Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
domingo, 8 de novembro de 2015
sábado, 7 de novembro de 2015
Antério Mânica foi condenado a 100 anos de prisão por ter sido um dos 4 mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, MG: muitas lições.
Antério Mânica foi
condenado a 100 anos de prisão por ter sido um dos 4 mandantes da Chacina dos
fiscais em Unaí, MG: muitas lições.
Por frei Gilvander Moreira
Dias 4 e 5 de
novembro de 2015, acompanhei no Tribunal do júri na Justiça Federal em Belo
Horizonte, MG, o julgamento de Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí, MG, pelo
PSDB. Quase 12 anos depois, às 22:15h do dia 05 de novembro de 2015, o juiz Dr.
Murilo Fernandes de Almeida leu a sentença condenando Antério Mânica a 100 anos
de prisão por ele ter sido um dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais em
Unaí, dia 28 de janeiro de 2004, quando, em uma manhã de quarta-feira chuvosa,
foram barbaramente assassinados os fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos.
Ao
ser interrogado e prestar depoimento durante cerca de 3 horas, Antério Mânica admitiu
que: a) após a chacina, “ficava com tremedeira” ao ouvir algo relacionado ao
assunto; b) não gostou e ficou insatisfeito com as multas que vinha recebendo:
“ninguém fica satisfeito por ser multado”. “Fiquei indignado com essas multas.”;
c) “Um grupo de trabalhadores da região de São Francisco, MG, trabalhou na
minha fazenda um sábado com os contratos de trabalhos rescindidos (carteiras
dado baixa), porque não conseguiram terminar a colheita na sexta-feira;” d) informou
que apenas a mulher dele, Bernadete, o filho e a filha usavam o Fiat Marea
azul. “Nenhum estranho nunca usou o Marea;” e) “eu tinha relação estreita com
Norberto Mânica; com Hugo e José Alberto, não;” e) “Os fiscais nunca admitiram
a criação de cooperativas de trabalhadores, apenas os condomínios;” f) “Faço
política o tempo todo, todos os dias;” g) “Sou dono da fazenda Guaribas, mas lá
há muitos outros donos;” h) “nós irmãos somos unidos, mas nem tanto, mas somos
irmãos;” i) os trabalhadores temporários – os boias-frias – para a colheita do
feijão eram contratados por gatos. O fiscal Nelson José da Silva encontrou
muitos trabalhadores sendo demitidos sem ter tido as carteiras de trabalho
assinadas; j) as fiscalizações na fazenda dele prejudicaram a campanha dele
para prefeito. “Não prejudicou muito minha campanha,” ele disse.
A procurador
Dra. Míriam mostrou que Antério Mânica responde como réu a 29 processos na
justiça. “Antério Mânica é campeão de processos na justiça,” disse ela. “Antério
está condenada na justiça eleitoral e inelegível por 8 anos,” informou Dra. Míriam.
Um
delegado aposentado, ex-secretário de Antério Mânica na prefeitura de Unaí, foi
muito questionado pelo juiz e pelos procuradores do Ministério Público Federal,
porque apresentou nos autos uma escritura lavrada atestando que Antério era
inocente com relação à chacina dos fiscais. A escritura foi rasgada pelo
procurador Dr. Hebert
Mesquita ao dizer: “isso aqui não vale nada.”, porque ele não
integrou a força tarefa que fez as investigações. Como poderia apresentar um
parecer diferente do que foi apresentado pelos delegados das polícias federal e
civil?
Dia
27 de janeiro de 2014, véspera de ser assassinado, o fiscal Nelson, em inspeção
no escritório de Norberto Mânica, assinou documento exigindo que Norberto Mânica
apresentasse uma série de documentos até o dia 29 de janeiro de 2014. Ao invés
de apresentar documentos, apresentaram pistoleiros que os assassinaram.
Dia
17 de dezembro de 2003, 1 mês e 11 dias antes de ser assassinado, o fiscal
Nelson José da Silva fiscalizou e autuou a fazenda de Márcia Mânica, filha de
Antério Mânica, porque foi constatada cinco irregularidades: trabalhadores
ganhando abaixo do salário mínimo, sem carteira assinada, trabalho de menor,
trabalho nos finais de semana etc.
Entre
17 de fevereiro de 2000 e 18 de março de 2003, Antério Mânica foi multado 21
vezes pelo fiscal Nelson José da Silva. Pagou R$21.000,00 por 8 multas e
recorreu das outras. Houve multas de R$93.000,00, R$50.719,00, R$15.000,00,
R$26.000,00 etc.
Antério
Mânica se referia à chacina como “esse episódio”, “esse acidente”, “um trágico
acidente”, “esse Eratóstenes” e repetiu muitas vezes que o pistoleiro Erinaldo
havia dito a ele na prisão: “fique tranquilo, foi um assalto mal feito”. Interrogado
por um dos procuradores sobre qual o interesse do Erinaldo em tranquilizá-lo,
ele não soube responder.
Uma
testemunha disse ter ouvido: “Nós não matamos quatro pessoas, mas quatro
cachorros.” Dia 18 de fevereiro de 2000, o fiscal Eratóstenes autuou Antério Mânica
por ter encontrado na fazenda dele menores trabalhando.
Vicentinho,
um chapa, carregador de caminhão, confirmou diante dos jurados o que já tinha
declarado: ele viu Antério Mânica participando de reunião com Norberto Mânica,
Hugo Pimenta e José Alberto na véspera da chacina em Unaí. A defesa tentou
desqualificar o Vicentinho, mas não conseguiu, pois um chapa, uma pessoa pobre,
poderia ser ameaça política para Antério Mânica, rei do feijão?
Antério
tentou desdenhar da procuradora e em tom arrogante disse: “a senhora acredita
em historinha.” A Procuradora, Dra. Miriam Moreira Lima, respondeu: “acreditamos
sim em historinhas e exijo respeito a essa procuradora.”
Antério
Mânica telefonou para a Delegacia Regional do Trabalho em Paracatu, distante
100 Km de Unaí, e alertou/ameaçou que os fiscais estavam multando em demasia os
fazendeiros da região.
Com introdução da procuradora Dra.
Míriam e conclusão do advogado Dr. Antônio Francisco Patente, em 1,5 horas, o
procurador Hebert Mesquita, do Ministério Público Federal, foi contundente na
acusação, disse que se tivesse dúvida sobre a participação de Antério no crime,
pediria a absolvição dele e demonstrou que Antério Mânica devia ser condenado,
porque a investigação revelou com clareza que ele foi um dos mandantes. “Antério
estava na cena do crime", estava dentro do Marea, era o patrão bravo que
mandou matar todos, que participou da reunião na véspera da chacina, que tinha
interesse e motivo para mandar matar o fiscal Nelson e os outros fiscais e o
motorista, sim. Além disso, Antério telefonou duas vezes para a subdelegacia do
Ministério do Trabalho em Paracatu após a chacina na manhã do dia 28 de janeiro
de 2004.
O procurador Hebert mostrou aos
jurados documento do DETRAN atestando que havia um único Marea azul em Unaí e
estava em nome de Bernadete, mulher de Antério Mânica. Esse Marea foi coberto
para dificultar fiscalização. O procurador demonstrou também que Antério Mânica
telefonou no mês de janeiro de 2004 para Formosa, GO, cidade onde moravam os
pistoleiros. Que Unaí é uma cidade de desigualdade social. Há uma minoria muito
rica e uma maioria na miséria, cidade de grande injustiça social. Que o orgulho
dele (Antério Mânica), um dos coronéis da região, estava sendo ferido pela
atuação correta e ética do fiscal Nelson José da Silva.
O Procurador também ressaltou o rigor
do trabalho e a idoneidade do fiscal Nelson José da Silva, apontado como motivo
para que as mortes tenham sido encomendadas. "Esse homem [Nelson] morreu
porque tinha a teimosia de defender os direitos humanos", disse o
procurador.
Em 1,5 hora, o advogado de defesa, o
renomado Marcelo Leonardo, não conseguiu convencer os jurados, porque após 2
dias de debates e com o direito de ampla defesa, ficou claro e transparente que
Antério Mânica foi um dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí. Não
há nada que justifique questionar a lisura do julgamento conduzido com muita
competência e 100% dentro da legalidade pelo juiz Dr. Murilo e decidido com
extrema soberania dos 7 jurados, sendo seis mulheres, duas delas negras.
Ao final do julgamento, em respeito
aos irmãos de Antério Mânica, que cabisbaixo ouviam ali aquela condenação,
evitamos comemoração. Muitas lições todos nós devemos retirar dessa chacina
hedionda: a) não há mais possibilidade de alguém matar ou mandar matar e ficar
impune; b) melhor é conviver de forma ética, honesta, respeitando o próximo; c)
pisar na dignidade humana em busca de lucro desenfreado é um caminho temerário;
d) etc e etc.
Mas, assim como Adriano Chafic, Norberto
Mânica, José Alberto de Castro e muitos outros poderosos, Antério Mânica
recorrerá da pena – e do julgamento? - em liberdade. Assim se confirma o que aponta
a Criminologia Crítica, os penalistas humanistas e a sabedoria: “Só vai para a
prisão o pobre, o negro, o jovem, povo da periferia.” O Direito Penal é
seletivo e não atinge os criminosos de colarinho branco, quando os atinge, na
maioria das vezes, é por perseguição política e na defesa de determinado partido
ou alianças partidárias. O que seria de fato justo como condenação? Não apenas
prisão, mas também confisco de bens e repartir com os 30 mil trabalhadores
ainda submetidos a situação análoga à de escravidão no Brasil.
Em tempo: A TV gLobo, dia 06 de
novembro 2015, no Jornal Nacional, apresentou reportagem sobre “Antério Mânica
condenado a 100 anos de prisão.” Reportagem tendenciosa e não verdadeira,
porque deu voz apenas ao advogado de defesa, Marcelo Leonardo e este informou
que vai recorrer do julgamento de Antério Mânica alegando que ele é inocente,
mas não deu voz à procuradora Dra. Míriam, nem ao procurador Dr. Hebert
Mesquita e nem ao advogado assistente da acusação Dr. Patente. Assim, a TV gLobo,
ocultando verdades, não ouvindo o outro lado, acoberta ações coronelistas no
nosso país. Boicote à TV gLobo para o bem do povo brasileiro! Xô Globo! Justiça
às vítimas da Chacina de Unaí, que são muito além das vítimas que foram
assassinadas e seus familiares. São também os trabalhadores camponeses e todo o
povo que luta por Reforma Agrária e justiça social!
Belo Horizonte, MG, Brasil, 07 de
novembro de 2015.
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Desabamento de duas barragens de rejeitos das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton: crime hediondo premeditado e pecado grave anunciado.
Desabamento de duas
barragens de rejeitos das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton: crime hediondo
premeditado e pecado grave anunciado.
Por frei Gilvander Moreira, da CPT.
Sobre o desabamento de duas barragens de
rejeitos, Fundão e Santarém, da Vale S/A e BHP Billiton – maior mineradora do
mundo – operado pela Samarco no Município de Mariana, MG, ontem, dia 05 de
novembro de 2015, tenho que dizer. Primeiro, nosso abraço solidário a todas as
famílias vítimas direta e indiretamente e nosso pedido de perdão a toda a
natureza devastada. Em segundo lugar, assim que ouvi a dolorosa notícia do
desabamento das duas barragens, enquanto acompanhava o julgamento de Antério Mânica,
ex-prefeito de Unaí, MG, pelo PSDB, que foi condenado a 100 anos de prisão por
ter sido um dos quatro mandantes da chacina dos fiscais em Unaí, dia
28/01/2004, veio imediatamente à minha mente o seguinte.
Há fortes indícios de que uma barragem de rejeito
da SAMARCO em Matipó, MG, seja uma das principais causas de câncer em muita
gente na cidade de Matipó, porque a barragem vaza para o rio Matipó metais
pesados – chumbo, arsênio e Mercúrio - e a COPASA capta água um pouco abaixo
para abastecer a cidade de Matipó. Essa denúncia foi feita na Assembleia
Legislativa, em 2004, quando tocávamos uma CPI sobre a Mina Capão Xavier, da
MBR/Vale, em Nova Lima, MG.
Há alguns anos atrás o ex-deputado Célio
Moreira, da base de sustentação do PSDB, então presidente da Comissão de Meio
Ambiente da Assembleia Legislativa de MG, em uma audiência pública, entregou
medalha ao diretor presidente da mineradora Samarco por ser, segundo ele, uma
empresa responsável socioambientalmente. Na época, estranhamos isso e denunciamos:
como pode um deputado, presidente de Comissão do Meio Ambiente, homenagear uma mineradora?
Quando desabou uma barragem da mineradora Rio
Pomba Cataguazes, na Zona da Mata de MG, saiu nos jornais que a FEAM (Fundação
Estadual do Meio Ambiente) afirmou que das mais de 600 barragens de rejeitos de
mineração existentes em Minas Gerais havia risco de desabamento em mais de 450
barragens. O órgão do Governo de MG estava admitindo que estamos diante de
muitos outros crimes hediondos anunciados.
Uma diretora da FEAM, Bárbara, declarou na
CPI da Mina Capão Xavier na ALMG que “a FEAM não fiscaliza nenhuma mineradora.
São funcionários das mineradoras que fazem os relatórios e nós da FEAM apenas
lemos os relatórios.” Mudou algo com o PT no governo de MG?
A Samarco duplicou ou triplicou o mineroduto
de Mariana ao Espírito Santo, porque duplicou ou triplicou a produção de
minério e, assim, triplicou também a dizimação das águas de Minas. Por isso
estava ampliando uma das barragens de rejeito em Bento Rodrigues.
Parecer que o Ministério Público, em 2013, anexou
ao processo de renovação de Licença de Operação alertava para risco de
rompimento da barragem, em Mariana. Diz o parecer: "Notam-se áreas de
contato entre a pilha e a barragem. Esta situação é inadequada para o contexto
de ambas estruturas, devido à possibilidade de desestabilização do maciço da
pilha e da potencialização de processos erosivos", diz o relatório. Assim,
se há risco deve ser aplicado o princípio da precaução, a licença de operação
não poderia ser renovada pela FEAM em 29/10/2013.
Quais são os deputados financiados pelas
mineradoras?
O Governador Pimentel enviou para a
Assembleia Legislativa, em regime de urgência, o PL nº 2.946/2015, que
concentra o licenciamento ambiental nas mãos do executivo e restringe muito a
participação popular. As Mineradoras estão festejando esse projeto de Lei do
Pimentel.
A barragem do Fundão e a pilha de estéril
União da Mina de Fábrica Nova da Vale (LP+LI) fazem limite entre si,
caracterizando sobreposição de áreas de influência direta, com sinergia de
impactos.
Logo, o que aconteceu não foi um acidente e
nem apenas uma tragédia – resposta cruel que vem da natureza -, é um crime
hediondo premeditado e um pecado grave. As vítimas não são apenas ‘desabrigados’,
pois não perderam apenas seus abrigos. Perderam suas histórias, suas culturas,
seu ambiente, etc e etc: uma comunidade camponesa de agricultores familiares
que vivia harmonicamente com a natureza. Não imaginavam que mineradoras com
autorização do Estado tinham colocado uma bomba armada sobre suas cabeças. E se
o rompimento das barragens tivessem ocorrido às 03:00h da madrugada, quando estava
todo mundo dormindo? Teria morrido 600 pessoas.
Quais os (ir)responsáveis? Não apenas as
mineradoras Samarco, VALE e BHP Billiton (sócias), mas o Governo de Minas
Gerais por ter concedido o licenciamento ambiental e por não fiscalizar com o
rigor que o fiscal Nelson José da Silva fiscalizava os fazendeiros na região de
Unaí, no Noroeste de MG. Por isso o Governo de MG é cúmplice também. A
Assembleia Legislativa de MG também é cúmplice porque homenageou a Samarco na
Comissão de Meio Ambiente. E toda a sociedade, de alguma forma também é
cúmplice, seja por omissão ou por tolerar o intolerável.
O Clamor e as campanhas de solidariedade sem
dúvidas são muito bem vindos e louváveis neste momento de dor e perda, mas
precisamos levantar um clamor aos quatro cantos do mundo contra as mineradoras,
os processos de licenciamento e as permissões dos governos que, em nome do
capital e do progresso, matam o meio ambiente e o nosso povo.
Dizia Bertold Brecht (1898-1956): "Primeiro
levaram os negros, Mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida
levaram alguns operários, Mas não me importei com isso. Eu também não era
operário. Depois prenderam os miseráveis, Mas não me importei com isso. Porque
eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados, Mas como tenho meu
emprego. Também não me importei. Agora estão me levando, Mas já é tarde. Como eu
não me importei com ninguém, Ninguém se importa comigo."
Sugiro que o Governo de MG cancele todas as
licenças ambientais da Samarco/Vale/BHP Billiton. Que seja bloqueado os
minerodutos da Samarco. Sugiro CPI das Mineradoras na ALMG e no Congresso
Nacional. Que o Governador Pimentel volte atrás antes que seja tarde demais e retire
o PL nº 2.946/2015 da ALMG e ouça as propostas dos movimentos socioambientais.
Já lamentamos vários desabamentos de várias
barragens de rejeitos de minério. Muitas pessoas já morreram e milhares foram
vitimizadas em Minas Gerais. Quantos outros rompimentos de barragens será
necessário para se ver a crueldade do predomínio da ação das mineradoras sobre
a dignidade humana e ecológica?
Enfim, feliz quem ouve os sinais dos tempos e
dos lugares.
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 06/11/2015.
ZECA MORREU DE SEDE NA PRAÇA RAUL SOARES NO CENTRO DE BELO HORIZONTE. 06/11/2015
ZECA MORREU DE
SEDE NA PRAÇA RAUL SOARES NO CENTRO DE
BELO HORIZONTE
Antônio Pinheiro, comendador do Vaticano pelos
serviços prestados aos pobres.
José Rodrigues
dos Santos, 20 anos, mais conhecido como Zeca, morava com os pais na roça, no
município de Sardoá, Vale do Rio Doce, MG. O pai, Antônio Rodrigues dos Santos,
também conhecido como Toniquinho, era uma pessoa adorada por todos que o
conheciam. Trabalhava na roça desde a infância de sol a sol. Em contato com
amigos que vieram trabalhar em Belo Horizonte dizendo das vantagens que o
emprego aqui lhes dava (como trabalhar 8 horas por dia, e somente de segunda a
sexta, com descanso remunerado aos sábados e domingos; e com férias de 30 dias
a cada ano trabalhado), Toniquinho receberia o salário e o benefício de seguro
de morte garantido para a família.
Entusiasmado com tais vantagens,
Toniquinho veio para Belo Horizonte, pois tinha trabalho garantido na obra que
seus amigos trabalhavam. Voltando a Sardoá, em férias, e feliz com o trabalho
que aqui realizava, convenceu seu filho Zeca a vir também trabalhar na capital.
Muito difícil foi para o Zeca que nunca
tinha dormido um só dia fora de casa. Deixar a família pela primeira vez e vir
para a cidade grande seria uma mudança radical. Vencidas as férias, Toniquinho
regressou a Belo Horizonte trazendo consigo o filho mais velho dos cinco que
tinha.
Apesar de tanta recomendação ao filho
sobre os perigos da capital (trânsito, violência, criminalidade, etc..), ao desembarcar
na rodoviária, Zeca não deveria se apartar do pai. Entretanto, no saguão da
rodoviária, um passageiro esbarrou bruscamente no Toniquinho, o levou ao chão e
Zeca, também com vários esbarrões recebidos ficou completamente desnorteado. Não
vendo o pai, tomou o rumo da Avenida Olegário Maciel, enquanto o pai,
completamente atordoado, procurava o filho pelo lado oposto, pela Avenida
Santos Dumont.
Passados três dias desse trágico acontecimento,
Toniquinho, com aspecto de muito infeliz, e já cansado, me procurou mal podendo
dizer do seu sofrimento, pois, segundo dizia, havia duas noites que não dormia
nem comia procurando o Zeca...
Saímos imediatamente e fomos à delegacia
da região da Rodoviária, ao Pronto Socorro e, ‘contra nossa vontade’, ao
Instituto Médico Legal (IML). Lá chegamos, sentamos no banco, dei um copo
d´água ao Toniquinho, tomei-o pela mão e fomos ao balcão onde fomos informados
que o corpo de José dos Santos Rodrigues, inanimado e frio, tinha sido
encontrado sob um banco de concreto da Praça Raul Soares dormindo eternamente.
Ao ouvir essas palavras, Toniquinho não tinha mais lágrimas para chorar, olhou
para mim espantado e não pronunciou uma só palavra, nem sequer chorou.
Encaminhamos o corpo para Sardoá, onde
foi recebido com muita emoção por grande parte dos moradores da pequena cidade,
e sepultado ao cair da noite com cantos religiosos. O pai, que continuava
profundamente triste e calado, morreu dias depois, vindo a ser sepultado ao
lado do filho.
O prefeito, também sensibilizado com
esse triste acontecimento, promoveu a mudança da viúva com seus filhos para a
cidade, tendo conseguido um emprego de ajudante em uma cantina escolar
municipal para ela e para seu filho mais velho.
Por acaso, se o Zeca batesse em sua
porta e pedisse um copo d´água, você daria?
-
Certamente não! Porque nós temos medo dos pobres.
Somos
um povo “cristão”, indiferente ao sofrimento do povo.
Um triste
exemplo
Segundo denunciou Dom Walmor, em artigo
publicado no jornal “Estado de Minas” (2013), foram assassinados 100 pessoas em
situação de rua, no últimos dois anos, em Belo Horizonte, MG. No Brasil, mais
de 400.
Além disso, o IML declarou que foram
sepultadas no ano anterior, 144 pessoas de Belo Horizonte sem nenhuma
identidade, sem flores, sem lágrimas, e sem uma missa sequer.
VOCÊ FICOU SABENDO? Nenhum destes crimes recebeu a menor investigação.
Esses crimes praticados contra essa
pequena multidão acontecem e não nos dizem nada.
Será que merecemos o título de povo mais
católico do mundo?
BH, 06/11/2015.
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
Antério Mânica no banco dos réus, indiciado como um dos 4 mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, MG, em 28/01/2004.
Antério
Mânica no banco dos réus, indiciado como um dos 4 mandantes da Chacina dos
fiscais em Unaí, MG, em 28/01/2004.
Hoje, dia 04/11/2015,
às 21:00h, terminou o 1º dia do Julgamento de Antério Mânica, ex-prefeito de
Unaí, MG, pelo PSDB. Antério está no banco dos réus como um dos quatro
mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, dia 28/01/2004. Em uma manhã de
quarta-feira chuvosa foram barbaramente assassinados os fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos,
João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, e o
motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos, idades que tinham quando foram
assassinados.
Eis,
abaixo, um pouco do que ouvi no tribunal do júri hoje na parte da tarde durante
declarações de testemunhas de acusação e de defesa.
Segundo
a Polícia Federal (PF), que investigava a chacina de Unaí, após a prisão dos
pistoleiros, os Mânicas se desesperaram e começaram a ordenar sumiço de
documentos. Um Mânica teria dito: “Não adiantou fazer aquilo.” A PF apurou
também que os Mânicas sempre tentaram esconder que havia irregularidades nas
fazendas deles.
A
Polícia Federal, alegando que não tinha tido tempo hábil para investigar tudo e
concluir o inquérito após as prisões dos jagunços, alertou, na conclusão, que o
inquérito era parcial e que mais apurações precisavam ser feitas. Assim o
delegado federal pediu que complementações fossem feitas. Isso está no 19º volume
do processo.
O
Ministério Público Federal denunciou Antério Mânica por não ter dúvida de que ele
é um dos mandantes da chacina de Unaí. O pistoleiro Erinaldo afirmou que viu
Antério Mânica em um Fiat Marea e percebeu: “o patrão está bravo.”
Várias
testemunhas de Antério Mânica eram pessoas com estreito relacionamento de
amizade ou parceiros políticos. Uma testemunha que falou bem de Antério Mânica
também declarou que “Norberto Mânica era uma pessoa trabalhadora, boníssima e
comia junto com os trabalhadores”. Mas Norberto Mânica foi condenado a 100 anos
de cadeia como um dos mandantes da chacina de Unaí.
Antério
Mânica e sua filha Márcia também foram multados pelo fiscal Nelson José da
Silva, uma das vítimas. Uma testemunha disse que os Mânicas romperam a sociedade
naturalmente, sem brigar. Disse que Antério era o líder da família, era o que
administrava tudo, enquanto os outros irmãos produziam. Se não brigaram, se
continuavam sendo irmãos, por que Antério Mânica não admoestou Norberto Mânica,
Hugo Pimenta e José Alberto quando esses tramavam matar o fiscal Nelson?
Uma
testemunha amiga do Antério Mânica declarou ter dito ao fiscal Nelson: “Dr.
Nelson, essa fiscalização vai deixar muita gente sem emprego.” Nelson retrucou
na hora: “Não podemos abrir mão da nossa missão que é fiscalizar.”
Uma
testemunha declarou que Antério Mânica disse durante campanha eleitoral: “Bala
que mata fiscal também mata candidato.”
Em
fevereiro de 2003, o fiscal Nelson apresentou relatório denunciando as ameaças
que estava sofrendo.
Uma
testemunha declarou: “Antério estava muito insatisfeito com as fiscalizações.”
Dia
17/12/2003, 1 mês e 11 dias antes de ser assassinado, o fiscal Nelson José da
Silva fiscalizou e autuou fazenda de Antério Mânica e da filha Márcia, porque
havia trabalhadores ganhando abaixo do salário mínimo, sem carteira assinada,
além de outras irregularidades.
Uma
testemunha de acusação disse que viu Antério Mânica junto com Norberto, Hugo e
José Alberto na véspera da chacina.
Os
pistoleiros e os mandantes seguiram o fiscal Nelson durante uns dois meses para
matá-lo.
O
Ministério Público Federal indiciou Antério Mânica após a Polícia Federal fazer
uma série de complementação de provas.
Antério
Mânica recebeu ligações e ligou duas vezes para a Delegacia Regional do
Trabalho em Paracatu na manhã da chacina para confirmar se todos os fiscais
tinham sido mortos.
Testemunhas
alegaram que Antério Mânica faz assistência social, caridade. Isso me fez
recordar Hannah Arendt que afirmava existir cruel caridade. Servir caridade/assistência
social e servir agrotóxico e trabalho escravo não combinam. Se em Unaí não
tivesse sendo jogado nas lavouras do agronegócio um exagero de agrotóxico, não
haveria tanta gente com câncer. Segundo Relatório do padre João Carlos, da
Comissão contra o uso de agrotóxico da Câmara Federal, em Unaí, em média, a cada
ano cerca de 1.260 pessoas contraem câncer, certamente pelo uso indiscriminado
de agrotóxico. Além do Câncer do agrotóxico, o câncer do latifúndio, do
trabalho escravo e da falta de reforma agrária seguem, de forma disfarçada,
matando trabalhadores. Sobre isso não podemos nos calar.
O
julgamento deve durar três dias. Há seis mulheres e um homem no corpo de
jurado. Que justiça seja feita ainda que tardia!
Abraço
na luta por justiça,
Frei
Gilvander Moreira.
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