No Brasil, 310 milhões de hectares de
terras devolutas para o agronegócio
Frei
Gilvander Moreira[1]
No
Brasil, os que se dizem proprietários de terras mantêm, há séculos, o controle
sobre as propriedades rurais e cobram valores injustos pelo uso da terra através
de arrendamento, parceria, à meia, etc. “Relação de arrendamento: terra em
troca de renda em trabalho (como é o caso do cambão no Nordeste), em espécie
(como é o caso da parceria em todas as regiões do país) e em dinheiro (como é o
caso particularmente do arrendamento de terras no sul e no sudeste)” (MARTINS,
1983, p. 36).
O art. 64 da
Constituição Federal de 1891 transfere as terras devolutas para os Estados,
exceto as estradas de ferro e as necessárias para a Segurança Nacional,
praticamente o mesmo que estabelece o art. 20, II e
art. 26, IV da Constituição
Federal de 1988. Assim, “as terras devolutas são colocadas nas mãos das
oligarquias regionais. Cada Estado desenvolverá sua política de concessão de
terras, começando aí as transferências maciças de propriedades fundiárias para
grandes fazendeiros e grandes empresas de colonização interessadas na
especulação imobiliária” (MARTINS, 1983, p. 43).
Por meio do Censo
Agropecuário de 2006, o IBGE detectou a presença de 310 milhões de hectares de
terras devolutas no Brasil.
Entende-se por “terras devolutas aquelas que jamais tenham sido propriedade de
alguém ou tenham tido uso público reconhecido, propriedade e uso pelo Estado”
(MARÉS, 2003, p. 70), sendo, portanto, as terras legalmente não adquiridas. “Estas terras
devolutas estão distribuídas por todo o país. A região Norte possui mais de 80
milhões de hectares de terras devolutas, das quais 40 milhões no estado do
Amazonas e 31 milhões na Pará. A região Nordeste tem mais de 54 milhões de
hectares de terras devolutas, sendo que a Bahia tem mais de 22 milhões de
hectares e o Piauí mais de 9 milhões de hectares. A região Sudeste por sua vez,
tem um total de mais de 16 milhões de hectares de terras devolutas e entre os
estados com maior presença está Minas Gerais, com mais de 14 milhões de
hectares. A região Sul tem, também, mais de 9 milhões de hectares de terras
devolutas e o estado do Rio Grande do Sul tem mais de 6 milhões de hectares
destas terras. A região Centro-Oeste concentra por sua vez, cerca de 12 milhões
de hectares das terras devolutas e o estado de Mato Grosso sozinho tem mais de
9 milhões de hectares” (OLIVEIRA, 2010, p. 299).
Atualmente, o
capitalismo no campo possui novos contornos e para evitar a desapropriação de
seus imóveis improdutivos, os grandes proprietários e empresas escondem-se sob
a propaganda do agronegócio. Em Minas Gerais, o chamado agronegócio surge com a imposição de uma política agrícola que
pregava a modernização da agricultura, modernização colonizadora e
violentadora, para ser exato. O objetivo era permitir que grandes empresas
estrangeiras introduzissem insumos químicos no mercado brasileiro, obtendo
grandes lucros e tornando-nos dependentes de um ‘pacote’ tecnológico imposto.
Assim, nasce a Japan International Cooperation Agency (JICA) com o
Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) promovendo as atividades do
complexo agroindustrial. O ecossistema dos cerrados foi substituído por
extensas áreas de monoculturas do café, da cana-de-açúcar, da soja e dos
maciços homogêneos do eucalipto. Em
2006 já havia mais de 3 milhões de hectares de terra com monocultura de
eucalipto; com soja, 22,2 milhões de hectares e outros 6,2 milhões de hectares
com cana-de-açúcar; total: 31,4 milhões de hectares (= 314.000 Km2)
com monoculturas de eucalipto, soja e cana-de-açúcar (NORONHA; ORTIZ;
SCHLESINGER, 2006, p. 5). Esse processo
gerou exclusão social, destruição do meio ambiente e concentração de renda. “A
expansão dos chamados complexos agroindustriais tem transformado o camponês em
um trabalhador para o capital, sem
torná-lo um operário, o que amplia as
interrogações sobre a natureza da sua vida política e econômica” (MOURA, 1988a,
p. 8). A expansão desse modelo agrário/agrícola capitalista leva a que “mesmo
com queda de preços dos alimentos, cresce a área plantada, aprofundando as
contradições entre produção de alimentos e aumento da fome no mundo” (PORTO
GONÇALVES, 2004, p. 217), aumentando a concentração fundiária. Grave também é
que essa expansão do agronegócio ocorre no bioma dos cerrados, o que implica em
devastação de ‘uma floresta invertida’. “Os Cerrados se caracterizam por ser
“uma floresta invertida”, como insistia uma das maiores autoridades em
conhecimento dos Cerrados, o agrônomo/geógrafo Carlos Eduardo Mazzetto Silva,
pois para cada volume de biomassa sobre a superfície, os Cerrados têm até sete
vezes mais biomassa abaixo do solo” (PORTO GONÇALVES, 2014, p. 92).
Esse dado multiplica
por sete a gravidade da imensa devastação dos Cerrados que está em curso no
Brasil, pois ao devastar os Cerrados da superfície do solo se devastam os sete
Cerrados que estão no solo. Os cerrados compunham 36% do território brasileiro,
mas a maior parte dos cerrados já foi devastada. Relatório de Monitoramento do
Bioma Cerrado, de 2009, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), demonstra que os
remanescentes de vegetação dos Cerrados passaram de 55,73% em 2002 para 51,54%
em 2008 e que o desmatamento total no bioma dos Cerrados até 2008 representa
47,84% da área original (MMA, 2010). “Entre o período de 1985 e 1993 a perda da
área do Cerrado foi, em média 1,5% ao ano. A essa taxa de conversão, seria
esperado que o Cerrado venha a perder aproximadamente 3 milhões de hectares ao
ano, se considerarmos a área original de 2,045 milhões de quilômetros
quadrados. Entre o período de 1993 e 2002, a taxa média de desmatamento do
Cerrado foi um pouco menor, com uma média de 0,67% ao ano. Com esse valor, a
perda anual do Cerrado seria de 1,36 milhões de hectares ao ano, também se
considerando uma área original de 2,045 milhões de quilômetros quadrados. Um
cenário futuro para o Cerrado, considerando uma retirada anual de 2,215 milhões
de hectares (assumindo uma taxa conservativa de 1,1% ao ano), considerando a
existência de 34,22% de áreas nativas remanescentes (baseado na estimativa dada
por Mantovani e Pereira [1998]) e considerando que as unidades de conservação
(que representam 2,2% do Cerrado) e as terras indígenas (que representam 2,3%
do Cerrado) serão mantidas no futuro, seria de se esperar que o Cerrado
desaparecesse no ano de 2030” (MACHADO, et al., 2004, p. 6-7).
Referências
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 2003.
MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu
lugar no processo político. 2ª edição. Petrópolis: Vozes, 1983.
MOURA, Margarida Maria. Camponeses. 2ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1988.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A questão
agrária no Brasil: não reforma e contrarreforma agrária no governo Lula. In:
Vv.Aa. Os anos Lula: contribuições para
um balanço crítico 2003-2010. Rio de janeiro: Garamond, p. 287-328, 2010.
PORTO GONÇALVES, Carlos Walter; CUIN, Danilo
Pereira; LEAL, Leandro Teixeira; NUNES SILVA, Marlon. Dos Cerrados e de suas
riquezas. In: Conflitos no Campo Brasil
2014. Goiânia: CPT Nacional, p. 88-95, 2014.
______. Geografia da riqueza, fome e meio
ambiente: pequena contribuição crítica ao atual modelo agrário/agrícola de uso
de recursos naturais. In: OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de; MARQUES, Marta Inez
Medeiros (Orgs. ). O Campo no século
XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça social. São
Paulo: Casa Amarela e Paz e Terra, p. 207-253, 2004.
Belo Horizonte, MG,
10/01/2018.
Obs. 1: O vídeo, abaixo,
ilustra o texto, acima.
Na Chapada do
Apodi/RN, 800 famílias resistem a um mega projeto de agro-hidronegócio.
07/12/2012
Obs. 2: Texto publicado
também nos seguintes links, abaixo: