PM de MG reprime de forma cruel manifestação pacífica
contra o aumento injusto e abusivo das passagens de ônibus em Belo Horizonte.
Frei Gilvander
Moreira[1]
Não bastasse o
ocorrido no dia 19 de junho de 2015, na Linha Verde (MG 010), perto da Cidade
administrativa, quando a tropa de choque da Polícia Militar de Minas Gerais (PM
de MG) reprimiu de forma violenta uma Marcha pacífica de umas 3 mil pessoas das
Ocupações da Izidora – Rosa Leão, Esperança e Vitória -, de Belo Horizonte e
Santa Luzia, MG. Feriram umas 90 pessoas, prenderam umas 40. Muitas crianças,
idosas, gestantes, cadeirantes, pessoas com deficiência, junto com todo o povo,
receberam rajadas e mais rajadas de tiros de balas de borracha de policiais e
quase ficaram sufocados por tanto gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Uma
bomba de gás jogada, não sabemos se do helicóptero da PM ou dos policias em
terra, caiu no colo de Alice, uma criança de 8 meses de idade, que estava em um
carrinho de bebê. A mãe, Cleiciane, subitamente retirou a criança do carrinho,
o que fez a bomba cair no chão. Cleiciane ainda conseguiu correr com a criança
que chorava quase sufocada com a nuvem de gás lacrimogêneo. Por milagre, a PM
de MG não assassinou uma criança de 8 meses, que junto com sua mãe, seu pai e
sua irmãzinha, outra criança, lutavam por moradia digna. A PM de MG cometeu
mais uma barbaridade.
No ocorrido no
recente dia 19 de junho de 2015, como dito acima, não senti no meu corpo
diretamente essa truculência da PM de MG, porque a mamãe, Leontina, tinha
falecido naquela madrugada. Por isso tive que viajar às pressas para Brasília de
avião. Mas dia 12 de agosto de 2015, eu experimentei no meu próprio corpo a
crueldade da PM de MG, durante uma Manifestação pacífica dos Movimentos Sociais
Tarifa Zero e Pelo Passe Livre, no centro de Belo Horizonte e não posso me
calar diante do que vi, ouvi e senti.
A concentração se deu
na Praça Sete, coração de Belo Horizonte (BH), às 17:00h. Por volta das 18:00h,
saímos em marcha, cerca de 2 mil pessoas, jovens indignados com o 2º aumento,
ilegal e abusivo, em seis meses, dos preços dos ônibus em BH. Em Marcha pela
Av. Afonso Pena, após rodearmos o pirulito da Praça Sete, uns 100 metros à
frente, a tropa de choque já estava a posto para atacar e impedia a Marcha. Eu me
aproximei do tenente coronel Jean Carlo, comandante da tropa de choque, e,
junto com duas jovens, tentamos dialogar com o comandante que alegava que pelo
menos uma faixa deveria ser liberada. Mas a Marcha era sem carro de som e sem
megafone. Ponderei com o comandante: “Sem carro de som aqui, será difícil
dialogar com todos para liberar pelo menos uma faixa da avenida. Sugiro que você,
comandante, deixe a Marcha seguir pelo menos até à prefeitura de BH. Assim
chegaremos lá mais rápido e incomodará menos o trânsito.” Após refletir, o ten.
Cel. concordou. A tropa de choque recuou e se postou mais adiante.
Vendo que a tropa de
choque tinha montado bloqueio mais à frente, o povo da Marcha resolveu subir a Rua
da Bahia. Próximo à entrada da prefeitura pela Rua Goiás, o povo vaiou o
prefeito de BH e repudiou o novo aumento absurdo da tarifa dos ônibus. A tropa
de choque montou bloqueio na Rua da Bahia antes do cruzamento com a Av. Augusto
de Lima e não deixava ninguém ultrapassar. Tentamos mais uma vez dialogar com o
ten. Cel., mas, de longe, o comandante reagiu: “Não tem mais conversa.” Um
major falou: “Dois minutos para vocês liberarem a rua.” Um minuto após,
iniciou-se rajadas de tiros de balas de borracha e de bombas de gás
lacrimogêneo. Correria geral para tentar se salvar. Enquanto eu corria evitando
pisotear a multidão que estava na minha frente, tiros e mais tiros, bombas
explodindo, e uma nuvem de gás lacrimogêneo nos envolvia. Um jovem que corria
ao meu lado gritou: “Me balearam. Ai, ai, ai...” Puxando-o pela mão,
conseguimos entrar em um vão livre, que depois ficamos sabendo ser a entrada de
um hotel. Rajadas de tiros e bombas explodindo continuavam na Rua da Bahia.
Após poucos minutos, uma nuvem de gás lacrimogêneo invadiu a entrada do hotel,
onde nós, uns 200 jovens, buscávamos refúgio. Começamos todos a ficar sufocados.
Tosse e olhos lacrimejando e ardendo. Senti como se estivéssemos dentro da casa
de show em Santa Maria, RS, aquela onde 243 jovens morreram sufocados por gás carbônico
(fumaça). Quase não conseguindo mais respirar, gritei: “Vamos todos tentar sair
para a rua, se não vamos morrer aqui sem poder respirar.” Conseguimos abrir uma
porta e fugimos para a rua onde a PM ainda dava tiros. Soube depois que a PM
tinha encurralado e detido um grupo na entrada desse hotel. Corri tossindo,
enxergando mal, pois os olhos ardiam muito. Somente na segunda quadra encontrei
jovens que se amparavam uns aos outros. Um jovem borrifou leite de magnésio no
meu rosto, o que me causou um grande alívio.
No meio do sufoco, vi
companheiros feridos por tiros de bala de borracha e ensanguentados. Uma
pessoa, assustada, me disse que por questões cardiológicas, tomava AS todos os
dias, o que a mantém com o sangue ralo. Isso impede obstrução de artérias, mas
dificulta a coagulação. Percebi que se o tiro que acertou as nádegas de um
jovem ao meu lado, tivesse acertado essa pessoa, ela poderia morrer por
hemorragia antes de chegar ao Pronto Socorro.
Fiquei sabendo depois
que um ciclista tinha sido pisoteado e, mesmo caído, continuava recebendo
bombas da PM. Um motoqueiro que passava nas proximidades bateu a moto e levou
uma grande queda, por causa da correria da multidão. Uma jovem que passava pelo
local, se deitou no chão temendo levar tiros da polícia, mas, deitada no chão,
sentia várias bombas de gás explodindo ao seu lado. Outro jovem a levantou e saíram
correndo temendo o pior. Cerca de 60 jovens foram detidos e dezenas de jovens ficaram
feridos.
A PM alegava estar
ali para garantir o direito de ir e vir das pessoas em automóveis, mas agindo
assim, além de ferir dezenas de manifestantes, de prender dezenas, pisar no
direito constitucional de manifestação, a PM bloqueou o trânsito na Rua da
Bahia e no entorno durante cerca de 6 horas, até à meia noite.
Isso demonstra que
infelizmente não estamos em um Estado democrático de Direito, mais debaixo de
uma ditadura do capital. Direito de ir e vir? Sim, mas para todos e não apenas
para quem tem carro, pois se o preço da tarifa de ônibus sobe abusivamente,
milhares de pessoas terão o seu direito de ir e vir negado porque, não podendo
pagar, serão impedidas de viajar nos ônibus.
O direito de ir e
vir, direito individual da modernidade, não pode estar acima dos direitos
sociais, entre os quais está o direito ao transporte público de qualidade e
econômico. A ação da PM foi contra a Constituição. Não há escolha entre
liberdade de expressão e integridade física e moral. Isso não é crime de
responsabilidade? O ataque da PM não foi análogo à repressão aos professores em
Curitiba no Paraná?
Se a PM de MG
continuar com essa truculência, legado covarde da COPA de 2014, em breve, teremos
que velar e sepultar os que serão mortos pela PM de MG em manifestações. Feliz
quem lê os sinais dos tempos e dos lugares. Essa postura beligerante da PM só
aumentará a violência social que, infelizmente, está crescendo muito.
Com dom Oscar Romero,
martirizado em 24 de março de 1980, digo: "Se denuncio e condeno a
injustiça é porque é minha obrigação como pastor de um povo oprimido e
humilhado... O Evangelho me impulsiona a defender meu povo e em seu nome estou
disposto a ir aos tribunais, ao cárcere e à morte... Nenhum soldado está
obrigado a obedecer uma ordem contrária à lei de Deus que diz: “Não Matar.” Uma lei imoral não deve
ser cumprida por ninguém. Soldados, Governador Pimentel, em nome de Deus e no
nome deste povo sofrido, cujos clamores sobem até ao céu cada dia mais
tumultuosos, lhes suplico, lhes rogo, lhes ordeno em nome de Deus: cessem a repressão.”
Belo Horizonte, MG,
Brasil, 14 de agosto de 2015.
[1] Padre da Ordem dos Carmelitas, bacharel
e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia, mestre em Exegese
Bíblica/Ciências Bíblicas, doutorando em Educação na FAE/UFMG, assessor de
CEBs, CPT, CEBI e SAB; e-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br – no face:
Gilvander Moreira