Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
sábado, 31 de dezembro de 2016
sexta-feira, 30 de dezembro de 2016
quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
domingo, 25 de dezembro de 2016
sábado, 24 de dezembro de 2016
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
quinta-feira, 22 de dezembro de 2016
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
OCUPAÇÕES DA IZIDORA MARCHAM MAIS UMA VEZ EXIGINDO ENCONTRO COM PIMENTEL AINDA EM 2016!
OCUPAÇÕES DA IZIDORA MARCHAM MAIS UMA VEZ
EXIGINDO ENCONTRO COM PIMENTEL AINDA EM 2016!
Hoje, terça-feira, dia 20
de dezembro de 2016, desde as 06:30h, as comunidades Esperança, Rosa Leão e
Vitória, a Ocupação Izidora (localizada entre as cidades de Belo Horizonte e
Santa Luzia/MG) e os movimentos sociais Brigadas Populares (BPs), Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) estão
marchando rumo à Cidade Administrativa, sede do Governo mineiro, em Belo
Horizonte.
Na semana passada, a
Advocacia Geral do Estado (AGE), ainda que sem receber intimação para tal,
apresentou petição contra nosso recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Indo contra tudo o que estava sendo negociado na Mesa Permanente de
Negociação, (Decreto Estadual número 301/2015) apresentou pedido pela
manutenção da injusta decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG -,
que, em 28 de setembro de 2016, determinou o despejo sem nenhuma alternativa às
mais de 8 mil famílias da Izidora afrontando diversas leis, a Constituição da
República e Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Apesar de serem essas as
pessoas que constroem a cidade, cada dia mais, elas são constrangidas e
expulsas dela. São aproximadamente 30 mil pessoas que já construíram mais de 5
mil casas de alvenaria ao longo desses quatro anos de luta e resistência, sempre
ameaçadas por decisões de juízes que nunca se deram ao trabalho de conhecer a
realidade que eles tão facilmente julgam.
Contra essa ação do Estado
que desconsiderava todo o processo de negociação em curso foi feita a ocupação
da entrada de um dos prédios da Cidade Administrativa. Em resposta foram assumidos os seguintes compromisso do
Estado de Minas Gerais:
1) Entrega das atas das
negociações realizadas;
2) da Advocacia Geral do
Estado apresentar ao STJ as informações coerentes com a negociação em curso;
3) realização de reunião
hoje, 20/12/2016, às 9 horas, na Cidade Administrativa, onde o Estado de Minas
Gerais apresentaria uma resposta sobre nossa exigência do Governador Fernando
Pimentel receber uma Comissão da Izidora e dos Movimentos Sociais que a acompanham
ainda em 2016; e
4) apresentar a proposta de
negociação elaborada pelo Governo de Minas Gerais após conversa com o futuro
prefeito de Belo Horizonte, Sr. Alexandre Kalil, segundo fora apontado pela
presidente da mesa Sra. Ligia Maria Alves com vista à regularização das
ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória.
A marcha saiu da
ocupação-comunidade Vitória, passou na Ocupação-comunidade Esperança e na
ocupação-comunidade Rosa Leão e segue até à Cidade Administrativa. O povo da
Izidora não aceitará que o Governador Fernando Pimentel não receba pessoalmente
uma Comissão da Izidora, pois, em primeiro lugar, foi o povo que o elegeu, em
segundo lugar, até mesmo um ex-governador tucano, Antônio Anastasia, já recebeu
pessoalmente as ocupações da Izidora, e, em terceiro lugar, devido aos vários
atropelos, rasteiras e engodos sofridos ao longo desses árduos anos de luta por
parte de servidores de segundo e terceiro escalões do Governo de Minas Gerais.
Estamos cansados de ser enganados e precisamos tratar com quem decide em última
instância, quem determina a realização ou não de despejo e negociação. O
Governador do Estado de Minas Gerais, Fernando Pimentel.
Se o governador Pimentel recebeu
tão prontamente o alto comando da Polícia Militar de Minas Gerais ontem, dia
19/12/2016, Inclusive, para tratar dos interesses econômicos dos militares, com
a mesma facilidade ele também deve receber o povo humilde e trabalhador das
comunidades da Izidora que constroem essa cidade e que há anos clamam por um
diálogo frente a frente!
Não é possível continuar
vivendo com uma permanente insegurança. Para se ter uma ideia, o despejo da
ocupação Vitória na cidade de Campo Florido/MG, gerou inúmeros moradores de
rua, um deles, inclusive, que foi parar no cárcere após praticar furto de
míseros 15 reais, morrendo na prisão (com forte suspeita de ter sido
assassinado). A Izidora nasceu da resistência do povo trabalhador excluído da
cidade e não aceitaremos que seu futuro seja assassinado.
E o povo da Izidora alerta
que não aceitará negociação injusta, indigna e antiética! Essas famílias estão
construindo, apesar do Estado e do poder econômico, uma vida digna e não
aceitam ser confinadas. Sem nenhuma ajuda de empreiteiras, ao contrário dos
partidos políticos vendidos e das ditas autoridades que nos desgovernam, roubam
e violentam, o povo trabalhador que habita a Izidora, ao longo de quase 4 anos
de altiva luta, construiu com esforços próprios e auxílio dos movimentos
sociais, arquitetos, geólogos, professores, universitários e ampla rede de
apoio, mais de 5.000 casas de alvenaria, o que não se compara a nenhuma
política habitacional seja do Município de Belo Horizonte, do Estado de Minas
Gerais ou mesmo da União.
No último domingo no ato de
expurgo realizado em frente a prefeitura de BH comemoramos que em 2017,
"Lacerda Sai e Izidora Fica!". Esperamos que o próximo governo municipal
não desonre as suas promessas aos mais pobres para governar para empresários. O
prefeito eleito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, em reunião com os
movimentos e coordenações da Izidora fez duas vezes, uma antes das eleições e
outra logo que eleito, o compromisso de resolução do conflito fundiário
mediante a regularização fundiária e urbanização dos 3 grandes bairros
populares Rosa Leão, Esperança e Vitória, sem a derrubada das casas. Portanto,
para que honre a sua palavra não poderá compactuar com a construção de
empreendimento da construtora milionária Direcional às custas do despejo de
8.000 famílias da Izidora.
Não aceitaremos que nossas
casas sejam derrubadas! Em meio ao catastrófico momento que o Brasil vive,
quebrar tudo o que foi construído e jogar milhares de famílias na rua será a
prática de um grave golpe contra o povo e um ato de lesa humanidade sem
precedentes! Acreditamos em construir uma solução pacífica e justa que garanta
o direito à moradia digna dessas famílias. Direitos não se negociam.
Assinam essa nota:
Coordenação da Ocupação-comunidade
Esperança: Rose (31 98233-3944) e Edna (31 99878-8719);
Coordenação da Ocupação-comunidade
Rosa Leão: Charlene (31 98534-4911) e Maria (31 98628-2876);
Coordenação da Ocupação-comunidade
Vitória: Pastor Alberto (31 98683-9264) e Lu (31 99787-9859);
Brigadas Populares:
Isabella (31 99383-2733) e Luiz (31 99227-1606);
Comissão Pastoral da Terra
(CPT): Frei Gilvander (31 99473-9000); e
Movimento de Luta nos
Bairros, Vilas e Favelas (MLB): Leonardo (31 99133-0983) e Poliana (31
99323-4483).
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 20 de Dezembro de 2016.
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
domingo, 18 de dezembro de 2016
Dona Maria e dom Joaquim Mol em celebração do Natal de 2011 na Dandara
Dona Maria da Penha Lemos, a “dona Maria da Dandara”,
presente em nós na luta, sempre!
Faleceu e ressuscitou, ontem,
dia 17/12/2016, a dona Maria da Penha Lemos, 71 anos, a “dona Maria da Dandara”.
O corpo está sendo velado no Centro Comunitario da Dandara, Centro Comunitário Prof.
Fábio Alves. Agora às 09:30h, daqui ha pouco, dia 18/12/2016, o corpo da dona
Maria será levado para sepultamento em Goiabal, no interior de MG. Dona Maria construiu
a 1a casa da Dandara, uma grande lutadora. Ela ajudou a enfrentar os policiais
que impediam a entrada de material de construção no início da Dandara. Dona
Maria, sempre acolhedora, construiu sua casa na Dandara, com horta e jardim no
quintal. Dona Maria foi umas das que recebeu o Plínio de Arruda Sampaio, ao
visitar a Dandara. Dona Maria estava ao lado do bispo Dom Joaquim Mol na
celebração de Natal de 2011, conforme mostra o vídeo, abaixo. Perdemos uma
grande lutadora: dona Maria da Dandara. Dona Maria da Dandara, presente em nós
na luta sempre. Obrigado, dona Maria, pelo legado de luta que você nos deixou. Dona
Maria da Dandara sempre nos animará na luta pelo bem comum e por Direitos
Sociais. Abs. frei Gilvander Moreira.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2016
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
OCUPAÇÕES DA IZIDORA PROTESTANDO NA CIDADE ADMINISTRATIVA EXIGINDO QUE O GOVERNADOR PIMENTEL RECEBA SUAS LIDERANÇAS! LUTA CONTRA DESPEJOS!
OCUPAÇÕES DA IZIDORA PROTESTANDO NA CIDADE ADMINISTRATIVA
EXIGINDO QUE O GOVERNADOR PIMENTEL RECEBA SUAS LIDERANÇAS! LUTA CONTRA
DESPEJOS!
Belo Horizonte, MG, 14 de dezembro de 2016
Hoje, quarta-feira, dia 14 de dezembro de
2016, as ocupações da Izidora (Esperança, Rosa Leão e Vitória), de Belo
Horizonte e Santa Luzia, MG, e os movimentos sociais Populares Brigadas
Populares (BPs), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Movimento de Luta nos Bairros,
Vilas e Favelas (MLB) estão MANIFESTANDO AGORA NA PARTE DA TARDE na Cidade
Administrativa, sede do governo de MG, para exigir que o Governador Pimentel, o
Advogado Geral do Estado (Dr. Onofre) e Lígia, coordenadora da Mesa de
Negociação, recebam uma Comissão de representantes das ocupações da Izidora e
dos movimentos sociais. Passado quase 1 ano de insistência por parte das
coordenações das ocupações e movimentos sociais, o Estado de Minas Gerais enfim
retomou a Mesa de “Negociação” para tratar do conflito fundiário da Izidora –
um dos sete maiores do mundo - (início de outubro de 2016, após o TJMG, dia
28/9/2016, determinar por 18 votos a 1 que o Estado pode fazer de forma
truculenta e sem negociação as reintegrações de “posse” de Rosa Leão, Esperança
e Vitória, ou seja, os despejos das comunidades da Izidora: cerca de 8.000
famílias (30.000 pessoas) com mais de 5.000 casas de alvenaria construídas em
quase 4 anos de luta. Trata-se de três bairros irmãos em franco processo de
consolidação. Ao visitar as comunidades da Izidora, o ex-presidente Lula disse
e repetiu nas três comunidades: “Aqui não são mais ocupações, mas bairros. Não
tem condições de pensar em derrubar essas casas aqui para fazer projeto Minha
Casa Minha Vida. Precisa melhorar o que já está construído.” Lula assumiu o
compromisso de falar com o governador Pimentel para receber uma Comissão das
comunidades da Izidora em reunião.
Negociação entre aspas, pois o que estamos
vendo de fato, não é negociação, e sim enrolação. De fato, recentemente a
empresa Granja Werneck S/A e a Construtora Direcional apresentaram em Brasília
petições no Superior Tribunal de Justiça (STJ), dizendo várias leviandades,
calúnias e mentiras para tentar impedir que seja suspenso o despejo pelo STJ,
assim como ocorreu em 25 de setembro de 2015. Já no último sábado, dia
09/12/2016, descobrimos que a Advocacia Geral do Estado (AGE), órgão de
representação jurídica do Estado de Minas Gerais, apresentou petição ao STJ
defendendo que o despejo seja realizado imediatamente. Isso é muito grave, é
apostar em massacre e caos e não em uma solução justa, negociada e pacífica.
ISSO É MUITO GRAVE, POIS ACONTECEU
CONTRARIAMENTE AO COMPROMISSO ASSUMIDO PELA COORDENADORA DA MESA, Sra. LIGIA
MARIA ALVES PEREIRA, EM REUNIÃO DE NEGOCIAÇÃO DIA 07/12/2016, DE QUE A AGE NÃO
SE MANIFESTARIA NO PROCESSO DO STJ CONTRARIAMENTE ÀS OCUPAÇÕES IZIDORA, MAS
CONFORME O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO EM CURSO.
De
forma resumida, dentre outras leviandades, em sua petição, a AGE diz o
seguinte:
1) Não
há qualquer prova de que o Estado e a Polícia não cumprirão a lei e os direitos
humanos no momento da reintegração de posse das Ocupações da Izidora e que,
portanto, o mandado de segurança a favor da Izidora é baseado em meras
suposições sem sentido; (Não é verdade isso, pois as Ocupações Maria
Vitória, Maria Guerreira, Maria Bonita e Ocupação Temer Jamais foram despejadas
pela PM e jogadas no olho da rua, pisando na dignidade humana, e as repressões da
PM de MG às manifestações populares são provas cabais de que a PM de MG não
está atuando em conformidade com os tratados internacionais.);
2) Dizem
que não houve qualquer ato concreto da Polícia Militar que pudesse ser
considerado afrontoso a tratados internacionais, à legislação vigente ou à
dignidade da pessoa humana; (Não é verdade essa posição, pois a atuação da
PM de MG tem sido extremamente dura e cruel com as manifestações populares,
conforme está registrado em inúmeros vídeos na internet.); e
3) Foi
negociada a realocação de diversas famílias em apartamentos do programa Minha
Casa, Minha Vida que estão previstos para serem construídos na área a ser
ocupada. (Essa proposta foi feita há 1,5 ano, mas o Estado não aceitou todos
os pontos do processo de negociação que estava à baila. Atualmente as
comunidades estão enraizadas em franco processo de consolidação. Não há como derrubar
5.000 casas dignas em bairros consolidados para construir 9 mil apartamentos de
apenas 40 metros quadrados em prédios de 9 andares sem elevadores. Isso não é
moradia digna e nem adequada. Inclusive o Estatuto da Cidade proíbe construir
moradia popular destruindo outras moradias existentes na área.)
Isso, porém, não é novidade para nós, já que,
em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais dia
27/9/2016, o antigo coordenador da Mesa de “Negociação” do Estado, Sr.
Alessandro, se comprometeu que a AGE não defenderia a realização do despejo na
sessão de julgamento do TJMG, O QUE NÃO FOI CUMPRIDO. Estamos vendo que na
realidade, o que o governador Pimentel está fazendo é, em aliança espúria com a
empresa Granja Werneck S/A e a mega construtora Direcional, fingir que está
negociando e tentar via judicial e extrajudicialmente construir um alicerce
para possibilitar o despejo das 8.000 famílias das três comunidades da Izidora,
o que inclui o uso de tática para desmobilizar as comunidades e sua rede de
apoiadoras/es através da visita de representantes do Estado, Lígia e o
ex-presidente Lula inclusive (com falas de representantes do Estado
“tranquilizando” os moradores).
Assim,
exigimos que o governador Pimentel, que já está concluindo metade de seu
governo SEM TER RECEBIDO NENHUMA OCUPAÇÃO URBANA, receba uma COMISSÃO de
lideranças das comunidades da Izidora + BPs + CPT + MLB, e que também DETERMINE
À AGE A RETIRADA DA PETIÇÃO QUE PEDE A NÃO CONCESSÃO DA SUSPENSÃO DO DESPEJO.
Chega de Golpes contra a Izidora. Não aceitaremos despejo
e muito menos ser enganados dessa forma. Lutaremos até o fim, pois enquanto
morar dignamente for um privilégio, ocupar é um direito e um dever!
Assinam essa nota:
Ocupação Esperança
Ocupação Rosa Leão
Ocupação Vitória
Brigadas Populares –
BPs
Comissão Pastoral da
Terra - CPT
Movimento de Luta nos
Bairros, Vilas e Favelas (MLB).
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
domingo, 11 de dezembro de 2016
Povo indígena Aranã ressurgido: que beleza! Por frei Gilvander
Povo indígena Aranã
ressurgido: que beleza!
Por frei Gilvander Luís Moreira
Li com alegria os manuscritos Educação, identidade e cidadania: uma leitura da ação política do povo
ressurgido Aranã, de Vera Lúcia Soares de Araújo, freira, assessora do
CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – www.cebi.org.br
) e educadora. Texto fruto
de dissertação de mestrado de Vera Lúcia em Educação na UNOESTE, em 2011. Texto
que se tornou o livro ARAÚJO, Vera Lúcia Soares. A Sabedoria do Povo Aranã.
Curitiba: Editora Appris, 2016.
Logo no início da leitura, recordei-me do livro O Renascer do Povo Tapirapé (1952-1954): diário
das Irmãzinhas de Jesus, que trata do ressurgimento do povo Tapirapé, na
Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Recordei-me também do padre
João Bosco Burnier que, após
o soldado Ezy, na porta de uma cadeia em Ribeirão Cascalheira, MT, dar um soco
fortíssimo no rosto dele e descarregar também no seu rosto um golpe de revólver
e, num segundo gesto fulminante, o tiro fatal, no crânio, agonizando
em um automóvel pelas estradas esburacadas do Xingu, antes de morrer em Goiânia
no dia 12 de outubro de 1976, padre João Bosco lamentou com saudade comovedora
ao bispo Dom Pedro Casaldáliga: “Sinto não
ter tomado nota do que os índios (Tapirapé) falaram...” Ainda bem que as
Irmãzinhas de Jesus, que convivem com os povos Tapirapés, desde 1952, em seus
diários registraram muita coisa da vida do povo Tapirapé, parte publicado no
livro O Renascer do Povo Tapirapé. E que beleza humanizadora que Vera Lúcia
Soares de Araújo pesquisou e escreveu sobre o ressurgimento/emergência do Povo
Indígena Aranã, em Minas Gerais.
No Brasil, ao longo
de 516 anos, sob o signo do capital, os detentores dos poderes político e
econômico têm feito uma das maiores sextas-feiras da Paixão ao massacrarem e
dizimarem milhões de parentes nossos: os povos indígenas autóctones, os
primeiros e legítimos herdeiros da terra Brasil, mas domingos de ressurreição
estão sendo gestados com o ressurgimento/emergência de muitos povos indígenas. Em
1980 foram catalogados 18 povos indígenas ressurgidos. Os mais de cem povos
indígenas que habitavam o estado de Minas Gerais hoje estão resumidos a apenas onze
povos - Xacriabá, Aranã, Maxacali, Xucuru-cariri, Pataxó Hahahae, Pury, Pancararu,
Krenak, Mokurin, Araxá e Kaxixó – na luta pelas suas terras para que sejam resgatadas
e demarcadas de forma integral.
Escrevendo a partir
do Povo Indígena Aranã, com resgate histórico e pedagógico do caminho trilhado
pelo Povo indígena Aranã na sua luta por reconhecimento e resgate de seus
direitos, Vera Lúcia apresenta, em linguagem simples e clara, o processo de
luta por cidadania do Povo Aranã. Vera se ancora em vários documentos que
sustentam a gradativa conquista de cidadania do Povo Aranã, tal como uma carta
enviada a um representante do Estado, na qual o Povo Aranã revela cabeça
erguida na defesa de seus direitos: “Como é do vosso conhecimento, o Povo
Aranã, originário dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, está reivindicando do
Estado o seu reconhecimento étnico.”
Em 2002, por ter sido
extorquido de suas terras e ser sem-terra o Povo Aranã, o Conselho Indígena
Aranã exigiu do Instituto de Terras do Governo de Minas Gerais a vistoria da
fazenda Estacado por ser essa presumivelmente terra devoluta, e, assim, exigiu
a liberação daquela fazenda para o Povo Aranã restabelecer sua aldeia. O
resgate da terra do Povo Aranã continua um desafio a ser conquistado.
Enche-nos de
esperança ao lermos no texto passagens que revelam a sabedoria, a coragem e a
altivez do Povo Aranã, tal como: “O Povo Aranã luta para provar que está vivo e
reaver suas terras que eram suas no passado. Luta bravamente para resgatar sua
história, sua cultura, seus valores e resgatar a terra que lhe foi extorquida
pelos colonizadores.”
O texto apresenta a
educação política desenvolvida pelo Povo Aranã e, ao fazer esse resgate, pode
ser fonte de inspiração para o ressurgimento de outros povos e culturas
renegadas. Manoel Índio de Souza e seu filho Pedro Sangê, guardiães da memória
dos antepassados, cultivadores da mística e da cultura aos atuais descendentes.
Eis um exemplo eloquente da importância vital de se cultivar a memória.
Vera Lúcia nos indica
o caminho das pedras - o segredo da mina – ao mostrar o caminho trilhado para o
ressurgimento do Povo Aranã, caminho que passou pela convivência com o
Movimento Indígena estadual e nacional, pesquisas históricas e antropológicas, muitos
encontros de formação, reuniões semanais, assembleias periódicas, semanas
indígenas anuais, visitas a outros parentes indígenas para troca de experiência
e (re)conhecimento mútuo, participação em audiências, reivindicações a
representantes do Estado etc. Que beleza revolucionária constatar no texto que
o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e o CEDEFES (Centro de Defesa Eloy
Ferreira) foram imprescindíveis no ressurgimento do Povo Aranã, ao atiçar e
acompanhar o processo de luta em busca de cidadania! A leitura dos manuscritos
renovou em mim a esperança na luta em prol da construção de uma sociedade justa
e solidária, que passa necessariamente pelo resgate de todas as culturas
indígenas e demarcação de suas terras. O texto nos ajuda a respeitar e admirar
a beleza que são as místicas e as culturas indígenas. Boa leitura do livro A Sabedoria do Povo Aranã.
Belo Horizonte, MG,
05/12/2015.
Gilvander Luís
Moreira, frei carmelita.
Face: Gilvander
Moreira III
sexta-feira, 9 de dezembro de 2016
quinta-feira, 8 de dezembro de 2016
Deputado padre João em defesa de Ocupações Urbanas em Minas Gerais.
Deputado padre João em
defesa de Ocupações Urbanas em Minas Gerais.
Mensagem
recebida por frei Gilvander Moreira, da CPT.
“Informo
das providências que foram pedidas por escrito pelo Deputado Padre João,
Presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, em
Brasília (CDHM), na Audiência Pública que houve dia 19 de outubro de 2016 aqui
em Brasília na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, com vídeos
disponibilizados no link, a seguir
O deputado
federal padre João enviou os seguintes documentos:
Ofício
nº 415/2016-P, para Governador do Estado, de 14/11/2016, com as notas
taquigráficas da audiência. No documento o deputado pede providências e
informações sobre quadro das ocupações no estado; pede que soluções sejam
objeto de políticas públicas dialogadas.
Ofício n° 417/2016-P, para o Ministro das
Cidades, de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o
deputado pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Ofício n° 429/2016-P, para o
Procurador-Geral de Justiça MG, de 14/11/2016, , com as notas taquigráficas da
audiência. No documento o deputado pede providências e informações sobre quadro
das ocupações no estado; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas
dialogadas.
Of. 425/2016, para o Prefeito de Contagem,
de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado
pede providências e informações sobre quadro das ocupações, especialmente
William Rosa; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Of. 426/2016, para o Prefeito de Ibirité,
de 14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado
que pede providências e informações sobre quadro das ocupações, especialmente
Barreirinho; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas dialogadas.
Of. 420/2016, para o Prefeito de Betim, de
14/11/2016, com as notas taquigráficas da audiência. No documento o deputado
que pede providências e informações sobre quadro das ocupações, especialmente
1° de Maio e Capelinha; pede que soluções sejam objeto de políticas públicas
dialogadas.
Antes da
audiência o Deputado havia enviado o Ofício nº 252/2016-P, para SDH/MG, em
07/07/2016, que pede providência sobre violência policial na Ocupação 1º de
Maio em Betim, e o Ofício nº 236/2016-P, para PGJ, em 07/07/2016, que pede
providência sobre violência policial na Ocupação 1º de Maio em Betim.
Durante
a audiência foi enviado o Ofício nº 412/2016-P, para Secretário de Defesa
Social de MG, em 19/10/2016, que pondera sobre despejo iminente em Campo
Florido, ocupação Vitória.
Quanto à
prefeitura de Belo Horizonte, pelo documento GP.EXTERN-0724/OF, de Délio
Malheiros, prefeito em exercício, a prefeitura externa a posição de que lhe
interessa o cumprimento da reintegração de posse de Izidora. Sendo assim, o
Deputado Padre João pediu para registrar que ele e que a CDHM continua à
disposição dos moradores para mediações que evitem o despejo.
Por fim,
caso os advogados mandem as informações a respeito da realização ou não da
audiência prevista no artigo 565 do (Novo) Código de Processo Civil, iremos nos
manifestar perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Cordialmente,
Marina
Basso Lacerda,
Comissão
de Direitos Humanos e Minorias, Câmara dos Deputados Federais,
Brasília,
08 de dezembro de 2016.”
quarta-feira, 7 de dezembro de 2016
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
segunda-feira, 5 de dezembro de 2016
terça-feira, 29 de novembro de 2016
O ex- presidente Lula ao vivo nas Ocupações-comunidades-bairros da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, hoje, dia 29/11/2016.
O ex- presidente Lula ao vivo nas
Ocupações-comunidades-bairros da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG,
hoje, dia 29/11/2016.
segunda-feira, 28 de novembro de 2016
VISITA DO EX-PRESIDENTE LULA NA IZIDORA: release e informe sobre a visita de Lula às Ocupações da Izidora, dia 29/11/2016, terça-feira.
VISITA DO EX-PRESIDENTE LULA NA IZIDORA: release e informe sobre a visita de Lula às Ocupações da
Izidora, dia 29/11/2016, terça-feira.
Amanhã pela manhã,
terça-feira, dia 29/11/2016, receberemos nas ocupações da Izidora, em Belo
Horizonte e Santa Luzia, MG, a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Será feita às 09:00h uma reunião do Lula com movimentos sociais
(Brigadas Populares, CPT e MLB) e coordenações das três Ocupações da Izidora,
na comunidade Rosa Leão. Em seguida, Lula fará visita a uma casa com algumas
famílias na Ocupação-comunidade Esperança e participará de um Ato Público na Praça
da Ocupação-comunidade Vitória, na Izidora, às 11:00h.
Lembramos que Lula é
o pai do programa Minha Casa, Minha Vida que construiu mais de 1,5 milhões de
moradias em todo o Brasil. Em Belo Horizonte, a gestão do prefeito Márcio
Lacerda usou o projeto Minha Casa Minha Vida (MCMV) para pressionar pela
realização dos despejos das três comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e
Vitória), que já são três bairros irmãos em franco processo de consolidação, e
ameaçar as 8.000 famílias nos últimos 3,5 anos. A visita de Lula é bem vinda na
medida em que ele se comprometa a pressionar o Governador Fernando Pimentel
para não realizar os despejos das 3 ocupações. Lembrando que no último dia
28/09/2016, os despejos foram autorizados injustamente pelo TJMG. As 8.000
famílias das Ocupações-comunidades da Izidora não aceitam despejo e nem a destruição das casas construídas nas Ocupações Vitória
e Esperança. Estamos sempre abertos a negociação, mas que passe pelo
reconhecimento da legitimidade da lutas das ocupações da Izidora. Despejo
forçado causará um grande massacre, caos etc.
Assinam esse informe:
Coordenações das três
ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória);
Brigadas Populares,
MLB e CPT.
Contatos para maiores informações:
Telefones para contato:
Com
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domingo, 27 de novembro de 2016
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA FRANCISCO, EM ROMA.
OCUPAÇÕES
DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA
FRANCISCO, EM ROMA.
Por Makota Celinha Kidevolu
Gonçalves, coordenadora Nacional do CENARAB/CONEN.
A
Coordenação Nacional das Entidades Negras – CONEN -, entidade a qual o Centro
Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro – CENARAB - é filiado,
indicou meu nome para representar esse campo no III Encontro Mundial dos
Movimentos Populares que aconteceu em Roma entre os dias 02 e 06 de Novembro de
2016. Fui na condição de Mulher Negra de Matriz Africana. Antes de ir busquei
me interar de assuntos/temas que nos é muito caro em nosso país, na conjuntura
atual. Estive nas Ocupações da Izidora (comunidades Rosa Leão, Esperança e
Vitória), 7º maior conflito urbano no mundo, ocupações que se encontram ameaçadas
de desocupação, já que a Justiça de Minas autorizou a reintegração de posse da
mesma dia 28 de setembro de 2016. As 30 mil pessoas que residem nas Ocupações
da Izidora são compostas em sua maioria por mulheres e homens negros, vítimas
da ausência de políticas públicas para moradia, trabalho, saúde e educação. Reflexo
da história de nosso país no tocante a população negra. Ali, nas ocupações da
Izidora recebi a honra de ser a porta voz dessas mulheres e homens, que fazem
de sua trajetória de resistência um exemplo a ser seguido. Ouvi depoimentos, vi
sorrisos ainda que temerosos do futuro, ah!! O futuro. Vi crianças, e elas são
muitas, vi as suas casas simples, construídas de alvenaria, que já não lembram
o período da lona preta. Ouvi muitas histórias de como chegaram os primeiros
fios elétricos, o material de construção. As dificuldades para abrir as ruas,
enfim ouvi tantos casos e histórias, que me remeti a minha própria história e à
de milhões de negras e negros, na busca por moradia digna, por cidadania. Que
assumi ali, o honroso compromisso de defender as Ocupações da Izidora e seus
três bairros: Rosa Leão, Esperança e Vitória. E mais encantada ainda fiquei,
com a história de Izidora, a negra forra que lavava roupa no ribeirão da região
e que conquistou lá três hectares de terra. A nossa história de resistência, de
fato se compõe em pedaços, tal qual uma colcha de retalhos tão comuns em nosso
meio, pedaços de panos aleatórios, com sua autonomia de cor, de textura, de
tecido, mas que quando juntados na costura, compõem a coisa mais linda de se
ver, que aquece nossos corpos cansados nas noites frias e nos garantem a
segurança e o amor de mãos criativas e carinhosas.
A
Izidora e sua gente negra entraram e entranharam em meu ser. Não consigo
entender como um grupo de “autoridades”, que compõe o que se chama de justiça,
pode simplesmente decidir que a terra, o direito à moradia, o trabalho, a saúde
e a educação - princípios básicos da cidadania e da dignidade -, devem ser
regidos e definidos, por quem nunca desses precisou conquistar. Sim, nossos
juízes, desembargadores em sua maioria já nasceram nos berços esplêndidos de
quem colonizou nosso país. São herdeiros diretos de uma elite, que há séculos está
aí a viver de privilégios históricos. E a esses cabem o poder de decidir se
estas 30 mil pessoas podem ou não continuarem em suas casas construídas a
partir de muito sofrimento, investimento, empréstimos e solidariedade. Confesso
que não entendo, como a terra que estava ali, sem uso e nem fuso, pode de uma hora
pra outra, ser decretada como propriedade particular de um dono, uma terra que
abriga 30 mil pessoas e seus sonhos mais íntimos, seus desejos, esperanças.
Pessoas que estão ali, há três anos e meio, construindo um projeto de moradia
popular coletiva.
Aceitei
a tarefa de levar comigo o grito contido no peito dos injustiçados, dos homens
e mulheres que lutam e resistem bravamente pela cidadania e dignidade e o
sagrado direito a moradia digna. Todas e todos sabem que estaria ali, numa
tarefa delegada pela CONEN, que não sou católica, mas que aposto no diálogo, na
solidariedade e na justiça divina. Levei
comigo os sonhos de uma gente brava, lutadora e me senti honrada com a tarefa.
Sabia e informei a todos que estava indo para um Encontro onde as dificuldades
são inúmeras, muitas cabeças, muitas propostas e sonhos diversos, mas que faria
o possível para levar o pedido de que todos os bons juntos, não devem se
omitir, até porque em situações de extrema injustiça, a omissão nos leva para o
lado do opressor. Acho que conseguimos cumprir a tarefa. Defendemos o direito a
moradia, a terra e ao trabalho como bênçãos divinas, que não podem nem deve
servir ao capital em detrimento da vida. A solidariedade da delegação
brasileira foi fundamental para que no documento final tivéssemos pontuado a
questão Izidora e o direito de na terra habitar os que nela vivem.
Foi
distribuído o texto produzido para o momento, nas versões em inglês e espanhol.
E entreguei aos responsáveis pelos documentos e cartas a serem entregues ao
Papa, um DVD e o texto, além de uma carta da Rose de Freitas, moradora da
comunidade Esperança, na Izidora. Fui a representante do Brasil, no Encontro
final com Papa Francisco, mas fomos avisados que não podíamos entregar nada
pessoalmente ao mesmo.
Sou
uma Makota, uma mulher de muita fé e acredito em um ditado africano que nos diz
que “se sozinho, se vai rápido, juntos podemos ir longe.” Por isso, acredito
que a mobilização internacional, em torno do RESISTE IZIDORA, é fundamental para assegurar a estabilidade da
ocupação, a garantia do direito sagrado a terra, a moradia e ao trabalho. Não
podemos permitir que o sonho da moradia, da dignidade e cidadania, manche de
sangue nossa Belo Horizonte. As Ocupações-comunidades da Izidora são compostas
em sua grande maioria por trabalhadoras e trabalhadores que devem ter seus
direitos cidadãos assegurados.
A
solidariedade, a unidade, a compreensão do outro enquanto sujeito de sua própria
história são fundamentais nos momentos em que a arbitrariedade teima em nos
roubar a dignidade, a soberania e nossos direitos.
#RESISTE IZIDORA#
Belo Horizonte, MG, Brasil,
22 de novembro de 2016.
domingo, 20 de novembro de 2016
sexta-feira, 18 de novembro de 2016
quinta-feira, 17 de novembro de 2016
segunda-feira, 14 de novembro de 2016
Papa Francisco, um homem de muita coragem! por João Pedro Stedile.
Papa Francisco, um
homem de muita coragem!
Por João Pedro Stedile, da
coordenação do MST e da Via Campesina.
Jornal Brasil de fato, 14 de
novembro de 2016.
Estive recentemente
no III Encontro mundial de movimentos
populares em diálogo com o Papa Francisco, realizado no Vaticano de 2 a 5
de novembro de 2016. Participaram mais de 200 delegados de 60 países,
representando movimentos inseridos nas lutas sociais de três áreas: Trabalho,
terra e Teto. Do Brasil estávamos em oito delegados escolhidos pelos movimentos dessas áreas.
O
encontro se insere num processo permanente de debate que iniciamos em 2013, do qual resultou o primeiro encontro no Vaticano em outubro de
2014, depois um segundo mais massivo e
latinoamericano, quando reunimos mais de 5 mil militantes populares em Santa
Cruz de la Sierra, Bolívia. E agora o
terceiro encontro, de novo no
Vaticano.
Esse
processo de debates e diálogos entre o Papa Francisco e os movimentos
populares, partiu de uma vontade política do Papa, de dialogar e dar
protagonismo aos movimentos populares em todo mundo, como estimulo
à organização dos trabalhadores e dos mais pobres, como esperança e
necessidade para as mudanças
necessárias no sistema capitalista.
Por
isso, os delegados são escolhidos entre os dirigentes de movimentos populares,
de todos os continentes, com a maior pluralidade possível e existente de: etnias,
religiões, idade, culturas e com equidade de gênero. Ele pediu que se
evitasse levar agentes de pastorais da igreja católica, pois teriam outros
espaços. Mas sempre participam também desse processo de
dialogo, representantes do Vaticano, em especial da Pontifícia Comissão de
Justiça e Paz, e alguns bispos e cardeais, que tenham vínculos reais com os
movimentos populares em suas regiões.
No
primeiro encontro, a base do dialogo foi o debate sobre a realidade e a causa
dos problemas que vivem os trabalhadores nas três esferas da luta social. Foi
apresentado um amplo diagnóstico e
reflexões sobre as soluções necessárias. Usando sempre o método
ver-julgar-agir. O Papa Francisco construiu um documento, que na essência se
resumiu na defesa de um programa de que não deveríamos ter mais: “Nenhum
camponês sem terra; Nenhum trabalhador sem direitos e nenhuma família sem
moradia digna!”
Entre o
primeiro e o segundo encontro seguiu-se um diálogo em torno dos problemas
ambientais, dos agrotóxicos, das sementes transgênicas, em que o Papa consultou
muitos especialistas, teólogos, bispos e movimentos que atuam nessa área. E o resultado foi uma esplêndida Encíclica, “Louvado seja!” aonde
o Papa sistematiza reflexões, analisa as causas dos problemas ambientais
e propõem soluções. O Texto é a mais profunda
e rica contribuição teórica e programática sobre o tema produzida
em todos os tempos. Uma
contribuição que nem mesmo a tradição teórica de esquerda havia produzido.
Depois
no segundo encontro na Bolívia, com presença marcante de afro-descendentes, povos indígenas e povos
com conflitos em seus territórios, como o povo Curdo, avançou-se para o direito
ao território. O Papa inseriu em suas
reflexões o conceito de que todo o povo tem o direito a soberania popular sobre
o seu território. E avançou-se também na concepção de que os bens da natureza
que existem nesses territórios devem ser aproveitados em benefício de todo povo, ou seja trata-se de
um bem comum e não apenas um recurso a ser transformado em mercadoria e renda extraordinária, como querem as empresas
capitalistas que exploram os bens da
natureza, como os minérios, petróleo, água e biodiversidade.
Agora,
no terceiro encontro estava na pauta dos debates, novos temas relacionados com
os graves dilemas que a sociedade moderna está enfrentando em todo
mundo. O primeiro tema foi a questão do
estado e da democracia. Tivemos aqui a
participação também do ex- Presidente Pepe Mujica, do Uruguai, e de outros dirigentes
políticos progressistas que enviaram
reflexões. Há uma crítica generalizada em todo mundo, que a forma de funcionar
do estado burguês não representa mais as bases republicanas dos interesses da
maioria. Porque a democracia representativa, formal, burguesa, não consegue
mais expressar apenas pelo voto, o direito e a vontade da maioria da
população. O capital sequestrou a democracia pela forma de organizar as
eleições.
E sobre
esse tema o Papa reagiu e foi contundente que assombrou a todos, quando definiu
de que na realidade existe um estado mais que excludente, um estado terrorista,
que usa do dinheiro e do medo, para manipular a vontade das maiorias. O dinheiro expresssa a força do capital que
sobrepassa as instituições democráticas, e o medo, imposto à população pela
manipulação midiática permanente.
Entre
todos participantes ficou a certeza de que precisamos aprofundar o debate em
nossos países, para construir novas formas de participação política do povo,
que de fato, garanta o direito do povo participar do poder político em todos os
espaços da vida social. E ninguém tem uma receita, uma fórmula, depende da
construção real na luta de classes de cada pais. A realidade é que esses
processos eleitorais atuais não são democráticos e nem permitem a realização da
vontade do povo.
Outro
tema debatido, que representou avanços em relação aos encontros anteriores, foi
o tema dos migrantes econômicos e dos refugiados políticos. A Europa vive uma
verdadeira tragédia com os refugiados do Oriente médio e da África. Milhões, repito milhões de pessoas estão
migrando todos os dias, de todas as formas, de barco, caminhando quilômetros e
quilômetros para fugir da morte rumo a Europa, e lá encontram mais
exclusão e xenofobia, sendo que apenas estão lá, porque as empresas europeias
são as principais fornecedoras de armas para a Arábia Saudita e governos repressores da região.
Nesse
sentido a reflexão dos movimentos seguiu na linha do direito a um território e
da luta contra a xenofobia. Do direito a autodeterminação dos povos e contra as
guerras. As guerras não resolvem nenhum conflito social e apenas criam mais
problemas sociais, além de ceifar a vida de milhares de pessoas, em geral os
mais pobres e trabalhadores. Todos os seres humanos são iguais, na sua
natureza e nos seus direitos. Aqui emergiu a ideia de que devemos
incorporar em todos nossos programas a proposta da igualdade. A
igualdade de oportunidades, de direitos e deveres, é a unica base de uma
sociedade realmente democrática.
E nesse
tema o Papa Francisco revelou toda sua coragem, ao denunciar de que quando um
banco vai a falência, logo surgem bilhões de euros para salvar seus acionistas.
Porém quando um povo está em dificuldade e migra, nunca há recursos públicos
para ajudá-los e encontra-se todo tipo de desculpas possíveis. O Papa denunciou
o sistema capitalista como autor dessa tragédia humana, contemporânea que
estamos vivendo, de exclusão, de superexploração dos migrantes e dos
refugiados, não só na Europa, mas em diversas regiões mundo, aonde os países
ditos ricos, se protegem dos pobres e migrantes, praticando ainda mais
exclusão. Nunca se ergueram tantos muros de exclusão, em tantos países,
como agora!
Como veem
os debates foram muito interessantes. E
devem seguir, por muito tempo ainda, graças a abertura e generosidade do Papa
Francisco. Todos os documentos na íntegra
e os discursos do Papa vocês poderão encontrar
na página http://movimientospopulares.org/
De nossa
parte, da delegação brasileira, levamos uma faixa de FORA TEMER, em plena
praça da Basílica de São Pedro, denunciando o golpe por aqui
e saímos convencidos de que além de São Francisco de Assis, agora
temos mais um Francisco, revolucionário na igreja.
sábado, 12 de novembro de 2016
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
Discurso do Papa Francisco no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016. “Terra, casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).
Discurso do Papa Francisco no III
Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016.
“Terra,
casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).
Vaticano,
Roma, Itália, 05/11/2016
O
Terceiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares aconteceu de 2 a 5 de novembro
de 2016, na cidade de Roma, na Itália. O Papa Francisco participou da conclusão
do encontro, sábado à tarde, acontecimento que reuniu cerca de 3.000 pessoas,
na Sala Paulo VI. Antes da chegada do Papa, os presentes viveram um momento de
entretenimento, intercalado com canções e testemunhos. À sua chegada, o Papa
foi recebido pelo cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do Pontifício
Conselho Justiça e Paz, que lhe dirigiu uma breve saudação. Seguiu-se um vídeo
que apresentou uma síntese dos trabalhos realizados ao longo do III Encontro e
a leitura do documento das conclusões programáticas dos movimentos populares. O
III Encontro Mundial dos Movimentos Populares terminou com um discurso do Papa,
a seguir.
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO NO 3º
ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES: terra, casa e trabalho para todos!
Sábado,
5 de novembro de 2016
"Irmãs
e irmãs, boa tarde!
Neste
nosso terceiro encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo
grito: terra, casa e trabalho para todos. Agradeço os/as delegados/as que
vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais
de 60 países, que vieram para discutir mais uma vez sobre como defender estes
direitos que nos convocam. Obrigado aos Bispos que vieram para vos acompanhar.
Obrigado aos milhares de italianos e europeus que se uniram hoje ao final deste
encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública
que vieram com humildade escutar e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens!
Agradeço também ao Senhor Cardeal Turkson, pelo trabalho que fez no Dicastério;
e gostaria também de recordar a contribuição do ex-Presidente José Mujica, que
está presente.
No último encontro, na Bolívia, com maioria de
latino-americanos, falamos da necessidade de uma mudança para que a vida seja
digna, uma mudança de estruturas; além disto, de como vocês, os movimentos
populares, são semeadores desta mudança, promotores de um processo em que
convergem milhares de pequenas e grandes ações concatenadas em modo criativo,
como em uma poesia; por isto quis vos chamar “poetas sociais”; e temos também
elencado algumas tarefas imprescindíveis para caminhar em direção a uma
alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. Colocar a
economia à serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe
Terra.
Aquele
dia, com a voz de uma “papeleira” e de um agricultor, foram leitos, na
conclusão, os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra ‘mudança’
era repleta de grande conteúdo, era ligada às coisas fundamentais que vocês
reivindicam: trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado de
trabalho; terra para os agricultores e as populações indígenas; moradia para as
famílias sem-teto; integração humana para os bairros populares; eliminação da
discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de
escravidão; o fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão;
liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia a
serviço dos povos. Ouvimos também como vocês se comprometeram em abraçar um
projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor
entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de
“viver bem” aquilo que vocês reclamam, a “vida boa”, e não aquele ideal egoísta
que enganosamente inverte as palavras e propõe a “bela vida”.
Nós
que hoje estamos aqui, de origens, crenças e ideias diferentes, poderíamos não
estar de acordo com tudo, seguramente pensamos diversamente sobre muitas
coisas, porém certamente estamos de acordo sobre estes pontos.
Soube
também de encontros e laboratórios realizados em diversos países, onde se
multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isto é muito
importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de
uma, três ou mil conferências: devem ser fruto de um discernimento coletivo que
amadureça nos territórios junto com os irmãos, um discernimento que se torne
ação transformadora “segundo os lugares, os tempos e as pessoas”, como dizia
Santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de “certos
nominalismos declaracionistas que são belas frases, mas que não conseguem
sustentar a vida de nossas comunidades” (Carta ao Presidente da Pontifícia
Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016). São slogans. O
colonialismo ideológico globalizante procura impor receitas supraculturais que
não respeitam a identidade dos povos. Vocês seguem por um caminho que é, ao
mesmo tempo, local e universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para
organizar a multidão em grupos de cinquenta para distribuir o pão (cf. Homilia
na Solenidade de Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004).
Há
pouco pudemos ver o vídeo que vocês apresentaram como conclusão deste terceiro
encontro. Vimos os vossos rostos nas discussões sobre como enfrentar “a
desigualdade que gera violência”. Tantas propostas, tanta criatividade, tanta
esperança na vossa voz que talvez teria mais motivos para lamentar-se,
permanecer paralisada nos conflitos, cair na tentação do negativo. Mesmo assim
vocês olham em frente, pensam, discutem, propõe e agem. Congratulo-me convosco,
vos acompanho, vos peço para continuar a abrir caminhos e a lutar. Isto me dá
força, nos dá força. Acredito que este nosso diálogo, que se soma aos esforços
de tantos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça em todo o
mundo, está lançando raízes. Eu queria tocar em alguns temas mais específicos,
que são os que recebi de vocês, que me fizeram refletir e os devolvo neste
momento.
- O
terror e os muros.
Todavia,
esta germinação, que é lenta, que tem os seus tempos como todas as gestações, é
ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que age em sentido
contrário. Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de
amadurecimento de uma mudança que seja capaz de deslocar o primado do dinheiro
e colocar novamente no centro o ser humano, ao homem, a mulher. Aquele “fio
invisível” do qual havíamos falado na Bolívia, aquela estrutura injusta que
liga todas as exclusões que vocês sofrem, pode consolidar-se e transformar-se
em um chicote, um chicote existencial que, no Antigo Testamento, torna
escravos, rouba a liberdade, fere sem misericórdia alguns e ameaça
constantemente os outros, para abater todos como gado até onde quer o dinheiro
divinizado. Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do
medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que
gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar
nunca. Quanta dor, quanto medo!
Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religiosos. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as partes. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro (Coletiva de imprensa no vôo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o firmar-se de uma ditadura econômica global que chamou “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo anno, 15 de maio de 1931, 109). Estou falando do ano de 1931!. A sala na qual agora nos encontramos se chama “Paulo VI”, e foi Paulo VI que denunciou há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político” (Carta Encíclica Octogesima adveniens, 14 de maio 1971, 44). São palavras duras mas justas de meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que tanto escandaliza que repete o Papa neste tempo, em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina Igreja e o magistério de meus predecessores se rebela contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religiosos. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as partes. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro (Coletiva de imprensa no vôo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o firmar-se de uma ditadura econômica global que chamou “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo anno, 15 de maio de 1931, 109). Estou falando do ano de 1931!. A sala na qual agora nos encontramos se chama “Paulo VI”, e foi Paulo VI que denunciou há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político” (Carta Encíclica Octogesima adveniens, 14 de maio 1971, 44). São palavras duras mas justas de meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que tanto escandaliza que repete o Papa neste tempo, em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina Igreja e o magistério de meus predecessores se rebela contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Nenhuma
tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Isso é chave. Disto o fato de
que toda a tirania seja terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas
periferias é com massacres, saques, opressão e injustiça, explode nos centros
com diversas formas de violência, até mesmo com atentados odiosos e covardes,
os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa
segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam
outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda
mais aterrorizados de outro. É esta a vida que Deus nosso Pai quer para os seus
filhos?
O
medo é alimentado, manipulado... Porque o medo, além de ser um bom negócio para
os mercadores das armas e da morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói
as nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do
sofrimento dos outros e no final nos torna cruéis. Quando ouvimos que se
festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que
se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando
constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta
crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo. Peço-vos para
rezarem por todos aqueles que têm medo, rezemos para que Deus dê a eles coragem
e que neste ano da misericórdia possa amolecer os nossos corações. A
misericórdia não é fácil, não é fácil... exige coragem. Por isto Jesus nos diz:
‘Não tenhais medo” (Mateus 14,27), porque a misericórdia é o melhor antídoto
contra o medo. É muito melhor do que os antidepressivos e dos ansiolíticos.
Muito mais eficaz do que os muros, das grades, dos alarmes e das armas. E é
grátis: é um dom de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não deixemo-nos enganar. Como vocês disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitem abater os muros da exclusão e da exploração”. (Documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de 2015, Santa cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não deixemo-nos enganar. Como vocês disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitem abater os muros da exclusão e da exploração”. (Documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de 2015, Santa cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.
- O
amor e as pontes
Um
dia como este, um sábado, Jesus fez duas coisas que, nos diz o Evangelho,
apressaram o complô para matá-lo. Passava com os seus discípulos por um campo
de sementes. Os discípulos tinham fome e comeram as espigas. Nada se diz sobre
o “dono” daquele campo... subjacente é a destinação universal dos bens. O que é
certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de
Deus antes que a uma interpretação formalística, obsequiosa e interessada da
norma. Quando os doutores da lei lamentaram com indignação hipócrita, Jesus
recordou a eles que Deus quer o amor e não sacrifícios, e explicou que o sábado
é feito para o homem e não o homem para o sábado (cf. Mateus 2,27). Enfrentou o
pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf.
Homilia, I Congresso de Evangelização da Cultura, Buenos Aires, 3 de novembro
de 2006), que dá sempre a prioridade ao homem e não aceita que determinadas
lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.
E depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo de “pior”, algo que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e com isso lhe restituiu a dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho! Porque os hipócritas, para defender sistemas injustos, se opõem a que sejam curados. Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam os vossos trabalhos, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade de consumo, enfrentando a inclemência do tempo para vender em uma praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar para alimentar quem tem fome, quando vocês fazem isto estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, esta atrofia do sistema socioeconômico reinante, que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês às vezes sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não interessa aquilo que vocês dizem.
E depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo de “pior”, algo que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e com isso lhe restituiu a dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho! Porque os hipócritas, para defender sistemas injustos, se opõem a que sejam curados. Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam os vossos trabalhos, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade de consumo, enfrentando a inclemência do tempo para vender em uma praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar para alimentar quem tem fome, quando vocês fazem isto estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, esta atrofia do sistema socioeconômico reinante, que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês às vezes sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não interessa aquilo que vocês dizem.
Jesus,
que naquele sábado arriscou a vida, porque depois que curou aquela mão,
fariseus e herodianos (cf Mc 3,6), dois partidos opostos entre eles, que temiam
o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e armaram um complô para
matá-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei – o quero recordar, a
quero recordar - que alguns não estão aqui hoje porque arriscaram a vida... Mas
não existe amor maior que dar a vida. Isto nos ensina Jesus.
Os 3 T, o vosso grito que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo Cardeal Turkson preside o Dicastério que leva este nome: Desenvolvimento Humano integral. O contrário do desenvolvimento, se poderia dizer, é a atrofia, a paralisia. Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas “próteses” cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se compram, são usadas e jogadas fora, nos envolvendo a todos em uma vertiginosa dinâmica do descarte... Mas não consente o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso pela criação, desta casa comum.
Os 3 T, o vosso grito que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo Cardeal Turkson preside o Dicastério que leva este nome: Desenvolvimento Humano integral. O contrário do desenvolvimento, se poderia dizer, é a atrofia, a paralisia. Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas “próteses” cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se compram, são usadas e jogadas fora, nos envolvendo a todos em uma vertiginosa dinâmica do descarte... Mas não consente o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso pela criação, desta casa comum.
- A
Bancarrota e o resgate
Queridos
irmãos, quero compartilhar com vocês algumas reflexões sobre outros dois temas
que, junto aos “3-T” e à ecologia integral, estiveram ao centro de vossos
debates dos últimos dias e foram focalizados neste período histórico. Sei que
vocês dedicaram um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados.
O que fazer diante desta tragédia? No Dicastério cujo responsável é o Cardeal
Turkson existe um setor que se ocupa destas situações. Decidi que, ao menos por
um certo tempo, este setor vai ficar submetido diretamente ao Pontífice, porque
esta é uma situação infame, que posso somente descrever com uma palavra que me
veio em mente espontaneamente em Lampedusa: vergonha. Lá, como em Lesbos, pude
ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas de sua terra por
motivos econômicos ou violências de todos os tipos, multidões exiladas – disse
isto diante das autoridades de todo o mundo – por causa de um sistema
socioeconômico injusto e de guerras que não buscaram, que não criaram aqueles
que hoje sofrem o doloroso desenraizamento da sua pátria, mas antes muitos daqueles
que se recusam em recebê-los. Faço minhas as palavras de meu irmão o Arcebispo
Hieronymos da Grécia: “Quem vê os olhos das crianças que encontramos nos
campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a
“bancarrota” da humanidade”. (Discurso no Campo de Refugiados de Moria, em
Lesbos, 16 de abril de 2016). O que acontece no mundo de hoje que, quando
ocorre a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para
salvá-lo, mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer
uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o
Mediterrâneo transformou-se em um cemitério e não somente o Mediterrâneo... muitos
cemitérios próximos aos muros, muros manchados de sangue inocente. Durante
os dias deste encontro, o mostravam no vídeo. Quantos morreram no mediterrâneo?
O medo endurece o coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver o sangue, a dor, o rosto do outro. O disse o meu irmão o Patriarca Bartolomeu: “Quem tem medo de vocês não vos olhou nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu os vossos rostos. Quem tem medo de vocês não vê os vossos filhos. Esquece que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e transcende a divisão. Esquece que a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo”. (Discurso no campo de Refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É realmente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da própria pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis circunstâncias, o migrante se vê lançados nas garras dos traficantes de pessoas para atravessar as fronteiras, e é triplo se chegam à terra em que se pensava encontrar um futuro melhor e são desprezados, explorados e até mesmo escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades. Ou simplesmente não o deixa entrar. Peço a vocês para fazerem todo o possível e não esquecerem nunca que também Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos para exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir moradias, integrar bairros segregados e reclamar sem se deter como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18,1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, buscam refúgio longe de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal. Dar exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto me leva ao segundo tema que vocês debateram em vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se até se tornar irreconhecível. A lacuna entre os povos e as nossas atuais formas de democracia se alarga sempre mais como consequência do enorme poder dos grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las. Os movimentos populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito de novo Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – mas não é a única – de viver o compromisso cristão a serviço dos outros”. (Carta Ap. Octosegima adveniens, 14 de maio de 1971, 46). Ou esta frase que repito tantas vezes, que sempre me confundo, não sei se é de Paulo VI ou de Pio XII: “A política é uma das formas mais elevadas da caridade, do amor”. Gostaria de sublinhar dois riscos que giram ao redor da relação entre os movimentos populares e política: o risco de deixar-se “formatar” (– no sentido de limitar os movimentos. O Papa usou a palavra “encorsetar”), e o risco de deixar-se corromper.
Primeiro, não se deixar “formatar” porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, o horto agroecológico, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais... até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a política com a maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais concebidas como uma política em direção aos pobres, mas nunca “com” os pobres, nunca “dos” pobres e tanto menos inserida em um projeto que reúna os povos, me parece às vezes uma espécie de mascarado por conter os descartes do sistema. Quando vocês, do vosso arraigamento ao território, da vossa realidade cotidiana, do bairro, do local, da organização de trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousem colocar em discussão as “macro-relações”, quando gritam, quando indicarem ao poder um planejamento mais integral, então não se tolera vocês mais tanto. Não se tolera tanto, porque estão saindo do “formato”, estão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu destino.
Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que vos reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória. Sabemos que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”. (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 202). Por isto, o disse e o repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças”. (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento no encontro de Juízes e Magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho 2016). Este era o primeiro risco: o risco da limitação e o convite de entrarem na grande política.
O medo endurece o coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver o sangue, a dor, o rosto do outro. O disse o meu irmão o Patriarca Bartolomeu: “Quem tem medo de vocês não vos olhou nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu os vossos rostos. Quem tem medo de vocês não vê os vossos filhos. Esquece que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e transcende a divisão. Esquece que a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo”. (Discurso no campo de Refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É realmente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da própria pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis circunstâncias, o migrante se vê lançados nas garras dos traficantes de pessoas para atravessar as fronteiras, e é triplo se chegam à terra em que se pensava encontrar um futuro melhor e são desprezados, explorados e até mesmo escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades. Ou simplesmente não o deixa entrar. Peço a vocês para fazerem todo o possível e não esquecerem nunca que também Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos para exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir moradias, integrar bairros segregados e reclamar sem se deter como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18,1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, buscam refúgio longe de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal. Dar exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto me leva ao segundo tema que vocês debateram em vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se até se tornar irreconhecível. A lacuna entre os povos e as nossas atuais formas de democracia se alarga sempre mais como consequência do enorme poder dos grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las. Os movimentos populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito de novo Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – mas não é a única – de viver o compromisso cristão a serviço dos outros”. (Carta Ap. Octosegima adveniens, 14 de maio de 1971, 46). Ou esta frase que repito tantas vezes, que sempre me confundo, não sei se é de Paulo VI ou de Pio XII: “A política é uma das formas mais elevadas da caridade, do amor”. Gostaria de sublinhar dois riscos que giram ao redor da relação entre os movimentos populares e política: o risco de deixar-se “formatar” (– no sentido de limitar os movimentos. O Papa usou a palavra “encorsetar”), e o risco de deixar-se corromper.
Primeiro, não se deixar “formatar” porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, o horto agroecológico, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais... até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a política com a maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais concebidas como uma política em direção aos pobres, mas nunca “com” os pobres, nunca “dos” pobres e tanto menos inserida em um projeto que reúna os povos, me parece às vezes uma espécie de mascarado por conter os descartes do sistema. Quando vocês, do vosso arraigamento ao território, da vossa realidade cotidiana, do bairro, do local, da organização de trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousem colocar em discussão as “macro-relações”, quando gritam, quando indicarem ao poder um planejamento mais integral, então não se tolera vocês mais tanto. Não se tolera tanto, porque estão saindo do “formato”, estão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu destino.
Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que vos reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória. Sabemos que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”. (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 202). Por isto, o disse e o repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças”. (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento no encontro de Juízes e Magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho 2016). Este era o primeiro risco: o risco da limitação e o convite de entrarem na grande política.
O
segundo risco, dizia para vocês, é deixar-se corromper. Como a política não é
uma questão dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da política. Existe
corrupção na política, existe corrupção nas empresas, existe corrupção nos
meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e existe corrupção também
nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que existe
uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em particular na
atividade financeira, e que é menos notícia do que a corrupção diretamente e
ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que muito vezes se utilizam
os casos de corrupção com más intenções. Mas é também justo esclarecer que
aqueles que escolheram uma vida de serviço, têm uma obrigação ulterior que se
soma à honestidade com que qualquer pessoa deve agir na vida. A medida é muito
alta: é necessário viver a vocação de servir com um forte sentido de
austeridade e a humildade. Isto vale para os políticos, mas vale também para os
dirigentes sociais e para nós pastores. Disse “austeridade”. Gostaria de
esclarecer a que me refiro com a palavra austeridade. Pode ser uma palavra equivocada.
Austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade em como levo em
frente a minha vida, minha família. Austeridade moral e humana. Porque no campo
mais científico, científico-econômico se quiserem, ou das ciências do mercado,
austeridade é sinônimo de ajuste. E não é a isto que me refiro. Não estou
falando disso.
A qualquer pessoa que sejam muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas suntuosas, as roupas refinadas, o carro de luxo, aconselharia de entender o que está acontecendo em seu coração e de rezar a Deus para libertá-lo destes apegos. Mas, parafraseando o ex-Presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado a todas estas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre no seminário.
Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-vos de não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos “3-T”. Peço a vocês, dirigentes, para não cansarem-se de praticar esta austeridade moral, pessoal e peço a todos para exigir dos dirigentes esta austeridade, que – de resto – os fará muito felizes.
Queridas irmãs e irmãos, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
A qualquer pessoa que sejam muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas suntuosas, as roupas refinadas, o carro de luxo, aconselharia de entender o que está acontecendo em seu coração e de rezar a Deus para libertá-lo destes apegos. Mas, parafraseando o ex-Presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado a todas estas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre no seminário.
Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-vos de não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos “3-T”. Peço a vocês, dirigentes, para não cansarem-se de praticar esta austeridade moral, pessoal e peço a todos para exigir dos dirigentes esta austeridade, que – de resto – os fará muito felizes.
Queridas irmãs e irmãos, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
Gostaria,
para concluir, pedir a vocês para continuar a combater o medo com uma vida de
serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles
que sofrem. Vocês poderiam errar muitas vezes, todos erramos, mas se
perseveramos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. E insisto: contra
o terror, o melhor remédio é o amor. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois
do Sínodo sobre a Família escrevi Amoris
laetitia, um documento sobre o amor em cada família, mas também naquela
outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade. Alguém de
vocês me pediu para distribuir um fascículo que contém um fragmento do capítulo
quatro deste documento. Penso que entreguem a vocês na saída. E portanto com a
minha bênção. Lá encontram-se alguns “conselhos úteis” para praticar o mais
importante dos mandamentos de Jesus. Na Amoris
laetitia, cito um falecido líder afro-americano, Martin Luther King, que
sabia sempre escolher o amor fraterno até mesmo em meio às piores perseguições
e humilhações. Quero recordá-lo com vocês: “Quando te elevas ao nível do amor,
da sua grande beleza e poder, a única coisa que busca derrotar são os sistemas
malignos. As pessoas que estão presas por aquele sistema, as ame, porém procure
derrotar aquele sistema (...) Ódio por ódio intensifica somente a existência do
ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me fere, e te retribui o golpe e
tu me retribuiu o golpe, e assim por diante, é evidente que se continua até o
infinito. Simplesmente não acaba nunca. Uma das partes deve ter um pouco de bom
senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é a pessoa que é capaz de
quebrar a cadeia de ódio, a cadeia do mal”. (n. 118; Sermão na Igreja
Batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957).
Agradeço-vos
novamente pela vossa presença. Agradeço-vos pelo vosso trabalho. Desejo pedir a
Deus nosso Pai que vos acompanhe e vos abençoe, que vos cumule de seu amor e
vos defenda no caminho, dando-vos em abundância a força que nos mantém em pé e
nos dá a coragem para romper a cadeia do ódio: a força é a esperança. Peço-vos,
por favor, de rezarem por mim, e aqueles que não podem rezar, saibam, pensem
bem de mim e me enviem uma boa onda. Obrigado”.
Tradução
livre do Programa Brasileiro (From Vatican Radio).
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