Ocupações da Izidora, terra banhada com sangue
de mártir, uma questão religiosa também.
Por
frei Gilvander Luís Moreira.
Na região da Izidora,
cerca de mil hectares (= 10 milhões de metros quadrados), na zona Norte de Belo
Horizonte, MG, divisa com Santa Luzia, nas Ocupações Rosa Leão, Esperança e
Vitória – estima-se cerca de 8 mil famílias -, além de um dos maiores conflitos
fundiários e sociais do país, estabeleceu-se uma questão religiosa eloquente
que precisa ser levada a sério. Manoel Ramos de Souza, carinhosamente chamado
de Manoel Bahia, 27 anos, coordenador da Ocupação Vitória, dia 31 de março
de 2015, em plena semana santa, por volta das 15:00 horas – mesmo horário em
que Jesus Cristo foi crucificado -, foi covardemente assassinado por grileiros
de lotes vagos, justamente para impedir que aproveitadores se apropriem da
terra.
O povo das Ocupações
da Izidora ficou revoltado e indignado com o assassinato de Manoel Bahia. Ainda
bem que ao chegarmos com o corpo de Manoel Bahia na casa onde ele nasceu na
periferia da cidade de Paulo Afonso, Bahia, sua mamãe, dona Zinha – Maria da
Paixão -, mulher de uma fé inabalável, uma autêntica missionária do Evangelho
de Jesus Cristo, veio nos abraçar e logo dizer: “Eu já perdoei os assassinos. Rezarei por eles todos os dias. Manoel é outro
Chico Mendes, outra Irmã Dorothy. Não é por acaso que ele se chama Manoel, Deus
conosco. Se algum dia eu encontrar
com os assassinos, direi a eles: “Vocês não sabiam o que estavam fazendo. Eu já
perdoei vocês.”
Temos a convicção de que
Manoel Bahia não somente morreu, mas se multiplicou e estará sempre presente em
todos nós, sempre na luta. Celebramos três missas de 7º dia, uma na Ocupação
Vitória, outra na ocupação Rosa Leão e outra na Ocupação Esperança, ocasiões em
que recordamos o que fez e o que nos ensinou Manoel Bahia nestes quase dois
anos de convivência com ele na Ocupação Vitória. Fizemos também um momento
celebrativo, no local onde ele tombou lutando, durante o levantamento de uma
grande cruz em sua homenagem, onde construiremos um Memorial de Manoel Bahia,
uma igreja e uma praça. Ali firmamos o compromisso de honrarmos o nome de
Manoel Bahia. Todos dizem: “Não foi em
vão o sangue de Manoel Bahia derramado por nós. Ele doou a vida por nós. Nunca
abriremos mão dessa terra prometida por Deus a nós e agora banhada com sangue
de mártir.” Espontaneamente, as pessoas das Ocupações da Izidora começaram
a dizer: “Em terra banhada com sangue de
mártir não pode haver despejo.” Essa intuição profunda guiará todos e todas
na continuidade da luta por um direito fundamental, que é o direito a moradia
digna.
Nascido em 03 de abril
de 1988, Manoel Bahia, uma das pessoas mais humanas que já conheci. Idôneo,
honesto, um herói, um guerreiro, um mártir da luta por moradia própria, digna e
adequada. Tornou-se um militante das Brigadas Populares com sede e fome de
justiça. Nas manifestações, Manoel Bahia sempre carregava a bandeira das
Brigadas Populares. Um lutador incansável na defesa das famílias injustiçadas. Manoel,
que significa Deus no nosso meio, tinha uma fé inabalável no Deus da vida, fé
herdada de sua mãe, dona Zinha.
Um irmão dele nos
disse: “o defeito de Manoel era o fato de
desde pequeno não aceitar nada de errado e sempre querer ajudar os outros.
Quando via algo errado, logo se posicionava e alertava: “Isso está errado!”
Desde pequeno, Manoel era solidário com todos.” Sempre de braços abertos,
sorriso largo e olhar penetrante, Manoel Bahia cativava muita gente. Chegou de
mansinho na Ocupação Vitória, mas logo na primeira luta coletiva em que
participou bloqueando o trânsito diante da prefeitura de Belo Horizonte na Av.
Afonso Pena, ao ver um exagero de policiais, ele nos disse posteriormente: “Naquele momento em que a polícia tentava
impedir nossa manifestação, tomei a decisão de nunca desistir da luta. Vi que
aquilo era injustiça e a gente estava ali lutando por nossos direitos.”
Ao voltar daquela
manifestação, em uma Assembleia Geral da comunidade Vitória, Manoel Bahia, no
microfone, testemunhou a importância da luta realizada e convidou a todos/as a
nunca desistir da luta. “Temos direitos.
Morar dignamente é nosso direito. Vamos conquistar isso na luta. Ninguém vai
nos parar. Nem a tropa de choque. Nem ninguém. Eu me comovo ao ver senhoras
idosas e crianças sem-casa, vivendo a humilhação que é estar debaixo da cruz do
aluguel. Podem me perseguir, mas eu nunca vou abandonar meus irmãos. Eu nunca
vou desistir da luta. Bora lá lutar sempre até a vitória”, bradou na praça
da Maravilha, local de Assembleias Gerais da Ocupação Vitória.
Nos dias de
manifestações, Manoel Bahia levantava de madrugada e saía pela Ocupação Vitória
gritando: “Bora lá pra luta!” O entusiasmo dele reunia muita gente. Gritava o
dia inteiro a ponto de à noite, após as manifestações, estar quase sem voz. Chamava
muitas pessoas de compadre ou comadre. Era padrinho de Douglas, que sente muito
sua partida. Ao chegar à casa da sua companheira namorada dizia: “Não tive tempo de avisar que traria
companheiros para almoçar. Se não tiver almoço para todos, dê o que tiver para meus
companheiros.” Fabiana diz sempre: “Manoel
Bahia era uma pessoa extraordinariamente humana. Se ele visse uma pessoa sem
camisa, ele tirava a própria camisa e doava.”
Por essa postura
ética e de compromisso com a luta coletiva, Manoel Bahia foi convidado para
integrar a Coordenação da Ocupação Vitória e em menos de dois anos cresceu
muito como liderança popular, conquistou o carinho, o respeito e a admiração do
povo das Ocupações Vitória, Rosa Leão e Esperança e, por participar de todas as
lutas das Ocupações urbanas de Belo Horizonte e Região metropolitana de BH,
tornou-se uma referência nas lutas por moradia. Sempre animado e animando
todos/as a lutar destemidamente pelo direito à moradia e por todos os direitos
fundamentais.
Pelo assassinato de
Manoel Bahia há muitos culpados, diretos e indiretos. Dois irmãos, um sobrinho
e uma tia foram indiciados no inquérito criminal como responsáveis diretos. Um
já está preso. Mas há vários culpados indiretos: a) a Granja Werneck S.A que
deixou o terreno abandonado, sem cumprir a função social; b) O Estado, através
da prefeitura, Governo estadual e Federal, que não faz uma política
habitacional capaz de oferecer para toda família uma moradia digna. Como
Estado, o TJMG que, sem audiência para tentativa de conciliação, sem ouvir o
Ministério Público e a Defensoria Pública, concedeu liminares de reintegração
de posse sem considerar o gravíssimo problema social instalado na Izidora; c) A
grande imprensa, que, muitas vezes, fez reportagens mentirosas, caluniosas e
difamando o povo trabalhador que está nas ocupações lutando por um direito
fundamental, que é o de morar dignamente.
Enfim, COMPANHEIRO
BAHIA, SEMPRE PRESENTE, EM NÓS, NA LUTA! Você não morreu, se multiplicou. Você
não foi sepultado, mas semeado na terra da Ocupação Vitória e na terra baiana
de Paulo Afonso ao lado do Velho Chico.
Esperamos e lutaremos
para que o Estado respeite a terra banhada com sangue de mártir e que não faça
despejo forçado nas Ocupações da Izidora. Respeitar como? Fazendo justiça
maior: desapropriar os territórios hoje ocupados por milhares de famílias das
Ocupações Vitória, Rosa Leão e Esperança. A luta agora está mais forte, porque
somos todos Manoel Bahia. Ele vive em plenitude e em nós na luta até depois da
vitória.
Abaixo, links de vídeos no youtube com/sobre Manoel
Bahia:
1)
Homenagem
a Manoel Ramos, o Bahia.
2)
Tributo
a Manoel Bahia, mártir da luta por moradia digna e adequada.
3)
Tributo
2 a Manoel Bahia, mártir da luta por moradia: o povo fala.
4)
Palavra
Ética na TVC/BH: o povo fala sobre Manoel Bahia, mártir da Ocupação Vitória.
5)
Palavra
Ética na TVC/BH: Tributo a Manoel Bahia.
6)
Manoel
Bahia, da Ocupação Vitória, em BH, conta como atua policiais em MG.
7)
Manoel
Bahia, da Ocupação Vitória, em BH, foi preso por tentar socorrer um irmão
agredido por policiais.
8)
Ocupação
Vitória, Belo Horizonte, MG: cruz do mártir Manoel Bahia e entrada da ocupação.
9)
Afonso
Henrique, procurador do Ministério Público de MG: a terra onde tombou Manoel
Bahia é das ocupações.
10)
Manoel
Bahia, da Ocupação Vitória, em Belo Horizonte, MG: em terra com sangue de
mártir não se faz despejo.
Belo Horizonte, MG, 14 de maio de 2015.