Emancipação humana é possível? Por Frei Gilvander Moreira[1]
Emancipação humana não se trata apenas da relação
entre religião e emancipação política. Não basta a desalienação religiosa para
o ser humano se emancipar humanamente. “O
problema de fundo no pensamento marxiano encontra-se no fato de o ser humano
não se reconhecer como humano, atribuindo sua sociabilidade para algo além de
si” (IASI, 2011, p. 49-50), o que o impede de ser sujeito da história
humana. Marx conclui que “a questão da
relação entre emancipação política e religião transforma-se para nós na questão
da relação entre emancipação política e emancipação humana” (MARX, 2010, p.
38). O processo revolucionário de emancipação humana exige a “irrupção de uma classe com elos radicais, de
uma classe da sociedade civil burguesa que não é uma classe da sociedade civil
burguesa; de um estado que é a dissolução de todos os estados sociais”
(MARX, 2010, p. 17).
A emancipação humana pressupõe a superação de toda
e qualquer intermediação para o ser humano se realizar enquanto ser humano. Nem
a religião, nem o Estado, nem o mercado, nem o patrão, ninguém pode ser
intermediário na ação humana emancipada. “O
homem não é um homem abstrato “agachado fora do mundo”, é o “mundo do homem”, o
homem em sociedade que produz, troca, luta, ama. É o Estado, é a sociedade”
(MARX, 2010, p. 25). As inversões engendradas pela produção e reprodução da
vida segundo o modo de produção capitalista aparecem no Estado, mas são
produzidas pelos seres humanos ao se venderem como mercadoria para um
capitalista que lucra, acima de tudo, com a mercadoria força de trabalho
produzindo mais-valia e, assim, acumulando capital. Se apenas o Estado e a
classe dominante fossem violentos seria menos difícil o processo de
emancipação, mas a violência está assimilada e interiorizada pelos indivíduos,
o que faz com que a violência do Estado e do capital apareça como desvios,
excrescência e não como sua própria natureza. Portanto “a emancipação humana – tal como pensada por Marx, como a restituição do
mundo e das relações humanas aos próprios seres humanos – exige a superação de
três mediações essenciais: da mercadoria, do capital e do Estado” (IASI,
2011, p. 56).
Para Marx a emancipação religiosa se insere no bojo
da emancipação humana. Nesse sentido ele afirma: “O reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer quando as
circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os homens
relações transparentes e racionais entre si e com a natureza. A figura do
processo social da vida, isto é, do processo da produção material, apenas se
desprenderá do seu místico véu nebuloso quando, como produto de homens
livremente socializados, ela ficar sob seu controle consciente e planejado”
(MARX, 1996, p. 205).
Concordamos com Marx e Feuerbach quanto à crítica
da religião, porém não excluímos todo e qualquer tipo de expressão religiosa.
De fato há em muitas práticas religiosas – não em todas - alienação,
estranhamento e, pior, encobrimento de opressões e violências perpetradas nas
relações sociais capitalistas que uma religião burguesa ofusca e, por isso, se
torna cúmplice do sistema capitalista. Mas, advogar que em uma sociedade
emancipada humanamente os seres humanos não terão mais necessidade de práticas
religiosas somente a história humana poderá dizer se isso se cumprirá ou não.
Desde a Teologia da Libertação não vemos incongruência entre superar as
relações do capital e todas as formas de opressão e, assim, criar um novo homem
e uma nova mulher em uma sociabilidade revolucionada e revolucionária para além
do capital e cultivar uma dimensão religiosa que vê no humano o divino. Óbvio
que enquanto houver produção e reprodução material sob a égide do capital
haverá alienação religiosa. “Faz-se
necessário mudar as relações que produzem e reproduzem o fetichismo e a
reificação” (IASI, 2011, p. 57).
Em uma sociedade de classes sempre será necessário
uma espécie de Estado que consolide e legalize a dominação de uma classe sobre
a outra. Nesse ponto, a luta pela terra e pela moradia questiona até o Estado,
por meio do seu braço jurídico, que é o poder judiciário, o qual, via de regra,
julga as ocupações de terra como se fossem esbulho e não como legítimas ações
coletivas que postulam o cumprimento de um direito constitucional.
A emancipação humana se torna impossível sem a superação de todas as mediações que se colocam entre o humano e seu mundo e inclui a utopia com raízes na história de que o destino humano seja assumido de forma consciente, planejado e governado pelos próprios seres humanos, pela sua ação concreta, vivenciando e construindo uma sociabilidade sem opressores e oprimidos, sem patrões e empregados, sem capital, sem relações sociais que produzem mercadoria que viabilize mais-valia e acumulação do capital. Assim, o fundamento da emancipação humana está na possibilidade de os seres humanos protagonizarem o controle da história e da sua existência de forma consciente e planejada.
19/10/2021
Referências
IASI,
Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e
emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
MARX,
Karl. Sobre a questão judaica. São
Paulo: Boitempo, 2010.
______. O Capital: crítica da economia política (Vol. 1, Livro 1). O processo de produção do capital. Tomo 1, Capítulos I a XII. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - “Ocupação
Helena Greco, em Belo Horizonte, há 11 anos clama por rede de água e energia.
Cadê COPASA e CEMIG?” (Andresa, Coord. Ocupação Helena Greco. Vídeo
2.
2 - “Basta
de falta d'água e energia nas Ocupações da Izidora! PBH e Governo de MG?”
-Charlene/Rosa Leão
3 - “MP
com boca sem dente?” Frei Gilvander: "PEC 05/21 retira autonomia do
Ministério Público"–18/10/21
4 - Violações
de direitos nas Comunidades da Izidora/BH: Debate em Audiência Pública/ALMG -
16/10/2021
5 - Bairros
periféricos de Ibirité, MG, na rota do Rodoanel. Vem aí devastação! Uai! Vídeo
9 – 10/10/21
6 - Palavra
Ética na TVC/BH: PBH violando Direitos das Ocupações da Izidora e Tributo a Zé
Veio -28/9/21
7 - “Fora,
Rodoanel da RMBH!” Na TVC/BH no Palavra Ética. Fora, Rodominério ecocida e hidrocida
–18/8/21
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da
CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB
(Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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