terça-feira, 26 de agosto de 2025

PAULO NA CARTA AOS ROMANOS: VIVER NO AMOR MÚTUO (Rm 13,8-14)? Por Frei Gilvander

PAULO NA CARTA AOS ROMANOS: VIVER NO AMOR MÚTUO (Rm 13,8-14)? Por Frei Gilvander Moreira1


Capa do livro do TEXTO-BASE do CEBI-MG sobre Carta aos Romanos para mês da Bíblia de 2025

A Carta do apóstolo Paulo aos Romanos foi escolhida para ser assunto de reflexão nas Comunidades Cristãs em setembro, mês da Bíblia, de 2025. Organizada em 16 capítulos, inserido no Novo Testamento Bíblico entre os livros de Atos dos Apóstolos e I Coríntios, a Carta aos Romanos, inspirado texto bíblico, é endereçada, provavelmente, a Comunidades Cristãs da periferia de Roma, a capital do império, e, por extensão, também endereçada a nós das comunidades cristãs atuais. Como 4º pequeno texto sobre a Carta aos Romanos, aqui nos dedicamos a analisar Rm 13,8-14.

 O amor ao próximo, amor mútuo, garante o cumprimento de toda a lei” (Rm 13,8), alega o apóstolo Paulo. Ou seja, nenhum legalismo irá nos salvar. Não basta construir leis e exigir o respeito a elas. É preciso adesão pessoal ao projeto de Jesus Cristo, prática de amor mútuo, o que inclui respeito à dignidade humana de toda e qualquer pessoa, sem exceção. 

Em profunda sintonia com o Evangelho de Jesus Cristo, Paulo comenta que os mandamentos que se referem à relação com o próximo – “não matar, não roubar, não cobiçar ...” estão sintetizados em “amar o próximo como si mesmo” (Rm 13,9). “Quem ama não pratica o mal contra o próximo” (Rm 13,10). Paulo está dando dicas de como fortalecer as relações de fraternidade nas comunidades, o que lhes dará mais força para enfrentar as autoridades opressoras. Em outras palavras, Paulo alerta a todos(as) de que o caminho para frear a violência e as injustiças das autoridades escravocratas e tirânicas passa, necessariamente, pelo reconhecimento e fortalecimento de “autoridades constituídas” pelo povo, autoridades democráticas e éticas.  

Paulo sente a necessidade de construir pessoas novas que coloquem em prática a vivência do amor ao próximo e o cultivo de relações humanas e sociais que sejam “alavancas” para a superação das violências e das injustiças sofridas pelas comunidades, sob as agruras do império romano escravocrata. Muitas vezes, quando o marasmo social é grande e a desesperança se instala ofuscando a utopia e a esperança de que um projeto justo e bom possa ser construído, é preciso avivar a esperança e “chacoalhar” as pessoas, injetando ânimo e avivando a utopia de que a libertação está próxima. Paulo faz isto com maestria. Diz ele: “Acordem! Está chegando a nossa salvação!” (Rm 13,11). Há momentos em que não devemos buscar luzes apenas no fim do túnel, mas dentro do próprio túnel.  

Nova aurora está nascendo. Deixemos as obras das trevas e revistamo-nos de obras da luz!” (Rm 13,12), reflete Paulo, carinhosamente, tentando levantar o ânimo das comunidades. Paulo é tão pedagógico que ele também se inclui e exorta na 1ª pessoa do plural (“Deixemos e revistamo-nos...!”) e não se coloca como superior (e, por isso,), logo, não diz: Deixem... Revistam...! Provavelmente, no meio do povo, muitos se referiam às ações brutais do império romano escravocrata como “obras das trevas”. E para quem se apaixonou por Jesus Cristo e sua mensagem, no Ressuscitado experimentavam as “obras de luz”, caminho de vida.

Paulo exorta, amorosamente, às pessoas das comunidades cristãs: “Vivamos eticamente como em pleno dia” (Rm 13,13). Libertemo-nos dos vícios que as autoridades imperiais incutem no povo: “orgias, bebedeira, prostituição, libertinagem, brigas e ciúmes!” (Rm 13,13). Paulo reflete com as pessoas das comunidades que o “estilhaçamento” das pessoas é provocado, propositalmente, pelas autoridades imperiais, pois quanto mais desunido o povo, quanto mais drogado, mais imoral e sem ética, mais as autoridades imperiais terão motivos para justificar medidas repressivas, que são impostas como se fossem medidas salvadoras. Quanto mais violência social, mais as autoridades políticas, de forma eleitoreira, defendem leis e medidas repressoras, o que não resolvem de forma justa a violência social, mas angariam um “caminhão” de votos para políticos profissionais. 

Em linguagem em tom apocalíptico, Paulo exorta às pessoas das comunidades que ele deseja, ardentemente, visitar em breve: “Vistam-se do Senhor Jesus Cristo e não sigam os desejos dos instintos egoístas!” (Rm 13,14). Em outras palavras, assimilem em vocês a identidade de Jesus Cristo, o que Paulo já revelou na Carta aos Gálatas: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). Paulo busca ajudar as comunidades cristãs a perceber que ‘Senhor” (Kyrios) é Jesus Cristo e não o imperador, idolatricamente, divinizado. E Jesus é o Cristo, o Salvador. O imperador não é Senhor e nem Salvador. Eis aqui mensagem revolucionária e subversiva do apóstolo Paulo que, segundo a Tradição, foi martirizado em Roma, a mando de autoridades imperiais.  

Paulo propõe subversão na relação com o Império Romano. Concluímos que, em Rm 13,1-14, o apóstolo Paulo não exorta a uma ingênua subserviência diante de toda e qualquer autoridade. Respeitar, sim, apenas às “autoridades constituídas”, legítimas, as que agem em sintonia com o projeto de Deus. 

Enfrentar o império era necessário para quem aderia ao evangelho de Jesus Cristo, porém, para enfrentar o império, não basta enfrentar as autoridades, denunciando suas injustiças e arbitrariedades, envolve também se desvencilhar do estilo de vida imperial, da religião imperial, das instituições imperiais, da ideologia imperial, enfim, de tudo o que sustenta o sistema imperial. Em linguagem de hoje, podemos dizer que não basta enfrentar os exploradores exigindo justiça, mas é necessário ser pessoa justa, ética e solidária que viva, na prática, o amor ao próximo como Jesus amou e viveu. 

Paulo não condena as boas obras que devem ser praticadas como fruto da fé em Jesus Cristo. Ele denuncia, apenas, o apego às obras farisaicas e legalistas como se fossem tábuas de salvação. Vangloriar-se diante de “boas obras” praticadas pode ser tão antievangélico quanto o aprisionamento em preceitos legais, doutrinários e litúrgicos. Paulo orienta que a fé em Jesus Cristo Ressuscitado implica em amar como Jesus amava, sentir como Jesus sentia, conviver como Jesus convivia e lutar pela fraternidade como Jesus lutava.  

26/08/25

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – VEM AÍ O MÊS DA BÍBLIA, EM 2025, COM A CARTA AOS ROMANOS. - Por frei Gilvander Moreira - Vídeo 1

https://www.youtube.com/watch?v=LU7E6zD59zA

2 - ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO

https://www.youtube.com/watch?v=AsbFBunrz5s

3 - CARTA AOS ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI RICHTER REIMER-EQUIPE DE PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG

https://www.youtube.com/watch?v=cMA5VG4SiTk

4 - CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA VASCONCELOS

https://www.youtube.com/watch?v=Ll7QeihPLHc

5 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1

https://www.youtube.com/watch?v=lgk-RQBgjZo

6 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos - Parte 1

https://www.youtube.com/watch?v=uwEQticYUGI

7 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos

https://www.youtube.com/watch?v=jER9qOBGgs0

8 - Carta de Paulo aos Romanos 01/06

https://www.youtube.com/watch?v=ZoavOOHyqdo

9 - Carta de Paulo aos Romanos 02/06

https://www.youtube.com/watch?v=LJEbJwe7P8w

10 - Carta de Paulo aos Romanos 03/06

https://www.youtube.com/watch?v=yP6iOaLVePc

11 - Carta de Paulo aos Romanos 04/06

https://www.youtube.com/watch?v=EYssnHh0YKE

12 - Carta de Paulo aos Romanos 05/06

https://www.youtube.com/watch?v=-5ajXfb-mco

13 - Carta de Paulo aos Romanos 06/06

https://www.youtube.com/watch?v=Z-m1zDx0iJc

 

 

MÁRTIR DOS GARIS, LAUDEMIR CONTINUA VIVO NA LUTA POR DIREITOS. Por Frei Gilvander

MÁRTIR DOS GARIS, LAUDEMIR CONTINUA VIVO NA LUTA POR DIREITOS. Por Frei Gilvander Moreira1

O gari Laudemir de Souza Fernandes. Foto Reprodução Redes Virtuais

Como fazia há nove anos, o gari LAUDEMIR DE SOUZA FERNANDES levantou às 2h30 da madrugada do dia 11 de agosto de 2025 e foi trabalhar, cumprir sua missão que ele fazia com muito amor: trabalhar na limpeza urbana de Belo Horizonte, MG, na Localix, uma empresa terceirizada pela Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), autarquia da Prefeitura. Porém, como a capital mineira não tem mais apenas um belo horizonte, encontrou na rua um empresário branco, bombadão, Renê da Silva Nogueira Júnior, que se intitulava como “cristão” e “patriota”. Inúmeros acontecimentos de agressão, violência e assassinatos no Brasil, em tempos de extrema-direita raivosa, têm sido praticados por pessoas que se dizem cristãs e patriotas, que destilam ódio e intolerância na convivência humana e social, o que demonstra que são falsos cristãos e falsos patriotas. Como reflexo disso a direita política ganhou as últimas eleições em Belo Horizonte e a extrema-direita disputou até no segundo turno.

Neste contexto social agressivo, o trabalhador com 44 anos, negro, de periferia, honrado, ético, cordial, ser humano com empatia, Laudemir, enquanto catava às pressas sacos de lixo, no bairro Vista Alegre, ao perceber que a motorista do seu caminhão de lixo, estava sendo ameaçada de morte por um homem branco e bombadão, que, em seu carro de luxo, aos gritos a ameaçava, Laudemir se fez solidário à motorista e tentou acalmar os ânimos do criminoso reincidente. Inesperadamente, por volta das 9h03 da manhã, Laudemir foi alvejado por Renê com um tiro certeiro e fatal desferido por meio de uma pistola calibre 380. Enquanto Laudemir limpava a rua recolhendo o lixo, seu sangue foi jogado na rua. É com o sangue dos mártires, pessoas inocentes e justas, que se escreve a história autêntica. Laudemir estará muito vivo em todos os garis e em todas pessoas que lutam por todos os direitos dos garis.

Este crime hediondo e bárbaro, execrável sob todos os aspectos, gerou comoção em todo o Brasil e foi muito divulgado pela imprensa, que deve acompanhar atenta o processo deste crime macabro que não pode cair no esquecimento e deve ser julgado rápido com o rigor das leis. Mais uma sexta-feira da paixão em Belo Horizonte com o assassinato brutal, por motivo fútil e abjeto, do Laudemir. O assassino matou e, em seguida, como se nada tivesse acontecido, foi malhar na academia, foi para a empresa, depois foi passear com cachorro até ser preso em flagrante. Acendeu-se luz vermelha em Belo Horizonte e em todas as cidades sobre as condições de trabalho dos garis.

Dia 20 de agosto último (2025), na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG (ALMG), sob a presidência da deputada Bella Gonçalves, aconteceu uma emocionante Audiência Pública, com transmissão pelo canal no You Tube da ALMG. Vídeo que precisa ser visto por toda a população brasileira. A mãe do Laudemir, dona Irani, não teve forças para falar ao microfone, mas a simples presença dela clamava por justiça. Liliane, a esposa do Laudemir e agora, viúva, mulher de uma fé inabalável, falou com firmeza. Em cada frase, uma espada de verdade que interpela a consciência de quem tem sensibilidade humana e empatia. Com lágrimas caindo, Liliane França da Silva clamor por JUSTIÇA: “A dor que sinto é imensa. Laudemir levantava todos os dias às 2h30 da madrugada e ia fazer o que ele amava fazer: trabalhar na limpeza urbana. Homem honrado, solidário e sempre preocupado com a família. Eu perdoo o assassino, mas exijo justiça. Meu quarto está vazio. Minha casa está vazia. Peço às autoridades: Ouçam os garis, pois eles sentem e sabem o que precisa melhorar no trabalho tão essencial que eles fazem. Respeitem os garis. Vou fazer da minha dor luta. A vida dos garis não vale menos. Que Laudemir seja o último gari assassinado. Que nenhuma mãe, esposa, filha/o tenha que chorar pela morte de outros garis. Que a morte de Laudemir não seja em vão.”

Na Audiência Pública foi denunciado que Laudemir foi morto com arma do Estado, pois o assassino Renê usou uma pistola 380, da esposa dele, a delegada da Polícia Civil, Ana Paula Balbino Nogueira. Por que o assassino usava a arma da delegada? Ela consentia com o uso da arma dela? A Corregedoria da Polícia Civil apreendeu a arma e está investigando a eventual participação da delegada no crime. O criminoso reincidente tinha porte de arma? Se não tinha, ele pediu porte de arma? Se pediu e não conseguiu, por quê? Ele não conseguiu tirar porte de arma por ter já praticado vários crimes, tais como matar uma mulher no Rio de Janeiro por atropelamento, lesão corporal em outra mulher, extorsão e perseguição?  O criminoso também cometeu falsidade ideológica por dizer que tinha vários cursos, o que foi desmentido por várias universidades.

Ao ser encontrado pela Polícia Militar de Minas Gerais (PM/MG), o assassino foi posto no banco detrás da viatura e foi levado para a delegacia sem ser algemado.  Por que os policiais militares não o algemaram e nem jogaram no camburão da viatura ao prendê-lo em uma academia de musculação horas após ele cometer o crime? Por que a PM usa de truculência com os pobres, pretos e periféricos e é boazinha com pessoas de classe social média ou alta? Este racismo institucional tem que acabar. Que a PM respeite os direitos humanos de todas as pessoas e as trate em igualdade de condições e não de forma seletiva.  

O assassinato do Laudemir demonstra pela enésima vez que armamentismo não gera segurança pessoal e nem social; ao contrário, aumenta a violência e o número de mortes. Se o Renê não estivesse armado, ele não teria matado o Laudemir. Quem defende o armamentismo também é cúmplice do assassinato de Laudemir. A paz social exige o desarmamento das pessoas. É preciso empatia e capacidade de dialogar diante dos conflitos.

Renê cometeu vários crimes ao assassinar a sangue frio o gari Laudemir. Primeiro, foi machista ao ameaçar uma mulher, a motorista do caminhão da limpeza urbana. Segundo, homicídio doloso e hediondo. Laudemir foi morto enquanto trabalhava e, por isso, é também “acidente”/crime trabalhista. Renê assassinou Laudemir porque o poder judiciário falhou, pois não o condenou por crimes anteriores.

Temos a responsabilidade de transformar esta dor brutal em um domingo de ressurreição que só acontecerá se conquistarmos justiça no sentido mais profundo. Justiça que incluí condenação implacável nas esferas criminal, cível e trabalhista. O abjeto criminoso não pode voltar a conviver socialmente por décadas. Deve, sim, ter seu direito de ir e vir retirado. Seus bens precisam com urgência ser bloqueados e repassados para a mãe do Laudemir, esposa, enteadas e outros familiares. A justiça trabalhista precisa julgar o “acidente”/crime trabalhista ocorrido.

O Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional precisam, com urgência, regulamentar o pagamento de auxílio periculosidade para todos os garis do Brasil, pois ainda não lhes é pago. A prefeitura de Belo Horizonte e todas as prefeituras do país precisam revisar e melhorar as condições de trabalho da limpeza urbana. É preciso discutir a reestatização da limpeza urbana, o que existia décadas atrás e garantia melhores salários e melhores condições de trabalho. Os salários dos garis do Brasil precisam ser justos. Se os garis, ao limpar o meio ambiente, criam as condições para saúde pública, o salário deles precisa ser equivalente aos salários dos trabalhadores da saúde, médicos e enfermeiras/os.

As prefeituras precisam educar permanentemente a população para respeitar, admirar e cuidar dos garis e multar pessoas que jogam nos sacos de lixo cacos de vidro, espetos de alumínio ou ferro que ferem os garis. Não é justo trabalhar correndo atrás do caminhão, correndo risco de cair, pegar sacos de lixo com cacos de vidro, ponta de espeto, entre outras situações de perigo. Não pode ter meta de trabalho extenuante. E todas as pessoas que vivem nas cidades precisam reconhecer que o trabalho dos garis é essencial e deve ser respeitado e valorizado.

Na Audiência Pública foi dito e enfatizado que é preciso adaptação nos caminhões para melhorar as condições de trabalho. Foi protocolado na ALMG um Projeto de Lei para tornar obrigatório o uso de câmeras nos caminhões da limpeza urbana em Minas Gerais. Foi dito também que já existem em Curitiba, PR, poltronas na traseira dos caminhões de lixo para que os garis não tenham que andar e correr o tempo todo de pé no para-choque do caminhão.

Se não forem feitas as melhorias necessárias, outros garis serão mortos. Em Uberlândia, MG, esta semana um gari morreu atropelado. Na Audiência Pública, um gari motorista de caminhão de lixo denunciou que esta semana foi ameaçado por outro homem. O Ministério Público pediu o bloqueio de três milhões de reais do assassino Renê e da delegada Ana Paula, mas o Poder Judiciário negou. Decisão injusta, pois abre brecha para a dissipação dos bens do criminoso, o que poderá deixar a família enlutada sem indenização.

Enfim, como Jesus Cristo, justo e inocente, Laudemir foi executado em plena luz do dia, enquanto trabalhava honestamente. Laudemir se tornou um mártir da luta dos garis por direitos. Perdemos a presença física do Laudemir, mas ele agora transvivenciado, partilhando vida plena, terna e eterna, viverá sempre em nós na luta por todos os direitos dos garis de Belo Horizonte, do Brasil e do mundo. Nosso abraço solidário a todos os familiares, colegas de trabalho e amigos/as do Laudemir. Laudemir, presente em nós sempre!

26/08/2025

 

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - EMOCIONANTE CLAMOR POR JUSTIÇA: LILIANE FRANÇA DA SILVA, ESPOSA DO GARI LAUDEMIR ASSASSINADO, BH/MG

2 - LAUDEMIR, MÁRTIR DA LUTA DOS GARIS POR DIREITOS. VAMOS DO LUTO À LUTA POR DIREITOS (FREI GILVANDER)

3 - JUSTIÇA PELO GARI LAUDEMIR E P/ TODOS/AS GARIS: AUDIÊNCIA PÚBLICA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS/ALMG



 

 

 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

NA CARTA AOS ROMANOS: SUBMISSÃO ÀS AUTORIDADES (Rm 13,1-7)? Por Frei Gilvander

NA CARTA AOS ROMANOS: SUBMISSÃO ÀS AUTORIDADES (Rm 13,1-7)? Por Frei Gilvander Moreira1


Em setembro de 2025, nos 54 anos do mês da Bíblia, refletiremos a partir da Carta do apóstolo Paulo aos Romanos, escrita nos últimos anos da década de 50 do 1º século da era cristã. Abordaremos aqui neste texto dois assuntos: 1) A Lei versus a gratuidade do amor de Deus; 2)  Paulo em Romanos 13,1-7: submeter-se às autoridades? 

Paulo denuncia o fechamento de certos fariseus convertidos a Cristo, que continuam numa observância cega da Lei, desprezando a gratuidade do amor de Deus (cf. Rm 3,21-31). Ninguém se salva a si mesmo através da rígida observância de preceitos legais (Rm 9,14-24) e nem compra de Deus postura misericordiosa. 

Nenhuma lei nos salva, nem a lei judaica. Viver e conviver como Jesus Cristo viveu, conviveu e lutou, por amor ao próximo, é o caminho libertador e salvador. “A salvação vem pela fé”, afirma e reafirma várias vezes o apóstolo Paulo na Carta aos Romanos, mas que tipo de fé? Não uma fé dogmática e doutrinária que leva a pessoa a aceitar, ingenuamente, o que dizem as autoridades religiosas, mas a fé que consiste em um ato de total confiança na realização das promessas divinas (cf. Rm 4,23-24) e produz uma disposição existencial que leva a pessoa a uma adesão, por amor a Jesus Cristo e ao seu projeto de fraternidade universal e a abraçar, por amor, a vivência do projeto de Jesus Cristo que irradia vida, amor, respeito, ética e solidariedade. 

Para Paulo, o DNA do Evangelho é uma ótima notícia de salvação para toda a humanidade, quer sejam judeus, quer sejam gentios ou de qualquer outro povo e cultura. Jesus veio para todos e todas, também para todos os seres vivos da biodiversidade, o que devemos enfatizar, atualmente, diante do colapso ambiental causado pelo sistema idolátrico do mercado capitalista, que é brutal máquina de moer vidas. 

 Paulo em Romanos 13,1-7: submeter-se às autoridades? O capítulo 13 da Carta aos Romanos se subdivide em duas partes: a) Rm 13,1-7, que aborda como deve ser o comportamento das pessoas cristãs diante das autoridades do império; b) Rm 13,8-14, que trata do amor ao próximo, amor mútuo, na vida da comunidade. 

A afirmação de Paulo, na abertura de Rm 13 é, à primeira vista, muito estranha, ao exortar de forma contundente: “Submetam-se todos às autoridades constituídas, pois toda autoridade vem de Deus” (Rm 13,1). Para resgatarmos o provável sentido deste versículo, temos que perceber que Paulo escreve a comunidades perseguidas, brutalmente, pelo poder político e, por isso, indignadas com toda e qualquer autoridade, comunidades que estão sob a tentação de não aceitar nenhum tipo de autoridade.  

“Gato escaldado com água quente tem medo até de água fria”, diz a sabedoria popular. O verbo ‘submeter’ indica relação de subserviência, que não é o que apregoa Paulo. A melhor tradução é “obedeçam”, o que não implica submeter-se, cegamente, a qualquer autoridade. Paulo não defende obediência a qualquer autoridade, mas às “autoridades constituídas”, ou seja, autoridades legítimas, o que excluí autoridades tirânicas, ditatoriais, impostoras. Inclui, certamente, autoridades democráticas, que se preocupam em coordenar a vida social segundo a vontade de Deus. E qual é a vontade de Deus? Que todos/as construamos relações humanas e sociais onde haja condições objetivas para que todos/as tenham vida em abundância (Jo 10,10). 

Em muitas outras passagens bíblicas se exorta a não obedecer a leis injustas baixadas por autoridades.[1] Há inúmeros exemplos na Bíblia em que povos oprimidos e injustiçados, “povos de Deus”, que desafiam leis e governantes injustos. Os sacerdotes do templo desafiaram a rainha Atalia quando esconderam Joás por seis anos, e até executaram a rainha (2 Rs 11). O exército de Saul interpôs-se diante do rei Saul para proteger Jônatas do injusto decreto de morte do rei (1 Sm 14,45). Jesus não respondeu à pergunta do sumo sacerdote sobre se Ele era o Cristo, embora o sacerdote lhe tenha ordenado que respondesse (Mt 26,62-63).

Segundo o Evangelho de Lucas, no segundo envio missionário, em contexto conflituoso em que os/as discípulos/as estariam como ovelhas no meio de lobos, Jesus ordenou que seus discípulos comprassem espada, embora isso fosse ilegal de acordo com a lei romana (cf. Lc 22,36-38). E o apóstolo Paulo relata como ele foi baixado dos muros da cidade de Damasco em uma cesta, desafiando o governador sob o rei Aretas, que estava vigiando a cidade para prendê-lo (cf. 2 Cor 11,32-33; At 9,23-25).  

Devemos buscar um fio condutor na interpretação dos textos bíblicos, que mostre unidade da mensagem bíblica. Leitura fundamentalista, que “pinça” versículos isolados, pode nos levar a interpretações antagônicas e contraditórias, à ideia falsa de que os povos bíblicos de Deus atiram para todos os lados, em posições diametralmente opostas. Óbvio que na Bíblia há palavra de Deus, mas nem tudo o que está na Bíblia é palavra de Deus, pois é literatura escrita por mãos humanas, em contexto histórico e em situações circunstanciadas. 

Em Rm 13,1, observando todos os detalhes do versículo inteiro, os textos anteriores e a continuidade da reflexão, Paulo exclui subserviência a toda e qualquer autoridade, mas reconhece que a vida social precisa de coordenação e gerenciamento, senão se instaura o caos social, o que violenta a vida, principalmente dos mais enfraquecidos. Paulo está animando as comunidades cristãs a reconhecerem que, algum tipo de autoridade constituída de forma legítima é necessário e que as comunidades não podem “chutar o pau da barraca” e “jogar fora a criança com a água suja”. Se umas autoridades estão sendo opressoras, não podemos generalizar e dizer que qualquer pessoa que assumir o poder político, exercerá de forma opressora sua autoridade.  

É importante lembrar que antigamente os documentos da Bíblia não eram divididos em capítulos e versículos. Assim, esse começo do capítulo 13 da Carta aos Romanos está situado no contexto mais amplo dos versos anteriores que tratam do amor aos inimigos. Paulo estava afirmando: “A ninguém pagueis o mal com o mal” (Rm 12,17). “Não vos vingueis de ninguém” (Rm 12,19). “Se o teu inimigo estiver com fome, dá-lhe de comer...(...) Agindo assim, estarás amontoando brasas sobre a sua cabeça” (Rm 12,20). E, aí, imediatamente afirma: obedeçam às autoridades. Portanto, trata da relação com as autoridades do império no contexto do amor aos inimigos, amor que deve ser crítico, lúcido e perspicaz. O Evangelho de Jesus Cristo nos pede para amarmos todas as pessoas, porém, não do mesmo jeito. Devemos amar os/as empobrecidos/as e injustiçados/as nos colocando ao lado deles e delas para com eles/elas empreendermos lutas coletivas concretas pelos seus direitos e devemos amar os inimigos/opressores de outro jeito: fazendo o possível e o impossível para retirar das suas mãos as armas da opressão e da exploração. 

“Todos devem obedecer às autoridades constituídas”, não apenas a classe trabalhadora, o povo, mas todos/as, sem exceção, o que inclui a classe dominante e quem está na autoridade política. Em linguagem nossa, todos/as, sem exceção, estão sob os ditames das leis constituídas de forma legítima. E dizer que “não há autoridade que não venha de Deus” significa negar a divinização do imperador, que é imposto como se fosse a fonte da sua própria autoridade. Paulo está subvertendo a lógica imperial de dominação e animando as comunidades cristãs a se rebelarem contra a ideologia dominante, que considera o imperador como um deus. Para Paulo, o imperador não é um deus, é um ídolo. Para Paulo, o Deus verdadeiro é o papai (abba, em aramaico, Rm 8,14-15) de Jesus Cristo, o que o ressuscitou dos mortos e Jesus está vivo como Emanuel no nosso meio nos inspirando e guiando.  

Paulo reflete sobre as relações humanas e sociais entre os governados e governadores. Em Rm 13,2, ele alerta que marcha para sua própria condenação, quem se opõe às autoridades que agem como Deus quer. Ou seja, benditas as autoridades quando são justas e éticas. Estas são elogiadas pelo apóstolo Paulo. 

Em Rm 13,3, Paulo pondera com sensatez: Quem governa fazendo o bem, não há por que temer o povo governado, mas se faz o mal, pode temer, pois poderá haver rebelião e revolta popular. O ditado popular que diz “Quem não deve não teme” parece que se inspira na carta de Paulo aos Romanos. Quem age de forma ética e justa não há por que temer nenhuma autoridade. 

Em Rm 13,4, Paulo alerta para a dimensão pedagógica da autoridade política. Como não somos uma sociedade de anjos(as) ou de pessoas santas perfeitas, é preciso existir a “espada”, símbolo do poder coercitivo que deve ser restrito, segundo Paulo, para a correção de quem age mal. Diz Paulo: “A autoridade é instrumento de Deus para o seu bem” (Rm 13,4). Esta afirmação parece defender que, como no corpo humano, para que ele tenha condições de vida, é preciso ter ossos que sustentem a estrutura dos aparelhos circulatórios, nervoso, muscular..., assim também, não podemos defender, na convivência social, uma anarquia radical e absoluta, uma sociedade sem governo, pois será cada um por si e os mais fortes se imporão sobre os fracos e a tirania será instaurada. Nesse sentido é que certo tipo de autoridade é instrumento de Deus para a construção de seu reinado no mundo. 

Em Rm 13,5, Paulo exorta que, a obediência de todos/as às autoridades constituídas, não pode ocorrer somente por medo de represália, mas, também, por uma adesão ética, que é o que assegura princípios orientadores de uma convivência social justa, ética e saudável. 

19/08/25

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO

2 - CARTA AOS ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI RICHTER REIMER-EQUIPE DE PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG

3 - CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA VASCONCELOS

4 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1

5 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos - Parte 1

6 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos

7 - Carta de Paulo aos Romanos 01/06

8 - Carta de Paulo aos Romanos 02/06

9 - Carta de Paulo aos Romanos 03/06

10 - Carta de Paulo aos Romanos 04/06

11 - Carta de Paulo aos Romanos 05/06

12 - Carta de Paulo aos Romanos 06/06



[1] Cf. 1 Sm 14,45; 2 Rs 11; Is 10,10, Mt 26,62-63; Lc 22,36-38; At 4,18-19; 5,29.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, ESTRUTURA, ASSUNTOS E COMO FOI ESCRITA. Por Frei Gilvander

CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, ESTRUTURA, ASSUNTOS E COMO FOI ESCRITA. Por Frei Gilvander Moreira1

Reprodução: Redes Virtuais 

No ano de 2025, em setembro, mês da Bíblia, CARTA AOS ROMANOS será o Livro da Bíblia a ser refletido para animar a caminhada das Comunidades Cristãs. Nós do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI/MG) produzimos um texto-base com o título A PRÁXIS LIBERTADORA DA CARTA AOS ROMANOS: JUSTIÇA, AMOR E REBELDIA – CEBI/MG, 2025 - e uma Cartilha para alimentar a caminhada libertadora, ecumênica e inter-religiosa na construção de uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, sustentável ecologicamente, democrática politicamente e responsável social e geracionalmente. Eis um segundo texto que disponibilizamos.

Para uma justa, sensata e libertadora compreensão da Carta do apóstolo Paulo às Comunidades Cristãs da periferia de Roma, a capital do império romano escravocrata é necessário entendermos o contexto literário e histórico em que foi escrita a Carta aos Romanos.

Primeira questão: A Carta e os destinatários no contexto da ideologia do Império. Esta carta de Paulo, provavelmente, reúne vários escritos paulinos. Deve ter sido escrita não de uma só vez e obteve a contribuição de outras pessoas que estavam irmanadas na missão profética, libertadora e de inculturação do Evangelho de Jesus Cristo. Na carta se diz que Paulo teve a ajuda de seu escrivão Tércio (Rm 16,22). 

A maioria das pessoas das comunidades cristãs de Roma era composta por judeus da diáspora, pessoas empobrecidas. Grande número constituía-se de escravos vindos do paganismo. Outros eram estrangeiros, que vieram morar e trabalhar na grande cidade, capital do império. 

Recordemos que as primeiras comunidades cristãs eram pequenas em relação aos adeptos da Religião Imperial e eram ilícitas, legalmente proibidas, no império romano até 313 da Era Comum, ano em que o imperador Constantino (306-337), pelo Acordo de Milão, de 13 de junho de 313, assegurou a tolerância e a liberdade de culto para os cristãos, em todas as colônias do império. As comunidades cristãs não viviam em Estado laico com liberdade religiosa garantida pela Constituição, como no Brasil atual. 

A carta não foi enviada a todas as pessoas romanas, pois ‘romanos’ diz respeito a todos/as habitantes de Roma, a capital do império que, com a Espanha, era compreendida pelo autor de Atos dos Apóstolos como “confins do mundo” (At 1,8). A carta foi endereçada apenas a membros de pequenas comunidades cristãs que tinham surgido na periferia de Roma, nas “barbas” do imperador, como o profeta Daniel na “cova dos leões” (cf. Dn 6,16-28). “Cutucar a onça com vara curta” era e continua sendo muito arriscado. Esta localização geográfica muito influenciou na forma de se lidar com as autoridades opressoras, pois, certamente, o sistema de controle e vigilância era aí muito mais presente e incisivo do que em longínquas colônias pouco povoadas, onde emissários do império frequentavam com muito menos frequência. E também a sedução da ideologia imperial com seus falsos valores, era mais incisiva para quem estava mais próximo do epicentro do Império.  

Sendo esse poder imperial divinizado, também existia uma idolatria profundamente enraizada, veiculada pela ideologia imperial, que apontava como subversivo político-religioso quem questionasse as ordens e as imposições do imperador (como subversivo político-religioso), o que era algo intolerável pelo sistema imperial. Provavelmente, a vida das comunidades cristãs nas periferias da capital do império era de fato um desafio imenso, pois as pessoas cristãs tinham que sobreviver nas catacumbas como milhares de terreiros do Candomblé ou da Umbanda, atualmente, no Brasil, que são forçados a sobreviver na invisibilidade, pois se vierem à luz do dia, o risco de serem atacados e destruídos, é muito grande. 

Conforme Suetônio, historiador romano, no ano 49 do 1º século da Era Comum, o imperador Cláudio expulsou de Roma as pessoas fiéis do Judaísmo e, provavelmente, também as cristãs. Priscila e Áquila, casal judeu-cristão, vítimas dessa expulsão, se exilaram em Corinto, onde se encontraram com Paulo (At 18,1-3), que realizava a segunda viagem missionária (anos 50-52 da Era Comum). É através de Priscila e Áquila que Paulo é informado sobre a situação de pessoas cristãs nas periferias de Roma. 

Paulo está preocupado em corrigir falsas interpretações a respeito de sua evangelização entre os pagãos, provavelmente levadas a Roma por judeus e por cristãos judaizantes (Rm 16,17-18). As notícias e os textos paulinos circulavam entre as comunidades cristãs (cf. At 21,21; Rm 15,31). Na Carta aos Romanos, Paulo aprofunda o assunto que já abordara na Carta aos Gálatas: a salvação é gratuidade de Deus pela fé, não pelas obras, para toda a humanidade, sem exceção. Se compararmos Gl 3,19-22 com Rm 3,20; 7,7-13; ou Gl 5,12-21 com Rm 8,5-13 veremos a grande semelhança e, em Romanos, a elucidação de assunto muito espinhoso. O caminho é acreditar em Jesus Cristo e no seu evangelho tornando-se seu discípulo/s, o que implica em não reconhecer o imperador como senhor e salvador, passando a viver em comunidade, na fraternidade social, econômica, política, espiritual e ecológica, devemos dizer atualmente, inclusive. 

À primeira vista, a Carta aos Romanos trata apenas de temas teológicos como a salvação pela fé, graça de Deus, vida no Espírito..., mas prestando mais atenção na carta, o apóstolo Paulo se dedica a refletir e a orientar sobre problemas pastorais, que estavam sendo desafios para as comunidades cristãs na periferia da capital do império. Paulo reflete e orienta, também, sobre como deve ser o comportamento ético das pessoas que se dizem cristãs e as anima a não deixarem que os vírus dos falsos valores da ideologia imperial se alojem nas pessoas, desumanizando-as. 

A Carta aos Romanos deve ter sido escrita entre os anos 55 e 57 do século I da Era Cristã. Em Corinto, Paulo se preparava para viajar a Jerusalém, para levar a coleta que ele tinha incentivado junto às igrejas da Ásia, da Macedônia e da Acaia, em favor da comunidade-Mãe de Jerusalém (cf. Rm 15,22-29). Mais do que solidariedade econômica, esta coleta buscava expressar comunhão política, pois com o gesto de partilha econômica se dizia: pensamos diferente, mas estamos juntos, em comunhão, irmanados/as no seguimento do Evangelho de Jesus Cristo. Vocês, cristãos de Jerusalém, ainda acreditam que a circuncisão é necessária, mas nós, cristãos de fora da Palestina, experimentamos que Deus é amor gratuito e acolhe os de fora, sem exigir deles a circuncisão.

Paulo planejava visitar comunidades cristãs na periferia de Roma e de lá partir para sua tão sonhada viagem para a Espanha (cf. Rm 15,23-24). Na carta, de Rm 1,16 a 8,39, não há referência a Roma ou a qualquer outra comunidade. Parece que Paulo já estava escrevendo para responder aos ataques dos cristãos judaizantes, reunindo vários escritos em uma só carta que envia à comunidade cristã de Roma. A diaconisa Febe, da Igreja de Cencreia, foi quem levou a carta (Rm 16,1), sinal de que nas primeiras comunidades cristãs havia diaconisas e apóstolas como Júnia (Rm 16,7). Portanto, a Bíblia não justifica discriminar as mulheres. Elas têm direito de serem cidadãs na sociedade e na igreja. 

A Carta aos Romanos está estruturada da seguinte forma: Introdução (Rm 1,1-15); Parte Teológica (Rm 1,16 a 11,36); Parte Pastoral (Rm 12,1 a 15,13); Saudações finais (Rm 15,14 a 16,27). Observe que Rm 13 está na parte pastoral da carta, o que indica que não deve ser compreendido como doutrina teológica universal, mas precisa ser compreendido dentro do contexto em que a comunidade estava vivendo e com objetivo preciso.

Faz bem recordarmos que a Carta aos Romanos tem feito história ao longo de quase 2 mil anos. No século IV, Santo Agostinho, ao ler a Carta aos Romanos, empreendeu um intenso processo de conversão. Mais tarde, no século XVI, se inspirando em Santo Agostinho e na Carta aos Romanos, Martinho Lutero sentiu o apelo divino e teve a coragem e a sabedoria de promover a Reforma na Igreja, que estava enleada por falsificações no seguimento de Jesus Cristo como o caso do comércio de indulgências, entre muitas outras desvirtuações do Evangelho de Jesus Cristo. 

14/08/25

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO

2 - CARTA AOS ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI RICHTER REIMER-EQUIPE DE PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG

3 - CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA VASCONCELOS

4 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1

5 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos - Parte 1

6 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos

7 - Carta de Paulo aos Romanos 01/06

8 - Carta de Paulo aos Romanos 02/06

9 - Carta de Paulo aos Romanos 03/06

10 - Carta de Paulo aos Romanos 04/06

11 - Carta de Paulo aos Romanos 05/06

12 - Carta de Paulo aos Romanos 06/06



 

 

 

 

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

DEUS QUER PODEROSOS DESTRONADOS E RICOS DE MÃOS VAZIAS (Lc 1,39-56). Por Frei Gilvander

DEUS QUER PODEROSOS DESTRONADOS E RICOS DE MÃOS VAZIAS (Lc 1,39-56). Por Frei Gilvander Moreira1

Reprodução Redes Virtuais

No Evangelho de Lucas, em Lc 1,39-56 se narra “a visita de Maria a Isabel” e o Cântico de Maria, o Magnificat. Pertence aos relatos do nascimento e infância de João Batista e de Jesus (Lc 1-2). O contexto é de aldeias do campo: Maria é da aldeia de Nazaré e vai a uma aldeia da Judeia para servir sua prima Isabel que estava grávida. Lucas não pretende, em primeiro lugar, mostrar como isso aconteceu, mas reler na década de 80 do século I esses acontecimentos à luz da morte-ressurreição de Jesus, a fim de iluminar a caminhada das primeiras comunidades cristãs. Não se trata, pois, de crônica histórica, mas de leitura teológica. Lucas 1,49-56 se divide em dois momentos: Lc 1,39-45, onde o Deus da vida se revela aos pobres e Lc 1,46-56, o Cântico de Maria (Magnificat), um cântico revolucionário.

Na anunciação, o anjo Gabriel informara Maria a respeito da gravidez de Isabel, com a garantia de que nada é impossível para Deus (Lc 1,37). Ao declarar-se serva do Senhor (Lc 1,38), Maria concebe Jesus e, como sinal de seu serviço, dirige-se apressadamente, não ao templo, mas à casa de Zacarias, ao encontro de Isabel para servi-la (Lc 1,39-40). A cena mostra o encontro de duas mulheres mães agraciadas com o dom da fecundidade e da vida (Isabel era estéril e Maria namorava com José, mas ainda não tinha se casado); mostra também o encontro de duas crianças: o precursor e profeta João Batista e Jesus que seria o Messias salvador, ambos sob o dinamismo do Espírito Santo.

Não no templo, mas numa casa (oikia, em grego), uma mulher idosa reconhece a presença do divino em uma mulher jovem e esta, Maria, ao visitar Isabel, reconhece também a presença do divino em uma mulher idosa. Mulheres de gerações diferentes se confirmando e se irmanando na caminhada de construção do reino de Deus no meio dos pobres.

Jesus havia sido concebido por obra do Espírito, o que não exclui a participação de José na concepção de Jesus, pois “a graça supõe a natureza”, já dizia o filósofo e teólogo Tomás de Aquino; João Batista exulta no seio de Isabel que, cheia do Espírito Santo, proclama Maria bem-aventurada: “Bendita és tu entre as mulheres, bendito o fruto do teu ventre” (Lc 1,42). A cena mostra, sobretudo, que Deus se revela aos pobres e faz deles sua morada permanente. O mensageiro divino havia revelado a Maria o dom feito a Isabel, a marginalizada porque estéril; o Espírito revela a Isabel que Maria, a serva do Pai, se tornou “mãe do meu Senhor” (Lc 1,43). Assim, Deus entra na casa dos pobres e humilhados que esperam a libertação, cansados de opressão e exploração pelo império romano escravocrata, pelos saduceus que grilavam as terras, pelo sinédrio que taxava os pobres como impuros e, assim, era cúmplice das opressões dos reis biônicos Herodes e Pilatos, impostos pelo imperador.

A etimologia dos nomes das personagens nos ajuda a ver melhor: Jesus significa ‘Deus salva’; João, ‘Deus é misericórdia’; Zacarias, ‘Deus se lembrou de nós’; Isabel, ‘Deus é plenitude’, ‘mulher de Deus’; Maria, ‘a amada’. Maria se torna, assim, pioneira insuperável de evangelização, pois leva Jesus-Messias às pessoas desde quando ele estava em seu ventre.

As palavras de Isabel a Maria (Lc 1,42b-45) se inspiram nos elogios das mulheres libertadoras do Primeiro Testamento: Jael, mulher estrangeira do Povo Quenita (“Que Jael seja bendita entre as mulheres”, Jz 5,24.) e Judite, mulher imprescindível na salvação do povo ameaçado (“Que o Deus Altíssimo abençoe você, minha filha”, Jt 13,18; cf. Gn 14,19-20.).

A expressão de alegria de Isabel ao acolher Maria (Lc 1,43) recorda a surpresa de Davi ao acolher a Arca (“Como é que a Arca de Javé poderá ser introduzida em minha casa?”, 2Sm 6,9.). Em base a esse paralelismo, alguns veem em Maria a arca da nova Aliança, por ser ela a mãe do menino que é chamado Santo, Filho de Deus (Lc 1,35). Mas o elogio de Isabel a Maria vai além de sua maternidade física. A grande bem-aventurança de Maria é ter acreditado que as coisas ditas pelo Senhor iriam cumprir-se (Lc 1,45). Isso está em perfeita sintonia com o Evangelho de Lucas, no qual ela aparece como modelo de discípula. O próprio Jesus afirma haver uma bem-aventurança que supera a da maternidade física: “Felizes, antes, as pessoas que ouvem a palavra de Deus e a colocam em prática” (cf. Lc,11,17-28).

Duas são as características mais importantes de Maria no relato da visita a Isabel. E são exatamente as qualidades do discipulado no Evangelho de Lucas: atenção e adesão absolutas à palavra de Deus e, como conseqüência disso, serviço incondicional a quem necessita. Maria é discípula fiel (em relação a Deus) e solidária (em relação ao próximo).

Em Lc 1,46-56, no Cântico de Maria: Deus realiza a esperança dos pobres. O Magnificat se inspira fortemente no Cântico de Ana (1Sm 2,1-10), mãe de Samuel, depois que Deus a livrou da humilhação da esterilidade.

Os biblistas afirmam que o Magnificat, assim como se encontra, não foi composto por Maria. Uma prova disso são os verbos no passado: agiu com a força de seu braço, dispersou, depôs, exaltou, cumulou, despediu etc. (Lc 1,51-55). Esses verbos no passado revelam que o hino é lido à luz da vida, morte e ressurreição de Jesus. Deus subverteu a realidade brutal que a condenação de Jesus à morte havia criado.

É bem provável que este Cântico de Maria fosse um hino das primeiras comunidades cristãs, onde se louva a intervenção de Deus em favor dos pobres, humilhados e famintos, contra os orgulhosos, poderosos e ricos (característica dos hinos de louvor). O contraste de sortes ressalta o poder de Deus e as maravilhas que realiza em favor dos pobres, coroando suas esperanças. O evangelista Lucas atribuiu esse hino a Maria porque ela, mais que todas as pessoas seguidoras de Jesus, expressa os sentimentos e as atitudes de compromisso, esperança e confiança no poder de Deus.

Lucas foi muito corajoso ao atribuir esse hino a Maria, ressaltando-lhe o valor e a importância enquanto figura representativa de uma coletividade. Ela, portanto, é porta-voz qualificada dos discípulos e discípulas de Jesus Cristo, dos pobres que anseiam e lutam por libertação. Maria é porta-voz dos oprimidos, pobres, aflitos, viúvas e órfãos. Opostos a estes estavam os ricos, mas também os orgulhosos e autossuficientes que punham suas esperanças nos próprios recursos, não sentindo qualquer necessidade de Deus.

O Cântico de Maria, um dos mais revolucionários da Bíblia, é profético, não no sentido de previsão do futuro, mas no sentido genuíno da profecia, que pode ser traduzida como denúncia de algo injusto e anúncio de uma transformação. Maria é profetisa porque, movida pelo Espírito de vida, encarna os ideais dos profetas e das profetisas do Primeiro Testamento, do qual também ela faz parte.

O espírito do Magnificat combina com o da comunidade cristã de Jerusalém (At 2,43-47; 4,32-37), na qual provavelmente o hino tomou corpo, tornando-se canto de louvor pela libertação. Pondo-o nos lábios de Maria, Lucas atribui a ela um papel importante na história da humanidade. Como os salmos de louvor, o Magnificat contém uma introdução (Lc 1,46b-47) onde se louva Deus; um corpo (Lc 1,48-53), que enumera os motivos de louvor (cf. Lc 1,48: porque…), e uma conclusão (Lc 1,54-55), que ressalta porque Deus agiu assim, cumprindo as promessas feitas aos antepassados. Dentro do hino há pares que fazem de Maria a figura representativa de todo o povo: serva/servo; humilhação/humildade/humildes; a misericórdia de Deus que se estende..., Deus que se lembra de sua misericórdia.

A introdução vê realizadas as expectativas da profetisa Ana (cf. 1Sm 1,11) e do profeta Habacuc (Hab 3,18), que traduzem as esperanças dos pobres (anawim). Atribuindo a Maria este hino, Lucas a torna intérprete dos anseios dos humilhados que veem, finalmente, realizadas suas esperanças. Todo o ser de Maria é envolvido no louvor.

O corpo do Magnificat ressalta a ação de Deus em favor dos humilhados (inicia com porque...). Essa ação é descrita como maravilha, termo que, na Bíblia, marca as grandes intervenções de Deus em vista da libertação (por exemplo, a Criação, o Êxodo, a Caminhada no deserto, a Conquista da terra prometida...). A maravilha divina é libertar os que sofrem e esperam nele, exaltando-os e cumulando-os de bens. Os beneficiados são dois: Maria e os pobres. Os aspectos político e econômico estão bem representados (poderosos destronados; ricos despedidos de mãos vazias).

A conclusão salienta que a ação de Deus em favor dos pobres é fruto da memória de sua misericórdia, renovando hoje os benefícios e opções feitos no passado, mantendo assim a fidelidade prometida a Abraão e a seus descendentes.

Enfim, o Cântico de Maria é um dos mais revolucionários dos povos da Bíblia que lutam pela superação de todo tipo de opressão e exploração. “O Todo-Poderoso dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias” (Lc 1,51-553). A profetisa Maria brada em alto e bom som que os poderosos serão derrubados e os ricos esvaziados de suas riquezas. Isso é profecia, não é vingança, porque em uma sociedade capitalista com idolatria do mercado não é possível se tornar rico sem oprimir e sem explorar, seja por receber herança que deveria ser de todos os filhos e filhas de Deus, seja pela acumulação de riqueza e poder, o que exige o empobrecimento da maioria. Portanto, denunciar os poderosos e ricos é questão de justiça e não de vingança. E temos que anunciar: Benditos os pobres humildes que testemunham o projeto de Jesus no meio da humanidade aqui e agora, pois agindo assim são presença do divino no nosso meio.

O Magnificat... Um verdadeiro canto de esperança e revolucionário porque entoado por uma mulher que se faz porta-voz das comunidades com fé, ternura, coragem. Maria...

A devoção a Maria, os Terços, os Rosários, as Ave-Marias salpicadas no dia a dia da caminhada do povo de Deus manifestam a beleza e a riqueza da nossa fé.  Maria é merecedora desse louvor e acolhe com amor as súplicas dos seus filhos e filhas, mas não podemos nos esquecer do Magnificat... Rezemos a Maria para que nos ajude a ter, como ela, o olhar profético, o coração solidário, a vida a serviço da causa de libertação dos pobres e em defesa da vida!

O Cântico de Maria nos pede: Sejamos humildes e não soberbos e nem gananciosos. Livra-nos, Deus da vida, da sede de poder! Doar a vida no serviço aos pobres e na luta pela libertação de todos/as e tudo seja nossa meta. Livra-nos, Deus-Amor, da sedução de riqueza! De mãos vazias, em estilo de vida simples, sejamos discípulos e discípulas de Jesus Cristo, fazendo o que ele nos pede: amar como ele amou.