sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Desabamento de duas barragens de rejeitos das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton: crime hediondo premeditado e pecado grave anunciado.

Desabamento de duas barragens de rejeitos das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton: crime hediondo premeditado e pecado grave anunciado.
Por frei Gilvander Moreira, da CPT.

Sobre o desabamento de duas barragens de rejeitos, Fundão e Santarém, da Vale S/A e BHP Billiton – maior mineradora do mundo – operado pela Samarco no Município de Mariana, MG, ontem, dia 05 de novembro de 2015, tenho que dizer. Primeiro, nosso abraço solidário a todas as famílias vítimas direta e indiretamente e nosso pedido de perdão a toda a natureza devastada. Em segundo lugar, assim que ouvi a dolorosa notícia do desabamento das duas barragens, enquanto acompanhava o julgamento de Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí, MG, pelo PSDB, que foi condenado a 100 anos de prisão por ter sido um dos quatro mandantes da chacina dos fiscais em Unaí, dia 28/01/2004, veio imediatamente à minha mente o seguinte.
Há fortes indícios de que uma barragem de rejeito da SAMARCO em Matipó, MG, seja uma das principais causas de câncer em muita gente na cidade de Matipó, porque a barragem vaza para o rio Matipó metais pesados – chumbo, arsênio e Mercúrio - e a COPASA capta água um pouco abaixo para abastecer a cidade de Matipó. Essa denúncia foi feita na Assembleia Legislativa, em 2004, quando tocávamos uma CPI sobre a Mina Capão Xavier, da MBR/Vale, em Nova Lima, MG.
Há alguns anos atrás o ex-deputado Célio Moreira, da base de sustentação do PSDB, então presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de MG, em uma audiência pública, entregou medalha ao diretor presidente da mineradora Samarco por ser, segundo ele, uma empresa responsável socioambientalmente. Na época, estranhamos isso e denunciamos: como pode um deputado, presidente de Comissão do Meio Ambiente, homenagear uma mineradora?
Quando desabou uma barragem da mineradora Rio Pomba Cataguazes, na Zona da Mata de MG, saiu nos jornais que a FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente) afirmou que das mais de 600 barragens de rejeitos de mineração existentes em Minas Gerais havia risco de desabamento em mais de 450 barragens. O órgão do Governo de MG estava admitindo que estamos diante de muitos outros crimes hediondos anunciados.
Uma diretora da FEAM, Bárbara, declarou na CPI da Mina Capão Xavier na ALMG que “a FEAM não fiscaliza nenhuma mineradora. São funcionários das mineradoras que fazem os relatórios e nós da FEAM apenas lemos os relatórios.” Mudou algo com o PT no governo de MG?
A Samarco duplicou ou triplicou o mineroduto de Mariana ao Espírito Santo, porque duplicou ou triplicou a produção de minério e, assim, triplicou também a dizimação das águas de Minas. Por isso estava ampliando uma das barragens de rejeito em Bento Rodrigues.
Parecer que o Ministério Público, em 2013, anexou ao processo de renovação de Licença de Operação alertava para risco de rompimento da barragem, em Mariana. Diz o parecer: "Notam-se áreas de contato entre a pilha e a barragem. Esta situação é inadequada para o contexto de ambas estruturas, devido à possibilidade de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos", diz o relatório. Assim, se há risco deve ser aplicado o princípio da precaução, a licença de operação não poderia ser renovada pela FEAM em 29/10/2013.
Quais são os deputados financiados pelas mineradoras?
O Governador Pimentel enviou para a Assembleia Legislativa, em regime de urgência, o PL nº 2.946/2015, que concentra o licenciamento ambiental nas mãos do executivo e restringe muito a participação popular. As Mineradoras estão festejando esse projeto de Lei do Pimentel.
A barragem do Fundão e a pilha de estéril União da Mina de Fábrica Nova da Vale (LP+LI) fazem limite entre si, caracterizando sobreposição de áreas de influência direta, com sinergia de impactos. 
Logo, o que aconteceu não foi um acidente e nem apenas uma tragédia – resposta cruel que vem da natureza -, é um crime hediondo premeditado e um pecado grave. As vítimas não são apenas ‘desabrigados’, pois não perderam apenas seus abrigos. Perderam suas histórias, suas culturas, seu ambiente, etc e etc: uma comunidade camponesa de agricultores familiares que vivia harmonicamente com a natureza. Não imaginavam que mineradoras com autorização do Estado tinham colocado uma bomba armada sobre suas cabeças. E se o rompimento das barragens tivessem ocorrido às 03:00h da madrugada, quando estava todo mundo dormindo? Teria morrido 600 pessoas.
Quais os (ir)responsáveis? Não apenas as mineradoras Samarco, VALE e BHP Billiton (sócias), mas o Governo de Minas Gerais por ter concedido o licenciamento ambiental e por não fiscalizar com o rigor que o fiscal Nelson José da Silva fiscalizava os fazendeiros na região de Unaí, no Noroeste de MG. Por isso o Governo de MG é cúmplice também. A Assembleia Legislativa de MG também é cúmplice porque homenageou a Samarco na Comissão de Meio Ambiente. E toda a sociedade, de alguma forma também é cúmplice, seja por omissão ou por tolerar o intolerável.
O Clamor e as campanhas de solidariedade sem dúvidas são muito bem vindos e louváveis neste momento de dor e perda, mas precisamos levantar um clamor aos quatro cantos do mundo contra as mineradoras, os processos de licenciamento e as permissões dos governos que, em nome do capital e do progresso, matam o meio ambiente e o nosso povo.
Dizia Bertold Brecht (1898-1956): "Primeiro levaram os negros, Mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis, Mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados, Mas como tenho meu emprego. Também não me importei. Agora estão me levando, Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, Ninguém se importa comigo."
Sugiro que o Governo de MG cancele todas as licenças ambientais da Samarco/Vale/BHP Billiton. Que seja bloqueado os minerodutos da Samarco. Sugiro CPI das Mineradoras na ALMG e no Congresso Nacional. Que o Governador Pimentel volte atrás antes que seja tarde demais e retire o PL nº 2.946/2015 da ALMG e ouça as propostas dos movimentos socioambientais.
Já lamentamos vários desabamentos de várias barragens de rejeitos de minério. Muitas pessoas já morreram e milhares foram vitimizadas em Minas Gerais. Quantos outros rompimentos de barragens será necessário para se ver a crueldade do predomínio da ação das mineradoras sobre a dignidade humana e ecológica?
Enfim, feliz quem ouve os sinais dos tempos e dos lugares.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 06/11/2015.


ZECA MORREU DE SEDE NA PRAÇA RAUL SOARES NO CENTRO DE BELO HORIZONTE. 06/11/2015



ZECA MORREU DE SEDE NA PRAÇA RAUL SOARES NO CENTRO DE
BELO HORIZONTE
Antônio Pinheiro, comendador do Vaticano pelos serviços prestados aos pobres.

José Rodrigues dos Santos, 20 anos, mais conhecido como Zeca, morava com os pais na roça, no município de Sardoá, Vale do Rio Doce, MG. O pai, Antônio Rodrigues dos Santos, também conhecido como Toniquinho, era uma pessoa adorada por todos que o conheciam. Trabalhava na roça desde a infância de sol a sol. Em contato com amigos que vieram trabalhar em Belo Horizonte dizendo das vantagens que o emprego aqui lhes dava (como trabalhar 8 horas por dia, e somente de segunda a sexta, com descanso remunerado aos sábados e domingos; e com férias de 30 dias a cada ano trabalhado), Toniquinho receberia o salário e o benefício de seguro de morte garantido para a família.
Entusiasmado com tais vantagens, Toniquinho veio para Belo Horizonte, pois tinha trabalho garantido na obra que seus amigos trabalhavam. Voltando a Sardoá, em férias, e feliz com o trabalho que aqui realizava, convenceu seu filho Zeca a vir também trabalhar na capital.
Muito difícil foi para o Zeca que nunca tinha dormido um só dia fora de casa. Deixar a família pela primeira vez e vir para a cidade grande seria uma mudança radical. Vencidas as férias, Toniquinho regressou a Belo Horizonte trazendo consigo o filho mais velho dos cinco que tinha.
Apesar de tanta recomendação ao filho sobre os perigos da capital (trânsito, violência, criminalidade, etc..), ao desembarcar na rodoviária, Zeca não deveria se apartar do pai. Entretanto, no saguão da rodoviária, um passageiro esbarrou bruscamente no Toniquinho, o levou ao chão e Zeca, também com vários esbarrões recebidos ficou completamente desnorteado. Não vendo o pai, tomou o rumo da Avenida Olegário Maciel, enquanto o pai, completamente atordoado, procurava o filho pelo lado oposto, pela Avenida Santos Dumont.
Passados três dias desse trágico acontecimento, Toniquinho, com aspecto de muito infeliz, e já cansado, me procurou mal podendo dizer do seu sofrimento, pois, segundo dizia, havia duas noites que não dormia nem comia procurando o Zeca...
Saímos imediatamente e fomos à delegacia da região da Rodoviária, ao Pronto Socorro e, ‘contra nossa vontade’, ao Instituto Médico Legal (IML). Lá chegamos, sentamos no banco, dei um copo d´água ao Toniquinho, tomei-o pela mão e fomos ao balcão onde fomos informados que o corpo de José dos Santos Rodrigues, inanimado e frio, tinha sido encontrado sob um banco de concreto da Praça Raul Soares dormindo eternamente. Ao ouvir essas palavras, Toniquinho não tinha mais lágrimas para chorar, olhou para mim espantado e não pronunciou uma só palavra, nem sequer chorou.
Encaminhamos o corpo para Sardoá, onde foi recebido com muita emoção por grande parte dos moradores da pequena cidade, e sepultado ao cair da noite com cantos religiosos. O pai, que continuava profundamente triste e calado, morreu dias depois, vindo a ser sepultado ao lado do filho.
O prefeito, também sensibilizado com esse triste acontecimento, promoveu a mudança da viúva com seus filhos para a cidade, tendo conseguido um emprego de ajudante em uma cantina escolar municipal para ela e para seu filho mais velho.
Por acaso, se o Zeca batesse em sua porta e pedisse um copo d´água, você daria?
- Certamente não! Porque nós temos medo dos pobres.
Somos um povo “cristão”, indiferente ao sofrimento do povo.

Um triste exemplo
Segundo denunciou Dom Walmor, em artigo publicado no jornal “Estado de Minas” (2013), foram assassinados 100 pessoas em situação de rua, no últimos dois anos, em Belo Horizonte, MG. No Brasil, mais de 400.
Além disso, o IML declarou que foram sepultadas no ano anterior, 144 pessoas de Belo Horizonte sem nenhuma identidade, sem flores, sem lágrimas, e sem uma missa sequer.
VOCÊ FICOU SABENDO? Nenhum destes crimes recebeu a menor investigação.
Esses crimes praticados contra essa pequena multidão acontecem e não nos dizem nada.
Será que merecemos o título de povo mais católico do mundo?
BH, 06/11/2015.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Antério Mânica no banco dos réus, indiciado como um dos 4 mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, MG, em 28/01/2004.

Antério Mânica no banco dos réus, indiciado como um dos 4 mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, MG, em 28/01/2004.

Hoje, dia 04/11/2015, às 21:00h, terminou o 1º dia do Julgamento de Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí, MG, pelo PSDB. Antério está no banco dos réus como um dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, dia 28/01/2004. Em uma manhã de quarta-feira chuvosa foram barbaramente assassinados os fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos, idades que tinham quando foram assassinados.
Eis, abaixo, um pouco do que ouvi no tribunal do júri hoje na parte da tarde durante declarações de testemunhas de acusação e de defesa.
Segundo a Polícia Federal (PF), que investigava a chacina de Unaí, após a prisão dos pistoleiros, os Mânicas se desesperaram e começaram a ordenar sumiço de documentos. Um Mânica teria dito: “Não adiantou fazer aquilo.” A PF apurou também que os Mânicas sempre tentaram esconder que havia irregularidades nas fazendas deles.
A Polícia Federal, alegando que não tinha tido tempo hábil para investigar tudo e concluir o inquérito após as prisões dos jagunços, alertou, na conclusão, que o inquérito era parcial e que mais apurações precisavam ser feitas. Assim o delegado federal pediu que complementações fossem feitas. Isso está no 19º volume do processo.
O Ministério Público Federal denunciou Antério Mânica por não ter dúvida de que ele é um dos mandantes da chacina de Unaí. O pistoleiro Erinaldo afirmou que viu Antério Mânica em um Fiat Marea e percebeu: “o patrão está bravo.”
Várias testemunhas de Antério Mânica eram pessoas com estreito relacionamento de amizade ou parceiros políticos. Uma testemunha que falou bem de Antério Mânica também declarou que “Norberto Mânica era uma pessoa trabalhadora, boníssima e comia junto com os trabalhadores”. Mas Norberto Mânica foi condenado a 100 anos de cadeia como um dos mandantes da chacina de Unaí.
Antério Mânica e sua filha Márcia também foram multados pelo fiscal Nelson José da Silva, uma das vítimas. Uma testemunha disse que os Mânicas romperam a sociedade naturalmente, sem brigar. Disse que Antério era o líder da família, era o que administrava tudo, enquanto os outros irmãos produziam. Se não brigaram, se continuavam sendo irmãos, por que Antério Mânica não admoestou Norberto Mânica, Hugo Pimenta e José Alberto quando esses tramavam matar o fiscal Nelson?
Uma testemunha amiga do Antério Mânica declarou ter dito ao fiscal Nelson: “Dr. Nelson, essa fiscalização vai deixar muita gente sem emprego.” Nelson retrucou na hora: “Não podemos abrir mão da nossa missão que é fiscalizar.”
Uma testemunha declarou que Antério Mânica disse durante campanha eleitoral: “Bala que mata fiscal também mata candidato.”
Em fevereiro de 2003, o fiscal Nelson apresentou relatório denunciando as ameaças que estava sofrendo.
Uma testemunha declarou: “Antério estava muito insatisfeito com as fiscalizações.”
Dia 17/12/2003, 1 mês e 11 dias antes de ser assassinado, o fiscal Nelson José da Silva fiscalizou e autuou fazenda de Antério Mânica e da filha Márcia, porque havia trabalhadores ganhando abaixo do salário mínimo, sem carteira assinada, além de outras irregularidades.
Uma testemunha de acusação disse que viu Antério Mânica junto com Norberto, Hugo e José Alberto na véspera da chacina.
Os pistoleiros e os mandantes seguiram o fiscal Nelson durante uns dois meses para matá-lo.
O Ministério Público Federal indiciou Antério Mânica após a Polícia Federal fazer uma série de complementação de provas.
Antério Mânica recebeu ligações e ligou duas vezes para a Delegacia Regional do Trabalho em Paracatu na manhã da chacina para confirmar se todos os fiscais tinham sido mortos.
Testemunhas alegaram que Antério Mânica faz assistência social, caridade. Isso me fez recordar Hannah Arendt que afirmava existir cruel caridade. Servir caridade/assistência social e servir agrotóxico e trabalho escravo não combinam. Se em Unaí não tivesse sendo jogado nas lavouras do agronegócio um exagero de agrotóxico, não haveria tanta gente com câncer. Segundo Relatório do padre João Carlos, da Comissão contra o uso de agrotóxico da Câmara Federal, em Unaí, em média, a cada ano cerca de 1.260 pessoas contraem câncer, certamente pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Além do Câncer do agrotóxico, o câncer do latifúndio, do trabalho escravo e da falta de reforma agrária seguem, de forma disfarçada, matando trabalhadores. Sobre isso não podemos nos calar.
O julgamento deve durar três dias. Há seis mulheres e um homem no corpo de jurado. Que justiça seja feita ainda que tardia!
Abraço na luta por justiça,
Frei Gilvander Moreira.