O JOÃO DE BARRO, A
LUA, O VENTO E O ARCO-ÍRIS: ALIANÇA DO DEUS DA VIDA COM O POVO DAS OCUPAÇÕES
ROSA LEÃO, ESPERANÇA E VITÓRIA.
Frei Gilvander Moreira e Maria do Rosário O. Carneiro.
Da capital mineira, Belo Horizonte, há mais
de dois meses, tem saído vários clamores da Região Norte, região do Isidoro,
onde moram, há mais de um ano, aproximadamente 8 mil famílias, mais de 20 mil
pessoas, milhares de crianças, centenas de idosos e muitos deficientes, que,
cansados de morar escravizados pelo aluguel, em áreas de risco ou de favor,
resolveram ocupar três áreas abandonadas, nessa região. São as Comunidades Rosa
Leão, Esperança e Vitória. Parte delas está em território do município de Santa
Luzia, MG.
Ocorre que o Judiciário mineiro determinou o
despejo dessas famílias, ignorando as diversas irregularidades, sobretudo
inconstitucionais, que existem nos processos. Uma grande Rede de Apoio e
Solidariedade a essas famílias se formou e, de maneira muito articulada e presente,
esta rede vem sinalizando para o mundo inteiro que, embora os poderes deste
país, aqueles que têm o dever/obrigação de proteger, assegurar os direitos
fundamentais, insistem em despejar e oferecer como única alternativa a repressão
policial, ainda existem pessoas humanas que não perderam valores indispensáveis
como a ética e que levam a sério o fundamento universal e constitucional do “respeito
à dignidade humana e a redução das desigualdades sociais”, como fundamental
para se construir justiça social, o que, em tese, é o objetivo principal de
todo o ordenamento jurídico brasileiro e para o qual se constituiu os poderes,
todos eles.
As famílias que estão nesta luta e a Rede de
Apoio são pessoas, por meio das quais, ainda se pode acreditar na humanidade,
não perderam o senso de justiça e tem nas artérias correndo o sangue da
resistência, da não abdicação dos direitos, fazendo valer, de fato, o
assegurado na Declaração Universal dos Direitos Humanos quando diz que esses
direitos são inalienáveis, ou seja, não se negocia, não se abre mão.
Concretamente, não se pode deixar de lutar pelo sagrado direito de ter uma moradia
própria e digna, pois moradia não é mercadoria, é direito humano para todos os
seres humanos e, com certeza todos os “doutores” que atuam nos processos
judiciais e administrativos dessas famílias sabem disso e o pior, juraram um
dia cumprir a Constituição. Às autoridades que repetem insistentemente pressionando
os pobres para aceitar o injusto, alertamos: “Que se cumpra primeiro a
Constituição que prescreve respeito à dignidade humana, função social da
propriedade e direito à moradia, entre tantos outros direitos.”
São muitos os sinais concretos de que essas
famílias estão no caminho certo com suas lutas diárias e árduas pelo direito a
moradia própria e digna, apesar de toda pressão, ameaças, e muitas noites sem
dormir. A presença de muitos apoiadores de todo o Brasil e do mundo inteiro, os
revelados e os secretos, um grande número de pessoas que tem manifestado total
repúdio à forma como estas famílias vêm sendo tratadas. Mas também a natureza
que vem sendo cuidada pelas famílias da região do Isidoro e que acolheu estas
famílias. A terra, que não só acolheu os barracos e as mais de 2 mil de casas
de alvenaria, mas que na área toda fez desabrochar as diversas sementes nela
lançadas e as mudas nos quintais, produzindo uma diversidade de alimentos sem
agrotóxico.
Dona Maria, que recebia um salário mínimo e
pagava 500 reais de aluguel, agora, não só utiliza os 500 reais para construir
sua própria casa e comprar alimentos para os seus 5 filhos, mas também planta
mandioca, couve, verduras e legumes e tem alimentação saudável e medicina
natural em casa. Esse é apenas um caso dentre centenas de pessoas que passaram
a ter este estilo de vida nas comunidades Rosa Leão, Esperança e Vitória. Os
idosos e muitas pessoas que estavam doentes tomando vários tipos de remédios
resgataram a saúde no novo ambiente criado nas ocupações: ambiente de amizade,
de solidariedade, de ajuda mútua, com hortas, livre da cruz do aluguel ou da
humilhação que é sobreviver de favor.
A natureza tem dado outros sinais: nas
últimas semanas, em meio ao drama da iminência de despejo, com policiais
rondando as ocupações, helicóptero da policia fazendo, constantemente voos rasantes,
as inúmeras matérias de jornais e as diversas reuniões para tratar do despejo,
em meio ao temor e à Esperança Resistente, eis que na Ocupação Vitória, o João
de Barro, na Praça da Assembleia, construiu sua casa. No meio de uma grande Assembleia,
com centenas de pessoas presentes, uma liderança olha para alto e anuncia: “O João de Barro está nos dizendo que como
ele, nós também temos o direito de uma casa para morar. A natureza se comunica
conosco e nos ensina.” Um silêncio eloquente fez todos ouvirem a mensagem
do João de Barro: “Construam suas casas
como eu estou construindo a minha. Uma
pessoa sem casa é como um pássaro sem ninho, que voa, voa, mas não tem onde se
assentar.”
No dia 10 de agosto passado (2014), o despejo
estava anunciado para o dia seguinte, uma segunda-feira. Foi organizado um
grande Evento Cultural de Solidariedade. A festa aconteceu na Ocupação
Esperança, unindo as famílias das ocupações Vitória e Rosa Leão e mais de mil
apoiadores/ras. Com a dificuldade de luz para clarear no início da noite, pois
a CEMIG até hoje não aceitou instalar o serviço de energia nas Comunidades, eis
que surgiu a lua cheia. Por detrás das montanhas, uma grande lua desabrochou
fazendo-se solidária e contribuindo com a realização do evento maravilhoso recheado
de música, dança, poesia, contação de história e poesia, muito amor solidário
que gerou coragem nas famílias ameaçadas de despejo. O odor da solidariedade
diminuiu a dor a iminência do despejo. Naquela noite, como nas últimas noites,
muitas pessoas dormiram nas três comunidades na companhia da lua que
graciosamente iluminava a todos e das famílias e continuam numa constante
vigília.
No dia 15 de agosto, enquanto uma Comitiva de
professores da PUC/MG visitava as Ocupações do Isidoro, na Ocupação Vitória, no
momento que o Pró-reitor de Extensão da PUC/MG dirigia palavras de apoio à luta
do povo das ocupações, eis que uma ventania muito forte “surgiu do nada”. Recordamos
na hora da narrativa de Pentecostes no livro de Atos dos Apóstolos (At 2,1-13),
na Bíblia, quando o Espírito Santo, espírito de profecia, foi experimentado
pelos discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré que, ainda estremecidos pela
condenação à pena de morte do mestre Jesus, se libertaram do medo e resgataram
a coragem necessária para enfrentar o mundo injusto do Império Romano. Saíram e,
com intrepidez, bradaram: “Jesus
ressuscitou. Enganaram-se completamente quem o assassinou. Nós vamos continuar
a missão do Nazareno.” Assim também, a ventania animou a todos a seguir
lutando por moradia própria e digna, pois essa é uma luta profética e nela
podemos contar com a luz e a força do Deus, que é infinito amor.
Mas lembramos: o arco-íris também já
apareceu. Quando em 2010, na Comunidade Dandara (também em Belo Horizonte), as
famílias estavam sob a ameaça do despejo, um arco-íris cobriu a Comunidade,
sinalizando para o povo, que não duvidou, que havia uma aliança entre o Deus da
Vida, com todas as energias e forças positivas do Universo e a luta de todos e
de cada um pelo direito sagrado a moradia. Naquele tempo escrevemos: “no terceiro dia,
um arco-íris surgiu sobre Dandara! Nós vimos! Mas quando anunciamos que vimos,
muitas pessoas nos disseram que também viram, não apenas viram o arco-íris, mas
Deus visitando Dandara! Não somente vimos, mas acreditamos: Deus renovou sua
aliança com a luta de Dandara! Nenhuma autoridade tem mais moral para autorizar
a polícia a expulsar o povo de lá.”
É própria do povo pobre e
simples, em sua grande maioria de origem camponesa, a grande sintonia com a
natureza. O capitalismo insiste em arrancar das pessoas a sensibilidade com a
natureza, tornando-as máquinas e mão de obra barata, arrancando o sangue e o
suor. Mas o povo das Ocupações recuperou o contato com a terra e traz em si a
poesia, a esperança rebelde e a profunda sintonia com a natureza. Os recados do
João de Barro, da Lua cheia, do vento e do arco-íris são palavras de ternura e
resistência, de força e de coragem e dizem, com toda força, para o povo das
Ocupações Rosa Leão, Esperança e vitória: Não desistam! Não desanimem! Bendito
o dia em que vocês tomaram coragem e ocuparam esta terra. A luta de vocês é
mais do que justa, é abençoada e sagrada. Deus e todas as forças e energias
vivas da natureza estão de braços dados com vocês. A aliança está feita. Quem
tem ouvido ouça!
Belo Horizonte, MG, Brasil, 25 de agosto de
2014