quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Dois mandantes da chacina dos fiscais de Unaí no banco dos réus e outro mandante em delação premiada.

Dois mandantes da chacina dos fiscais de Unaí no banco dos réus e outro mandante em delação premiada.
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Frei Gilvander Luís Moreira[1]

Dia 28 de outubro de 2015, uma quarta-feira chuvosa em Belo Horizonte, assim como na manhã do dia 28 de janeiro de 2004, em Unaí, também uma quarta-feira, dia em que quatro mandantes e cinco jagunços fizeram uma sexta-feira da paixão no município de Unaí, noroeste de Minas Gerais, ao assassinarem, premeditadamente e a mando, três fiscais do Ministério do Trabalho e um motorista. 
Sentado ao lado das viúvas dos fiscais, eu assisti no tribunal do júri da Justiça Federal, em Belo Horizonte, MG, o 2º dia de julgamento de Norberto Mânica e José Alberto de Castro, dois dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, e do motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos, idades que tinham quando foram assassinados.
Fiquei muito comovido ao ver as viúvas chorando várias vezes durante o depoimento de Hugo Alves Pimenta. Enquanto eu tentava consolá-las, indignado assistia ali o julgamento de uma barbárie, prova de que não estamos em uma sociedade justa em nem democrática. Passava na minha memória os milhares de trabalhadores ainda submetidos à situação análoga à de escravidão. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), mais de 30 mil. A CPT tem uma Campanha Permanente contra o Trabalho Escravo. Os fiscais foram barbaramente assassinados há quase 12 anos, porque combatiam a existência de trabalho escravo em fazendas do agronegócio no município de Unaí.
Hugo Pimenta, um dos quatro mandantes, em delação premiada, narrou com detalhes a trama satânica e covarde para assassinar os fiscais. Imputou, com descrições eloquentes, Norberto Mânica, Antero Mânica e José Alberto como os mandantes da chacina, mas implicitamente também revelou que ele, Hugo Pimenta, foi um dos quatro mandantes. Disse que sobre Antero Mânica falará no dia do julgamento dele, dia 04 de novembro de 2015. Enfim, revelou o que jagunços, muitas testemunhas, várias provas, as polícias federal e civil e o Ministério Público Federal demonstram: Norberto Mânica, Antero Mânica, José Alberto e ele, Hugo Pimenta, foram os mandantes da chacina.
Hugo Pimenta admitiu que participou de várias reuniões com José Alberto e Norberto Mânica cujo assunto era como matar o fiscal Nelson. Segundo Hugo Pimenta, o José Alberto conhecia a muito tempo o Chico Pinheiro, um agenciador de jagunços que morava em Formosa, GO. “Após Norberto Mânica dizer reiteradas vezes que não tolerava mais o fiscal Nelson José da Silva vistoriando e multando suas fazendas, que estava decidido a mandar matá-lo, o José Alberto disse ao Norberto que conhecia quem poderia fazer o serviço”, narrou Hugo Pimenta.
Hugo Pimenta confessou que a pedido de Norberto Mânica entregou, em espécie, nas mãos de José Alberto R$39.000,00 (Trinta e nove mil reais) para José Alberto pagar o Chico Pinheiro, o agenciador dos outros jagunços, morto na prisão antes de ser julgado. “O Zezinho, como era chamado o José Alberto, pagou os 39 mil reais aos jagunços a mando do Norberto Mânica.”
Em uma narrativa que incrimina explicitamente Norberto Mânica e José Alberto – dizendo que sobre Antero Mânica falará no dia do julgamento dele -, mas, nas entrelinhas se entregando também como mandante, Hugo Pimenta disse, além do dito, acima, entre outras coisas, 14 denúncias graves. Listo-as, abaixo:
1 - “Na prisão, Norberto Mânica prometeu pagar mais 200 mil reais para o jagunço Rogério Alan, 300 mil para o jagunço Erinaldo e dar o equivalente a 300 novilhas para Wiliam, o terceiro jagunço, os três condenados em 2013 a penas de 56 a 97 anos de prisão.”
2 - “Norberto Mânica disse na prisão: “Não estou arrependido de jeito nenhum. O Nelson eu mandaria matar mil vezes.””
3 - “Erinaldo (um dos jagunços) foi procurado duas vezes por Norberto Mânica para matar uma família no Paraná. Isso após a chacina dos fiscais. Disse para Erinaldo que queria que fosse morto até as galinhas e os cachorros.”
4 - “Norberto Mânica pagou um habeas corpus para o Rogério Alan, um dos jagunços.”
5 - “José Alberto recebeu um telefonema dos jagunços dizendo que não tinha como matar somente o fiscal Nelson, porque havia outros com ele. O Zezinho, como era conhecido o José Alberto, disse isso para o Norberto Mânica, que respondeu na hora: “Tora todo mundo.”
6 - “‘Torar todo mundo’ significa matar todos.”
7 - “Norberto Mânica me disse – para Hugo Pimenta: “Eu vendo uma fazenda e resolvo tudo.”
8 – “Norberto Mânica propôs que eu, Hugo Pimenta, assumisse toda culpa.”
9 – “Estive preso na mesma cela com Norberto Mânica. Durante nossa prisão, quando que tentava falar de algumas passagens bíblicas para o Norberto, ele disse: “Bíblia e bosta é a mesma coisa.”
10 – “Chico Pimenta – o agenciador de outros jagunços – me disse: “Matei outros três e saí pela porta da frente após o júri.”
11 – “Norberto Mânica disse: “O mundo é muito pequeno para mim e para o Nelson.”
12 - “Norberto Mânica planejou matar o fiscal Nelson de 1 a 2 anos.”
13 - “Norberto Mânica pagava mesada para os pistoleiros presos.”
14 - “Norberto e eu, Hugo Pimenta, tínhamos vários terrenos em sociedade, um tinha 30.000m2.”

Enquanto ouvia o depoimento de Hugo Pimenta e as perguntas questionadoras do Ministério Público Federal e dos vários advogados de defesa de Norberto Mânica e de José Alberto, eu me perguntava: Qual deve ser a pena justa?
Segundo o código penal brasileiro, a pena máxima que a pessoa pode cumprir no Brasil, em tese, é 30 anos. Sendo 4 réus, então, a pena pode chegar a 120 anos para cada um dos mandantes. Mas condenar a muitos anos de prisão não adianta. Ouvi falar que o jagunço Erinaldo, condenado a 76 anos, deverá entrar em liberdade condicional em 2016. O fazendeiro Adriano Chafic, mandante do massacre de 5 Sem Terra do MST, em Felisburgo, MG, após 10 anos, foi julgado e condenado a 115 anos de prisão, mas saiu do Forum Lafaiete, após o tribunal do júri, em Belo Horizonte, pela porta da frente e está livre até hoje, amparado por recursos judiciais que só existem para os ricaços nesse país. Acontecerá o mesmo com os indiciados como mandantes da Chacina de Unaí?
Intuo que pena justa seria, além de certo número de anos na prisão, confiscar as fazendas e os bens dos mandantes e distribuí-los com os 30 mil trabalhadores submetidos a situação análoga à de escravidão no Brasil. O confisco das fazendas onde for flagrado trabalho escravo já foi aprovado no Congresso Nacional, por causa da comoção causada pela Chacina de Unaí.
De acordo com a lei vigente, são elementos que determinam trabalho escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social – um exemplo são as mais de duas dezenas de pessoas que morreram de exaustão no corte da cana no interior de São Paulo nos últimos anos), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos exemplares e até assassinatos) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).
Em tempo: questionado se teria enriquecido muito, Hugo Pimenta respondeu: “Qual o problema de alguém ganhar muito dinheiro licitamente?” Um advogado de defesa de um dos mandantes comentou: “De fato, não há problema alguém ganhar dinheiro o máximo que puder.”
Diante dessas duas posições, alerto que o enriquecimento ilimitado só é compreendido em uma sociedade capitalista por quem tem cabeça de capitalista, pois uma sociedade segundo os princípios cristãos e éticos não abona o enriquecimento e a acumulação de riqueza, porque isso implica no empobrecimento e na marginalização de muita gente. Para uns se enriquecerem, muitos são empobrecidos. Logo, não é ético o que Hugo Pimenta e o advogado defenderam ao justificarem o enriquecimento ilimitado. Toda riqueza é fruto de injustiça e, por isso, causadora de trabalho degradante etc.
Ao final do julgamento, Norberto Mânica foi condenado a 100 anos de prisão e José Alberto de Castro, a 96 anos, mas recorrerão da pena em liberdade. Assim se confirma o que diz a sabedoria popular: “Só vai para as prisões pobre, negro e jovem.” Injustiça isso.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 04/11/2015.




[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.freigilvander.blogspot.com.br - www.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Retrocesso ambiental e a falácia desenvolvimento sustentável

Retrocesso ambiental e a falácia desenvolvimento sustentável

Por Profa. Dra. Andréa Zhouri (coord. GESTA-UFMG), Prof. Dr. Klemens Laschefski (IGC-UFMG) e Vinicius Papatella (advogado, pesquisador GESTA-UFMG).

Face às mobilizações sociais e ambientalistas em nível nacional e internacional, o Estado brasileiro organizou ao longo das décadas de 1980 e 1990 uma nova política ambiental, centrada em dispositivos de avaliação de impacto e licenciamento de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do ambiente. A orientação participativa previa não somente a conjugação de uma avaliação técnica e política sobre a viabilidade dos novos projetos, quanto abria espaço para a oitiva da sociedade civil, em especial, os grupos potencialmente atingidos pelas prováveis intervenções. Desse modo, organizava-se institucionalmente o licenciamento ambiental como um espaço de governança e progressiva negociação, através do exame de três licenças sucessivas que deveriam ajuizar sobre a conformidade das obras às exigências técnicas, locacionais e legais.
Os contornos e instrumentos dessa política incorporavam à sua pauta a noção de “desenvolvimento sustentável”, a qual se projetava como uma proposta alternativa, mais convergente e otimista, capaz de agregar os diferentes “setores” da sociedade na busca de soluções orientadas para a harmonização entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Com surpreendente capacidade catalisadora, o crescente prestígio da noção de desenvolvimento sustentável foi acompanhado por um processo de despolitização dos debates e escamoteamento dos conflitos abrindo espaço para o paradigma da modernização ecológica e sua lógica operativa da “adequação” no âmbito do licenciamento ambiental.
As expectativas participativas com vistas à acomodação de interesses e à construção de decisões consensualizadas se viram progressivamente frustradas devido à concomitante multiplicação das tensões no terreno, onde os sentidos de “desenvolvimento” e “sustentabilidade” permaneciam, como permanecem, sendo contestados. De forma concomitante, delineavam-se novas formas de inserção do país na economia-mundo e suas correspondentes exigências de ajuste econômico e liberalização. Nesse processo, as conquistas da redemocratização no campo ambiental foram capturadas e ingeridas por novos aspectos conjunturais que redundaram na hegemonia da incorporação dos constrangimentos ecológicos à lógica do capitalismo.
Vivemos atualmente o ápice desse processo. No último dia 06 o Plenário da Assembléia Legislativa recebeu do Governador de Minas o PL nº 2.946/2015 em regime de urgência, o que compromete o tempo necessário para avaliações criteriosas do que significariam as propostas de alteração do Sistema Estadual de Meio Ambiente. Seus apoiadores defendem o “aperfeiçoamento e a modernização” do licenciamento e, como justificativa, apresentam números que alegam representar o quanto este procedimento administrativo estaria “emperrando” o desenvolvimento mineiro. Os números e a argumentação não deixam dúvidas sobre a perspectiva desenvolvimentista e os interesses economicistas que agora se arrogam como defensores da “sustentabilidade”. Com efeito, trata-se aqui, de forma evidente, da sustentabilidade dos negócios.
Ambientalistas de diferentes matizes, sejam conservacionistas, preservacionistas, socioambientais, assim como grupos atingidos, técnicos, pesquisadores e acadêmicos disputam o sentido de desenvolvimento e de sustentabilidade apresentado pelo governo no PL. Nossas pesquisas há muito vem denunciando os problemas do licenciamento ambiental pautado pela pressão economicista que, de fato, foi transformando aquele em um balcão de licenças ao longo dos anos. As Audiências Públicas, único momento formal em que a participação está prevista durante todo o processo, na maioria das vezes, não se prestam a ouvir os interessados e a esclarecer dúvidas sobre os projetos, mas tão somente operam um jogo de cena de procedimentos democráticos e participativos. Como prática cada vez mais recorrente, os Estudos Ambientais são mal elaborados, com casos evidentes de cópias mal adaptadas e o uso de dados já defasados, sendo uma das reais causas daquilo que reclamam ser a “morosidade” do licenciamento ambiental. O problema então não está simplesmente no SISEMA. Falta, sobretudo, compromisso dos setores produtivos e das suas equipes de consultoria ambiental para a realização de estudos sociais, econômicos e ambientais sérios e competentes. Uma leitura técnica feita com um mínimo de seriedade não permite aprovar licenças sem uma adequação igualmente mínima aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, precaução e prevenção.
Em nota pública, técnicos do SISEMA já denunciaram a ingerência do setor produtivo além da carência de equipamentos básicos como GPS, máquina fotográfica, computadores, má remuneração, entre outros fatores de precarização do trabalho do agente ambiental. O sucateamento das instituições ambientais e o trânsito de sujeitos entre estas e as funções diretivas de empresas extrativas são apenas alguns dos ingredientes do processo de desmanche do Sistema Ambiental em Minas Gerais.
Nas ordens de justificativa contra o PL 2.946/2015 os números e volumes são outros. Minas Gerais lidera por 5 anos consecutivos o ranking do desmatamento da Mata Atlântica no Brasil (Estado de Minas, 17/12/2014) e ocupa o 2º lugar em lista de trabalho escravo (MTE, 2015). O SISEMA tem sido conivente com a transferência de recomendações dos Termos de Referência para etapas posteriores à emissão da Licença Prévia; tem concedido licenças ambientais com expressivo número de condicionantes muitas vezes não cumpridas na fase adequada do licenciamento, a exemplo do projeto de mineração e mineroduto em Conceição do Mato Dentro, com aproximadamente 400 condicionantes, número maior que a polêmica barragem de Belo Monte.
Devido a má gestão e a falta de planejamento ao longo dos anos, outros indicadores ainda são expressivos: Minas tem convivido com a destruição dos aquíferos e áreas de recargas, principalmente pela mineração e extensivas monoculturas de eucalipto, com altos índices de assassinatos no campo, além de comunidades quilombolas que aguardam o reconhecimento de seus territórios e os conflitos em terras indígenas. Para boa parte daqueles que se reconhecem como membros da sociedade civil, esses são temas indicadores do desenvolvimento sustentável e da modernidade de um estado. Analisar projetos em fatias isoladas, bem como submeter um PL dessa natureza ao regime de urgência, deixam ocultas as falhas e os danos potenciais, representando uma metodologia desfiguradora da realidade, imprecisa, ilegal e até imoral.
Os defensores do PL 2.946/2015 evidenciam uma compreensão do licenciamento ambiental como mera instância concessora de licenças quando, em realidade, a sua função é a avaliação dos possíveis impactos sociais e ambientais dos empreendimentos de modo a concluir pela sua viabilidade ou inviabilidade. Trata-se, portanto, de uma inversão de sentido que desmascara a defesa de um desenvolvimento que, ao mesmo tempo que é sedento por água potável, é perverso, faz adoecer, amputar e morrer.
O que os defensores do PL 2.946/2015 pretendem é consagrar institucionalmente a sustentabilidade dos negócios de setores específicos, a despeito das culturas dos ambientes, dos povos ecossistêmicos e de todos nós, que vivemos na dependência da materialidade ambiental e não das cifras e metas econômicas abstratas traçadas por interesses econômicos particulares. Mudanças no sistema ambiental são necessárias e urgentes, porém a parcialidade da proposta e a arbitrariedade na proposição do PL nos fazem temer pelo retrocesso ambiental e político no estado de Minas de Águas Gerais.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 27/10/2015.



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

STJ decide: Despejo com violação dos direitos humanos é ilegal! Uma vez mais a Izidora Resiste!

STJ decide: Despejo com violação dos direitos humanos é ilegal! Uma vez mais a Izidora Resiste!
Foi publicada a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que garante temporariamente a permanência e a proteção dos moradores das Ocupações da Izidora até que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgue a legalidade da operação policial de desocupação da área, determinada pela juíza Luzia Divina, da 6ª Vara da Fazenda Municipal.
O Ministro Og Fernandes, Relator do Recurso interposto pelo Coletivo Margarida Alves no STJ, afirmou que em casos como o da Izidora, o que se apresenta é um conflito entre direitos: de um lado, o direito à vida, à moradia, à liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à própria dignidade da pessoa humana; de outro, o direito à propriedade. Conforme a decisão, nesse contexto há que se observar o princípio da proporcionalidade e, portanto, a vida e a integridade das pessoas envolvidas devem ser sempre protegidas: “A desocupação da área, à força, não acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor.” (p. 12)
O Ministro deixou claro que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que “o princípio da proporcionalidade tem aplicação em todas as espécies de atos dos poderes constituídos, vinculando o legislador, o administrador e o juiz.” (p. 2) Assim, deve ser observado também pela polícia na execução de operações de reintegração de posse. Conforme asseverou Og Fernandes, não raro as ações da Polícia Militar em conflitos que envolvem grande número de pessoas “vêm desacompanhadas da atenção devida à dignidade da pessoa humana e, com indesejável frequência, geram atos de violência.” E completou: “Por essa razão, a Suprema Corte e o STJ, nos precedentes mencionados, preconizam que o uso da força requisitada pelo Judiciário deve atender ao primado da proporcionalidade.” (p. 2-3).
Ainda conforme a decisão, em situações de relevante conflito social é possível que o Estado da Federação se negue a disponibilizar força policial para execução de remoção forçada. De acordo com o Ministro, o Superior Tribunal já “admitiu, excepcionalmente, hipótese de recusa, por Estado da federação, em proporcionar força policial para reintegração de posse ordenada pelo Poder Judiciário quando a situação envolver diversas famílias sem destino ou local de acomodação digna, a revelar quadro de inviável atuação judicial.” (p. 12) Isso porque, nesse contexto, “compelir a autoridade administrativa a praticar a medida poderia desencadear conflito social muito maior que o prejuízo do particular.” (p. 12)
Na decisão, o Superior Tribunal de Justiça aplicou não apenas a proteção de direitos garantida no art. 6º da nossa Constituição, mas também em tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção dos Direitos das Crianças. Também ressaltou a necessidade de se cumprir as normas e diretrizes do próprio estado de Minas Gerais, tais como as recomendações do Escritório de Direitos Humanos, a Lei Estadual n. 13.053/98, e a Diretriz para Prestação de Serviços de Segurança Pública 3.01.02/2011-CG da Polícia Militar.
E, ao concluir, o Ministro relator afirmou que a desocupação da área só pode ocorrer caso sejam demonstradas, de modo inequívoco, “garantias de que serão cumpridas as medidas legais e administrativas vigentes para salvaguardar os direitos e garantias fundamentais das pessoas que serão retiradas.” (p. 18) Até o momento, o que se tem é uma evidente “indeterminação do modus operandi a ser adotado no caso em tela”, o que portanto justifica a suspensão do despejo, constituindo prova pré-constituída do direito alegado pelos moradores da Izidora.
É importante ressaltar que o impacto dessa decisão vai além do caso específico da Ocupação Izidora, e constitui uma conquista histórica de todas e todos que lutam por uma cidade justa e inclusiva! O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sinaliza que ele está comprometido a garantir um tratamento digno e humano às ocupações espalhadas pelo país e, ainda mais importante, a proteger os direitos fundamentais de seus moradores.
Essa decisão é resultado das ações integradas dos movimentos urbanos, das ocupações, dos/as artistas e advogadas/os populares que semeiam pelos imóveis vazios, praças, ruas e canteiros de nossa cidade a esperança do novo!
Por isso, hoje é dia de celebração pela colheita do fruto da força popular! Mas sem descansar, pois essa é uma vitória parcial e temporária, e a verdadeira conquista só vira com muita mobilização e luta.
Contatos:
Thaís Lopes: cel. 31-998820094
Mariana Prandini: cel. 61-81010846
Acesse a decisão na íntegra: