sábado, 25 de julho de 2015

El Salvador, povo salvadorenho e Oscar Romero: bom pastor e profeta no meio do povo. Por Gilvander Moreira.

El Salvador, povo salvadorenho e Oscar Romero: bom pastor e profeta no meio do povo.
Gilvander Luís Moreira[1]

"Se denuncio e condeno a injustiça é porque é minha obrigação como pastor de um povo oprimido e humilhado... O Evangelho me impulsiona a defender meu povo e em seu nome estou disposto a ir aos tribunais, ao cárcere e à morte... Nenhum soldado está obrigado a obedecer uma ordem contrária à lei de Deus  que diz: “Não Matar.” Uma lei imoral não deve ser cumprida por ninguém. Soldados, em nome de Deus e no nome deste povo sofrido, cujos clamores sobem até ao céu cada dia mais tumultuosos, lhes suplico, lhes rogo, lhes ordeno em nome de Deus: cessem a repressão.” (Dom Oscar Romero)

1. Primeiras impressões.
Estive em El Salvador, de 13 a 17 de abril de 2009, para participar de um Encontro de Justiça de Paz (e integridade de toda a Criação) da Ordem dos Carmelitas. Tive o sentimento que ao pisar em solo salvadorenho, o Deus da vida cochichava nos meus ouvidos: “Tire as sandálias, pois estás pisando em um lugar sagrado!” Assim foram os cinco dias que lá estive. Voltei ao Brasil profundamente marcado. Nunca vi uma terra tão banhada pelo sangue dos mártires. De 24 a 30 de novembro de 2003, ao participar do VII Congresso missionário latino-americano, na Guatemala, eu tinha ficado estarrecido ao ouvir que lá em 40 anos de ditadura militar, 40 mil pessoas foram assassinadas, martirizadas.
Logo na chegada em El Salvador, fiquei sabendo que em 12 anos de Guerra Civil (1980 a 1992) mais de 75 mil pessoas foram assassinadas ou estão desaparecidas. Para lembrar Eduardo Galeano podemos dizer: “Essas são as veias abertas da América Latina.”
O censo de 2007 mostrou que a população de El Salvador era de 5.744.113. Hoje, deve estar acima de 6 milhões de pessoas. Dentro do próprio território vivem 86% de mestiços, 12% brancos, e 2% indígena. É o país mais densamente povoado de toda a América Afrolatíndia.[ Todavia, há mais de 2,5 milhões de salvadorenhos sobrevivendo fora do país, só nos Estados Unidos são mais de 2 milhões. Em quase todas as famílias salvadorenhas há parentes que estão nos Estados Unidos e tiveram parentes assassinados e/ou desaparecidos durante a Guerra Civil.
Neste texto partilho com você um pouco do que vi e/ou ouvi em El Salvador. Visite comigo, em cada frase, um pouco da grandeza espiritual e profética existente no povo salvadorenho. Não é atoa que o país se chama El Salvador (o soter, em grego), isto é, O Salvador.

2. O país El Salvador.
Menor país da América Central, com apenas 21 mil quilômetros quadrados (320 Km X 120 Km), faz recordar: “De ti, ó Belém, a menor entre todas as cidades, que farei sair o salvador.”
É o único país centroamericano sem costa para o Mar do Caribe. O terreno é em sua maior parte montanhoso. Seu litoral se estende desde a desembocadura do rio Paz, a sudoeste, até o rio Goascorán, ao sudeste.
As remessas de dólares que os salvadorenhos que trabalham nos Estados Unidos enviam mensalmente às suas famílias em El Salvador são uma fonte importante de recursos externos e compensam o déficit comercial substancial de aproximadamente de 4 bilhões de dólares. As remessas aumentaram na década passada e alcançaram 3,787 bilhões de dólares em 2008, aproximadamente 17,1% do produto interno bruto (PIB). Contudo, esses números revelam um outro encobrimento. O império estadunidense impõe o preço dos produtos que El Salvador exporta, e assim, retoma na taxação dos produtos o valor que os migrantes salvadorenhos, com muito suor, conseguem enviar aos seus parentes em El Salvador.
Devido à alta densidade populacional e a exploração do café há muitas décadas, os recursos florestais de El Salvador foram reduzidos a uma pequena porcentagem da superfície do país (5,8%, o equivalente a 121 mil hectares). A maior parte da madeira que necessita o país é importada.
El Salvador é o único país da América central que não tem nenhuma população africana, isso devido à inacessibilidade do comércio via Oceano Atlântico. Também o general Maximiliano Hernández Martínez instituiu leis racistas na década de 1930 proibindo a entrada de negros no país. O capítulo III da lei “Restrições e limitações à imigração” de 1933, dizia em seu capítulo 25: “Se proíbe a entrada no país, aos estrangeiros compreendidos em um ou mais dos casos seguintes: aos de raça negra; aos malaios e aos gitanos, conhecidos também no país com o nome de ‘húngaros’ ”. E o artigo 26 acrescentava: “ Não se permitirá também a entrada no país de novos imigrantes originários de Arábia, Líbano, Síria, Palestina ou Turquia, geralmente conhecidos com o nome de ‘turcos’”.
El Salvador é conhecido por seus vulcões, entre os quais se destacam o Ilamatepec (Santa Ana), o Chinchontepec (San Vicente), o Quetzaltepec (San Salvador), o Chaparrastique (San Miguel) e o Izalco, chamado até muito pouco tempo “o farol do Pacífico". San Salvador, a capital de El Salvador, é cidade conhecida pelos muitos terremotos que ocorrem; em vista disso é chamada popularmente Vale das Hamacas desde os tempos da colônia. Em 1986 um terremoto, de 7,5 graus de intensidade na escala Richter, e de 10 segundos de duração, destruiu grande parte da cidade de San Salvador. Em 13 de janeiro de 2001, outro terremoto, este de 7,9 graus na escala Richter, causou grande destruição em diversas regiões do país. Uma das tragédias humanas que sucedeu como conseqüência do abalo sísmico, foi um desprendimento de terra na Cordilheira do Bálsamo na cidade de Santa Tecla no departamento da Liberdade, que matou mais de 800 pessoas e deixou milhares de feridos e desabrigados. Em 13 de fevereiro de 2001, um mês depois, outro terremoto de similar magnitude matou 255 pessoas, deixando milhares de famílias sem as suas casas, especialmente no interior do país onde sobrevivem grande parte da população mais empobrecida.

3. Oscar Romero e o povo Salvadorenho: bom pastor e profeta no meio do povo.
Dizia Oscar Romero: “Se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho.” Oscar Romero foi ordenado sacerdote, em 4 de abril de 1942, aos 24 anos. [Em Roma, na Itália, continuou seus estudos de teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, onde teve como mestre Giovanni Batista Montini, que se tornou o papa Paulo VI. Foi este Papa que nomeou Romero bispo e depois arcebispo de San Salvador.
Como arcebispo, Romero denunciou em suas homilias dominicais numerosas violações dos direitos humanos e manifestou publicamente sua solidariedade às vítimas da violência militar-político-empresarial que reinava no seu país.[] Seu assassinato provocou protestos internacionais na defesa dos direitos humanos em El Salvador. Dentro da Igreja Católica Romero foi um arcebispo de "opção preferencial pelos pobres". Em uma de suas homilias, Dom Oscar Romero afirmou: "A missão da Igreja é identificar-se com os pobres, assim a Igreja encontra sua salvação." (11 de novembro de 1977)
Em 10 de fevereiro de 1977 em uma entrevista concedia ao Jornal La Prensa Gráfica, Dom Oscar Romero afirmou que “O governo não deve considerar o sacerdote que se pronuncia na defesa da justiça social como um político ou pessoa subversiva, pois este está cumprindo sua missão na política do bem comum.”
Em 20 de fevereiro de 1977, enquanto a arquidiocese de San Salvador se preparava para a posse de Dom Oscar Romero como arcebispo, acontecia no país eleições para presidente. Logo após os comícios, em 26 de fevereiro, o Conselho Central de eleições declarou vencedor o General Carlos Humberto Romero, candidato do Partido de Conciliação Nacional (no poder desde 1962). As forças de oposição denunciaram fraude eleitoral de grandes proporções e convocaram uma concentração popular na Praça Liberdade de San Salvador. Em 28 de fevereiro, as forças de segurança do Governo dissolveram violentamente esta concentração popular, com um saldo de dezenas de mortos e desaparecidos.
Na semana anterior à posse de Dom Oscar Romero como arcebispo, o governo do presidente Arturo Armando Molina prendeu e expulsou do território salvadorenho os sacerdotes Bernard Survill (estadunidense) e Willibrord Denaux (belga). Três semanas antes, no final de janeiro, havia sido preso e expulso do país o sacerdote colombiano Mario Bernal.
Desde fevereiro de 1977, quando Dom Oscar Romero tomou posse como Arcebispo de San Salvador, em uma cerimônia simples na capela do Seminário Maior de San José de la Montaña, da qual participaram o Núncio Apostólico Emamanuelle Gerada e os outros seis bispos de El Salvador, o Governo ditatorial já anunciava que vários sacerdotes que tinham sido expulsos antes, entre eles os padres Benigno Fernández (jesuíta espanhol) e o Juan Ramón Vega Mantilla (nicaragüense), não poderiam retornar a El Salvador.
Em 5 de março de 1977 durante uma assembleia especial dos bispos, Dom Oscar Romero foi eleito pelos colegas como vice-presidente da Conferência Episcopal de El Salvador e escreveram um documento para denunciar a perseguição à Igreja no país.
Em 12 de março de 1977, Padre Rutilio Grande (jesuíta)[2], grande amigo de Dom Oscar Romero, foi assassinado na cidade de Aguilares junto com dois camponeses. Padre Rutilio estava há quatro anos à frente da Paróquia de Aguilares, onde havia promovido a criação de Comunidades Eclesiais de Base – CEBs - e a organização de camponeses. Dom Oscar Romero convocou uma missa única para mostrar a unidade do seu clero. Esta missa aconteceu na Praça Barrios de San Salvador, apesar da oposição do Núncio Apostólico e de outros bispos salvadorenhos.
Após o assassinato de Padre Rutilio Grande, Dom Oscar Romero começou a mudar sua pregação e passou a defender os direitos dos pobres perseguidos. Denunciou em suas homilias os massacres de camponeses, de operários, de seus sacerdotes e de todas as pessoas que recorriam a ele. Em suas homilias posteriores à morte de Rutilio Grande, recorreu sem medo aos textos da Conferência de Medellín (1968), exigiu justiça social e respeito à dignidade humana. Durante os três anos seguintes, suas homilias, transmitidas pela Radio diocesana YSAX, denunciavam a violência tanto do governo militar (95%) como a dos grupos armados de esquerda (5% da violência). Denunciava especialmente ações violentas como os assassinatos cometidos por esquadrões da morte e o desaparecimento forçado de pessoas, cometidos por agentes das forças de segurança militar. Em agosto de 1978, Romero publica uma carta pastoral onde afirma o direito do povo à organização e à luta por seus direitos.
  Um dia antes de ser assassinado, Oscar Romero fez um enérgico chamamento ao exército salvadorenho:
Eu conclamo, de maneira especial, aos homens do exército e, concretamente, às bases da Guarda Nacional, da polícia, dos quartéis...  Irmãos, vocês são do nosso povo. Matam a seus irmãos camponeses. Diante de uma ordem para matar que dê um homem, deve prevalecer a lei de Deus que diz: “Não matar”. Nenhum soldado está obrigado a obedecer uma ordem contraria à lei de Deus. Uma lei imoral não deve ser cumprida por ninguém. Já é tempo de recuperar sua consciência. Obedeçam antes à sua consciência que à ordem do pecado. A Igreja, defensora dos direitos de Deus, da lei de Deus, da dignidade humana, de pessoa, não pode se calar diante de tanta abominação. Queremos que o governo leve a sério que de nada servem reformas se são feitas com tanto sangue.  Em nome de Deus e no nome deste povo sofrido, cujos clamores sobem até ao céu cada dia mais tumultuosos, lhes suplico, lhes rogo, lhes ordeno em nome de Deus: cessem a repressão.”
Oscar Romero, aos 62 anos de idade, em uma segunda-feira, dia 24 de março de 1980, às 18:15h, foi assassinado, enquanto celebrava uma missa na capela do Hospital da Divina Providência, na colônia Miramonte de San Salvador. Um disparo feito por um francoatirador impactou seu coração, no momento da consagração do pão e do vinho. O vinho consagrado misturou-se ao seu sangue, revelando ali o encontro de dois salvadores: Jesus e Romero.  Seus restos mortais estão na cripta da Catedral de San Salvador.
Em 1993, a Comissão da Verdade, organismo criado pelos Acordos de Paz de Chapultepec para investigar os crimes mais graves cometidos na guerra civil salvadorenha, concluiu que o assassinato de Dom Oscar Romero havia sido executado por um esquadrão da morte formado por civis e militares de ultra-direita e dirigidos pelo major Roberto d’Aubuisson, (fundador do Partido ultraconservador ARENA) e pelo capitão Álvaro Saravia. D'Aubuisson morreu, em 1992, sem ser julgado e condenado por esse e tantos outros assassinatos. Em 2004, uma corte dos Estados Unidos declarou civilmente responsável pelo crime o capitão Saravia e lhe impôs a obrigação de pagar uma indenização à família de Dom Oscar Romero.
Em 12 de maio de 1994 a Arquidiocese de San Salvador pediu permissão ao Vaticano para iniciar o processo de canonização de Dom Oscar Romero. O []processo diocesano foi concluído em 1995 e enviado à Congregação para a Causa dos Santos, no Vaticano, que em 2000 o transferiu à Congregação para a Doutrina da Fé (então dirigida pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger, que se tornou o Papa Bento XVI) para que analisasse os escritos e homilias de Dom Oscar Romero. Terminado a análise, em 2005, o postulador da causa de canonização, Dom Vicenzo Paglia, informa aos meios de comunicação as conclusões do estudo: “Romero não era um bispo revolucionario, mas um homem da Igreja, do Evangelho e dos pobres”. O processo seguirá novos trâmites, que poderão elevar oficialmente Oscar Arnulfo Romero como o primeiro santo e mártir de El Salvador.
Enquanto o processo de canonização seguia em passos de tartaruga no Vaticano, para desconcerto de milhões de pessoas cristãs, o povo salvadorenho, de América Central e do Mundo já considera Romero como Santo, mártir e profeta das Américas e do Mundo. Ao seu túmulo, sob a catedral de San Salvador, acorre diariamente muita gente peregrina agradecendo a ele as graças recebidas e buscando forças e inspiração para seguir sendo discípulo/a dele na luta por justiça e paz.
Ao visitar o túmulo de Dom Oscar Romero, dia 16 de abril de 2009, fui tomado por uma emoção muito grande. De repente, chegou um senhor, aparentando uns 60 anos de idade, que de joelhos, rezava sem parar. Após uns 15 minutos de oração, quando ele se levantou, eu me aproximei dele e o cumprimentei dizendo que eu era um brasileiro discípulo de Romero. Perguntei, após saúda-lo: o que significa Dom Oscar Romero para o senhor? Luiz Alonso começou a dizer:

Monsenhor Romero é um santo, um mártir, um profeta, já reconhecido por todo o povo salvadorenho e pelo mundo todo. Somente o Vaticano ainda não o reconheceu como santo. Venho diariamente ao túmulo de Monsenhor Romero rezar, agradecer e renovar inspiração para seguir a luta que ele enfrentou na defesa dos pobres perseguidos pela elite deste país. Monsenhor era um verdadeiro pastor. Em uma perna, dava acolhida a uma pessoa que estava chorando porque a Guarda Nacional tinha matado seu filho, na outra perna acolhia outra pessoa que desesperada procurava um parente desaparecido. Em suas homilias, Monsenhor era a voz dos sem voz. Ele teve a coragem de enfrentar o sistema de morte que imperava aqui no país. Com Romero, podemos dizer: “Agora, podemos! Ele está vivo, ressuscitado no povo salvadorenho."

Dom Oscar Romero não se cansava de repetir: "Também as circunstâncias desconhecidas podem ser enfrentadas com a graça de Deus, que acompanhou os mártires e, se é necessário, o sentirei muito próximo, ao confiar-lhe meu último suspiro. Para isto necessitamos coragem para entregar toda a vida e viver para Deus."
Na Universidade Centroamericana – UCA -, onde seis jesuítas, a cozinheira Elba e sua filha Celina, de apenas 16 anos, foram assassinados de forma macabra pelo exército salvadorenho, há um retrato de Dom Oscar Romero que adorna a residência dos jesuítas. Ao assassinar todos os presentes na comunidade, um militar deu mais um tiro no retrato de Romero. Uma fotografia revela que o tiro atravessou na direção do coração, mesmo lugar onde dia 24 de março de 1980 tentaram calar a voz de Romero, mas a profecia de Dom Oscar Romero continua muito viva em milhares de discípulos e discípulas pelo mundo afora.
Mas para a alegria do povo lutador das Comunidades Eclesiais de Base, das Pastorais Sociais, do povo salvadorenho e de todas as pessoas que se inspiram na Teologia da Libertação, com chegada de um latinoamericano a papa, o Papa Francisco, o processo de canonização de Oscar Romero e desenrolou e, dia 23 de maio de 2015, Dom Oscar Romero foi declarado beato pelo Papa Francisco. Um reconhecimento tardio do seu martírio por parte da igreja hieráquica, pois a igreja – povo de Deus – já o reconheceu como santo desde o dia de sua morte![3]

Romero Vive em todas as lutas libertárias![

Belo Horizonte, MG, Brasil, 24/07/2015, 30 anos do martírio do Padre Ezequiel Ramin.



[1] Frei e padre da Ordem dos Carmelitas, bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia, mestre em Exegese Bíblica, doutorando em Educação na FAE/UFMG, assessor de CEBs, CPT, CEBI e SAB; e-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br - www.gilvander.org.br
[2] 49 sacerdotes jesuítas foram assassinados por assumir a Opção Preferencial pelos Pobres. Frei Caneca, um carmelita, Padre Ezequiel Ramim, um comboniano e ...
[3] Sugiro assistir ao filme ROMERO, disponibilizado no youtube no link https://www.youtube.com/watch?v=QpVBTjVcjfU

31 Irregularidades jurídico-políticas atinentes à região da Izidora, segundo o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular.

31 Irregularidades jurídico-políticas atinentes à região da Izidora, segundo o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular.

 

Na Operação Urbana Simplificada do Isidoro (o nome correto é Izidora, mulher negra escravizada e alforriada que lavava roupa no ribeirão que ganhou seu nome) e nos quatro processos judiciais que envolvem diretamente todas as famílias das Ocupações da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, há 31 ilegalidades e inconstitucionalidades,que seguem sintetizadas a seguir:

1º) Não foi comprovada a posse da área!Não é possível juridicamente pedir reintegração de posse sem que nunca tenha sido exercida a posse. É inclusive reconhecido amplamente o abandono centenário da região por parte dos ditos proprietários, os quais somente fizeram juntar títulos de propriedade cuja cadeia dominial encontra-se hoje alvo de severos questionamentos.

2º)  Não foi franqueado acesso aos autos das reintegrações de posse para a Defensoria pública do Estado de Minas Gerais(DPE/MG) e Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP/MG) pela juíza Luzia Divina, titular da 6ª Vara da Fazenda Pública Municipal da comarca de Belo Horizonte, órgão onde correm as ações de reintegração de posse contra as famílias das ocupações da Izidora. Assim ocorreu a inobservância dos princípios processuais constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório.

3º) Há sérias dúvidas acerca da existência de área desapropriada pelo Município de Belo Horizonte. Conforme exposto em Ação Civil Pública do Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG) consta do registro de Imóvel juntado no processo quase nove mil metros quadrados que foram desapropriados da área da Granja Werneck para o Município de Belo Horizonte na década de 1990. É preciso que se apure onde se localiza esta área, agora pública.

4º) A juíza Luzia Divina não possui responsabilidade ética e moral para julgar os processos de reintegração de posse da Izidora. Uma magistrada que chama os ocupantes de “bandidos safados” e outras denominações pejorativas no intuito de criminalizar famílias pobres não está apta a captaras dimensões do conflito de forma a privilegiar o direito à cidade e à moradia adequada para milhares de famílias

5º) A 6ª Vara da Fazenda Pública Municipal é incompetente para julgar os processos da Izidora! Em Ação Civil Pública (ACP)ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG) fica demonstrado que parte da área em que as ocupações Rosa Leão, Vitória e Esperança estão localizadas nos municípios de Belo Horizonte e Santa Luzia. Nesse sentido, a competência para julgamento da ACP seria da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, unidade jurisdicional em que a ação foi distribuída e que atrairia a competência das reintegrações de posse (processos 0024.13.242.724-6,0024.13.313.504-6, 0024.13.304.260-6 e 0024.13.297.889-1) que correm na 6ª Varada Fazenda Municipal de titularidade da juíza Luzia Divina.

6º) Além disso, a competência para lidar com o direito à moradia é concorrente entre os entes federativos. E ainda há expressa previsão no Decreto Estadual nº 44.646/2007 que exige a participação do Governo de Minas Gerais em loteamento realizado em região limítrofe de municípios.

7º) Não consta nos processos de reintegração de posse documentos que delimitem a área litigiosa: metragem, localização, tipo.Não se sabe que parte da área está em Santa Luzia e qual parte exata é Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) – AEIS 2, tampouco há memorial descritivo georreferenciado ou quaisquer referência precisa da área para cumprimento do mandado.

8º) Necessidade de um cadastro idôneo. O Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG) requisitou judicialmente a elaboração de cadastro socioeconômico para que fique claro quais as famílias estão no interior de área declarada pelo município de Belo Horizonte como Zona Especial de Interesse Social – AEIS 2, quais estão no território do município de Santa Luzia e quais estão cadastradas em programas de moradia.

9º) A liminar na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais não foi apreciada pela juíza Luzia Divina. Há quase dois anos, após a propositura da ação, a magistrada deliberadamente está negando o direito fundamental à jurisdição ao não proferira decisão liminar.

10º) A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais não possui capacidade alguma para executar ordem de reintegração de posse como foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em decisão do Ministro Og Fernandes disponível no seguinte link: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=49519285&tipo=0&nreg=201501067185&SeqCgrmaSessao&CodOrgaoJgdr&dt=20150701&formato=PDF&salvar=false
11º) Denúncia com solicitação de medida cautelar junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) demonstra agravidade do caso devido ao alto número de pessoas colocadas em risco pela ação estatal. Não há possibilidade alguma de conciliar o despejo forçado com asdiretrizes internacionais de direitos humanos. A saber: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo XXV: 1; Pacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais: Artigo 11:1;  Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos) prevê no art. 11-2, art. 22-1; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), Art. 17, § 1º;  Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, art. 5º, iii; Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher Art. 14, 2; Convenção sobre os Direitos das Crianças, Art. 16. 1; Princípios Básicos e Orientações para Remoções e Despejos Causados por Projetos de Desenvolvimento” da Relatoria Especial para o Direito à Moradia da ONU; Relatório da Relatoria Especial para o Direito à Moradia Adequada sobre Megaeventos de 2010 da Organização das Nações Unidas – ONU.

12º) Pessoas e empresas buscam se locupletar à custado patrimônio público! Estudos da cadeia dominial da Izidora mostram que a região que antes era terra pública foi repassada por gerações como propriedade privada de pessoas que nunca ali viveram ou trabalharam.

13º) Contratos de compra e venda feitos por via da pura especulação imobiliária! No Item V, Parágrafo Quinto, Letra “C.1” do Contrato de Financiamento, consta que a área negociada, onde serão construídos os apartamentos, tem 500.294,23m², e está sendo vendida (pela Granja Werneck S/A), por R$ 63.000,000,00 (sessenta e três milhões) de reais, conforme letra “B.2” do mesmo item V. O Contrato de financiamento foi assinado em 27.12.2013.No dia 14.01.2000, foi vendida “parte” da mesma Gleba e pela mesma Granja Werneck/proprietária, medindo 657.981,25 m2, por R$ 1.969.000,00 (Mat. 80.143, 5º Ofício Registro de Imóveis/BH).O tempo decorrido entre as duas vendas foi de 12 anos, porém, como não houve qualquer benfeitoria significativa na área, nem no seu entorno, entende-se que a segunda venda (500 mil metros) em relação   à primeira venda (657 mil metros), foi feita por valor 30 (trinta) vezes superior, o que, de princípio, não encontra qualquer justificativa. Em consultas especializadas sobre o assunto, a conclusão foi de que,na quase totalidade dos imóveis da região, construídos ou lotes vagos,praticamente não houve alteração de valor ou, aconteceram valorizações não significativas, o que sugere a necessidade de ser reexaminado o valor contratado (63 milhões de reais), em razão de que o pagamento está sendo feito com financiamento de dinheiro público(Programa Minha Casa Minha Vida - MCMV).

14º) Nulidade do contrato entre Caixa Econômica Federal (CEF), Bela Cruz Empreendimentos Imobiliários Ltda, Direcional Participações Ltda e Direcional Engenharia S.A! Dentre as condições suspensivas do contrato está a inviabilidade de se contratar novas unidades habitacionais em áreas que são objeto de litígio judicial em função de disputa fundiária. Nesse sentido, assinatura do referido contrato contrariou diretrizes nacionais sobre o MCMV já que a área estava há seis meses sob a posse das ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória quando da assinatura do contrato.

15º) Tentando justificar essa ilegalidade a CEF, em ofício, datado de 25 de agosto de 2014, endereçado ao Prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), afirma: “As informações que nos foram repassadas até então era a de que uma possível realocação de moradores da área destinada ao empreendimento Granja Werneck, queo município deseja construir, era inferior a 160 famílias e que mesmo para essas o município estava negociando alternativas para uma desocupação pacífica.Com o objetivo de permitir que se pudesse ter uma finalização da negociação dessas menos de 160 famílias, foi demandado à CAIXA um prazo de até 31 de agosto de 2014. Diante doexposto, estamos prorrogando porprazo indeterminado e até o esclarecimento total dos fatos e regularização detodas as pendências nos sejam repassadas formalmente. A CAIXA esclareceque não tem qualquer objeção, inclusive em relação ao cancelamento doContrato.” Portanto, fica claro que a Prefeitura de Belo Horizonte(PBH), mentiu à Caixa Econômica Federal ao dizer que tinha abaixo de 160 famílias ocupando a área das Ocupações Vitória e Esperança. Desde o início das Ocupações em julho de 2013, as coordenações e os movimentos sociais estão afirmando que nas três ocupações da Izidora estima-se que existam cerca de 8.000 mil famílias.

16º) Um contrato que é gestado com recursos públicos milionários não pode ser executado por cima dos direitos de milhares de famílias. Por isso o instrumento deve ser cancelado ou no mínimo alterado para que a liberação desse recurso público para a Direcional esteja condicionado a readequação do empreendimento de forma a contemplar a proposta de negociação apresentada pelas famílias da Izidora. Tal proposta busca compatibilizar o interesse da construtora, a viabilização do empreendimento com as demandas das ocupações já consolidadas há dois anos.

17º) Há expressa violação da Portaria nº 317 do Ministério das Cidades que dispõe sobre medidas e procedimentos a serem adotados nos casos de deslocamentos involuntários de famílias de seu local de moradia provocados por programas soba gestão do Ministério das Cidades. Não há plano de Reassentamento e Medidas Compensatórias que assegure que as famílias afetadas tenham acesso a soluções adequadas para o deslocamento e para as perdas ocasionadas pela intervenção. O não atendimento ao disposto nesta Portaria, por parte do mutuário ou agente executor da intervenção, deverá ensejar a suspensão da liberação ou desembolso dos recursos dos contratos de financiamento ou termos de compromisso, pelo Ministério das Cidades ou por quem este delegar.

- Conforme parecer do professor José Luiz Quadros de Magalhães (link:http://ocupacaorosaleao.blogspot.com.br/2014/08/parecer-do-prof-dr-jose-luiz-quadros-de.html) há que se observar o seguinte diante do conflito da Izidora:

18º) Os princípios constitucionais devem prevalecer:“No caso, estamos diante de direitos que decorrem de princípios constitucionais fundamentais como a dignidade da pessoa; a integridade física e moral;  a segurança; a vida; a liberdade; a moradia, e outros destes decorrentes. São mais de 8.000 famílias, milhares de pessoas portadoras destes direitos inalienáveis que serão prejudicadas e terão seus direitos violados com esta decisão incompreensível, e que de tamanho o absurdo, é também imoral.”

19º) Uma decisão que implica em despejos é inconstitucional: “Na situação em tela, qual será a única decisão possível que preserve o sistema jurídico constitucional em sua integridade,ou seja: preserve a vida, a integridade física e moral destas mais de 8.000 famílias; preserve o seu direito de moradia, de dignidade, e ao mesmo tempo preserve o direito de propriedade? Certamente, uma decisão absolutamente inconstitucional, que destrói a integridade do Direito é a que implica nos despejos. Esta não tem nenhuma sustentação lógica constitucional além de ser imoral. Uma decisão deste teor deve gerar a responsabilização criminal do Juiz que a proferir.

20º) A única saída que preserva a integridade do Direito é a desapropriação: “Supondo que haja ainda um direito de propriedade a ser garantido, pois o direito deve ser exercido para que seja protegido, a única solução possível, que mantenha a integridade do sistema deve ser a que mantenha estas pessoas nos espaços e moradias que atualmente ocupam e se desaproprie a área pagando a indenização devida, caso contrário, estas pessoas só poderiam sair diante de uma negociação (jamais com o uso da força por tudo que foi explicado) onde lhes seja garantida moradia com dignidade e respeito, e sempre, a sua integridade física e moral.”

Sobre as 11 irregularidades acerca da Operação Urbana da Izidora veja nota do Indisciplinar no seguinte link: http://oucbh.indisciplinar.com/?page_id=822


terça-feira, 21 de julho de 2015

Do IV Congresso Nacional da CPT: Moção de apoio às Ocupações de Minas Gerais, especialmente às Ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, MG.

Do IV Congresso Nacional da CPT: Moção de apoio às Ocupações de Minas Gerais, especialmente às Ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, MG.

Reunidos em Porto Velho, Rondônia, de 12 a 17 de julho de 2015, trabalhadores/ras camponeses/as e agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de todos os estados do Brasil, quase mil congressistas, nos 40 anos da CPT, apoiamos a luta justa, legítima e necessária das Ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, MG, e de todas as mais de 300 ocupações de terra do campo e urbanas existentes em Minas Gerais, onde nos últimos anos mais de 50 mil famílias foram para ocupações urbanas. Só em Uberlândia nos últimos 3 anos, mais de 10 mil famílias levantaram a cabeça, com fé-coragem e sabedoria ocuparam terrenos ociosos que não cumpriam sua função social, tais como as ocupações do Glória (Prof. Elisson Prietto), Maná, Santa Clara, Irmã Dorothy, dentre outras. Em Belo Horizonte e Região metropolitana de BH mais de 30 mil famílias foram para ocupações nos últimos anos.
Sob o influxo das manifestações populares de junho de 2013, do êxito da Ocupação Dandara e empurrados pela necessidade de se libertar da pesadíssima cruz do aluguel cerca de 8 mil famílias, em julho de 2013, ocuparam 10% das terras da região da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG. Ocuparam terrenos abandonados que não cumpriam a função social, terrenos com sérios indícios de grilagem de terras. Com 11 ilegalidades, o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), fez uma Operação Urbana simplificada na região da Izidora, um grande projeto imobiliário que poderá render cerca de 15 bilhões de reais para grandes empresas. O TJMG, desrespeitando vários princípios constitucionais, concedeu 4 liminares de reintegração de posse para despejar as 8 mil famílias das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, Ocupações da Izidora. Uma série de ilegalidades está nos processos judiciais.
O Governador de MG, Fernando Pimentel (PT), estranhamente, abraçou o projeto do prefeito de BH e da grande construtora Direcional e, agora, está fazendo um terrorismo de Estado pressionando fortemente as Ocupações a aceitarem despejos com a condição de que quem estiver com renda familiar de até 1.600 reais ser reassentado, após 2 anos – tempo de construção - em apertamentos de apenas 43 metros quadrados em prédios de 8 andares sem elevadores, projeto do Minha Casa Minha Vida. A luta das Ocupações é por moradia digna. O povo das Ocupações da Izidora aceita ceder parte dos terrenos, mas exige que as áreas adensadas permaneçam, que sejam desapropriadas pelo Governador ou declaradas Áreas Especiais de Interesse Social 2 para fins de habitação popular. O povo da Izidora não aceita que suas 5 mil casas já construídas sejam demolidas. As ocupações da Izidora já são comunidades em franco processo de consolidação, já com cerca de 5 mil casas de alvenaria, que serão moradias dignas, seguindo Plano Urbanístico.
Enfim, nós participantes do IV Congresso Nacional da CPT aprovamos essa Moção de apoio como expressão de solidariedade, respeito e admiração pelas lutas justas, legítimas e necessárias, lutas das ocupações de MG e especialmente as Ocupações da Izidora, que integram agora um dos maiores conflitos fundiários e sociais do Brasil. Exigimos que o Governo de MG, agora do PT, não traia os objetivos para os quais foi eleito: que dialogue e negocie de verdade com as ocupações, que respeite a dignidade de lutas tão árduas e necessárias, lutas por direitos fundamentais, como o da moradia digna.
Com o papa Francisco não pedimos de joelhos, mas exigimos de pé: Nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem oportunidades e perspectiva de futuro, nenhuma família sem moradia digna, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem trabalho e sem direitos, nenhuma pessoa idosa sem garantia de uma velhice em paz e respeitada. Nosso abraço cúmplice nas lutas de todas as ocupações! Que o Deus dos pobres da terra continue nos abençoando! RESISTE IZIDORA!, gritamos todos nós junto com vocês.
Porto Velho, Rondônia, 17 de julho de 2015.


Marcos, do CPP e da ATR da Bahia no IV Congresso da CPT: Memória de rebe...

Maria de Fátima, quilombola do Tocantins em Análise de Conjuntura no IV Congresso da CPT, em Porto Velho, Rondônia, dia 12/07/2015.

Maria de Fátima, quilombola do Tocantins em Análise de Conjuntura no IV Congresso da CPT, em Porto Velho, Rondônia, dia 12/07/2015.