quarta-feira, 8 de outubro de 2025

DOS TRABALHADORES O VINHO BOM, NO 6O DIA: CRIAÇÃO DA NOVA HUMANIDADE (Jo 2,1-11) - Por Gilvander

DOS TRABALHADORES O VINHO BOM, NO 6O DIA: CRIAÇÃO DA NOVA HUMANIDADE (Jo 2,1-11) - Por Gilvander Moreira[1]



No dia 12 de outubro de 2025, o Evangelho proposto para a celebração nas comunidades cristãs é Jo 2,1-11, “Bodas de Caná”, que integra a seção Livro dos Sinais (Jo 1,19-12,50), o primeiro dos sete sinais que estão no Evangelho de João dos capítulos dois ao onze. Sinais e não milagres. Nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas há relatos de muitos milagres, mas o Evangelho de João relata sete sinais, que é algo “como sinal de trânsito” que nos aponta para algo mais profundo.

Os sinais se manifestam em situações de carência – falta de vinho, falta de pão, falta de visão... – e devem ser compreendidos na perspectiva de encontrar respostas para aquelas perguntas sobre o contexto das comunidades do Quarto Evangelho. É possível que para escrever o Livro dos Sinais (Jo 1 –12) as comunidades cristãs do Quarto Evangelho tenham usado um “Evangelho dos sinais”, conhecido também por Marcos, mas perdido ao longo do tempo. Este “Evangelho dos sinais” conteria “milagres” de Jesus presentes nos dois evangelhos: a cura de um paralítico, a “multiplicação” dos pães, Jesus andando sobre as águas, a cura de um cego.

Conforme frei Carlos Mesters, “o Evangelho de João não tira fotografias, mas RAIO X com os olhos da fé, do coração: mostra os ossos invisíveis da fé que sustenta todos e tudo.” O Quarto Evangelho vê o mais profundo. “A essência é invisível aos olhos humanos”, já dizia o grande filósofo Aristóteles.

No Quarto Evangelho a liderança das mulheres se destaca (Cf. Jo 2,5: a mãe de Jesus; 11,20-29: Marta e Maria, irmãs de Lázaro; 12,3: Maria, irmã de Lázaro; 19,25-27: a mãe de Jesus, Maria, a mulher de Cléofas e Maria Madalena; 20,16-18: Maria Madalena). As comunidades do Quarto Evangelho mantinham o espaço para a importante participação das mulheres, característica respaldada também em Mc 15,40-41; At 16,11-15; Rm 16,1-16. Lugar onde se dá o encontro com Jesus, o poço é um ponto estratégico das aldeias na Palestina. Lugar de partilha dos recursos, do encontro entre as mulheres, das conversas matutinas.

Se no Evangelho de Mateus é o apóstolo Pedro que reconhece por primeiro Jesus como “o messias, o senhor, salvador”, no centro do Evangelho de João está a confissão messiânica de Marta (Jo 11,27: “Sim, Senhor. Eu acredito que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir a este mundo.”), confissão igual à de Pedro em Mt 16,16.

Devemos enfatizar que para compreendermos Jo 2,1-11, “Bodas de Caná”, faz bem reconhecer a relevância das mulheres no Evangelho de João: Maria está no início e no fim. Em Jo 2,3 e 4 aparece claramente uma evolução na fé que vai desde a desconfiança de Jesus a respeito dos judeus (Jo 2,23-42). No centro da confrontação entre Jesus e os judeus aparece outra mulher, a que deve ser apedrejada por adultério. No centro de João está a confissão de Marta (Jo 11,27). No final do ministério público de Jesus, está outra mulher, Maria de Betânia. Com um gesto profético, ela unge os pés de Jesus (Jo 12,1-11). O seu gesto foi repetido pelo próprio Jesus na última ceia (Jo 13,1-16). Tem ainda outro grupo de mulheres (Jo 19,25-27). Maria Madalena é a mulher da busca incansável. A credencial para ser apóstolo é ter visto o Senhor ressuscitado e ter sido enviado a anunciá-lo (1 Cor 9,1-2; 15,8-11; Gl 1,11-16). Por isso, desde o começo da tradição apostólica, Maria Madalena recebeu o título de apóstola dos apóstolos. É bom conferir as diferenças entre as conversas de Jesus com Nicodemos e com a samaritana. Esta é mulher, anônima, desprezada socialmente e marginalizada. Ela não procura Jesus diretamente, mas é uma mulher com sede de vida, disposta a ter uma água que não seja a água parada no poço. Sente-se atraída pela proposta de Jesus, crendo, aceitando e reconhecendo nele o Messias. A conversa com a samaritana acontece em plena luz do dia.

Por que falta vinho na festa em CANÁ? (Cf. Jo 2,4) Por causa do vinho muito sangue foi derramado naquela região (cf. Jz 9,12-13; I Sam 8,14; I Rs 21) devido ao aprisionamento da terra nas mãos de poucos. A realidade é de escassez, de carência. A solução aparece a partir da intervenção de uma mulher, pelo trabalho dos servos (pequenos e insignificantes) e a solidariedade de Jesus. É na mão dos serventes que a água se torna vinho. Depois da festa em Caná, cidade da periferia da Palestina, Jesus vai à festa da Páscoa em Jerusalém e lá ele “estraga” a festa ao expulsar os vendilhões do Templo (cf. Jo 2,13-22). Este episódio, segundo os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, é o que precipita a decisão de assassinar Jesus. Mas já segundo Jo 11,45-54, o que precipitou a decisão de sacrificar Jesus foi a ressurreição de Lázaro, Jesus se revelando como fonte de vida. Quem gera vida deve ser assassinado, não pode ser tolerado, concluem os adversários “judeus”. Seis talhas de pedra significam as seis festas judaicas e recordam a Lei em “pedras”.

Na Bíblia casamento significa a realização do íntegro relacionamento entre Deus e o povo, as núpcias definitivas. Desde Oséias (Os 2,21-22). Jeremias também aponta para a esperança de um casamento íntegro (Jr 31,1-4) com esta novidade: será a mulher que seduzirá o marido (Jr 31,17-22). O casamento em Caná quer mostrar que Jesus é o verdadeiro noivo que veio para o tão esperado casamento, trazendo um vinho gostoso e abundante.

Numa Comunidade Eclesial de Base (CEB), alguém comentou: “Jesus transformou muito vinho. Foram 600 litros. Será que beberam tudo?” Uma mulher respondeu repentinamente: “O vinho novo é Jesus com seu projeto e nós continuamos tomando até hoje. É quem sustenta nossas vidas.”

Nas Bodas de Caná, Deus se faz presente no meio do povo e com esse povo celebra a vida, a partilha, suas alegrias e suas necessidades. E foi uma mulher, Maria, que, atenta, sensível e confiante na ação do filho, mostrou a Jesus a necessidade do momento: "Eles não têm mais vinho!" E disse ainda aos que estavam servindo: "Façam o que Ele mandar." 

Como Maria, estamos também atentos à realidade para reconhecer as necessidades do nosso tempo, de tantos irmãos e irmãs? Necessidades que podem ser supridas se colocarmos em ação o projeto de vida nova que Jesus propõe. Foi assim nas Bodas de Caná: Jesus inaugurou um tempo novo, tendo como protagonistas de transformação da realidade os pequenos. E houve abundância... "Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).

 

08/10/25

 [1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no You Tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No instagram: @gilvanderluismoreira – Facebook: Gilvander Moreira III – No https://www.tiktok.com/@frei.gilvander.moreira


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