Jornal
PROSA BOA, da Cáritas da Diocese de Paracatu, MG, entrevista frei Gilvander
Moreira
Frei Gilvander
Moreira convoca católicos – e todas as pessoas religiosas ou não, pessoas de
boa vontade - a atender o chamado do Papa Francisco.
“O papa Francisco está sendo bom
pastor e profeta, pois ele está consolando os aflitos e incomodando os
acomodados. Não podemos tardar mais em levar a sério o testemunho e os
ensinamentos do papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
no seu Discurso aos Movimentos Sociais na Bolívia e na Carta Encíclica Laudato
Si’, sobre o cuidado da casa comum. O papa Francisco tem condenado o capitalismo
como um sistema satânico e tirânico. “Esse sistema é insuportável”, afirma Frei Gilvander em entrevista exclusiva ao Jornal Prosa Boa,
em setembro de 2016.
1) Jornal Prosa Boa: O
Vaticano tem recebido movimentos sociais do mundo todo, inclusive o MST e a Via
Campesina. O que tem significado o pontificado de Francisco para os movimentos
sociais e para as Comunidades Eclesiais de Base?
Frei Gilvander: “O papa
Francisco está sendo bom pastor e profeta, pois ele está consolando os aflitos
e incomodando os acomodados. Não podemos tardar mais em levar a sério
o testemunho e os ensinamentos do papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, no seu Discurso
aos Movimentos Sociais na Bolívia e na Carta Encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum. O papa Francisco tem
condenado o capitalismo como um sistema satânico e tirânico. “Esse sistema é
insuportável”, bradou o papa Francisco. Esse brado virou o lema do Grito dos
Excluídos de 2016. Além de ser pobre e para os pobres, a Igreja desejada pelo papa Francisco é
corajosa em denunciar o atual sistema econômico, "injusto na sua raiz" (EG 59). Como disse João Paulo II, a Igreja "não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça" (EG
183). "Saiam!" é a essência da
mensagem que o papa Francisco envia aos bispos, padres e membros das
comunidades cristãs. Saiam das suas cômodas estruturas eclesiais burguesas e do
caloroso círculo dos convencidos, anunciem o Evangelho às periferias das
cidades, aos marginalizados pela sociedade, aos pobres, aos injustiçados!”
2)
Jornal
Prosa Boa: Uma Igreja que vá até as periferias geográficas e espirituais. É
isso que o papa Francisco tem proposto. Os católicos conseguirão entender o
significado da “Igreja em saída” defendida pelo Papa?
Frei Gilvander: “Não basta
entender, é preciso ir visitar e conviver com os injustiçados/as, ouvir seus
clamores e, a partir da Bíblia e da nossa fé libertadora, organizar os
oprimidos para protagonizarem lutas coletivas na defesa dos seus direitos
sociais. O papa Francisco nos alerta: “se a dimensão social da evangelização
não for devidamente explicitada, corre-se o risco de desfigurar o sentido autêntico
e integral da missão evangelizadora” (EG 176). O papa Francisco alerta também:
“prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter
saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se
agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o
centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos.” (EG
49). Quem se omitir na missão para a qual o papa Francisco nos convida será
cúmplice do sistema do capital, que é uma máquina de moer vidas.”
3) Jornal Prosa Boa: As
críticas ao capitalismo têm incomodado setores conservadores da Igreja, que já
começam a se inquietar com as posições progressistas do Papa Francisco. Você
acha que o Papa conseguirá avançar nas reformas que a Igreja necessita?
Frei Gilvander: “O ensinamento
de Jesus Cristo e seu testemunho libertador consolaram os aflitos e incomodaram
parte dos fariseus, todos os saduceus (os grandes senhores de terra da época),
o sinédrio e o império romano. Esses condenaram Jesus à pena de morte. Óbvio
que quem estiver sendo cúmplice das opressões do capital nunca irá gostar do
papa Francisco, mas como Jesus fez história, o papa Francisco também está
fazendo história. Feliz quem colocar em prática o que propõe o papa Francisco,
um legítimo discípulo de Jesus Cristo. O papa Francisco critica o
"fetichismo do dinheiro" e "a ditadura de uma economia sem rosto
e sem um objetivo verdadeiramente humano", versão nova e implacável da
"adoração do antigo bezerro de ouro". O papa Francisco critica o
atual sistema econômico: "esta
economia que mata", porque prevalece a "lei do mais forte". Este se opõe à cultura do "ser humano
descartável" que criou "algo
novo" e dramático: "Os
excluídos não são 'explorados', mas resíduos, 'sobras'" (EG 53).
Enquanto não se resolverem de forma justa os problemas dos pobres, renunciando
"à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando
as causas estruturais da desigualdade social – insiste o papa Francisco –, não
se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum". O
papa Francisco indica que as raízes dos males sociais estão na "desigualdade social”.”
4) Jornal Prosa Boa: Você
milita também no movimento de moradia e está sempre presente nas periferias. O
que vai significar, para os pobres, o golpe que derrubou a presidenta Dilma?
Frei Gilvander: “O papa Francisco
disse que “o povo brasileiro passa por um momento triste”, porque ele sabe que
os golpistas, após perderem quatro eleições, insistem em cortar todos os
direitos sociais conquistados pelo povo nos últimos 30 anos e colocar o Brasil
de joelho frente aos interesses das grandes empresas transnacionais e do
capital financeiro. Não podemos admitir esse imenso retrocesso. O Impeachment
da Presidenta Dilma foi golpe, não militar, mas político, jurídico, midiático e
do capital, porque Dilma não cometeu crime de responsabilidade. Com o golpe,
Dilma perdeu o exercício do seu mandato, mas o povo brasileiro, se não ir para
as ruas em lutas massivas, perderá todos os direitos sociais conquistados com
muita luta nas últimas décadas. Leonardo Boff alertou há uns cinco meses atrás:
"Se os pobres desse país soubessem o que estão
preparando para eles, não haveria ruas que coubessem tanta gente para protestar
contra o impeachment". Mas a mídia deixou muita gente grogue e
anestesiada. Oxalá o povo acorde antes que a faca – dos cortes sociais - está
na garganta! Agora, eu alerto: se toda a classe trabalhadora e toda a classe
camponesa não forem para as ruas, em lutas coletivas massivas e bem
organizadas, perderão todos seus direitos trabalhistas, previdenciários,
ambientais, pois os golpistas estão rasgando a Constituição para congelar
investimentos públicos nas áreas sociais por 20 anos, o que é um absurdo. Estão
tramando para vender terras a estrangeiros, entregar o pré-sal para as transnacionais
dos Estados Unidos, amputar o braço social do Estado e robustecer o braço
repressor do Estado. E privatizar tudo: portos, aeroportos, terras, águas, SUS
etc. Será o retorno da miséria, do aumento da violência social e da precarização
das relações de trabalho, sem falar no imenso retrocesso nas reformas agrária e
urbana. Os golpistas são poderosos, mas têm pés de barro. Continuemos animando
lutas coletivas em todos os cantos e recantos.”
5) Jornal Prosa Boa: O Papa
Francisco lançou uma encíclica com duras críticas ao modelo de desenvolvimento
que domina o mundo. Em alguns trechos o Papa se aproxima de posições defendidas
por teólogos progressistas como Leonardo Boff, de quem solicitou e leu alguns
livros. Ele também recebeu no Vaticano um dos fundadores da Teologia da Libertação,
padre Gustavo Gutierrez. Francisco pode marcar um novo fortalecimento da
Teologia da Libertação?
Frei Gilvander: “Sim. O
papa Francisco está sendo, pelo seu ensinamento e pela sua prática, um expoente
da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base, das Pastorais
Sociais e dos Movimentos Sociais Populares. A Igreja não deve ficar indiferente a tais
injustiças. Diz o papa Francisco: “a
economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando
se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando
assim novos excluídos” (EG 204). O papa Francisco dedica páginas à denúncia
da "nova tirania invisível, às vezes
virtual" em que vivemos, um "mercado
divinizado", onde reinam a "especulação
financeira", a "corrupção
ramificada", a "evasão
fiscal egoísta" (Laudato Sí, n. 56).”
6.
Jornal
Prosa Boa: Como você vê o papel da Cáritas, dos movimentos sociais e das
Comunidades Eclesiais de Base no período pós-golpe?
Frei
Gilvander: “Terminou o golpe contra
a presidenta Dilma e está em marcha golpes contra os direitos sociais do povo
brasileiro, mas as reações contra os golpes crescerão. Precisamos com urgência
resgatar os círculos bíblicos, o trabalho de base, os encontros de formação,
fazer opção de classe optando pelos injustiçados e conclamar todas as pessoas
das igrejas e da sociedade a dar as mãos para a construção de uma sociedade
justa, solidária e sustentável ecologicamente. Temos que por em prática as
três eloquentes metáforas do evangelho: ser luz que incomoda as trevas, sal que
salga/incomoda a comida e fermento que incomoda a massa, mas a faz crescer em
tamanho e em qualidade. Não podemos mais acreditar que democracia
representativa, eleições e via institucional será o caminho de libertação. Com
o golpe de 31 de agosto de 2016 – dia 31, não de março de 1964, mas de agosto
de 2016 - foi assassinada a democracia representativa. Para reerguer essa
devemos dedicar apenas 5% das nossas energias e do nosso tempo. A hora exige
95% das nossas energias e do nosso tempo na luta por Política com P maiúsculo,
que é a construção de democracia real, que passa necessariamente pela
construção do Poder Popular e pela organização e lutas coletivas em todo o
tecido social. Sem pressão de baixo para cima e de dentro para fora, a classe
política asquerosa e criminosa continuará humilhando o povo. Não há mais espaço
para política de conciliação de classe. A luta de classes está mais viva do que
nunca. O nosso lado deve ser o dos oprimidos.”
7.
Jornal
Prosa Boa: A crise política demarcou a falência do presidencialismo de coalizão
e do modelo político e eleitoral. Ao mesmo tempo, levou ao poder o que tem de
mais reacionário e corrupto na política brasileira, sinalizando tempos de
trevas e retrocessos. Ainda é possível desatar esse nó e avançar na reforma
política?
Frei Gilvander: “Uma
reforma política popular feita por uma Assembleia Constituinte só acontecerá
junto com reforma agrária e urbana. Isso tudo exige organização e lutas populares
massivas. Esperar que um Congresso Nacional podre e aconchavado com o sistema
do capital como o que temos fará uma boa reforma política é o mesmo que
acreditar que raposa cuida bem de galinheiro.”
8.
Jornal
Prosa Boa: Você como conhecedor do Noroeste de Minas, quais
seriam as pautas que poderiam unificar a luta dos movimentos sociais, na
região? Existem sinais de esperança em nossa região, existem motivos para as
lideranças populares continuarem a lutar?
Frei Gilvander: “Sim. No Noroeste de Minas há uma infinidade de lutas
históricas e de resistências que precisam ser resgatadas e fomentar um salto de
qualidade nas lutas sociais do nosso querido Noroeste de Minas. Como pautas
unificadoras sugiro o resgate das Comunidades Eclesiais de Base, do trabalho de
base, formação de lideranças, articular o que há de melhor em todos os
assentamentos e comunidades do campo e das periferias das cidades. Encontros
para troca de experiências entre os veteranos de tantas lutas e a juventude. Realizarmos
no Noroeste de Minas a 20ª Romaria das águas e da terra do estado de Minas
Gerais em meados de 2017 (sugiro). Propor caminhada ecumênica entre pessoas de
várias igrejas. Organizar lutas que desmascarem o agronegócio na região, pois
ao produzir feijão, soja, milho e etc., com exagero de agrotóxico, está
envenenando a comida do povo do Brasil e alastrando epidemia de câncer, alzaimer
e outras doenças. E, por outro lado, exercitar produção na linha da
agroecologia no campo e na cidade. Ah! Combater a privatização da fé, a
volatilização da fé e as propostas religiosas (neo)pentecostais que, na
prática, amputam a dimensão social e transformadora da fé cristã. São muitas
pautas que devem ser abraçadas coletivamente.”