207 presos, tendo como capacidade
máxima 97 presos, mas com capacidade excedida em mais de 113%. Fiquei feliz ao
saber que a Defensoria Pública de Minas Gerais, área de Direitos Humanos,
ingressou ação coletiva - Ação Civil Pública (ACP) - exigindo o fechamento do
presídio. O juiz da 2ª vara cível da Comarca de Nova Lima ainda não julgou a
ACP com pedido de liminar com antecipação de tutela para fechar o presídio.
Eis, abaixo, um pouco da realidade violentadora dos direitos humanos dos 207
presos que estão lá sendo violentados segundo a segundo, fatos que constam da
ACP.
O
próprio Diretor do presídio Dr. Willer Cruz Brum de Oliveira, inscrito no Masp
sob o n°.1.095.795-9, em 17.01.2016, atesta a situação insuportável gerada pela
superlotação, aliada à falta de estrutura do presídio, que conta com apenas quatro
agentes penitenciários para a vigia do local, bem como a interdição pela Defesa
Civil do Estado de um cômodo do presídio, que era destinado ao setor administrativo
do mesmo, são situações de flagrante violação das garantias e dos direitos dos
custodiados, trazendo riscos não só aos presos, mas também aos funcionários do
presídio e ao povo de Nova Lima, tendo em vista tratar-se de Unidade Prisional
localizada no centro da cidade, meio subterrânea, diante das reiteradas e
justificadas retaliações à superlotação, como greve de fome e frequentes
ameaças de rebeliões e ou motins por parte dos presos.
A
Defensoria Pública esteve no Presídio Regional de Nova Lima em várias visitas
após o noticiado, relatando a demanda dos presos, funcionários, agentes e do próprio
Diretor Geral, sendo certo que na visita conjunta com a Defensoria Pública de
Direitos Humanos e o Conselho Penitenciário do Estado, com a presença de vários
Conselheiros, dentre eles do Presidente Dr. Bruno César Gonçalves da Silva e do
Defensor Público da Comarca Dr. Rafael Pedro Magagnin, realizada no dia 20/01/2016,
foi constatado o flagrante desrespeito às garantias e aos direitos humanos dos
presos custodiados na Unidade Prisional, que não tem nenhuma condição de
abrigar sequer o número de presos dito como comportados pelo local, quanto mais
o número excedente que contém.
O
Presídio Regional de Nova Lima está sendo uma masmorra, um campo de
concentração sem rótulo, é de absoluta ilegalidade a manutenção dos presos em
uma Unidade Prisional que, por exemplo, tem o seguinte:
1- a falta de leitos,
com casos de três presos dormindo no mesmo leito ou fazendo rodízio para
dormir, quando dormem;
2- a falta de
ventilação, havendo celas sem qualquer tipo de janelas ou ventanas, sendo que
as que “possuem ventilação”, trata-se apenas de basculantes voltados para as
áreas internas do próprio presídio, ou seja voltados para dentro do recinto
fechado, sendo que os presos ficam pendurados nas paredes agarrados às grades
destas aberturas, lá nas alturas, correndo o risco de cair e morrer;
3- a falta de local
adequado para pátio de sol, posto que o que existe é uma área sem ventilação
adequada, dentro da área interna do presídio, com telhado translucido para a
passagem da luz solar;
4- a falta d’água
diariamente enfrentadas pela comunidade da Unidade Prisional, posto que a caixa
d’água não comporta a vazão diária, sendo necessário fechá-la para ligar bomba
d’água para enchê-la, o que leva horas até que seja novamente aberto o registro
para consumo d’água, cabendo dizer aqui que tal bomba d’água é extremamente
barulhenta prejudicando a saúde de todos que estão dentro e até fora do
presídio neste momento;
5- a falta de
enxoval, roupa de cama, cobertores, lençóis, bem como uniformes e chinelos para
todos os presos;
6- doenças
respiratórias e de pele dentre outras, como sarna, sem falar dos presos doentes
que não recebem medicação por não haver
farmácia e médico que atenda o
local;
7- a interdição de
uma área pela Defesa Civil do Estado, que está em risco iminente de
desabamento;
8- o fato de haver
presos condenados não residentes na comarca, que deveriam estar cumprindo a sua
pena em penitenciárias;
9- a existência de
presos por tentativa de furto e ou crimes com penas semelhantes que aguardam
mais de seis meses presos, por audiências marcadas para março e por fim a falta
de higiene do local e da alimentação oferecida aos presos.
O Presídio Regional fica no Centro de Nova Lima-MG,
sem estrutura alguma
para ser sequer carceragem provisória, à época em
que foi instalado, como
carceragem da Polícia Civil do Estado, quanto mais
hoje, como Unidade Prisional da SUAP, posto tratar-se de um porão de uma casa,
que tem como frente à
Delegacia da Polícia Civil e em seu porão abriga a
Unidade Prisional.
A superlotação e a falta de cama obrigam os presos
a fazerem rodízio para dormirem ou ainda, dormirem dois ou três presos na mesma
cama, o que de fato é um absurdo.
Segundo os detentos o regime a que estão submetidos
é insuportável, vivendo acautelados de forma claustrofóbica em celas pequenas,
amontoados, dormindo vários em uma cama, não há colchões, nem roupa de cama
suficiente para todos.Ainda no que tange ao enxoval, não há uniformes para
troca, quando lavam as roupas ficam nus até que seque a roupa lavada, não há calçados
para todos e tem preso sem chilenos, descalço no chão úmido.
Quanto à alimentação eles disseram que ela chega
sempre fria e até teve casos dela estar com aspecto de estragada porque passou
muito da hora de servir, com mau cheiro e aspecto estranho, não sendo ingerida
pelos mesmos.
Há reclamação sobre a falta de atendimento médico.
A Defensoria Pública presenciou vários casos de doenças causadas pela falta de
ar dentro das celas, inclusive essa defensora, bem como todos que foram visitar
o presídio não conseguiram ficar dentro sequer do hall de entrada para
acesso às celas, quanto mais dentro das celas, sendo que na inspeção foi
esvaziada uma delas, a primeira, a fim de que fossem feitas as averiguações
necessárias, no entanto as autoridades não puderam permanecer por mais de dois
minutos dentro das celas por absoluta incapacidade de respirar o ar dentro
delas.
O art. 66, VIII, da Lei
de Execução Penal concede ao Juiz da execução a prerrogativa de interditar, no
todo ou em parte, estabelecimento
penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos daquela Lei. O
juiz Dr. Livingsthon Machado libertou 26 presos em presídio de Contagem, MG,
que estavam em situação semelhante aos 207 presos em Nova Lima.
Tudo escrito, acima, consta da ACP que exige o
fechamento do presídio.
Entre os 600 mil presos no Brasil, cerca de 40%
aguardam julgamento, enquanto os fazendeiros e empresários como Adriano Chafic
(condenado a 115 anos como mandante do Massacre de 5 Sem Terra em Felisburgo,
MG) e os 4 mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí (Antero Mânica, Norberto Mânica,
Hugo Pimenta e José Alberto, condenados a quase 100 anos de prisão) continuam
livres sob a proteção de recursos intermináveis. Que injustiça! Milhares de
presos sendo castigados, enquanto uns poucos privilegiados criminosos gozam de
liberdade.
Vale
a pena apostar na construção de uma sociedade com verdadeira segurança social,
com paz como fruto da justiça (Is 32,17) e SEM PRISÕES. Ouçamos o clamor dos
nossos irmãos e irmãs que estão detrás das grades! Libertai os presos, pelo
menos do castigo permanente a que estão submetidos!
Peço
a quem puder que ecoe o clamor dos 207 presos de Nova Lima, a cidade onde tem
prisão que castiga 24 horas por dia seus presos?
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 03/03/2016.
[1] Padre da Ordem dos carmelitas, doutorando em
Educação pela FAE/UFMG, assessor da CPT, de CEBs e do SAB. www.freigilvander.blogspot.com.br
– gilvanderufmg@gmail.com
MST de MG não aceitará despejo na sede e nem nos escombros da ex-usina Ariadnópolis em Campo do Meio, Sul de Minas. Nota da CPT/MG. BH, 03/03/2016.
MST
de MG não aceitará despejo na sede e nem nos escombros da ex-usina Ariadnópolis
em Campo do Meio, Sul de Minas.
Nota da CPT/MG. Belo
Horizonte, MG, 03/03/2016.
Dias 1 e 2 de março de 2016,
um militante do MLB e eu, frei Gilvander, da CPT/MG, participamos da luta do
MST no Sul de Minas Gerais, no município de Campo do Meio. No Sul de MG, o MST
já conquistou 3 assentamentos: O P.A Primeiro do Sul e o P.A Nova Conquista II,
no município de Campo do Meio, e o P.A Santo Dias, no município de Guapé. No
latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, em cerca de 5 mil hectares, o MST está com
12 acampamentos com cerca de 600 famílias. Em 25/09/2015, o Governador Pimentel
assinou decreto desapropriando grande parte da área da ex-usina Ariadnópolis, a
Fazenda Gravatá em Novo Cruzeiro e a Fazenda Nova Alegria, em Felisburgo,
repassando para cerca de 800 famílias do MST, que estão acampadas há 18 anos.
Mas faltam ainda 864 hectares da ex-usina Ariadnópolis para ser desapropriada e
26 hectares da sede e a parte onde está a carcaça e os escombros da ex-usina
Ariadnópolis. Pior: o Geovane, gerente da massa falida CAPIA, entrou com
recurso no TJMG para derrubar o decreto de desapropriação do governador de MG. As
centenas de famílias acampadas nas terras da Ariadnópolis estão muito indignadas
com este questionamento do Geovane. Dia 11/10/2015, o MST, com cerca de 2 mil
Sem Terra ocuparam a sede da ex-usina Ariadnópolis e a área do escombros da
ex-usina da Ariadnópolis, formando, assim, o 12º acampamento nas terras da
Ariadnópolis. Fomentando o gravíssimo conflito agrário nas terras da Ariadnópolis,
um dos maiores conflitos agrários do país, que se arrasta há 18 anos, o juiz da
Vara Agrária de MG, sem visitar a área, acreditando em mentiras do
Geovane/CAPIA, deferiu liminar de reintegração de posse e um desembargador do
TJMG confirmou a liminar. Está marcado para se tentar fazer o despejo dia 10 de
março próximo, prazo concedido pelo juiz da Vara Agrária. Mas as 600 famílias
do MST da Ariadnópolis e cento e poucas famílias dos 3 assentamentos da região e
uma grande Rede de Apoio não aceitarão jamais o despejo do MST da sede da Ariadnópolis
e nem da área dos escombros da ex-usina. Não dá mais para tolerar a violência
que o latifúndio vem perpetrando nas terras da Ariadnópolis. Há mais de 100
trabalhadores assentados na Ariadnópolis que eram trabalhadores na Usina. Um nos
disse que há 18 anos, quando o MST chegou na região, a dívida trabalhista dele
era de 135 mil reais. Hoje deverá estar acima de 500 mil reais. São cerca de
500 trabalhadores violentados pela ex-usina Ariadnópolis sem receber suas
dívidas trabalhistas. A massa falida da ex-usina Ariadnópolis devem milhões ao
erário público e dívidas trabalhistas. A mansão da sede tem 5 andares, com
elevador e luxo que não acaba mais. É um escárnio, uma indecência, uma
imoralidade, uma mansão daquela no meio do povo Sem Terra que sua para se
libertar da escravidão do capital. Em volta da mansão da sede há mais de 20
grandes casas, incluindo um grande castelo e casas históricas. O MST tem
projeto para implantar na sede e nessas 20 grandes casas uma Escola estadual,
um Centro de Formação Eduardo Galeano, que será uma “filial” da Escola Nacional
Florestan Fernandes. O Instituto Federal de Machado, do Sul de MG, já tem
parceria com o MST e quer colocar lá também cursos em várias áreas técnicas.
Dia 01/03/2015, em reunião, in loco, com representantes do Governo
de MG (casa civil, sec. do Planejamento e AGE) e com 4 comandantes da PM, lideranças
do MST e representantes da Rede de Apoio deixaram claro que não aceitarão o
despejo marcado para dia 10/03/2016, que caso a PM tente fazer o despejo,
poderá acontecer um grande massacre, pois as 600 famílias da Ariadnópolis já
sofreram 12 despejos, já foram muito humilhadas pelo Geovane e Rose, gerentes
da massa falida. E não abrem mão de instalar na sede e nas 20 casas grandes ao
redor uma Escola Estadual e um Centro de Formação Eduardo Galeano. Se o juiz da
Vara Agrária tivesse ido visitar e tivesse visto o luxo e a ostentação da mansão
e os escombros da ex-usina, provavelmente não teria concedido a liminar de
reintegração, que é injusta e inconstitucional. Despejar o MST da sede e dos
escombros da ex-usina Ariadnópolis é premiar mais uma vez o latifúndio, a
corrupção, a especulação em cima do sequestro da terra, é impedir a instalação
de uma necessária Escola estadual e de um grande Centro de Formação Eduardo
Galeano. Os Sem Terra e o MST toleraram 18 anos sem ocupar a sede da ex-usina e
a área dos escombros da ex-usina Ariadnópolis, mas dia 11/10/2015 ocuparam para
não sair mais. Esperamos que o Governo de MG, o TJMG e o alto comando da PM
tenham a sensatez de não tentar despejar essa nova ocupação e que desaproprie
inclusive a sede da ex-usina Ariadnópolis e a área dos escombros da ex-usina
Ariadnópolis. Isso será justiça agrária tardia. Isso é o justo que deve
prevalecer.
Obs.: Veja, abaixo, algumas fotografias la luta digna e justa dos Sem Terra do MST lá nas terras da ex-usina Ariadnópolis. Fotos de 01/03/2016, de Gilvander Moreira.
domingo, 28 de fevereiro de 2016
A luta pela terra e pela Educação do/no Campo, em Arinos, noroeste de Minas Gerais. por Elza Cristiny e frei Gilvander Moreira
A luta pela terra e
pela Educação do/no Campo, em Arinos, noroeste de Minas Gerais.
Por Elza Cristiny Carneiro Batista, com apresentação de
frei Gilvander Luís Moreira.
Eu,
frei Gilvander, fiquei feliz ao descobrir que Elza Cristiny Carneiro Batista fez
mestrado em sociologia, na UFSC, terminando em 2015, com dissertação sobre “Trajetórias escolares de jovens assentados:
estudo em Arinos/MG.” Mais feliz ainda fiquei ao ler a dissertação de Elza,
a quem parabenizo pela pesquisa feita e pelo texto produzido. Sugiro a quem
puder que leia a dissertação de Elza na íntegra. O texto em pdf está
disponibilizado na internet no link https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/135135/334647.pdf?sequence=1
Mas como aperitivo, reuni, abaixo, alguns
flashes da Dissertação de Elza: “um olhar sociológico sobre a luta pela terra e pela Educação do/no
Campo, no município de Arinos, no noroeste de Minas Gerais.” Todos/as
professores/ras, estudantes, pais e mães, autoridades e pessoas de boa vontade
do Instituto Federal do Norte de MG campus de Arinos (IFNMG), da
Escola Estadual Chico Mendes, do município de Arinos, precisam ler e acolher
com carinho as análises e sugestões que a mestra Elza Cristiny faz com muita
pertinência. Eis, abaixo, alguns recortes da dissertação de Elza.
“No ano de 2000, os assentados ocuparam a
Escola Estadual Major Saint' Clair, no centro da cidade de Arinos por,
aproximadamente, uma semana. Nesse ínterim, várias negociações envolvendo
lideranças e políticos locais aconteceram até que o governador Itamar Franco
autorizasse o funcionamento da escola no assentamento. A partir daí, a
comunidade de assentados, com o apoio do MST, segundo dados de entrevistas,
arrecadou doações de colaboradores e da prefeitura. Com este recurso adaptaram
parte da antiga sede da fazenda desapropriada para que a escola começasse a
funcionar. Dentre as instalações reaproveitadas para a escola, estava um curral
de bezerros, também chamado pelos alunos de "o barracão". Foi nesse
espaço que aconteceram boa parte das histórias que pais, alunos, professores e lideranças
do MST nos contaram. Alguns com indignação, diante da precariedade das
condições; outros, com um sentimento de conquista, por ter sido a adaptação do
curral uma marca da resistência dos assentados em deixar os filhos estudarem na
cidade. Somente em 2010, um prédio próprio para o funcionamento da escola foi
entregue à comunidade (p. 26).”
“Há registros de que entre 1970 e 1980, houve
um fluxo migratório significativo no município de Arinos e foi justamente nessa
época que ocorreram as primeiras ocupações de áreas improdutivas na região. O
marco referencial na luta pela terra é a desapropriação das fazendas Saco
Grande/Palmeirinha (em Unaí, 1984) e Fruta D'Anta (em João Pinheiro, 1986) (p.
42).”
“O Entorno do Distrito Federal possui 57 assentamentos
da reforma agrária (Leite et al., 2004). Vinte e três deles estão localizados
no município de Arinos (INCRA, 2014), a saber: Santa Terezinha, Mimoso,
Rancharia, Riacho Claro, Santo Antônio dos Gerais, Caiçara, Grande Borá, Carro
Quebrado, Roça, Chico Mendes, Carlos Lamarca, Colônia dos Ciganos, Buriti
Grosso/Boqueirão, Paulo Freire, Elói Ferreira da Silva, PIC Sagarana e outros
sete assentamentos de crédito fundiário (como Banco da Terra, Para Terra e
Cédula da Terra) (p. 43).”
“O MDA indica, utilizando dados de 2011, que existem
no Noroeste de Minas 79 assentamentos, abarcando 5.715 famílias, mais treze
acampamentos, com 863 famílias acampadas (aproximadamente). Tais assentamentos
estão em etapas diferenciadas, já que alguns deles foram criados, ainda nas
décadas de 1970 e 1980, como o PIC (Projeto Integrado de Colonização) Sagarana
e o PA Mimoso, respectivamente. Em Arinos, o número de famílias assentadas, ainda
segundo o relatório do MDA é de 1.031. Em toda a região Noroeste existe ainda a
presença significativa de assentamentos via financiamento por programas
governamentais como Banco da Terra e Para Terra em um total de dezenove, com
395 famílias assentadas (p. 44).”
“A região Noroeste de Minas Gerais hoje é
formada por 22 municípios: Arinos, Chapada Gaúcha, Pintópolis, Urucuia, Formoso,
São Romão, Riachinho, Uruana de Minas, Bonfinópolis de Minas, Natalândia, Dom Bosco,
Brasilândia de Minas, Santa Fé de Minas, Paracatu, João Pinheiro, Lagoa Grande,
Guarda-Mor, Vazante, Presidente Olegário, Varjão de Minas, Lagamar e São
Gonçalo do Abaeté. O Noroeste ocupa uma área que equivale a 10,38% de área
total do estado de Minas Gerais, mas apenas 1,60% da população do estado ocupa
essa área, o que representa 5,15 habitantes por km², um grande vazio
demográfico (p. 45).”
“A população de Arinos, de acordo com Censo
de 2010 é de 17.674 habitantes. Deste total, 38,5% reside na zona rural (p.
46). Atualmente há forte presença da agricultura empresarial, sobretudo na
produção de grãos (feijão e milho), com espaço também para a pecuária e a
agricultura familiar. Dados do IBGE indicam que em 2011 o Noroeste de Minas foi
líder na produção de grãos no estado de Minas Gerais (p. 47).”
“O rio Urucuia e mais cinco grandes afluentes
(Rio São Domingos, Rio Piratinga, Rio Claro, Rio São Miguel e Ribeirão da Areia)
atravessam o município de Arinos. Guimarães Rosa (2006) apresenta a região do
Urucuia como parte do cenário de Grande Sertão: Veredas. Há também várias
referências ao urucuiano e à sua região em outros contos do autor, como A
Menina de Lá, Famigerado e Barra da Vaca. “Barra da Vaca” é o nome pelo qual
era conhecido o povoado que transformou-se na cidade
de
Arinos. Barra da Vaca é o nome de uma vereda que hoje localiza-se no
centro
da cidade de Arinos. Destacamos que, em Grande Sertão Veredas, as metáforas
existenciais relacionam os conflitos do homem aos aspectos da natureza do
sertão, sobretudo à dos rios: há sessenta e seis referências ao Urucuia e ao
povo que no vale (com)vive. “(...) Nessas referências, Guimarães Rosa destaca,
além da cultura sertaneja, as belezas naturais do sertão brasileiro, sobretudo
no que diz respeito às bacias hidrográficas. Nenhum rio foi tão citado, descrito,
comparado quanto o rio Urucuia (Silva, 2014:38) (p. 48).”
“O município de Arinos compreende parte das
terras do parque Nacional "Grande Sertão Veredas" criado em 1989 e
cuja área de 8.875 hectares se estende também entre os municípios de Chapada
Gaúcha, Formoso e Cocos (no estado da Bahia) (p. 49).”
“O assentamento mais antigo de Arinos (e
também o primeiro assentamento realizado pelo INCRA, em Minas Gerais, no ano de
1974)
recebeu
o nome de Sagarana. Ainda segundo Silva (2014), a escolha deste nome é
resultado do reconhecimento, por parte dos responsáveis
técnicos
pelo projeto na região, da relação literária existente entre a região do Rio
Urucuia e João Guimarães Rosa (p. 49).”
“Os quatro assentamentos que fazem parte
desta pesquisa são acessados pela rodovia MG 202, sentido Arinos/Buritis. Nesta
direção, a
aproximadamente
20 quilômetros do centro de Arinos, existe um trevo que dá acesso ao PA Chico
Mendes. Do trevo em diante, no sentido do assentamento, as estradas são todas
sem pavimentação. Dentro do Chico
Mendes
existem outras estradas que dão acesso aos assentamentos Carro Quebrado e Roça.
O PA Carlos Lamarca, pela mesma rodovia, tem o acesso a 4 quilômetros depois do
trevo para o Chico Mendes (p. 50).”
As sedes desses assentamentos funcionam nas
casas dos antigos
proprietários
das fazendas desapropriadas. Nesses espaços acontecem as
reuniões
das associações e outros eventos coletivos como almoços e festas das
comunidades (p. 50).”
“A produção de leite é a principal atividade
econômica dessas comunidades. Dados divulgados pela Cooperativa Agropecuária
Unaí Ltda. (CAPUL) em 2010 revelam que aproximadamente 40% da captação de leite
da cooperativa advém das unidades familiares de produção nos assentamentos
rurais (Souza et. al., 2010:13) (p. 50).”
“No total, são 11 tanques de resfriamento: 4
no Chico Mendes, 2 no assentamento Carro Quebrado (sendo 1 tanque particular),
4 no assentamento Carlos Lamarca (sendo dois particulares) e 1 tanque no assentamento
Roça. As associações de cada um desses assentamentos são cooperadas com a CAPUL
que recebe o leite e faz o pagamento para as associações (p. 51).”
“O preço do leite é variável e determinado
pela Itambé, empresa que compra o leite da CAPUL. As variações dos preços não
são justificadas ou previamente informadas para as associações. Cada assentado
tenta imaginar/deduzir os motivos das causas das mudanças de preço e é sempre
pego de surpresa, só sabe quanto vai receber na hora do pagamento. Este
comportamento é chamado por autores como Garcia-Parpet de compra não firme: uma
relação de dominação em que pequenos agricultores e neste caso assentados ficam
reféns de negociações com atores mais poderosos e que possuem uma posição de mercado
mais privilegiada (Garcia-Parpet, 2003). Outra prática realizada pela CAPUL é a
de descontar as compras dos assentados no ato do pagamento mensal do leite, ou
seja, as compras de supermercado, vacinas ou ração para o gado são feitas na
própria CAPUL para que sejam descontadas posteriormente, quando do pagamento do
leite. Pela opção de comprar "fiado", todos os assentados que
entregam leite acabam por submeter-se à compra de produtos apenas no
supermercado ou loja veterinária da cooperativa (p. 51-52).”
“Pela localização em meio ao cerrado, os
quatro assentamentos possuem muitas árvores nativas de frutos como o Pequi, a
mangaba, o
baru,
a cagaita, o araticum, o jenipapo, o buriti, o cajuzinho do cerrado, dentre
outros. Nos quintais, vimos ainda alguns pés de manga, acerola,
goiaba
e coco (p. 52).”
A estrutura e o acabamento das casas varia
bastante. Conhecemos desde pequenas casas com telhado de amianto, sem reboco ou
revestimento, até outras ampliadas, com varandas, pintura e banheiros modernos.
Todas elas possuem água (tanto por meio de poços artesianos, uso de rios e
nascentes ou mesmo de cisternas) e energia elétrica (p. 52).”
“A maioria das famílias que conhecemos produz
algum tipo de alimento como: milho, mandioca, abóbora, feijão catador ou
melancia. Algumas famílias cultivam apenas hortaliças, outras famílias plantam apenas
cana para alimentar o gado (p. 53).”
“Vilma, professora e assentada no P.A Chico
Mendes, narra assim a história: “Tudo teve início na cidade de Buritis, no mês
de dezembro de 1999. Quando foram organizadas as manifestações pelo sindicato
dos trabalhadores rurais de Buritis e juntamente com o movimento dos
trabalhadores rurais (MST). (...) No dia 15/12 desse mesmo ano às 7:00 horas da
manhã, partiram em direção a fazenda Campolino15, em ônibus, caminhões e vários
carros pequenos. Eles traziam consigo alimentos, lona, ferramentas e muita
força de vontade, garra determinação e muitos sonhos para com essa terra.(...)
No dia 19/12, as margens do Córrego Jabuticaba, no Município de Arinos - MG,
foi asteada a bandeira do MST, e aí, nasceu o PA. Chico Mendes; com 73 famílias
iniciantes.(...) Com o passar do tempo, a cada dia, a cada luta e conquista,
aquele número inicial de famílias foram crescendo cada vez mais, chegando a um
total de 300 famílias acampadas (p. 59).”
“Osmar, assentado do PA Carlos Lamarca,
ligado ao MST, assim narra a luta pela Educação do/no Campo, no P.A Chico
Mendes: “Mas ao certo que na época o governo federal criou aquele programa de
nucleação das escolas, então aquela onda de pegar, de trazer as crianças do
meio rural pra cidade. E quando a gente pensou aquele complexo de
assentamentos, a gente pensou um território, um território onde a gente poderia
... ao invés de trazer as pessoas pra cidade, fazer com que elas permanecesse
na terra, e a educação, ela é um ponto chave, a educação
do
campo, ela tem suas particularidades que na cidade não vai ter, (...) a gente
então, sempre sonhou em ter a educação do campo no campo, e
por
isso que nós então começamos com essa reivindicação de ter a escola, uma escola
polo ali, a qual juntaria todas as famílias tanto do Chico
Mendes,
como do PA Roça, da Colônia dos Ciganos, Carro Quebrado e Carlos Lamarca, vinculado
também a um projeto produtivo. Então a nossa ideia sempre foi essa, de a gente
pensar de como a gente organiza produção a partir do território (p. 63).”
“Um assentado ligado ao MST, o senhor Moisés,
nos conta que houve uma grande assembleia para definir os termos da ação de reivindicação:
“(...)ouviu mais ou menos as decisões que seria ocupar um espaço público pra
forçar os governos. Mas como ocupou a câmara e não deu nenhuma
repercussão,
resolvemos ocupar, falo resolvemos porque eu também participei da assembleia de
decisão, resolvemos, foi decidido em assembleia que iríamos ocupar a maior
escola, na época tida como a escola das elites no centro da cidade, escola
Major Saint’ Clair, na época. Aí, ocupamos essa escola e por lá ficamos por
quase uma semana, durante essa semana, é... houve grande conflito, grande
pressão por parte da administração da época, por parte das lideranças retrógradas
do município, então, eles pagaram, incentivaram pra apedrejar o pessoal dentro
da escola. (Sr. Moisés, assentado do PA Mimoso) (p. 64).”
“Um assentado ligado ao MST, o senhor Moisés,
nos conta que houve uma grande assembleia para definir os termos da ação de reivindicação:
“(...)ouviu mais ou menos as decisões que seria ocupar um espaço público pra
forçar os governos. Mas como ocupou a câmara e não deu nenhuma
repercussão,
resolvemos ocupar, falo resolvemos porque eu também participei da assembleia de
decisão, resolvemos, foi decidido em assembleia que iríamos ocupar a maior
escola, na época tida como a escola das elites no centro da cidade, escola
Major Saint’ Clair, na época. Aí, ocupamos essa escola e por lá ficamos por
quase uma semana, durante essa semana, é... houve grande conflito, grande
pressão por parte da administração da época, por parte das lideranças retrógradas
do município, então, eles pagaram, incentivaram pra apedrejar o pessoal dentro
da escola. (Sr. Moisés, assentado do PA Mimoso).”
“A professora Tonica associa a reação da
população ao estigma que os assentados sofriam na época junto aos moradores de
Arinos: Aí, como tudo o que o movimento conquistava era por meio de lutas, eles
vieram prá cá pra Arinos, pr'uma movimentação... e foram pra frente da prefeitura,
e na época eles foram atacados com pedras pela própria população da cidade de Arinos
porque sem-terra não era bem visto aqui em Arinos. Na verdade, foi de muito
pouco tempo prá cá que a gente conseguiu um certo respeito, mas a gente não era
bem visto aqui. Eles foram atacados com pedra, na época eles dizem que foi...
próprias pessoas da administração que articularam pessoas da comunidade pra
atacar. Atacou com pedras, depois, quando eles foram atacados com pedras na
prefeitura, eles recuaram pra dentro da escola Major Saint Clair. E lá dentro
dessa escola Major Saint Clair, teve até uma mãe [grávida] que perdeu o filho
dela, jogaram bomba, como se fosse uma guerra mesmo, e lá dentro tinha criança,
tinha mulheres, e aí eles jogaram bombas, pedra, a população. E
a
gente, na verdade, não sabe quem foi. (...) E aí teve perca de bebê nessa luta
pela escola. Mas, moral da história, teve tudo isso, a mãe perdeu o filho, mas
conseguiu o direito da escola. (Tonica, assentada do PA Chico Mendes,
professora no acampamento e no assentamento) (p. 64-65).”
“Sr. Zacarias, assentado do PA Chico Mendes: “Foi
uma luta muito assim dolorosa, mas conseguimo, né. A minha esposa mesmo, na
época
pra
conseguir esse colégio, ela tava grávida recente do primeiro filho, na luta lá
no outro colégio lá na cidade de Arinos, ela ganhou uma tijolada nas costas e
perdeu o primeiro filho. Mas é a tal coisa, faz parte da vida também, o que a gente
queria, a gente conseguimo, graças a Deus, tá lá, é o sonho. (...)A gente
sempre fala (...) que essa escola nossa sempre é deferenciada das outras,
através desse motivo (p. 65-66).”
A fala de um ex militante do MST mostra como
a percepção dos moradores da cidade com relação aos assentados era no sentido
de tomá-los como invasores: “A Major Saint' Clair foi ocupado lá. Aí naquela época
os pessoal de Arinos também não era apoiador. Hoje sim, hoje eles apoiam porque
o pessoal que trabalha ali, a maioria é de Arinos, na escola. Mas, então,
naquela época, o pessoal de Arinos também era contra a gente... Igual eu te disse,
os fazendeiros na época, Arinos antigamente era uma cidade comandada por fazendeiros,
né? Então o que os fazendeiros queriam era o que a população toda queria. Então
o fazendeiro foi contra o assentado, então o pessoal, a cidade parece que toda
se revoltava. Então foi espedrejado lá. Nós teve companheiro que ganhou pedrada
que quase quebrou a cara, quase ficou cego, da população. A mulher perdeu o
nenê lá nessa ocupação da escola. A gente fez isso pra gente conseguir ela (a
escola) aí. (Sr. Tião, assentado do PA Chico Mendes, ex-militante do MST) (p.
66).”
“O saldo dessa ação foi a autorização do
funcionamento de uma extensão da Escola Estadual Major Saint' Clair no
assentamento Chico Mendes com as séries finais do Ensino Fundamental, já que as
séries iniciais estavam sob a responsabilidade do município (p. 68).”
“A escola começou a funcionar no curral da
fazenda, que foi adaptado para ser sala de aula. Onde se tirava leite, os
adolescentes passaram a estudar, graças à luta coletiva liderada pelo MST no
município de Arinos, MG. Daí em diante, os assentados envolveram-se em outra
luta, esta para a construção do prédio da escola. Foram várias negociações
entre o INCRA, que precisaria demarcar um terreno, a Secretaria de Estado da
Educação
de Minas Gerais e os assentados. Somente em 2010, o decreto
45519
autorizaria o funcionamento da Escola Estadual Chico Mendes nas novas
instalações. Em 2012, o Decreto Lei 20534/2012 criou oficialmente a escola (p.
72).”
Obs.:
Fico por aqui para que o texto não fique muito grande, mas a segunda metade da
dissertação é de ótima qualidade.
Elza
Cristiny, ao fazer essa dissertação, você contribuiu muito com a história de
luta pela terra e pela educação do/no campo não só no município de Arinos, mas
em todo Brasil. Estou escrevendo tese de doutorado em Educação na FAE/UFMG
sobre “A luta pela terra em Minas Gerais: pedagogia rumo à emancipação humana?”
Obrigado, Elza. Sua dissertação me trouxe ótimas inspirações.
Belo
Horizonte, MG, 28/02/2016.
Abraço
terno. Frei Gilvander Moreira
email:
gilvanderufmg@gmail.com
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