PEREGRINOS DE ESPERANÇA, SIM, NA LUTA POR DIREITOS - Por Frei Gilvander Moreira[1]
Reprodução CNLB com Cartaz do Jubileu de 2025Conforme o cartaz do Jubileu de 2025,
proclamado pelo papa Francisco, o tema do Jubileu é PEREGRINOS DE ESPERANÇA, e
não Peregrinos da Esperança. “De” e não “da”. Observemos o que nos diz a
gramática e, especificamente, a semântica da língua portuguesa nesse caso. A
diferença é grande e não está sendo percebida por muitas pessoas e lideranças
religiosas que estão escrevendo ou falando sobre o tema do Jubileu.
As expressões “de esperança” e “da
esperança” são locuções adjetivas. Entretanto, há uma diferença sutil, mas
profunda no seu significado. A expressão “de esperança” corresponde a
“esperançosos”. E a palavra “Peregrinos” é substantivo, que é mais forte que o
adjetivo, pois o adjetivo apenas qualifica o substantivo. Peregrinos de esperança corresponde a
PEREGRINOS ESPERANÇOSOS. PEREGRINOS DE ESPERANÇA destaca a esperança como
qualidade que faz parte dos peregrinos, entranhada na sua existência, como
parte do seu caráter e das suas atitudes. Esperança de esperançar, como tão bem
nos alertou nosso grande educador Paulo Freire. Se o tema fosse Peregrinos “da”
esperança, sendo o “da” contração “de” + “a”, o “a” como artigo definido
poderia nos induzir à ideia capenga de que a esperança fosse algo fora de nós a
ser buscada.
Qual o significado de Peregrinos no tema
do Jubileu? Peregrino não se refere apenas a pessoas religiosas se dirigindo a
um santuário para cumprir promessas e cultivar sua relação pessoal com Deus,
Nossa Senhora ou seu santo/a de devoção. Peregrino/a é toda e qualquer pessoa
que peregrina, não se restringe a peregrinos religiosos. O papa Francisco afirma
que “Somos todos migrantes. Ninguém tem
moradia fixa no planeta Terra”.
Não podemos reduzir a esperança à
trituração feita pela teologia dogmática que, ao discorrer sobre “as três
virtudes teologais” – fé, esperança e amor -, cindiu o que é inseparável. Com
esta cisão indevida abriu-se a imaginação para se ver a fé, o amor e a
esperança como entidades, coisas externas a nós às quais devemos agarrar.
Na Bíblia, no livro do profeta Habacuc
se diz que “o justo vive(rá) pela fé/fidelidade”
(Hab 2,4). A palavra hebraica geralmente traduzida por fé/fidelidade é emuná, que significa ao mesmo tempo “fé,
esperança, amor”, de forma indissociável. Portanto, a melhor tradução de Hac
2,4 é “a pessoa justa vive(rá) pela
fé/esperança/amor”. Portanto, não é justo separar fé, amor e esperança como
se fossem apenas “três virtudes teologais”, separadas ou justapostas. A
esperança exige amor e fé como complementos; são três dimensões de uma mesma realidade.
A esperança não pode ser reduzida a uma
questão motivacional de autoajuda como se agarrar ao mote “tenha esperança!”,
que tudo dará certo. Isso é discurso de couching (guru) que tenta animar quem
está tendo a esperança estilhaçada pela lógica e estrutura do sistema do
capital.
Segundo Nuno Cobra Júnior, nos livros O Músculo da Alma e Semente da Vitória, uma
das doenças que mais matam na atualidade é o sedentarismo. Ele defende que é
pelo movimento muscular que se irriga melhor o sistema circulatório, o que
oxigena melhor o cérebro, ativa a memória e é antidoto ao baixo astral, à depressão
e gera vida saudável.
Peregrinos/as sempre peregrinam em
contextos históricos concretos e específicos. Peregrinar é caminhar, é lutar
para se conquistar melhores condições de vida. A história demonstra que, durante
a vida, quem peregrina isoladamente caminha para a morte lenta. Os pseudovalores
capitalistas insistem pela ideologia dominante a impor caminhada individual,
pois os patrões capitalistas sabem que quando os povos caminham coletivamente
lutando pelos seus direitos e pelo bem comum, a caminhada se torna subversiva,
pois mina os pilares que sustentam o edifício que reproduz, de mil e uma formas,
violências sobre 99% da
população e da biodiversidade.
Para sermos de fato peregrinos de
esperança temos que enfrentar vários obstáculos, tais como o individualismo que
a ideologia dominante trombeteia aos quatro ventos; o medo insuflado de forma
planejada pela grande imprensa que ecoa os casos de violência segundo a versão
da polícia, com a finalidade de deter a caminhada; a vertiginosa evolução
tecnológica das big techs, ou gigantes da tecnologia, que estão confundindo o
real com o virtual. Muita gente está priorizando as relações virtuais e se
individualizando gradativamente, o que tem levado à ansiedade, depressão ou ao
suicídio.
Quando somos invadidos pelo medo, a
paralisia toma conta de nós e a marcha se torna algo temeroso que deve ser
evitado. Na realidade, parar de caminhar/lutar coletivamente por direitos e
pelo bem comum é muito mais perigoso, pois mata de inúmeras formas, aos poucos.
São muito sábias as narrativas proféticas na Bíblia que exortam centenas de
vezes: “Não tenha medo. Coragem!” De fato, o contrário de fé não é ateísmo, é o
medo. Quem tem fé tem coragem. Logo, infundir medo nas pessoas é uma estratégia
para lhes furtar a fé, a coragem, base para ser peregrino de esperança.
Há vários tipos de peregrinos/as. A
humanidade está peregrinando. O planeta Terra peregrina sem parar em muitos
movimentos, entre os quais dois se destacam: o de translação ao redor do irmão
sol e o de rotação, ao redor de si mesmo. Com estes movimentos a Terra cria as
condições biológicas e fisiológicas que reproduzem a vida de todas as espécies.
Imagine se a Terra fosse parada e não estivesse em movimento, em peregrinação!?
As populações em movimentos migratórios internamente
nos seus países ou externamente indo para outros países peregrinam em
movimentos de emigração (saída, êxodo), em busca de condições melhores de vida
e de imigração (entrada), muitas vezes driblando muros e barreiras impostas por
xenófobos, sionistas ou fascistas como Trump e Netanyaru. É na
migração/peregrinação que os povos se
constroem. Ir e vir são direitos humanos fundamentais, assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, por
vários Tratados Internacionais e pelas Constituições dos países.
Peregrinar implica enfrentar os
contextos adversos e injustos. Logo, peregrinar inclui lutar por direitos e
pelo bem comum. A luta por direitos e pelo bem comum é a mãe que gera a esperança.
Sem luta por direitos a esperança morre aos poucos.
Experimentamos isso nas lutas
por terra, território, moradia, por preservação ambiental e por todos os
direitos humanos fundamentais e socioambientais. Ocupamos propriedades que não cumprem sua função social em grupos de pessoas unidas, organizadas,
irmanadas nas lutas justas e necessárias, com amor no coração, utopia/esperança
no olhar, pés firmes na marcha e ecoando lemas tais como “com luta e com fé, as casas ficam de pé!”, “com luta e com garra, a casa sai na marra!”, “Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm, se não vem nossos direitos, o
Brasil perde também...” direitos são conquistados e as pessoas que
participam dessas lutas se enchem de esperança. Por outro lado, quem não luta
coletivamente por direitos e pelo bem comum, vai sendo asfixiado paulatinamente
e sente a esperança ser sugada até a desesperança se apoderar da pessoa,
aniquilando-a.
“A
esperança não é a última que morre”, pois a esperança é filha da luta coletiva
por direitos e pelo bem comum, que faz parir a esperança. Se a luta coletiva
por direitos morre, a esperança morre. Logo, não há esperança sem luta por
direitos e pelo bem comum. E o inconformismo, a indignação e a rebeldia constituem o combustível para engrenar
as lutas justas e necessárias. Nesse sentido afirma Paulo Freire: “Sem um
mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a
esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna
desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero. Daí a precisão de
uma educação da esperança” (FREIRE, 2009, p. 11).
É na
mobilização desencadeada pelas lutas coletivas que os sujeitos da luta pela
terra e por todos os outros direitos saem do individualismo, da resignação, do
pessimismo e, de cabeça erguida, passam a experimentar que podem transgredir o
que o Estado e o capital impõem de forma autoritária e brutal.
Concluindo, “peregrinos de esperança”
são quem se desvencilha dos vírus da ideologia dominante e se compromete com
lutas por direitos, pelo bem comum, pela democracia. Na Bíblia, o Jubileu é
tempo de libertação da Terra, cancelamento das dívidas e libertação de todos os
tipos de escravidão (Cf. Lv 25 e Lucas 4,16-21). Ao falar em “peregrinos de
esperança”, Papa Francisco nos convida a ir além do espiritualismo que divide
material e espiritual e propõe que pensemos em toda a humanidade e não somente
nos companheiros e companheiras de fé.
O papa Francisco conclama para o
engajamento em peregrinação, caminhada, lutas coletivas que geram esperança e
estanca o roubo de esperança que a lógica e a estrutura do sistema que idolatra
o mercado estão nos impondo. No próprio nome da bula que nos convida ao
Jubileu, ele nos confirma que “a esperança não nos decepciona, pois o
próprio Amor divino foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que
nos foi dado” (Rm 5,5).
Referência
FREIRE, Paulo. Pedagogia da
Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 16ª edição. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
30/01/2025
Obs.:
Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Entrevista
com Frei Gilvander Moreira | Conversas de Paz e Esperança
https://www.youtube.com/live/k9WoZPR9CSs
2 - LULA/INCRA/MG,
SEM-TERRA PRODUZEM ALIMENTOS SAUDÁVEIS ACAMPAMENTO NOVA ESPERANÇA 2/CÓRREGO
DANTA/MG
3 - URBEL/PBH
ocupada pelo Povo da Ocupação Esperança, Izidora, BH/MG: Urbanização Justa e
Popular, JÁ!
4 - Vida,
libertação, esperança! - 9º Domingo do Tempo Comum - Evangelho para além dos
Temp(l)os
5 - Famílias
com muitos filhos na Retomada Terra Mãe, Betim/MG: casa própria, esperança de
futuro. Víd 3
6 - Na
ÍNTEGRA, 48ª Festa de São Pedro, no Assentamento Padre Jésus, em Espera
Feliz/MG, noite 28/06/23
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre
em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos
Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis –
Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander
luta pela terra e por direitos www.youtube.com/@freigilvander