Sem
quarentena, quem vai morrer?
Por Gilvander Moreira[1]
Uma espada de dor está transpassando o
coração de milhões de pessoas pelo mundo afora, em tempos de pandemia do novo coronavírus.
Em todo o mundo, mais de 170 mil pessoas já morreram por COVID-19. No Brasil, o
povo está no meio de um fogo cruzado: de um lado, autoridades sensatas recomendando
o que orienta a Organização Mundial da Saúde (OMS): quarentena que tem salvado
muitas vidas, ficar em casa, lavar as mãos com frequência, usar máscara se
tiver que sair de casa. Por outro lado, o desgoverno do antipresidente e uma
elite que está desesperada, ao ver seus lucros diminuindo com os trabalhadores
ficando em casa, seguem desdenhando das orientações da OMS, da ciência e, em
postura genocida, empurrado para o matadouro o povo, ao incitar a retomada da
normalidade que nos levou à pandemia. Retomar “mais do mesmo” será a morte de
milhões de pessoas e galopar rumo a outras pandemias mais brutais. Como diz o
biblista frei Carlos Mesters, “parede
rachada não se conserta pondo reboco por cima, mas reconstruindo a casa”.
Com
histórico de postura ao lado do agronegócio, golpista e defensor do
sucateamento do SUS, pois votou a favor da PEC[2]
95, a que congela por 20 anos os investimentos em saúde pública, o Ministro da
Saúde Luiz Henrique Mandetta foi demitido simplesmente porque estava cumprindo
as recomendações da OMS – o que é necessário -, nada mais que a obrigação, pois
isolamento ‘social’ – físico, melhor dizendo - e distanciamento físico são os meios
mais eficazes e necessários para salvar vidas durante a pandemia do novo
coronavírus, uma vez que, sem vacina e sem remédio que salvem as pessoas da
morte e com colapso na capacidade de atendimento dos hospitais, quem for
acometido pela COVID-19 com grave pneumonia, se for pobre, estará fadado à
morte. Injusta a demissão do Mandetta, pois quem precisa ser “demitido” é o
antipresidente.
O novo Ministro da Saúde, Nelson Teich,
assumiu dizendo que não mais exercia a medicina, que atualmente é empresário do
ramo da saúde. No Ministério da Saúde, Teich aprofundará o descaminho do
antipresidente em tempos de pandemia? Teich chegou ao absurdo de dizer que “os recursos da saúde são limitados e, por
isso, deve fazer escolha sobre quem vai morrer.” Disse que os jovens devem
ter preferência. Na realidade, sabemos que em uma sociedade capitalista a
escolha será por salvar prioritariamente os ricos. Os pobres serão deixados
para morrer sem socorro? Essa medida foi usada pelo nazismo de Hitler durante a
Segunda Grande Guerra que envolveu muitos países entre 1939 e 1945.
Será que o antipresidente está querendo
deixar morrer os idosos para diminuir o que o Governo Federal paga em
aposentadorias? Deixar de fazer o possível e o impossível para salvar a vida de
todas as pessoas, além de ser inadmissível, é uma atitude desumana e satânica. É
preciso recordar que são os milhões de idosos no Brasil que sustentam a vida
social em todos os municípios pequenos. Sem a aposentadoria dos idosos, mais da
metade dos municípios brasileiros quebrarão.
O
novo Ministro da Saúde, em silêncio desde que assumiu o Ministério, deveria
dizer para o povo brasileiro por que há poucos recursos para o SUS[3]. A
verdade é que, em conluio com os empresários do sistema privado de saúde, o
governo federal mantém o SUS à mingua para obrigar as pessoas a ‘gastar o que
não tem’ para se manterem vivas. Se o SUS for fortalecido, as empresas do
sistema de saúde privado não poderão lucrar muito. Ou seja, adoecido pelo agronegócio
com o uso indiscriminado de agrotóxico na produção dos alimentos, o povo é
jogado no colo dos mercadores de planos de saúde. Portanto, macabramente o SUS
é deixado às traças, de propósito.
São inaceitáveis a loucura e a postura
criminosa que será retornar à ‘normalidade’ que nos levou à pandemia. Feliz
quem ouve os sinais dos tempos e dos lugares! O Deus da vida, em tempos de novo
coronavírus, está nos dizendo que em primeiro lugar devem estar as políticas
para salvar vidas. Um modelo econômico que mata as pessoas é diabólico. Preservar
vidas humanas até que se descubra e produza vacina ou remédio que cure da
COVID-19 passa necessariamente por isolamento ‘social’. Insisto, isolamento físico,
pois mesmo em isolamento ‘social’, podemos continuar tecendo relações sociais
via telefone, correio, internet etc.
Após a pandemia, o ético será resgatar
outro modelo econômico: aquele que prioriza os setores essenciais para garantir
a vida social: agricultura familiar agroecológica para a produção de alimentos
saudáveis, o que implica frear o agronegócio e as monoculturas desertificadoras
de territórios; realizar reforma agrária popular para que a terra seja
socializada e democratizada, o que implica proibir a existência de latifúndio
no país; identificar e demarcar todos os territórios indígenas, quilombolas e
de todos os outros Povos e Comunidades Tradicionais, o que implica frear a
grilagem de terra, o desmatamento e os projetos de mineração devastadores; implementar
educação pública de qualidade e universal da infância à universidade, o que implica
frear a privatização da educação; fortalecer o SUS, o que implica frear a
ganância dos empresários do sistema de saúde privado, que lucram com um povo
adoecido; implementar políticas de resgate ambiental e de preservação da
natureza, o que implica tolerância zero diante de desmatadores e grileiros de
terra; impulsionar a Economia Popular Solidária, o que implica frear a agiotagem dos banqueiros; fazer reforma urbana
política como massiva e popular de geração de moradia adequada para o povo, o
que implica estrangular a especulação imobiliária, instituir IPTU[4]
progressivo e taxar as grandes fortunas;
na produção econômica a prioridade deverá ser produzir o necessário para
todo o povo viver com dignidade, o que implica proibir toda a produção ou
importação de mercadorias de luxo ou supérfluas; adotar um estilo simples e
austero de viver e conviver. A ostentação de riqueza e luxo deve se tornar algo
execrável e repugnável. Investir em política cultural que dinamize a imensa
pluralidade e criatividade da cultura popular brasileira, o que implica refrear
a indústria cultural alienadora.
Há luz dentro do túnel, pois toda crise
tem um lado fértil. A “greve geral” mundial imposta pelo novo coronavírus está
sendo ocasião fértil para a humanidade repensar o jeito de viver e conviver no
planeta Terra, nossa única Casa Comum. Repensar tudo, inclusive, a escolha de
governantes. A quarentena está salvando milhares de vidas. Diminuiu muito o
número de acidentes nas estradas, menos gente morrendo nas estradas, índice
menor de roubo, redução no número de motoqueiros mortos, o que enchia 30% dos
leitos nas UTIs; o meio ambiente está se revitalizando; muita gente está
sentindo a necessidade e o valor de ser solidário com quem precisa; muitas
pessoas passaram a viver com o mínimo necessário e, por isso, estão
economizando; muitas pessoas estão se curando do estresse, do trânsito caótico
nas cidades, do consumismo, do uso de luxo/supérfluo e do frenesi do cotidiano
enlouquecido no mundo do capital ...
Que maravilha descobrir belezas que nos
passavam despercebidas! Acordar cedo e ouvir os pássaros em nossa janela, sentir
que estamos com saúde, que há oxigênio no ar para respirarmos e que nossos
pulmões estão sadios, por enquanto; curtir a gostosura que é lavar o rosto com
a irmã água, o que nos faz levantar a cabeça para mais um dia de vida, dádiva
das dádivas; escovar os dentes, pentear o cabelo, quem tem; rezar, orar e meditar,
pelo menos 30 minutos por dia, cultivando nossa dimensão mística e espiritual;
fazer trabalhos manuais, preparar o café, fazer almoço, lavar as panelas, os
pratos, limpar o chão; cuidar da horta, sentir o perfume das flores. Exercer
solidariedade de mil formas com quem, mesmo distante fisicamente, está
sofrendo.
Enfim, redescobrir as belezas do
cotidiano e da simplicidade. Apesar das medidas do desgoverno do despresidente
que está em Brasília e que estupidamente insiste em desdenhar e fazer chacota
das orientações das organizações de saúde e contra a saúde pública do povo
brasileiro, que este tempo de solidão povoada possa nos ajudar a redescobrir o
valor do público, do coletivo, da vida simples e austera e dos direitos que
devem ser para todos/as. A pandemia mostra que não é possível se salvar
sozinho.
Atenção! O momento no Brasil é muito
grave. Todas as pessoas de boa vontade devem se posicionar na defesa da
democracia, dos direitos de todos a partir dos pobres. Pior do que os algozes é
o silêncio dos omissos e cúmplices! Repudio as posturas de prefeitos, tal como
os de Ibirité e Betim, MG, de alguns governadores e de todas as autoridades
públicas que estão se ajoelhando diante dos interesses dos empresários e
minando a quarentena necessária para se salvar vidas. Meus aplausos às
autoridades sensatas que estão orientando decisões para salvar vidas.
Lideranças religiosas também não podem se omitir nesse momento crucial.
Transcrevo aqui, com alegria, porque assino embaixo, a fala que define a
postura do padre José Ailton Figueiredo, pároco da Paróquia São Pedro, em
Piracicaba, SP, diocese de Piracicaba – SEM
QUARENTENA, QUEM MORRERÁ? -, que assim se manifestou em vídeo:
“Olá, meu amigo,
minha amiga, eu quero falar com você uma coisa muito importante. Mas eu não
quero falar para você pequeno comerciante, que tem um comércio pequeno, um bar,
um pequeno estabelecimento, que está sofrendo nesse momento para se manter,
para manter a sua pequena empresa, o seu pequeno comércio. Tem gente
inescrupulosa, com grandes empresas, aproveitando desse momento para fazer um
momento de aproveitamento político. Estão fazendo carreatas por aí, pelo Brasil
afora, e aqui em Piracicaba não é diferente. Essas pessoas são inescrupulosas,
porque elas estão dizendo que é preciso voltar à normalidade, mas o momento não
é de normalidade. Não estamos enfrentando uma gripezinha, um resfriadozinho.
Esta covid-19 fechou aeroportos do mundo
inteiro, fez cair a bolsa de valores,
acabou com os movimentos esportivos do mundo inteiro, fechou os Estados Unidos,
fechou o Vaticano, cancelou uma olimpíada! Então não se trata de uma
gripezinha. Centenas de milhares de pessoas estão morrendo, faltam leitos;
pessoas estão morrendo por falta de leitos. E pessoas estão fazendo essas
carreatas dizendo que é preciso voltar à
normalidade. Elas não estão preocupadas com a sua saúde, com a saúde da sua
família. Estas pessoas estão preocupadas com o lucro delas, elas que sempre
ganharam às suas custas e agora querem que você volte a trabalhar para
continuar dando lucro a elas. Estão com os cofres cheios e não querem nesse momento investir no maior
patrimônio de suas empresas que é você , trabalhador, que é você, trabalhadora.
Portanto, para eles, você pode ficar doente, você pode até morrer, desde que
continue dando lucro a esses grandes empresários. Não você, pequeno empresário, você que tem um
pequeno comércio, um boteco, uma pequena pizzaria ou algo que se assemelha.
Você está lutando, você está trabalhando e que Deus o abençoe. Eu falo desses grandes empresários que estão
usando deste momento para aumentar a sua
margem de lucro e vão às ruas com essa grande mentira, dizendo que é preciso voltar
à normalidade. Eles não estão preocupados com você, não estão preocupados com a
sua saúde. Eles querem continuar enriquecendo a custa do trabalhador. Portanto,
não caia nesta mentira. Fique em casa. É hora de tomarmos consciência de que o
momento é muito grave; não é gripezinha, não é resfriadozinho. Vamos ajudar o
poder público do nosso município, do nosso estado a fazer com que possamos
superar esse momento. Passado este momento, voltaremos com serenidade, com
tranquilidade à normalidade das nossas vidas. Fique em casa!”
21/4/2020
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o
assunto tratado acima.
1
- Padre José Ailton: Faz carreata contra a "Quarentena" quem se
preocupa com lucros e não com a vida dos/as trabalhadores/as - 14/4/2020
2
- Coronavírus no Amazonas: Faltam leitos, profissionais e equipamentos -
Calamidade Pública! Brasil de amanhã será Amazonas hoje com mortos por todos os
lugares? - 18/4/2020.
3
- COVID -19 Salva muito mais vidas por redução da poluição do ar e terra treme
menos.
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela
FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em
Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte,
MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Proposta de Emenda
Constitucional.
[3] Sistema Único de Saúde.
[4] Imposto Predial e Territorial
Urbano.
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