Antério Mânica foi
condenado a 100 anos de prisão por ter sido um dos 4 mandantes da Chacina dos
fiscais em Unaí, MG: muitas lições.
Por frei Gilvander Moreira
Dias 4 e 5 de
novembro de 2015, acompanhei no Tribunal do júri na Justiça Federal em Belo
Horizonte, MG, o julgamento de Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí, MG, pelo
PSDB. Quase 12 anos depois, às 22:15h do dia 05 de novembro de 2015, o juiz Dr.
Murilo Fernandes de Almeida leu a sentença condenando Antério Mânica a 100 anos
de prisão por ele ter sido um dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais em
Unaí, dia 28 de janeiro de 2004, quando, em uma manhã de quarta-feira chuvosa,
foram barbaramente assassinados os fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos.
Ao
ser interrogado e prestar depoimento durante cerca de 3 horas, Antério Mânica admitiu
que: a) após a chacina, “ficava com tremedeira” ao ouvir algo relacionado ao
assunto; b) não gostou e ficou insatisfeito com as multas que vinha recebendo:
“ninguém fica satisfeito por ser multado”. “Fiquei indignado com essas multas.”;
c) “Um grupo de trabalhadores da região de São Francisco, MG, trabalhou na
minha fazenda um sábado com os contratos de trabalhos rescindidos (carteiras
dado baixa), porque não conseguiram terminar a colheita na sexta-feira;” d) informou
que apenas a mulher dele, Bernadete, o filho e a filha usavam o Fiat Marea
azul. “Nenhum estranho nunca usou o Marea;” e) “eu tinha relação estreita com
Norberto Mânica; com Hugo e José Alberto, não;” e) “Os fiscais nunca admitiram
a criação de cooperativas de trabalhadores, apenas os condomínios;” f) “Faço
política o tempo todo, todos os dias;” g) “Sou dono da fazenda Guaribas, mas lá
há muitos outros donos;” h) “nós irmãos somos unidos, mas nem tanto, mas somos
irmãos;” i) os trabalhadores temporários – os boias-frias – para a colheita do
feijão eram contratados por gatos. O fiscal Nelson José da Silva encontrou
muitos trabalhadores sendo demitidos sem ter tido as carteiras de trabalho
assinadas; j) as fiscalizações na fazenda dele prejudicaram a campanha dele
para prefeito. “Não prejudicou muito minha campanha,” ele disse.
A procurador
Dra. Míriam mostrou que Antério Mânica responde como réu a 29 processos na
justiça. “Antério Mânica é campeão de processos na justiça,” disse ela. “Antério
está condenada na justiça eleitoral e inelegível por 8 anos,” informou Dra. Míriam.
Um
delegado aposentado, ex-secretário de Antério Mânica na prefeitura de Unaí, foi
muito questionado pelo juiz e pelos procuradores do Ministério Público Federal,
porque apresentou nos autos uma escritura lavrada atestando que Antério era
inocente com relação à chacina dos fiscais. A escritura foi rasgada pelo
procurador Dr. Hebert
Mesquita ao dizer: “isso aqui não vale nada.”, porque ele não
integrou a força tarefa que fez as investigações. Como poderia apresentar um
parecer diferente do que foi apresentado pelos delegados das polícias federal e
civil?
Dia
27 de janeiro de 2014, véspera de ser assassinado, o fiscal Nelson, em inspeção
no escritório de Norberto Mânica, assinou documento exigindo que Norberto Mânica
apresentasse uma série de documentos até o dia 29 de janeiro de 2014. Ao invés
de apresentar documentos, apresentaram pistoleiros que os assassinaram.
Dia
17 de dezembro de 2003, 1 mês e 11 dias antes de ser assassinado, o fiscal
Nelson José da Silva fiscalizou e autuou a fazenda de Márcia Mânica, filha de
Antério Mânica, porque foi constatada cinco irregularidades: trabalhadores
ganhando abaixo do salário mínimo, sem carteira assinada, trabalho de menor,
trabalho nos finais de semana etc.
Entre
17 de fevereiro de 2000 e 18 de março de 2003, Antério Mânica foi multado 21
vezes pelo fiscal Nelson José da Silva. Pagou R$21.000,00 por 8 multas e
recorreu das outras. Houve multas de R$93.000,00, R$50.719,00, R$15.000,00,
R$26.000,00 etc.
Antério
Mânica se referia à chacina como “esse episódio”, “esse acidente”, “um trágico
acidente”, “esse Eratóstenes” e repetiu muitas vezes que o pistoleiro Erinaldo
havia dito a ele na prisão: “fique tranquilo, foi um assalto mal feito”. Interrogado
por um dos procuradores sobre qual o interesse do Erinaldo em tranquilizá-lo,
ele não soube responder.
Uma
testemunha disse ter ouvido: “Nós não matamos quatro pessoas, mas quatro
cachorros.” Dia 18 de fevereiro de 2000, o fiscal Eratóstenes autuou Antério Mânica
por ter encontrado na fazenda dele menores trabalhando.
Vicentinho,
um chapa, carregador de caminhão, confirmou diante dos jurados o que já tinha
declarado: ele viu Antério Mânica participando de reunião com Norberto Mânica,
Hugo Pimenta e José Alberto na véspera da chacina em Unaí. A defesa tentou
desqualificar o Vicentinho, mas não conseguiu, pois um chapa, uma pessoa pobre,
poderia ser ameaça política para Antério Mânica, rei do feijão?
Antério
tentou desdenhar da procuradora e em tom arrogante disse: “a senhora acredita
em historinha.” A Procuradora, Dra. Miriam Moreira Lima, respondeu: “acreditamos
sim em historinhas e exijo respeito a essa procuradora.”
Antério
Mânica telefonou para a Delegacia Regional do Trabalho em Paracatu, distante
100 Km de Unaí, e alertou/ameaçou que os fiscais estavam multando em demasia os
fazendeiros da região.
Com introdução da procuradora Dra.
Míriam e conclusão do advogado Dr. Antônio Francisco Patente, em 1,5 horas, o
procurador Hebert Mesquita, do Ministério Público Federal, foi contundente na
acusação, disse que se tivesse dúvida sobre a participação de Antério no crime,
pediria a absolvição dele e demonstrou que Antério Mânica devia ser condenado,
porque a investigação revelou com clareza que ele foi um dos mandantes. “Antério
estava na cena do crime", estava dentro do Marea, era o patrão bravo que
mandou matar todos, que participou da reunião na véspera da chacina, que tinha
interesse e motivo para mandar matar o fiscal Nelson e os outros fiscais e o
motorista, sim. Além disso, Antério telefonou duas vezes para a subdelegacia do
Ministério do Trabalho em Paracatu após a chacina na manhã do dia 28 de janeiro
de 2004.
O procurador Hebert mostrou aos
jurados documento do DETRAN atestando que havia um único Marea azul em Unaí e
estava em nome de Bernadete, mulher de Antério Mânica. Esse Marea foi coberto
para dificultar fiscalização. O procurador demonstrou também que Antério Mânica
telefonou no mês de janeiro de 2004 para Formosa, GO, cidade onde moravam os
pistoleiros. Que Unaí é uma cidade de desigualdade social. Há uma minoria muito
rica e uma maioria na miséria, cidade de grande injustiça social. Que o orgulho
dele (Antério Mânica), um dos coronéis da região, estava sendo ferido pela
atuação correta e ética do fiscal Nelson José da Silva.
O Procurador também ressaltou o rigor
do trabalho e a idoneidade do fiscal Nelson José da Silva, apontado como motivo
para que as mortes tenham sido encomendadas. "Esse homem [Nelson] morreu
porque tinha a teimosia de defender os direitos humanos", disse o
procurador.
Em 1,5 hora, o advogado de defesa, o
renomado Marcelo Leonardo, não conseguiu convencer os jurados, porque após 2
dias de debates e com o direito de ampla defesa, ficou claro e transparente que
Antério Mânica foi um dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí. Não
há nada que justifique questionar a lisura do julgamento conduzido com muita
competência e 100% dentro da legalidade pelo juiz Dr. Murilo e decidido com
extrema soberania dos 7 jurados, sendo seis mulheres, duas delas negras.
Ao final do julgamento, em respeito
aos irmãos de Antério Mânica, que cabisbaixo ouviam ali aquela condenação,
evitamos comemoração. Muitas lições todos nós devemos retirar dessa chacina
hedionda: a) não há mais possibilidade de alguém matar ou mandar matar e ficar
impune; b) melhor é conviver de forma ética, honesta, respeitando o próximo; c)
pisar na dignidade humana em busca de lucro desenfreado é um caminho temerário;
d) etc e etc.
Mas, assim como Adriano Chafic, Norberto
Mânica, José Alberto de Castro e muitos outros poderosos, Antério Mânica
recorrerá da pena – e do julgamento? - em liberdade. Assim se confirma o que aponta
a Criminologia Crítica, os penalistas humanistas e a sabedoria: “Só vai para a
prisão o pobre, o negro, o jovem, povo da periferia.” O Direito Penal é
seletivo e não atinge os criminosos de colarinho branco, quando os atinge, na
maioria das vezes, é por perseguição política e na defesa de determinado partido
ou alianças partidárias. O que seria de fato justo como condenação? Não apenas
prisão, mas também confisco de bens e repartir com os 30 mil trabalhadores
ainda submetidos a situação análoga à de escravidão no Brasil.
Em tempo: A TV gLobo, dia 06 de
novembro 2015, no Jornal Nacional, apresentou reportagem sobre “Antério Mânica
condenado a 100 anos de prisão.” Reportagem tendenciosa e não verdadeira,
porque deu voz apenas ao advogado de defesa, Marcelo Leonardo e este informou
que vai recorrer do julgamento de Antério Mânica alegando que ele é inocente,
mas não deu voz à procuradora Dra. Míriam, nem ao procurador Dr. Hebert
Mesquita e nem ao advogado assistente da acusação Dr. Patente. Assim, a TV gLobo,
ocultando verdades, não ouvindo o outro lado, acoberta ações coronelistas no
nosso país. Boicote à TV gLobo para o bem do povo brasileiro! Xô Globo! Justiça
às vítimas da Chacina de Unaí, que são muito além das vítimas que foram
assassinadas e seus familiares. São também os trabalhadores camponeses e todo o
povo que luta por Reforma Agrária e justiça social!
Belo Horizonte, MG, Brasil, 07 de
novembro de 2015.