terça-feira, 30 de maio de 2023

NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas? Por frei Gilvander

 NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas? Por frei Gilvander Moreira[1]

“Estamos em defesa de nosso território sagrado, de nossos direitos tradicionais, contra o PL 490, contra o Marco Temporal, que quer retirar nosso direito ao território!” – Kaw Gamella, do Povo Akroá-Gamella. Foto: RAMA

Recentemente foi aprovado na Câmara Federal o arcabouço fiscal, que põe cercas para as contas públicas e para os investimentos do Governo Federal. Deixaram totalmente livre a destinação de quase 50% do orçamento para amortização e pagamentos de juros da impagável dívida pública, que quanto mais corta mais cresce. Por que não limitar este montante repassado para os banqueiros? Em breve, o Governo Lula poderá “estar nas cordas” asfixiado pelos ditames do mercado idolatrado embutido no arcabouço fiscal. O Congresso Nacional mais à direita da história do Brasil já está mostrando suas garras. Maioria da Câmara Federal, de direita, do agronegócio, insiste em continuar o genocídio indígena e continuar empurrando a humanidade para seu fim, em decisões tais como a que retira competências dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Retirar do Ministério dos Povos Indígenas a prerrogativa de demarcação de terras e amordaçar os poderes do Ministério do Meio Ambiente retirando dele a Agência Nacional de Água (ANA), o gerenciamento sobre o saneamento e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) significa empurrar o povo brasileiro e toda a biodiversidade para o sacrifício no altar do ídolo capital precipitando a ocorrência de eventos extremos que vem causando desastres e mortandade de pessoas e animais de forma cada vez mais espantosa.

Na última semana, 262 deputados da Câmara Federal, do centrão e da extrema-direita, sob o comando do deputado Arthur Lira, aprovaram “urgência” para o PL 490/2007, que busca legislar sobre o “marco temporal”, assunto que o Supremo Tribunal Federal (STF) já pôs em pauta para ser julgado a partir de 07 de junho próximo. Outros quinze projetos de lei foram apensados ao PL 490. Com o carimbo de “urgente”, o PL 490 deverá ser votado na Câmara Federal hoje, 30 de maio. Isto é violência brutal, pois significa a Câmara Federal “passar a boiada” amordaçando as prerrogativas do poder executivo federal, que tem a missão constitucional de demarcar as terras indígenas. A Constituição de 1988 definiu que as terras indígenas deviam ser demarcadas dentro de cinco anos, a partir de 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, até 1993, mas já se passaram 35 anos e a postergação da demarcação das terras indígenas tem sido a regra. E, injustamente, as terras dos Povos Indígenas continuam griladas por empresas do agronegócio, por latifundiários e madeireiros.

Com isso, o genocídio indígena continua há 523 anos e a devastação ambiental promovida pelo agronegócio, desmatadores e garimpeiros segue em uma progressão geométrica.

Dia 7 de junho de 2023, o STF deve retomar o julgamento da tese do marco temporal, com “repercussão geral” reconhecida, que definirá se as demarcações de terras indígenas no país continuarão ou não, ou pior, se poderão ser canceladas várias demarcações já feitas. A partir de um caso concreto de conflito entre o Povo Indígena Xokleng e o Estado de Santa Catarina, pela “repercussão geral” já estabelecida pelo STF, o julgamento servirá de decisão que será parâmetro para todas as demarcações de terras indígenas no Brasil. Logo, é muito sério o que está em disputa no STF.

O que é a tese do marco temporal? Trata-se de uma farsa perpetrada no Congresso Nacional pela bancada ruralista em 2009, plantada no STF, durante o julgamento da Terra Indígena (TI) Raposa Terra do Sol, situada em Roraima: a inconsistente tese preconiza que os direitos territoriais dos Povos Indígenas só teriam validade se eles estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da atual Constituição Brasileira. Falar em marco temporal é uma jogada, uma ficção jurídica de quem tem grandes interesses econômicos nos territórios indígenas: a turma do agronegócio, dos madeireiros, garimpeiros, latifundiários e empresários do campo, todos os que são adeptos do ídolo mercado, os que não amam o próximo e nem as próximas gerações, pois só pensam em lucrar e acumular capital, mesmo que deixando terra arrasada com sua agricultura mecanizada para produzir commodities para exportação. Marco temporal é marca do atraso, o nome elegante do genocídio, uma máquina de moer a história dos Povos Indígenas e nos empurrar para a dizimação da humanidade por falta de condições ambientais que assegurem a vida humana.

O que os capitalistas pretendem com a legitimação da tese do marco temporal? Pretendem anistiar os crimes cometidos contra os Povos Tradicionais relacionadas à escravidão, torturas, confinamentos em pequenos territórios, aprisionamentos, exílios, remoções forçadas, desterros, separação de familiares, assassinatos, apropriações indevidas de territórios tradicionais, desconsiderando assim as noções de reparação histórica, de dívida histórica com os Povos Originários, de resguardo cultural e imemorial, de direitos congênitos, imprescritíveis, intangíveis e da posse coletiva da terra.

O argumento do marco temporal é inconstitucional e inconvencional, ferindo, em especial, os artigos 231 e 232 da Constituição[2], além de desrespeitar a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) n. 169, de 1989, ratificada pelo Brasil, que consagra os direitos culturais e territoriais, bem como a autodeclaração, como instrumento primaz da identidade étnica, além do reconhecimento das diferentes formas de ocupação, manejo e uso da terra.  Segundo a teoria do indigenato (Direito Originário), a terra é “originária” e, portanto, anterior à Constituição do Brasil, independente da data de comprovação da terra.  A tese do marco temporal é inconstitucional, porque, perseguidos, massacrados e expulsos, muitos Povos Indígenas não estavam em seus territórios originais em 5 de outubro de 1988, porque foram arrancados deles. Outros foram arrancados depois, por grileiros, latifundiários, garimpeiros e jagunços. Marco temporal serve ao agronegócio, que é devastador ambientalmente, desertificador dos territórios, concentrador da propriedade privada da terra, produtor da epidemia de câncer e da fome, asfixiador da agricultura familiar camponesa agroecológica, exterminador do futuro da humanidade.

Derrubar a tese do marco temporal se tornou necessário também por uma questão de sobrevivência da humanidade, pois já sabemos que foi o exagero de desmatamento que fez eclodir a pandemia da covid-19, já está comprovado que o agronegócio e seus aliados promovem desertificação dos territórios, desmatamentos sem fim e, portanto, o aquecimento global e a emergência climática. Já está demonstrado que nos territórios indígenas se pratica preservação ambiental, pois os Povos Indígenas são guardiões da floresta. É preciso recordar também que com a demarcação dos territórios indígenas, as terras não passam a ser de propriedade dos Povos Indígenas, que têm apenas o direito de usufruto não podendo vender a terra. As terras indígenas são da União, bem comum do povo. Portanto, derrubar o marco temporal é também caminho para frear a privatização e a grilagem de terras no Brasil.

Quem defende que o marco temporal é constitucional? Os ruralistas, deputados e senadores do centrão e da extrema-direita, os agronegociantes, os garimpeiros, mineradoras, os latifundiários e empresários que, além de ter grandes propriedades na cidade, são também grandes proprietários de terra; a mídia controlada por meia dúzia de famílias riquíssimas. Diz a sabedoria popular: “Diga com quem tu andas e o que defende que direi quem tu és”.

Quem defende a derrubada do marco temporal pelo STF? Todos os Povos Indígenas do Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o papa Francisco, Associação dos Juristas pela Democracia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), juristas e constitucionalistas de renome, os Movimentos Sociais Populares e Ambientais, enfim, as forças éticas da sociedade.

Caso não seja derrubada a tese do marco temporal no STF, o Estado não mais demarcará terras indígenas e várias das demarcadas poderão ser desmarcadas e, assim, a ausência de demarcação de terras, causará, no médio e longo prazo, um verdadeiro etnocídio e continuará o genocídio indígena no nosso país. Portanto, o justo e necessário é que o STF julgue derrubando a tese do marco temporal, porque é absurdo, inconstitucional e violação aos direitos dos Povos Indígenas/Originários! Em contexto não apenas de mudanças climáticas e de aquecimento global, mas de emergencial climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, impor o absurdo que é a tese do marco temporal é deixar abertas as porteiras para a contínua invasão dos territórios.

30/05/2023

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Demarcação de Terras Indígenas, com Shirley Krenak, Moema Viezzer e Célio Turino

2 - STF Urgente. Relator Fachin reconhece a tutela dos territórios indígenas

3 - #LutaPelaVida - Igreja no Brasil reafirma seu compromisso com a causa indígena. Marco temporal, NÃO!

4 - AO VIVO. Semana de protestos no Brasil começa com os Povos Indígenas em Brasília.

5 - Em MG, 17 Povos Indígenas com 16 mil pessoas resistem na luta pelos seus territórios. 09/10/2020

6 - STF definirá em julgamento critérios de demarcação de novas terras indígenas. Fantástico. 24/5/2020

7 - Deus Tupã, o Grande Espírito e os Encantados contra o PL 490 e contra o Marco Temporal. Justiça, JÁ!

8 - “Sem Demarcação de terras indígenas não tem Democracia!”. Ato contra PL 490 e contra Marco Temporal

9 - Ato Público em BH/MG contra PL 490, contra Marco Temporal, por Demarcação das Terras Indígenas. V. 1



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

  Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

   

terça-feira, 23 de maio de 2023

Pedagogia camponesa: mística e segredos da luta por direitos. Por frei Gilvander

 Pedagogia camponesa: mística e segredos da luta por direitos. Por frei Gilvander Moreira[1]

Mística de acolhida, na sombra de uma oiticica, na aula inaugural da EFA Jaguaribana, em abril de 2018 | Foto: Alisson Chaves

É emancipatória a força e a liberdade interior que fez o jovem camponês Sem Terra Oziel Alves Pereira, de 17 anos, durante o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, dia 17 de abril de 1996, mesmo sob tortura, continuar gritando, até ser massacrado: “Viva o MST!” “A mística também evoca a materialização (geralmente simbólica) desse sentimento na beleza da ambientação dos encontros, nas celebrações, na animação proporcionada pelo canto, pela poesia, pela dança, pelas encenações de vivências que devem ser perpetuadas na memória, pelos gestos fortes, pelas homenagens solenes que se prestam aos combatentes do povo; lembra os símbolos do Movimento, seus instrumentos de trabalho e de resistência, seus gritos de ordem, sua agitação, sua arte” (CALDART, 2012, p. 213).

Em Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, a música Religião Libertadora, do padre Zezinho, tem animado a mística das celebrações dos Sem Terra na luta pela terra: Diz a música: “É por causa do meu povo machucado que acredito em religião libertadora. É por causa de Jesus ressuscitado que acredito em religião libertadora ...”. Impossível compreender a luta pela terra em Salto da Divisa, nos últimos 30 anos, sem a presença marcante da Irmã Geraldinha (Geralda Magela), das Irmãs Dominicanas, e sem as frequentes celebrações religiosas na linha da Teologia da libertação, como canta, por exemplo, uma música que se tornou o hino da luta pela terra em Salto da Divisa: “Vem Senhor Jesus, vem conosco caminhar, ilumina nossa luta para essa terra conquistar (bis). Em toda a América Latina há muita gente sofrida em busca de libertação, muitos lavradores sem um pedaço de chão. Somos povo de Deus, em toda essa América Latina, a caminho da libertação. Queremos lutar para partilhar o pão. Somos povo de Deus, nesta pátria tão querida, queremos evangelização, para essa terra ser de gente, semente no chão” (HINO DA COMUNIDADE CRISTO LIBERTADOR do P.A Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, MG).

Com a pedagoga Rosely Caldart afirmamos que “a mística é exatamente a capacidade de produzir significados para dimensões da realidade que estão e não estão presentes, e que geralmente remetem as pessoas ao futuro, à utopia do que ainda não é, mas que pode vir a ser, com a perseverança e o sacrifício de cada um” (CALDART, 2012, p. 213). Na perspectiva da Comissão Pastoral d Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento Indígena e dos Povos e Comunidades Tradicionais, na Teia dos Povos, em sintonia com a Teologia da Libertação, a mística é emancipatória também porque desperta nos sujeitos que lutam pela terra um jeito de lidar com as dimensões mais profundas da realidade que, muitas vezes, são imperceptíveis quando ficamos presos a racionalismos ou idealismos. Pela mística praticada pela CPT, MST e Movimentos Sociais as melhores luzes e forças do passado e do futuro potencializam o presente de luta pela terra na terra (MOREIRA, 2015).[2] O passado e o futuro se fazem presentes no presente, quando os sujeitos são enlevados pelo encanto da mística revolucionária e, portanto, emancipatória.

A luta pela terra em perspectiva emancipatória implica necessariamente também emancipação ecológica, o que passa pela mudança radical da agricultura capitalista e pela superação do agronegócio com uso indiscriminado de agrotóxico e inclui a implementação da agricultura camponesa com plantações em sistema agroecológico, o que é algo mais do que apenas adubação orgânica, significa um estilo de vida que leva a uma relação respeitosa com a terra, com as águas e com toda a biodiversidade.[3]

Emancipatória, também, é a formação constante e permanente para o cultivo dos valores humanos que sustentam a perseverança na luta pela terra e por território. Formação que acontece em um processo que envolve estudo, convivência na luta, troca de experiências entre quem está na luta pela terra e por território e, acima de tudo, participação em todas as lutas coletivas por direitos. A pedagogia camponesa é exercitada muito mais pelo exemplo do que pela teoria. Por isso, também, a importância da troca de experiência, pois uma experiência significativa vista com os próprios olhos por um/a camponês/a cativa e desperta o acolhimento de propostas boas que, se fossem apenas comunicadas de forma teórica com argumentação racional, provavelmente não teriam a repercussão de uma experiência vivenciada. A atuação da CPT, do MST, dos outros Movimentos Sociais, dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais emancipa, ainda, porque de alguma forma consegue transformar o sem-terra em Sem Terra, o desterritorializado em sujeito com território, o que de ‘coitado que pede ajuda’ é elevado ou se eleva a ‘trabalhador/a camponês/a – indígena ou integrante de Povo Tradicional - que tem direito e merece respeito’ e passa a ser respeitado pelas forças políticas da sociedade como um exemplo de sujeito cidadão emancipador a ser seguido.

Para a CPT, o MST, o Movimento Indígena e os Povos Tradicionais a luta pela terra e por território é mais do que luta pela terra e por resgate de território, pois inclui: a) a luta pela conquista da terra e retomada de território, a resistência na terra e nos territórios com administração autônoma segundo os princípios da autonomia dos Povos que passa por agroecologia, trabalho coletivo e sustentabilidade ecológica; b) a luta por educação para além do capital, educação do campo de forma emancipatória; e c) exige abraçar a luta pela transformação social, política e econômica da sociedade na perspectiva da construção de uma sociedade para além do capital: uma sociedade socialista, sem exploração de classe e sem exploração do trabalho da classe trabalhadora e nem expropriação das terras da classe camponesa, dos Povos Originários e nem dos Povos Tradicionais.

Referências

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MOREIRA, Gilvander Luís. Entre sinais e conflitos, se requer opção de fé (Jo 5,1-8,5). In: SABOYA, Marysa Mourão (Org.). Amar sem limites, nas trilhas das comunidades do Discípulo Amado. São Leopoldo: CEBI, p. 50-65, 2015b.

23/05/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - “Não ao Marco Temporal! Demarcação de todos os Territórios Indígenas e Tradicionais, JÁ!” Enc. POVOS

2 - Ato Público no início do Encontro de Povos Tradicionais de MG: em defesa dos Territórios e Consulta

3 - Audiência Pública na ALMG: ilegalidades e violências da mineradora Santa Paulina em Ibirité, MG!

4 - Preservação total, integral, 100% da Mata do Jd. América em BH/MG: Dever, direito e necessidade-vida

5 - Mineradora Sta Paulina em Ibirité/Sarzedo/MG acabará c água de 700 mil pessoas /Agricultura Familiar

6 - Ato Público e Marcha denuncia violações aos direitos do Quilombo do Campinho em Congonhas, MG


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Cf. MOREIRA, Gilvander Luís. Entre sinais e conflitos, se requer opção de fé (Jo 5,1-8,5), p. 50-65, especialmente p. 55 a 59, onde tratamos da partilha de pães, pedagogia que liberta e emancipa (Jo 6,1-15). In: SABOYA, Marysa Mourão (Org.). Amar sem limites, nas trilhas das comunidades do Discípulo Amado. São Leopoldo: CEBI, 2015b.

[3] Exemplo disso está retratado no vídeo documentário “Resistir e saber cuidar – experiências agroecológicas em Assentamentos da Reforma Agrária”. Direção e roteiro de Cecília Figueiredo. Brasília: MST, Triângulo Produções, 2006. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-oedHfalprM

terça-feira, 16 de maio de 2023

De crime em crime, só espiritualidade e luta coletiva nos libertam. Por frei Gilvander

 De crime em crime, só espiritualidade e luta coletiva nos libertam. Por frei Gilvander Moreira[1]

Lançamento do livro “O preço de um crime socioambiental”, de Marina Oliveira, com seminário dos/as Atingidos/as pelo crime brutal da Vale S/A com anuência do Estado, crime que eclodiu no Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG. Foto: Card divulgado nas Redes virtuais

Em uma sociedade capitalista como a nossa, com idolatria do mercado/capital, a injustiça social segue se reproduzindo, mas também muitas lutas por direitos e pela superação de injustiças e violências seguem. Quero aqui fazer menção a algumas lutas. Dia 13 de maio último (2023), foi dia marcante em Belo Horizonte e região. No dia da farsa de 135 anos da abolição da escravatura, mito e mentira que aconteceu dia 13 de maio de 1888, pois relações sociais escravocratas continuam se reproduzindo cotidianamente no nosso Brasil e pelo mundo afora. Em 2022, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 207 casos coletivos de trabalho escravo no meio rural, com 2.218 pessoas resgatadas, o maior número dos últimos dez anos, caracterizando uma explosão nos números de autuação constatando trabalho escravo. O estado de Minas Gerais segue nos últimos dez anos sendo o estado campeão em trabalho escravo, pois em Minas Gerais continuamos sob o império do agronegócio que violenta brutalmente os territórios, os povos e a natureza. Em Minas Gerais temos mais de 50% da monocultura de eucalipto, que desertifica os territórios e dizima as fontes de água, além de expropriar e expulsar camponeses e camponesas para as periferias das grandes cidades. Convém recordar que não podemos aceitar a expressão eufemista “trabalho análogo à escravidão”, pois significa negar a existência da escravidão contemporânea. É trabalho escravo mesmo, nu e cru, que continua de forma acentuada em muitas empresas no campo e na cidade, também na uberização do trabalho e com o uso indiscriminado de tecnologias que substitui mão de obra.

Com a participação de centenas de pessoas vítimas do crime da Vale e do Estado – quilombolas, reinados, congados, folia de reis, artistas – dia 13 de maio, véspera do dia das mães, aconteceu em Belo Horizonte, MG, no Auditório da Faculdade de Medicina, da UFMG[2], o lançamento do livro “O preço de um crime socioambiental”, de Marina Oliveira, com seminário dos/as Atingidos/as pelo crime brutal da Vale S/A com anuência do Estado, crime que eclodiu no Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, com o rompimento de uma barragem de mineração, às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019, e que segue impune e se reproduzindo em uma progressão geométrica.

Foi muito comovente ver e assistir aos depoimentos de vítimas sobreviventes do crime. A professora Andresa, de Mário Campos, por exemplo, em lágrimas, mas com contundência, denunciou: “Amanhã é dia das mães. A mineradora Vale continua nos matando, pois retirou de mim o direito de ouvir meu filho Bruno me chamar de mãe, pois ele foi sepultado vivo junto com outros/as 271 pessoas na mina do Córrego do Feijão. A Vale roubou de mim o direito de ser avó, matou a reprodução da minha família.” O senhor Antônio Cambão, quilombola da Comunidade de Marinhos, de Brumadinho, que, quase sem conseguir falar, lançou palavras de fogo apontando para um painel com as fotografias das 272 vítimas que foram sacrificadas pela Vale no altar da idolatria do mercado: “A maioria destas 272 pessoas que estão com seus rostos aqui neste painel, todos/as assassinados/as pela Vale, vinha me pedir a bênção quando eu chegava na rodoviária de Brumadinho, toda semana. A Vale roubou deles o direito de me pedir a bênção e roubou o meu direito de abençoá-los”. Eliana Marques, da Comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo, também em lágrimas, mas de cabeça erguida, denunciou com a firmeza que faz tremer os podres opressores: “O crime da Vale continua nos matando, pois é um crime continuado que se reproduz todos os dias. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já demonstrou que a maioria do povo das comunidades atingidas está com metais pesados no próprio sangue. Só na minha comunidade mais de dez pessoas já suicidaram-se, porque não suportaram a violência brutal deste crime que matou 272 pessoas instantaneamente, sacrificou o rio Paraopeba, matando peixes e todos os seres vivos da bacia do Paraopeba. E continua disseminando depressão e morte nas nossas comunidades. O acordão que o governador Zema, o Tribunal de (In)Justiça de Minas Gerais (TJMG), Ministério Público Estadual (MP/MG) e Federal (MPF) e Defensoria Pública de Minas (DPE-MG) assinaram com a Vale S/A foi mais um crime brutal que pavimentou o caminho para outros crimes, tal como a reeleição do Zema e a construção de um rodominério na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Crime em cima de crime. Basta! Exigimos reparação integral.”

No evento acima ficou negritado que as chamadas Instituições de Justiça (TJMG, MP/MG, MPF e DPE-MG, na prática, no acordão com a Vale, foram Instituições de Injustiça, pois se ajoelharam diante do poderio da mineradora Vale e se tornaram cúmplices da limpeza mentirosa da imagem da Vale diante dos seus acionistas, da reeleição de Zema, do rodominério na RMBH, que precisa ser abortado antes que seja iniciado, pois está eivado de ilegalidades e de injustiça socioambiental e de outros projetos de mineração devastadora que seguem violentando os Povos, os territórios e toda a biodiversidade.

Cortar o orçamento das Assistências Técnicas “Independentes” (ATIs) está sendo uma violência absurda, mas temos que denunciar que não basta “assistência técnica para informar sobre os direitos”, é preciso também e principalmente assistência técnica para MOBILIZAR as pessoas e as comunidades violentadas para lutas coletivas concretas pelos direitos das comunidades golpeadas. A história demonstra que sem lutas coletivas concretas por direitos, só informar, elaborar documentos e protocolar nos gabinetes do Ministério Público ou do juiz do processo, nunca assegurará reparação integral. O que incomoda os opressores e efetiva direitos são as lutas coletivas concretas. Portanto, proibir as Assistências Técnicas “Independentes” de mobilizar significa amordaçá-las e não canalizar a indignação e os clamores ensurdecedores das vítimas para lutas concretas pelos seus direitos reincidentemente violados.

A Defensoria Pública da União (DPU) está de parabéns por ter se retirado do acordão e não o ter assinado. Assim, não se tornou cúmplice da injustiça que se reproduz. No mesmo modus operandi, sem participação ativa e com poder de decisão dos/as atingidos/as, agora se confabula outro acordão sobre o crime da Vale/Samarco/BHP na bacia do ex-rio Doce. É uma escada de crimes: 1, 2, 3 ..., cada um causando um maior que o anterior. Lógica perversa que só multiplica a violência e nos empurra para eventos extremos cada vez mais letais em tempos de emergência climática. As futuras gerações vão cobrar com veemência a violência e a injustiça maquinada com sangue frio pelos autores desta engrenagem de morte, os cúmplices e os omissos também serão responsabilizados pela história.

Na parte da tarde do dia 13 de maio de 2023, realizamos um Ato Público e Marcha na Comunidade Quilombola de Campinho, em Congonhas, MG. Comunidade já reconhecida pela Fundação Cultural Palmares como Quilombo do Campinho, com mais de 160 anos de existência, anterior à criação da cidade de Congonhas, mas que vem sendo violentada nos seus direitos. A prefeitura de Congonhas, que investe no cuidado do patrimônio cultural da Praça dos Profetas, de Aleijadinho, está pisando no principal patrimônio cultural de Congonhas, que é a Comunidade Quilombola do Campinho, pois já rasgou o território da comunidade com uma avenida, sem Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé. Nos últimos meses, também sem Consulta Prévia, ..., a prefeitura de Congonhas está construindo um conjunto habitacional no território do Quilombo Campinho com a construção de 160 apartamentos por mais de R$30.681.997,41 (mais de 30,6 milhões de reais), ou seja, R$191.762,48  (cento e noventa e um mil reais ...) cada apartamento. Preço de “custo”! Quanto cada família terá que pagar por cada apartamento? Este preço é indício de corrupção? Como prova de que só perde quem não luta, ontem, o juiz federal Felipe Eugênio concedeu liminar a uma Ação Civil Pública impetrada pela Federação Quilombola de Minas Gerais – N’Golo – e mandou paralisar a construção de conjunto habitacional no território da Comunidade Quilombola do Campinho. Mais uma vitória da luta coletiva por direitos.

Enquanto os capitalistas seguem causando sexta-feira da paixão sacrificando no altar da idolatria do mercado povos, ecossistemas e toda a biodiversidade, resistiremos insistindo em construir domingos de ressurreição com justiça econômica, solidariedade social, justiça agrária, urbana e ambiental e respeito à imensa diversidade cultural e religiosa presente no nosso país.  

Dia 13 de maio, no bairro Concórdia, em Belo Horizonte, também aconteceu uma maravilhosa e inspiradora Festa de Preto Velho, no dia das almas. Com reverência, admiração e respeito aos povos de terreiro, do Candomblé, da Umbanda e de muitos outros modos de lidar com nossa dimensão espiritual, faço minhas as palavras do irmão Marcelo Barros: “Somos chamados/as a contemplar o amor divino nas expressões espirituais dos povos originários e nos povos de Religião de matriz ancestral africana. No culto aos antepassados, na relação com os Encantados, nas manifestações dos Orixás, na Jurema ou no santo Daime, assim como nas forças da natureza tão agredida.”

16/05/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Lançamento do livro "O Preço de um crime socioambiental", de Marina Oliveira, sobre o Crime da Vale

2 - Ato Público e Marcha denuncia violações aos direitos do Quilombo do Campinho em Congonhas, MG

3 – Live: PL 2508/2021 “Acordão do Zema com a Vale”, na Assembleia Legislativa de MG. “Boiada passando?”

4 - “Acordão imoral, injusto e excluiu os atingidos. CPI do Acordão, JÁ!” (Fernanda Perdigão, na ALMG)

5 - "Exigimos a exclusão do Rodoanel do PL 2508, do Acordão com a Vale S/A. Fora, Rodominério!"-1ª parte

6 - Frei Gilvander repudia Acordão e Rodoanel, PL 25/08 na ALMG: “Exigimos Mineração Zero em BH e RMBH!”

7 - Dom Vicente repudia o Acordão e o Rodoanel, PL 2508 na ALMG, e pede CPI JÁ. Basta de crimes!–25/6/21


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Universidade Federal de Minas Gerais

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Mística da luta por direitos e como se constrói militantes. Por frei Gilvander

  Mística da luta por direitos e como se constrói militantes. Por frei Gilvander Moreira[1]

Mulheres indígenas ocuparam Brasília em defesa dos seus direitos. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Desde a publicação do livro Um discurso sobre as Ciências (1995), o pensador Boaventura de Sousa Santos aponta para a necessidade de um Pensamento Pós-Abissal por ser o rompimento com o sentimento e a lógica de colônia. De acordo com Boaventura Santos, precisamos criar as condições científicas e objetivas das mudanças sociais necessárias em um mundo que não pode se transformar em Europa e muito menos em Estados Unidos ou Japão. A luta pela terra no campo e na cidade é imprescindível para se interromper a espiral de violência social e um círculo vicioso mostrado por Boaventura: “Direitos humanos são violados para poderem ser defendidos, a democracia é destruída para garantir a sua salvaguarda, a vida é eliminada em nome de sua preservação. Linhas abissais são traçadas tanto no sentido literal como metafórico” (SANTOS, 2010, p. 44).

A luta pela terra no campo e na cidade, que se pretende emancipatória, precisa fomentar a luta pela construção de uma sociedade justa e solidária, de todos e todas, no campo e na cidade, e, assim, colocar em luta coletiva de forma sincronizada, em unidade, os/as camponeses/as e a classe trabalhadora da cidade. Só assim se fortalecerá o processo de emancipação humana e social tanto dos camponeses e camponesas quanto dos/as trabalhadores/as cada vez mais superexplorados/as na cidade, na fábrica e nas ruas, com a terceirização e uberização da economia, inclusive.

Nos processos de nucleação das famílias na luta pela terra, seja no acampamento ou na ocupação urbana, seja no assentamento ou em uma comunidade urbana periférica, delegando tarefas a todos/as, discutindo tudo em reuniões e assembleias, os Sem Terra e os Sem Teto promovem pequenas emancipações, necessárias para sustentar as médias e grandes emancipações. Nesse processo, “quem nunca abria a boca, de repente vira locutor da rádio do acampamento; quem se dizia tímido vira referência de negociador com o governo; quem era considerado o fofoqueiro da comunidade de origem vira articulador das propostas na base [...]” (CALDART, 2012, p. 184). Nas lutas concretas por terra, moradia e por território e por outros direitos, cegueiras são curadas, sujeitos militantes são construídos.

Essa emancipação de base ocorre enquanto se vivencia na prática democracia real de base. Nas reuniões, nas assembleias, nas lutas coletivas, em trabalhos domésticos feitos também pelos companheiros e na convivência do dia a dia aprende-se que para poder participar é preciso saber ouvir, respeitar a opinião dos/as companheiros/as, da/o esposa/a, dos filhos e das filhas, dos Sem Terrinha, das crianças Sem Teto e dos que se somam à luta coletiva. E se aprende que o que é construído pelo coletivo, com a participação de todos/as, será mais facilmente adotado por todos/as que se sentirão corresponsáveis pela execução do que for planejado e decidido conjuntamente.

Vital também como pedagogia de emancipação humana é “o exercício dos princípios da direção coletiva, da distribuição de tarefas, da autocrítica permanente, da autonomia política...; ao cultivo de valores humanistas e de uma mística que forma as pessoas para o exercício da utopia” (CALDART, 2012, p. 207).

Sem mística emancipatória não há luta pela terra, por moradia e por território que se torne emancipatória, mas não basta qualquer tipo de mística. É necessário mística libertadora[2] que mexa com as entranhas dos Sem Terra, dos Sem Teto, dos Povos Originários e das Comunidades Tradicionais como tempero da luta, sal na comida, fermento na massa, luz nas trevas, e paixão que anime as/os militantes na luta pela terra, pela moradia, por território, porque alimenta a índole revolucionária das/dos combatentes transformando todas/os em cativadoras/res de novas/os lutadores/as. Nesse sentido, diz Peloso, ao afirmar que a mística é a alma do combatente: “Há pessoas e grupos que vivem tão fortemente as suas convicções que passam a semear um entusiasmo contagiante. Essas pessoas caminham na vida com tanta esperança que parecem enxergar a certeza da vitória. E com o tempo, elas vão ficando mais destemidas, mais disponíveis e mais carinhosas. Mesmo no meio da maior escuridão elas continuam anunciando e celebrando a chegada da aurora. Que força teimosa é essa que perturba o ódio dos inimigos e envergonha a mesquinhez dos que se dizem companheiros?” (PELOSO, 1994, p. 3).

O fazendeiro e empresário Adriano Chafik Luedy, no banco dos réus, no Fórum Lafaiete, em Belo Horizonte, MG, dia 11 de outubro de 2013, ao ser interrogado pelo juiz por que comandou pessoalmente um grupo de jagunços na realização do massacre de cinco Sem Terra em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, MG, respondeu: “Eles tinham invadido minhas terras, mas as cantorias dos Sem Terra estavam me irritando há dois anos. Eu não tolerava mais aquela cantoria dos Sem Terra”. Também no mesmo sentido um espião das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), no filme O anel de tucum, informa ao seu mandante: “Eles (o povo das CEBs) têm sempre aquela cantoria maldita e estão sempre animados comemorando não sei o quê” (ANDRÉ, espião no filme O anel de tucum).[3]

Para os opressores é difícil entender esta luta dinâmica e grandiosa por direitos que vai muito além do que seus olhos cegados pela ideologia dominante veem, porque tem a ver com alma, com vida, e por isso, vitoriosa! 

Referências

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

PELOSO, Ranulfo. A força que anima os militantes. São Paulo: MST, 1994. Disponível em http://www.mstemdados.org/sites/default/files/A%20for%C3%A7a%20que%20anima%20os%20militantes.pdf

SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Cortez Editora, 2010.

11/05/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – “Só com organização e luta coletiva se impede despejo”. Ocupação Pingo D’água, de Betim/MG. Vídeo 14

2 - ACAMPAMENTO PÁTRIA LIVRE/S.JOAQUIM DE BICAS,MG: ORGANIZAÇÃO, CONSCIÊNCIA SOCIAL E ECOLÓGICA/6ª Parte


3 - Mística e espiritualidade libertadora na Pré-Jornada da Agroecologia de MG, na Teia dos Povos de MG


4 - Dep. Célia Xakriabá (PSOL/MG) na UFMG: “Indigenizar a cidade e a Política. Aquilombar, sim! Mística!

5 - Mística indígena na luta contra despejo no Jd. Ibirité, Ibirité/MG. MRS demoliu 36 casas. Injustiça!

6 - Mística no Encontro de Povos no Assentamento Padre Jésus, Espera Feliz, MG. Mayô. Vídeo 2. 28/6/2019

7 - 4 anos da Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte: organização, Luta e Resistência. 07/10/17


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Sobre “a religiosidade e a mística nas vivências dos sem terra” confira SILVA, Rita de Cássia Curvelo. Práxis política no MST: produção de saberes e de sabedoria. Tese (Doutorado em Educação).  João Pessoa: UFPB, 2008, p. 67-70.

[3] Cf. O anel de tucum. Filme dirigido por Conrado Berning. São Paulo: Verbo Filmes, 1994. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=55blfFGeyPc 

terça-feira, 2 de maio de 2023

Agronegócio solapa a soberania dos Povos. Por frei Gilvander

 Agronegócio solapa a soberania dos Povos. Por frei Gilvander Moreira[1]

O agronegócio predador envenena a terra e mata gente. Estudos científicos dão sinais do inquestionável e urgente enfrentamento efetivo dos males dos venenos agrícolas. Foto: Reprodução www.brasildefato.com.br

Na era da financeirização do capital e da especulação exacerbada do grande capital, imperam relações transnacionais pouco controladas pelos governos dos Estados nacionais. O Estado capitalista está em crise aguda transbordando contradições. O capitalismo quanto mais se desenvolve mais brutal e podre se torna. Nesse contexto do capital e do capitalismo, o movimento de luta pela terra para superar o ‘cativeiro da terra’, seu aprisionamento em estrutura fundiária pautada no latifúndio, tornou-se imprescindível para a formação do novo sujeito social para além do capital. Sem desconcentração da propriedade fundiária, sem reforma agrária e sem resgate dos territórios pelos povos originários (indígenas), pelo campesinato e pelos Povos e Comunidades Tradicionais não conquistaremos a superação da injustiça social, urbana e ambiental. “É preciso esvaziar as cidades e os povos reconquistarem seus territórios”, alerta o mestre Joelson Ferreira, articulador da Teia dos Povos.

Na América afrolatíndia, estamos diante de evidências da emergência de formações sociais plurinacionais a partir das lutas populares na Bolívia e Equador. Nunca estará tudo dominado. A história não acabou. O sistema do capital tem um poder de dominação gigantesco ao olharmos com base nele – perspectiva hegemônica -, mas se olharmos considerando a classe trabalhadora e o campesinato – o profundo das relações sociais, o contra-hegemônico -, percebemos que o sistema do capital está recheado de contradições e inconsistências, é um gigante, mas com pés de barro. Já alertava José de Souza Martins, em 1989, no livro Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo que “nas sociedades ricas e nos espaços ricos das sociedades pobres, a reprodução e o poder dominam a superfície, o espaço, o imaginário, mas não dominam o subterrâneo, os nichos do contrapoder, a imaginação” (MARTINS, 1989, p. 119).

Como muitos outros movimentos populares, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 1975, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde 1984, pelas suas práxis, se tornam sujeitos históricos que “transformam demandas individuais em propostas coletivas. [...] como força política, consolidam saberes, e avançam na conquista de suas reivindicações. Deixam evidentes as contradições do modelo de acumulação implementado na modernidade, rejeitando sua racionalidade, com vistas à construção de novos padrões de produção e trabalho” (PIETRAFESA, 2015, p. 100).

A luta pela terra potencializa e politiza os sujeitos dela ampliando o protagonismo dos camponeses na produção de novos projetos de sociedade, na construção de uma cultura política que se contrapõe à cultura hegemônica da lógica do capital e na formação de contra-saberes que são disseminados na sociedade pelo protagonismo dos sujeitos sociais engajados. As ações de resistência política dos sujeitos da luta pela terra se revestem de transgressão e de inovação na gestão territorial, após (re)conquistarem alguns territórios. “Se ocuparmos e não administrarmos de forma própria e direta os nossos territórios seguindo os princípios da sustentabilidade, crescerá sempre o agronegócio. Nossa presença e atuação nos territórios precisam ser no sentido de resgatar a confiança dos animais conosco seres humanos. Se envenenarmos a terra, as águas e o ar e matarmos os animais, não somos dignos de habitar aqueles territórios. Temos que ser autoprodutores, autônomos, e não depender de Estado e nem de governos” (CACIQUE BABAU, do povo indígena Tupinambás, do sul da Bahia, no IV Congresso da CPT, dia 12/7/2015).[2]

A luta pela terra é também luta por soberania, uma vez que “os perigos para a soberania não estão, portanto, sempre vinculados a guerras, conquistas e defesa de fronteiras” (APPADURAI, 1997, p. 37), não vem só do exterior, mas é no interior dos territórios que, de forma disfarçada, mas contundente, os representantes do capital internacional fincam suas bandeiras, via agronegócio, e vão solapando a soberania dos povos da terra auferindo lucros absurdos à custa de uma tremenda devastação socioambiental. Exemplo disso é Aimorés, MG, onde o fotógrafo Sebastião Salgado nasceu e foi criado. O filme O Sal da Terra, biografia de Sebastião Salgado, retrata as apropriações da terra sob o signo do capital causando inclusive migrações forçadas de populações em muitas regiões do mundo.

Baseando-se na necessidade, sentida de forma dramática, de um pedacinho de terra, os Sem Terra, os indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais, na luta coletiva pela terra e por território, ampliam a consciência e começam a perceber que têm muitos outros direitos a conquistar e, acima de tudo, descobrem que podem mais, que não são tão fracos como se sentiam antes ou como a ideologia hegemônica dissemina aos quatro ventos e tenta impregnar as consciências para reproduzir pessoas resignadas e conformadas.

A luta pela terra e por território tem uma imensa força, uma centralidade. Pelo trabalho coletivo, os Sem Terra, os Povos Originários e os Povos Tradicionais conquistam o início da interrupção da mercantilização da terra e o começo da democratização da terra, o que passa inclusive pela afirmação de outra política econômica, construída com base nas necessidades do povo e não no lucro e na superexploração da força de trabalho da classe trabalhadora e do campesinato.

A mesma terra que foi expropriada passa a ser força de luta pela reconquista de identidades. Os geraizeiros, os quilombolas, os indígenas, os vazanteiros, os seringueiros, os groteiros, os/as apanhadores/as de flores ‘sempre viva’ etc., enfim, as várias faces do campesinato percebem que sem-terra e sem território serão dizimadas e perderão suas identidades, mas só podem afirmar suas identidades na luta pela terra e pelo território. Para continuar existindo, resistem e insistem na luta coletiva pela construção de um Projeto Popular para construirmos uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, sustentável ecologicamente, politicamente democrática, plural culturalmente e responsável geracionalmente.

Referências

APPADURAI, Arjun. Soberania sem territorialidade – notas para uma geografia pós-nacional. In: Novos Estudos, CEBRAP, São Paulo, n. 49, p. 33-46. Nov./1997.

MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC, 1989.

PIETRAFESA, José Paulo. Conflitos agrários, protagonismo camponês e ocupações de terra no Brasil. In: Conflitos no campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, p. 100-108, 2015.

02/05/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Marco temporal: terra para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador? Por Frei Gilvander

2 - Leo Péricles, UP: É c luta p retomar territórios no campo e na cidade q vamos superar o capitalismo

3 - Primeiro de Maio 2023 em BH/MG: Fora, Zema! Reconstruir o Brasil com direitos trabalhistas e sociais

4 - Soberania Alimentar com Vandana Shiva. Agronegócio e agrotóxicos matam! Dia da alimentação. 16/10/20

5 - Você sabe de onde vem a sua comida? O agronegócio envenena a comida do povo. Episódio 1 – Greenpeace

6 - "Libertar do agronegócio" (Jefferson/Sindieletro). Acampamentos do MST/Campo do Meio/MG. Vídeo 7



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Cf. Palavra Ética na TVC/BH com o cacique Babau, do povo indígena Tupinambás, na internet em https://www.youtube.com/watch?v=Iq5Q2BafTEE