DOS TRABALHADORES O VINHO BOM, NO 6O DIA: CRIAÇÃO DA NOVA HUMANIDADE (Jo 2,1-11) - Por Gilvander Moreira[1]
No dia 12
de outubro de 2025, o Evangelho proposto para a celebração nas comunidades
cristãs é Jo 2,1-11, “Bodas de Caná”, que integra a seção Livro dos Sinais (Jo
1,19-12,50), o primeiro dos sete sinais que estão no Evangelho de João dos
capítulos dois ao onze. Sinais e não milagres. Nos Evangelhos de Mateus, Marcos
e Lucas há relatos de muitos milagres, mas o Evangelho de João relata sete
sinais, que é algo “como sinal de trânsito” que nos aponta para algo mais
profundo.
Os
sinais se manifestam em situações de carência – falta de vinho, falta de pão,
falta de visão... – e devem ser compreendidos na perspectiva de encontrar
respostas para aquelas perguntas sobre o contexto das comunidades do Quarto
Evangelho. É possível que para escrever o Livro dos Sinais (Jo 1 –12) as
comunidades cristãs do Quarto Evangelho tenham usado um “Evangelho dos sinais”,
conhecido também por Marcos, mas perdido ao longo do tempo. Este “Evangelho dos
sinais” conteria “milagres” de Jesus presentes nos dois evangelhos: a cura de
um paralítico, a “multiplicação” dos pães, Jesus andando sobre as águas, a cura
de um cego.
Conforme
frei Carlos Mesters, “o Evangelho de João não tira fotografias, mas RAIO X com
os olhos da fé, do coração: mostra os ossos invisíveis da fé que sustenta todos
e tudo.” O Quarto Evangelho vê o mais profundo. “A essência é invisível aos
olhos humanos”, já dizia o grande filósofo Aristóteles.
No
Quarto Evangelho a
liderança das mulheres se destaca (Cf. Jo 2,5: a mãe de Jesus; 11,20-29: Marta
e Maria, irmãs de Lázaro; 12,3: Maria, irmã de Lázaro; 19,25-27: a mãe de
Jesus, Maria, a mulher de Cléofas e Maria Madalena; 20,16-18: Maria Madalena). As
comunidades do Quarto Evangelho mantinham o espaço para a importante
participação das mulheres, característica respaldada também em Mc 15,40-41; At 16,11-15; Rm 16,1-16. Lugar onde se dá o encontro com Jesus, o poço é um
ponto estratégico das aldeias na Palestina. Lugar de partilha dos recursos, do
encontro entre as mulheres, das conversas matutinas.
Se
no Evangelho de Mateus é o apóstolo Pedro que reconhece por primeiro Jesus como
“o messias, o senhor, salvador”, no centro do Evangelho de João está a confissão
messiânica de Marta (Jo 11,27: “Sim, Senhor. Eu acredito que tu és o Messias, o
Filho de Deus que devia vir a este mundo.”), confissão igual à de Pedro em Mt
16,16.
Devemos
enfatizar que para compreendermos Jo 2,1-11, “Bodas de Caná”, faz bem
reconhecer a relevância das mulheres no Evangelho de João: Maria está no início
e no fim. Em Jo 2,3 e 4 aparece claramente uma evolução na fé que vai desde a
desconfiança de Jesus a respeito dos judeus (Jo 2,23-42). No centro da
confrontação entre Jesus e os judeus aparece outra mulher, a que deve ser
apedrejada por adultério. No centro de João está a confissão de Marta (Jo
11,27). No final do ministério público de Jesus, está outra mulher, Maria de
Betânia. Com um gesto profético, ela unge os pés de Jesus (Jo 12,1-11). O seu
gesto foi repetido pelo próprio Jesus na última ceia (Jo 13,1-16). Tem ainda
outro grupo de mulheres (Jo 19,25-27). Maria Madalena é a mulher da busca
incansável. A credencial para ser apóstolo é ter visto o Senhor ressuscitado e
ter sido enviado a anunciá-lo (1 Cor 9,1-2; 15,8-11; Gl 1,11-16). Por isso,
desde o começo da tradição apostólica, Maria Madalena recebeu o título de
apóstola dos apóstolos. É bom conferir as diferenças entre as conversas de
Jesus com Nicodemos e com a samaritana. Esta é mulher, anônima, desprezada
socialmente e marginalizada. Ela não procura Jesus diretamente, mas é uma
mulher com sede de vida, disposta a ter uma água que não seja a água parada no
poço. Sente-se atraída pela proposta de Jesus, crendo, aceitando e reconhecendo
nele o Messias. A conversa com a samaritana acontece em plena luz do dia.
Por que
falta vinho na festa em CANÁ? (Cf. Jo 2,4) Por causa do vinho muito sangue foi
derramado naquela região (cf. Jz 9,12-13; I Sam
8,14; I Rs 21) devido ao
aprisionamento da terra nas mãos
de poucos. A
realidade é de escassez, de carência. A solução aparece a partir da intervenção
de uma mulher, pelo trabalho dos servos (pequenos e insignificantes) e a
solidariedade de Jesus. É na mão dos serventes que a água se torna vinho.
Depois da festa em Caná, cidade da periferia da Palestina, Jesus vai à festa da
Páscoa em Jerusalém e lá ele “estraga” a festa ao expulsar os vendilhões do
Templo (cf. Jo 2,13-22). Este episódio, segundo os Evangelhos de Mateus, Marcos
e Lucas, é o que precipita a decisão de assassinar Jesus. Mas já segundo Jo
11,45-54, o que precipitou a decisão de sacrificar Jesus foi a ressurreição de
Lázaro, Jesus se revelando como fonte de vida. Quem gera vida deve ser
assassinado, não pode ser tolerado, concluem os adversários “judeus”. Seis
talhas de pedra significam as seis festas judaicas e recordam a Lei em
“pedras”.
Na Bíblia
casamento significa a realização do íntegro relacionamento entre Deus e o povo,
as núpcias definitivas. Desde Oséias (Os 2,21-22). Jeremias também aponta para
a esperança de um casamento íntegro (Jr 31,1-4) com esta novidade: será a
mulher que seduzirá o marido (Jr 31,17-22). O casamento em Caná quer mostrar
que Jesus é o verdadeiro noivo que veio para o tão esperado casamento, trazendo
um vinho gostoso e abundante.
Numa Comunidade Eclesial de Base (CEB), alguém
comentou: “Jesus transformou muito vinho. Foram 600 litros. Será que beberam
tudo?” Uma mulher respondeu repentinamente: “O
vinho novo é Jesus com seu projeto e nós continuamos tomando até hoje. É quem
sustenta nossas vidas.”
Nas
Bodas de Caná, Deus se faz presente no meio do povo e com esse povo celebra a
vida, a partilha, suas alegrias e suas necessidades. E foi uma mulher,
Maria, que, atenta, sensível e confiante na ação do filho, mostrou a Jesus a
necessidade do momento: "Eles não têm mais vinho!" E disse ainda aos
que estavam servindo: "Façam o que Ele mandar."
Como
Maria, estamos também atentos à realidade para reconhecer as necessidades do
nosso tempo, de tantos irmãos e irmãs? Necessidades que podem ser supridas se
colocarmos em ação o projeto de vida nova que Jesus propõe. Foi assim nas Bodas
de Caná: Jesus inaugurou um tempo novo, tendo como protagonistas de
transformação da realidade os pequenos. E houve abundância... "Eu vim para que todos tenham vida e
vida em abundância” (Jo 10,10).
08/10/25
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