NATAL, ONTEM E HOJE, LÁ E CÁ. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Presépio com Jesus palestino na casa de Geralda Soares, pesquisadora indígena e ardorosa defensora dos direitos humanos e socioambientais. Foto: Gerada Soares, a Gêra.Alegra-te!
Coragem! “Não tenham medo! Eu vos anuncio
uma notícia libertadora, que será grande alegria para os povos: hoje, na cidade
de Davi – Belém -, nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo, nosso Senhor”
(Lc 2,10-11), bradou um/a mensageiro/a do divino aos pastores. “Nasceu numa manjedoura” (Lc 2,12), em um
cocho de ração para animais. “Olhe a
glória de Deus brilhando...”, canta Zé Vicente.
Considerados
impuros, discriminados e os mais excluídos da sociedade escravocrata do Império
Romano, “os pastores foram, às pressas, e
encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura” (Lc
2,16). “Todos os que ouviam os pastores
anunciando o nascimento do divino no humano, ficaram maravilhados” (Lc
2,18).
Em
tempos de políticos opressores como o rei Herodes, na periferia do escravocrata
Império Romano, na Palestina, o evangelho de Mateus (Mt 2,1-12) diz que, magos,
seguindo a “estrela de Belém”, o divino irradiando no humano em todas as culturas,
“encontraram Jesus com Maria, sua mãe, em
uma casa” (Mt 2,11) – não no templo nem na sinagoga e nem em palácios -, o
reverenciaram e “voltaram para seus
territórios por outro caminho” (Mt 2,12), driblando o repressor rei
Herodes.
Atualmente,
em uma sociedade capitalista superexploradora, com idolatria do mercado, com um
monte de dualismos perpassando as experiências humanas e religiosas, o mais
comum é vermos pessoas celebrarem o Natal olhando só para o nascimento de Jesus
Cristo, nosso Mestre, Salvador, Libertador, porque testemunha e ensina um jeito
divino de convivermos, mas não perceberem Jesus (re)nascendo cotidianamente no
nosso meio e em nós. Esse dualismo distorce o sentido mais profundo e
libertador do Natal, porque nos induz a olhar só para dois mil anos atrás e
reforça a mágica que diz “só Jesus tem poder!” e, assim, nós seríamos zero à
esquerda, impotentes, para enfrentar e superar as injustiças.
Faz
bem nutrirmos profunda gratidão, admiração, reverência e respeito por Jesus
Cristo, Filho de Deus encarnado no humano, nascido há
dois mil anos, mas precisamos ver outros Jesus (re)nascendo atualmente
em nós, no nosso meio, perto e longe de nós, pois o mesmo Espírito Santo que
guiava e inspirava Jesus Cristo continua agindo em nós e espera que sejamos
“outros Cristos”, como dizia dom Oscar Romero, antes de ser martirizado pela
ditadura militar-civil-empresarial que se abatia sobre o povo em El Salvador.
O
evangelho de Jesus Cristo diz várias vezes sobre a necessidade de compreendermos
que Cristo está no irmão e na irmã, especialmente nos empobrecidos como nos
mostra Mateus 25,31-46: Jesus está presente em quem está preso, passa fome,
está nu, doente, é migrante, é estrangeiro, sedento, violentado, injustiçado. “Eu estava preso e você não me visitou, com
fome e você não me alimentou, com sede e você não me deu água, nu e você não me
vestiu, eu era estrangeiro e você não me acolheu” (Mt 25,35-36). O amor a
Deus só é autêntico se amarmos o próximo, que inclui toda a humanidade e todos
os seres vivos da biodiversidade, inclusive as pedras que também são vivas. Quem
não vê Deus e Jesus no próximo e no distante não está no caminho libertador.
O
sensato é superarmos o dualismo e vermos Jesus (re)nascendo, ontem e hoje, lá e
cá. O Natal é como uma moeda que tem duas faces: em uma, Jesus Cristo que
nasceu pobre no meio dos pobres há dois mil anos lá na Palestina, e na outra
face da moeda, Jesus segue (re)nascendo atualmente, em nós, perto e longe de
nós, a partir dos últimos da sociedade, dos/as mais violentados/as.
Jesus
nasce de Maria, mulher do povo e revolucionária que “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes” (Lc 1,52), como Jael,
mulher estrangeira do povo quenita, do cântico da juíza Débora (Jz 4,17-21;
5,24-27) e Judite (Jt 13,18; cf. Gn 14,19-20), mulheres reconhecidas como BENDITAS
por terem golpeado os generais Sísara e Holofernes, opressores do povo. Jesus
diariamente segue renascendo em mães solos que, em uma sociedade patriarcal e
machista, se tornam heroínas que criam, cuidam e educam seus filhos que nascem
nas periferias, sem-terra, sem-teto.
Jesus
contou com o apoio de José, seu pai, “homem justo” (Mt 1,19) como Noé, um dos primeiros
Chico Mendes que se dedicou a salvar “um casal de cada espécie” no dilúvio, como
tantos pais hoje que, operários ou camponeses, são pais justos com consciência
de classe trabalhadora e não apenas vendem sua força de trabalho, mas com
justiça e ética constroem relações sociais libertadoras.
Jesus
nasceu sem-terra na periferia de Belém no porão/estacionamento de uma pensão como
milhões de pessoas que nascem em países com a terra em cativeiro, aprisionada
por latifundiários e empresários do agronegócio e, por isso, são obrigadas a
migrarem e a se tornarem mão de obra barata.
Jesus
nasceu sem-teto como milhões que, após amargarem a pesadíssima cruz do aluguel
ou a humilhação que é sobreviver de favor sendo peso nas costas de parentes ou
por terem sido jogados nas agruras das ruas e ficarem expostos às suas
intempéries, ocupam terrenos ou prédios abandonados e lutam aguerridamente
construindo mais casas do que o poder público. Só em Belo Horizonte, MG, os
sem-teto construíram 50 mil casas em 150 ocupações em 18 anos. Muitos já me
disseram: “Como servente de pedreiro ou
como pedreiro, já ajudei a construir mais de 200 casas/apartamentos, mas só
aqui na Ocupação estou construindo a casa da minha família, graças a Deus e à
nossa luta coletiva”. “Trabalhei 27
anos como faxineira no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Quando adoeci me
demitiram. Só aqui na Ocupação estou construindo minha casa e resgatando minha
saúde, pois quatro filhos meus com suas famílias também estão construindo as
casas deles aqui na Ocupação Esperança. Isso me faz dormir em paz. Só na luta
coletiva conseguimos nos libertar da pesadíssima cruz do aluguel que adoece e
mata muita gente aos poucos”, diz emocionada dona Nadir.
Jesus
nasceu sendo acolhido por pastores considerados impuros e os mais discriminados
e Jesus renasce a cada dia nas pessoas LGBTQIA+, no povo do candomblé, da
Umbanda, do Espiritismo e em todas as outras pessoas discriminadas na nossa
racista e hipócrita sociedade.
Jesus
foi encontrado pelos magos do oriente, onde o sol sai e fertiliza as infinitas
expressões de vida e de culturas. Atualmente, Jesus renasce nos Povos
Originários (Indígenas), no Brasil, em mais de 300 Povos que, com mística e
espiritualidade libertadora, são guardiões da floresta, do cerrado, da natureza
e, com sabedoria ancestral, convivem em harmonia com o ambiente impedindo a
“queda do céu”.
Jesus
nasceu de Maria e de José, que com coragem questionaram o rigorismo farisaico e
o dogmatismo judeu e renasce hoje e sempre nas pessoas, que, com muito amor,
combatem os fundamentalismos, os moralismos e a extrema-direita fascista é usa
e abusa o nome de Deus e versículos bíblicos para encobrir as políticas de
morte que defendem com truculência.
Jesus
nasceu no movimento popular religioso que vinha de longe, de profetas e
profetisas, e hoje renasce nos/as militantes de Movimentos Sociais e de
Pastorais Sociais que irmanam os povos no campo e na cidade para lutarem
coletivamente pelos seus direitos e pelo bem comum.
Despertemos
do sono da mediocridade, da escuridão da omissão/cumplicidade e da indiferença
que a sociedade capitalista impõe. Abramos os olhos para ver e sentir que
"Ele está no meio de nós." Jesus está no meio de nós, especialmente
nos pequenos, em tantas pessoas e na Mãe terra, oprimidas e violadas em seu
direito de viver com dignidade. Que a luz do Natal seja a luz a nos guiar
na direção de Jesus que está clamando por vida, no meio de nós! Enfim, é
Natal, ontem e hoje, lá e cá. Sejamos Natal, presença do divino no mundo a
partir dos últimos!
18/12/2024.
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Peneirando
o sentido do Natal de Jesus Cristo - Por frei Gilvander - 30/12/2021
2 - Frei
Carlos Mesters: “O sentido verdadeiro do Natal de Jesus Cristo.” – 17/12/2021
3 - Homilia de frei Gilvander na Matriz de Arinos/MG:
"Natal, divino no humano. Honrar pais/ancestrais!"
4 - Natal autêntico c 220 famílias, Ocupação Terra Prometida,
Ibirité/MG: Nós c moradia própria e saúde
5 - Natal
na Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG: "Livres da cruz do aluguel,
construindo nossas casas"
6 - Que
maravilha crianças e mães em Natal Solidário na Ocupação Rosa Leão, na Izidora,
BH/MG. Vídeo 2
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre
em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos
Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis –
Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander
luta pela terra e por direitos
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