VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS COM A
PRISÃO DE QUILOMBOLAS DO BREJO DOS CRIOULOS, no Norte de Minas Gerais.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 26/02/2014.
Por Dr. Elcio Pacheco, advogado
popular da CPT e da RENAP.
Deparamos, até hoje, com reiterados
casos de violência no território do Quilombo Brejo dos Crioulos, cujas forças
antagônicas às desapropriações do território de 17.302,00 ha (dezessete mil
trezentos e dois hectares), descrevem um modus operandi muito
claro, no que tange à formação de milícias armadas e financiadas pelos
latifundiários descontentes com a titulação das áreas inseridas no
perímetro territorial do quilombo, bem como a total inércia da justiça local em
punir os fazendeiros e seus jagunços.
No início de 2011, após o atentado
contra uma das lideranças dos quilombolas, o Edmilson de Lima Dutra (Coquinho),
que quase faleceu em decorrência das facadas que levou, desferidas pelo jagunço
do fazendeiro Raul Ardito Lerário, de nome, Roberto Carlos Pereira, a Delegada
de Policia, Dra Andrea Pochmann, investigou e indiciou a milícia de
latifundiários, pedindo, inclusive, a busca e apreensão de armas e a prisão
preventiva de todos os pistoleiros e mandantes. Restou frustrada as diligências
da Polícia Civil (com colaboração da equipe da Policia Federal de Montes
Claros), uma vez que o MPe local e o Juiz da Comarca de S. J. da
Ponte/MG, denegaram o pedido de prisão da jagunçada.
No dia 15/09/2012, ainda de manhã,
após a reocupação da fazenda de Raul, pistoleiros armados, foram presos
em flagrante por porte de armas pela PMMG (fato consta do processo penal)
, frustrando um ataque planejado contra os quilombolas, a fim de vingarem a
morte do pistoleiro Roberto Carlos, integrante do mesmo bando da milícia
latifundiária.
Com a morte do pistoleiro, Roberto
Carlos, na madrugada de 15/09/2012, prontamente, o MPe e o Juiz local, em
uma confusa denuncia sem provas, imediatamente, acusaram e prenderam 5 de 09
quilombolas acusados (que por coincidência são lideranças
locais).
A risível denúncia de assalto
seguido de morte, descrita pela promotora da época, ilustrando tal
latrocínio, conjecturava que os quilombolas invadiram a residência do
pistoleiro para roubar latas de cerveja, o que foi desmentido pelas provas do
autos e posteriormente na instrução processual foi desclassificada tal
acusação.
Chamou a atenção o processo penal
guiado pela promotoria, pela esdrúxula narrativa assentada em provas
frágeis e a aceitação de argumentos insólitos pelo judiciário, mantendo as prisão
de quatro, entre os nove quilombolas acusados, até hoje, completando 500 dias
de cárcere sem provas idôneas.
Denota-se, que no caso concreto
examinado, ressurgem interpretações contrárias aos direitos humanos, banidas do
nosso sistema com a retomada da democracia em 1985, consolidada com a
constituição de 1988.
Exemplifiquemos, com a violação
do princípio da presunção de inocência, que é um instituto previsto no
artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988. Refere-se a uma
garantia processual atribuída ao acusado pela prática de uma infração penal,
oferecendo-lhe a prerrogativa de não ser considerado culpado por um ato
delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado.
Merece uma anotação de destaque, de
que tal princípio, da presunção de inocência, advém da luta da humanidade
contra o arbítrio, pois, que, está consagrado, nas diversas cartas de
direitos humanos internacionais, que o Estado brasileiro consignou perante a
comunidade internacional.
Ainda mais, porque, no Brasil, o
capitulo Constitucional, das garantias fundamentais da pessoa humana, em última
ratio, dos direitos humanos, foi fundada, como cláusula pétrea, não podendo,
ser objeto de interpretações contrárias, mudanças ou até mesmo suprimidas do
nosso ordenamento.
Em outras palavras, os 4 quilombolas
presos, não receberam do poder judiciário, uma das funções de poder, do Estado
nacional, o beneplácito dessas prerrogativas de inocência presumida, pois, que,
cumprem uma "pena", já a quinhentos dias, sem o trânsito de
sentença penal condenatória.
Noutro sentido, para uma prisão
cautelar, cujos pressupostos são taxativos e excepcionalíssimos, devem seguir
com limites estreitos deferidos pela lei penal Brasileira, insertos no código
de ritos penais.
Assim sendo, segundo o art. 312 do Código
de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva, necessita de critérios bem
delineados, para só então, ser decretada. São esses critérios e não
outros:
1) garantia da ordem
pública,
2) garantia da ordem
econômica,
3) por conveniência da instrução
criminal,
4) assegurar a aplicação da lei
penal,
Necessita ainda, a excepcional
medida segregatória, dos seguintes requisitos complementares:
a) quando houver; prova da
existência do crime e
b) indício suficiente de autoria.
Sem a presença de apenas um desses
pressupostos, por causa e consequência do princípio da assimetria entre as
normas, qualquer prisão decretada, tornar-se-á, arbitrária e ilegal.
No caso em apreço, dos 4 quilombolas
presos, Edmilson de Lima Dutra, Édio José Francisco, Joaquim Fernandez da Cruz
e Sérgio Cardozo de Jesus, todos são primários, sem antecedentes criminais, são
trabalhadores rurais, moram no quilombo desde que nasceram, desenvolvem
trabalho lícito, são pais de família e possuem casa própria. Além desses
requisitos que os favorecem, não há provas que eles podem ou perturbam a ordem
pública, se forem libertos. Quanto a ameaça, à garantia da ordem econômica, não
há qualquer indício de crime contra a economia popular que pesa sobre eles. Quanto
a conveniência da instrução criminal ou penal, esse critério, já perdeu o
objeto, na medida em que a referida instrução penal, já se findou. Quanto ao
requisito de prova de existência do crime, tais fatos, até então, não foram
exaustivamente investigados, pois, as testemunhas de cada acusado, provaram,
que eles, nem sequer, no local e data dos fatos, se encontravam no meio da
multidão de onde foi desferido um único disparo que alvejou a vítima dos autos.
Sendo assim, cai por terra o último critério da prisão preventiva que contra
eles pesam, ou seja, indício suficiente de autoria do crime. Neste aspecto, o
MP, não conseguiu estabelecer a causa e a concausa do crime, pois, na denúncia
oferecida de forma genérica, não descreveu a conduta que cada preso praticou,
na medida de sua participação no suposto crime.
Desse modo, estamos diante de
violações das garantias Constitucionais, do devido processo legal, da garantia
da mais ampla defesa e da presunção de inocência.
Dr. Elcio Pacheco, advogado da RENAP
e CPT.