quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

PEREGRINOS DE ESPERANÇA, SIM, NA LUTA POR DIREITOS - Por Frei Gilvander

PEREGRINOS DE ESPERANÇA, SIM, NA LUTA POR DIREITOS - Por Frei Gilvander Moreira[1]

Reprodução CNLB com Cartaz do Jubileu de 2025

Conforme o cartaz do Jubileu de 2025, proclamado pelo papa Francisco, o tema do Jubileu é PEREGRINOS DE ESPERANÇA, e não Peregrinos da Esperança. “De” e não “da”. Observemos o que nos diz a gramática e, especificamente, a semântica da língua portuguesa nesse caso. A diferença é grande e não está sendo percebida por muitas pessoas e lideranças religiosas que estão escrevendo ou falando sobre o tema do Jubileu.

As expressões “de esperança” e “da esperança” são locuções adjetivas. Entretanto, há uma diferença sutil, mas profunda no seu significado. A expressão “de esperança” corresponde a “esperançosos”. E a palavra “Peregrinos” é substantivo, que é mais forte que o adjetivo, pois o adjetivo apenas qualifica o substantivo.  Peregrinos de esperança corresponde a PEREGRINOS ESPERANÇOSOS. PEREGRINOS DE ESPERANÇA destaca a esperança como qualidade que faz parte dos peregrinos, entranhada na sua existência, como parte do seu caráter e das suas atitudes. Esperança de esperançar, como tão bem nos alertou nosso grande educador Paulo Freire. Se o tema fosse Peregrinos “da” esperança, sendo o “da” contração “de” + “a”, o “a” como artigo definido poderia nos induzir à ideia capenga de que a esperança fosse algo fora de nós a ser buscada.

Qual o significado de Peregrinos no tema do Jubileu? Peregrino não se refere apenas a pessoas religiosas se dirigindo a um santuário para cumprir promessas e cultivar sua relação pessoal com Deus, Nossa Senhora ou seu santo/a de devoção. Peregrino/a é toda e qualquer pessoa que peregrina, não se restringe a peregrinos religiosos. O papa Francisco afirma que “Somos todos migrantes. Ninguém tem moradia fixa no planeta Terra”. 

Não podemos reduzir a esperança à trituração feita pela teologia dogmática que, ao discorrer sobre “as três virtudes teologais” – fé, esperança e amor -, cindiu o que é inseparável. Com esta cisão indevida abriu-se a imaginação para se ver a fé, o amor e a esperança como entidades, coisas externas a nós às quais devemos agarrar.

Na Bíblia, no livro do profeta Habacuc se diz que “o justo vive(rá) pela fé/fidelidade” (Hab 2,4). A palavra hebraica geralmente traduzida por fé/fidelidade é emuná, que significa ao mesmo tempo “fé, esperança, amor”, de forma indissociável. Portanto, a melhor tradução de Hac 2,4 é “a pessoa justa vive(rá) pela fé/esperança/amor”. Portanto, não é justo separar fé, amor e esperança como se fossem apenas “três virtudes teologais”, separadas ou justapostas. A esperança exige amor e fé como complementos; são três dimensões de uma mesma realidade.

A esperança não pode ser reduzida a uma questão motivacional de autoajuda como se agarrar ao mote “tenha esperança!”, que tudo dará certo. Isso é discurso de couching (guru) que tenta animar quem está tendo a esperança estilhaçada pela lógica e estrutura do sistema do capital.

Segundo Nuno Cobra Júnior, nos livros O Músculo da Alma e Semente da Vitória, uma das doenças que mais matam na atualidade é o sedentarismo. Ele defende que é pelo movimento muscular que se irriga melhor o sistema circulatório, o que oxigena melhor o cérebro, ativa a memória e é antidoto ao baixo astral, à depressão e gera vida saudável.

Peregrinos/as sempre peregrinam em contextos históricos concretos e específicos. Peregrinar é caminhar, é lutar para se conquistar melhores condições de vida. A história demonstra que, durante a vida, quem peregrina isoladamente caminha para a morte lenta. Os pseudovalores capitalistas insistem pela ideologia dominante a impor caminhada individual, pois os patrões capitalistas sabem que quando os povos caminham coletivamente lutando pelos seus direitos e pelo bem comum, a caminhada se torna subversiva, pois mina os pilares que sustentam o edifício que reproduz, de mil e uma formas, violências sobre 99% da população e da biodiversidade.

Para sermos de fato peregrinos de esperança temos que enfrentar vários obstáculos, tais como o individualismo que a ideologia dominante trombeteia aos quatro ventos; o medo insuflado de forma planejada pela grande imprensa que ecoa os casos de violência segundo a versão da polícia, com a finalidade de deter a caminhada; a vertiginosa evolução tecnológica das big techs, ou gigantes da tecnologia, que estão confundindo o real com o virtual. Muita gente está priorizando as relações virtuais e se individualizando gradativamente, o que tem levado à ansiedade, depressão ou ao suicídio.

Quando somos invadidos pelo medo, a paralisia toma conta de nós e a marcha se torna algo temeroso que deve ser evitado. Na realidade, parar de caminhar/lutar coletivamente por direitos e pelo bem comum é muito mais perigoso, pois mata de inúmeras formas, aos poucos. São muito sábias as narrativas proféticas na Bíblia que exortam centenas de vezes: “Não tenha medo. Coragem!” De fato, o contrário de fé não é ateísmo, é o medo. Quem tem fé tem coragem. Logo, infundir medo nas pessoas é uma estratégia para lhes furtar a fé, a coragem, base para ser peregrino de esperança.

Há vários tipos de peregrinos/as. A humanidade está peregrinando. O planeta Terra peregrina sem parar em muitos movimentos, entre os quais dois se destacam: o de translação ao redor do irmão sol e o de rotação, ao redor de si mesmo. Com estes movimentos a Terra cria as condições biológicas e fisiológicas que reproduzem a vida de todas as espécies. Imagine se a Terra fosse parada e não estivesse em movimento, em peregrinação!?

As populações em movimentos migratórios internamente nos seus países ou externamente indo para outros países peregrinam em movimentos de emigração (saída, êxodo), em busca de condições melhores de vida e de imigração (entrada), muitas vezes driblando muros e barreiras impostas por xenófobos, sionistas ou fascistas como Trump e Netanyaru. É na migração/peregrinação que os povos se constroem. Ir e vir são direitos humanos fundamentais, assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, por vários Tratados Internacionais e pelas Constituições dos países.

Peregrinar implica enfrentar os contextos adversos e injustos. Logo, peregrinar inclui lutar por direitos e pelo bem comum. A luta por direitos e pelo bem comum é a mãe que gera a esperança. Sem luta por direitos a esperança morre aos poucos.

Experimentamos isso nas lutas por terra, território, moradia, por preservação ambiental e por todos os direitos humanos fundamentais e socioambientais. Ocupamos propriedades que não cumprem sua função social em grupos de pessoas unidas, organizadas, irmanadas nas lutas justas e necessárias, com amor no coração, utopia/esperança no olhar, pés firmes na marcha e ecoando lemas tais como “com luta e com fé, as casas ficam de pé!”, com luta e com garra, a casa sai na marra!”,Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm, se não vem nossos direitos, o Brasil perde também...” direitos são conquistados e as pessoas que participam dessas lutas se enchem de esperança. Por outro lado, quem não luta coletivamente por direitos e pelo bem comum, vai sendo asfixiado paulatinamente e sente a esperança ser sugada até a desesperança se apoderar da pessoa, aniquilando-a.

“A esperança não é a última que morre”, pois a esperança é filha da luta coletiva por direitos e pelo bem comum, que faz parir a esperança. Se a luta coletiva por direitos morre, a esperança morre. Logo, não há esperança sem luta por direitos e pelo bem comum. E o inconformismo, a indignação e a rebeldia constituem o combustível para engrenar as lutas justas e necessárias. Nesse sentido afirma Paulo Freire: “Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero. Daí a precisão de uma educação da esperança” (FREIRE, 2009, p. 11).

É na mobilização desencadeada pelas lutas coletivas que os sujeitos da luta pela terra e por todos os outros direitos saem do individualismo, da resignação, do pessimismo e, de cabeça erguida, passam a experimentar que podem transgredir o que o Estado e o capital impõem de forma autoritária e brutal.

Concluindo, “peregrinos de esperança” são quem se desvencilha dos vírus da ideologia dominante e se compromete com lutas por direitos, pelo bem comum, pela democracia. Na Bíblia, o Jubileu é tempo de libertação da Terra, cancelamento das dívidas e libertação de todos os tipos de escravidão (Cf. Lv 25 e Lucas 4,16-21). Ao falar em “peregrinos de esperança”, Papa Francisco nos convida a ir além do espiritualismo que divide material e espiritual e propõe que pensemos em toda a humanidade e não somente nos companheiros e companheiras de fé.

O papa Francisco conclama para o engajamento em peregrinação, caminhada, lutas coletivas que geram esperança e estanca o roubo de esperança que a lógica e a estrutura do sistema que idolatra o mercado estão nos impondo. No próprio nome da bula que nos convida ao Jubileu, ele nos confirma que “a esperança não nos decepciona, pois o próprio Amor divino foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

 

Referência

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 16ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

30/01/2025

 

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Entrevista com Frei Gilvander Moreira | Conversas de Paz e Esperança

https://www.youtube.com/live/k9WoZPR9CSs

2 - LULA/INCRA/MG, SEM-TERRA PRODUZEM ALIMENTOS SAUDÁVEIS ACAMPAMENTO NOVA ESPERANÇA 2/CÓRREGO DANTA/MG

3 - URBEL/PBH ocupada pelo Povo da Ocupação Esperança, Izidora, BH/MG: Urbanização Justa e Popular, JÁ!

4 - Vida, libertação, esperança! - 9º Domingo do Tempo Comum - Evangelho para além dos Temp(l)os

5 - Famílias com muitos filhos na Retomada Terra Mãe, Betim/MG: casa própria, esperança de futuro. Víd 3

6 - Na ÍNTEGRA, 48ª Festa de São Pedro, no Assentamento Padre Jésus, em Espera Feliz/MG, noite 28/06/23



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos  www.youtube.com/@freigilvander

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

NOS EUA, ÁGUIA OU ABUTRE? Por Frei Gilvander

NOS EUA, ÁGUIA OU ABUTRE? Por Frei Gilvander Moreira[1]

A história da humanidade demonstra que nenhum império é eterno e que todos eles têm uma história de nascimento, ascensão, decadência e morte. Tornando-se um longo capítulo da história da humanidade. Assim aconteceu com muitos impérios, tais como o Egípcio, o Assírio, o Babilônico, o Persa, o Grego, o Romano, o Português, o Inglês e não será diferente com o império dos Estados Unidos ou das Big techs[2]. A águia, um belo animal, é símbolo nacional dos Estados Unidos, mas na verdade reage como um abutre posicionando-se de forma gananciosa, expansionista, separatista e belicosa, perseguindo os povos latino-americanos e outros.   

A história mostra também que todo império quando está se desintegrando e apodrecendo deixa seus chefes irados e, como abutre, reage, cuspindo fogo e ameaças. Assim aconteceu com a posse do novo “imperador” dos Estados Unidos, no dia 20 de janeiro de 2025. Pelo discurso colonialista, racista, prepotente e ufanista, e também pelos decretos assinados no mesmo dia da posse, expõe a podridão de um sistema que tenta desesperadamente manter sua hegemonia. Por isso, assistimos a algo com rompantes de um imperador, usando em vão o nome de Deus, o que é idolatria (usar o nome de Deus para justificar políticas de morte), se autoapresentando como imbatível ao afirmar que “inicia agora a era de ouro da América”, “construiremos as forças armadas mais poderosas do mundo”, “vamos invadir o Panamá e retomar o Canal”, “vamos terminar o muro que separa os EUA do México”, “vamos cobrar impostos dos povos em outros países impondo tarifas comerciais para que nossos cidadãos paguem menos impostos e possam ter prosperidade, glória e seremos motivo de inveja em todo o mundo...”.

O continente americano inclui América do Norte, Central e do Sul e americanos são todos os habitantes das três Américas, não apenas quem é estadunidense. E os verdadeiros cidadãos da América são os Povos Originários (Indígenas), que foram vítimas de genocídio, mas resistem em centenas de Povos.

Todavia, esse discurso proferido por Donald Trump demonstra soberba e megalomania. Trump revela não só o medo de um Chefe de Estado que sabe que nos limites do seu país, o projeto capitalista de sociedade baseado no consumismo não deu certo!  Porque por trás da fala belicosa e ameaçadora de invasão de outros Estados-Nação, a promessa de ruptura do direito internacional à autodeterminação dos povos, o rompimento do acordo ambiental assinado em Paris, que previa a desaceleração da emissão de gases poluentes responsáveis pelo aquecimento global e por sua vez provocadores da atual e gravíssima crise climática. A promessa de retirar direitos civis construídos a duras penas pela população negra, pelas mulheres e pelo Movimento LGBTQIA+ através de uma reconstrução baseada em uma nova engenharia social demonstra os traços fascistas e nazistas da cúpula retrógrada de empresários que o apoiam. Tudo isso que a grande imprensa divulgou e ao mesmo tempo disseminou expõe a fratura na coluna do gigante, como na esquizofrenia de Nabucondonossor, imperador da Babilônia na história antiga, que tão alto pensava ser, melhor que os céus, e no seu império experimentou, a comer capim como os bois e a vaguear em sua loucura de megalomania.

Após jurar obedecer à Constituição dos Estados Unidos, o discurso de Trump foi deprimente, colonialista, populista, homofóbico, xenófobo, déspota, fascista/nazista e exterminador do futuro. Deprimente porque as centenas de pessoas que o assistiam presencialmente aplaudiam quando os slogans ufanísticos e estadunidensecêntricos eram proferidos, o que revela o apodrecimento das instituições estadunidenses e a visão tacanha do povo que o elegeu.

Como pode aplaudir postura homofóbica ao afirmar que “nos Estados Unidos a partir de hoje terão só dois gêneros: o masculino e o feminino”?! O direito à orientação sexual homoafetiva não pode ser abafado nem por decreto e nem por preconceito homofóbico. Como pode alguém aplaudir que “o muro que separa os Estados Unidos e o México será concluído em breve e deportaremos os imigrantes ilegais”, como se fosse possível a vida no planeta Terra sem a convivência entre os povos?!

Em todos os países há cidadãos e cidadãs vivendo fora do seu país de origem e em todos os países pessoas de muitos outros países são acolhidas. O direito de ir e vir inclui também o direito de viver no país que a pessoa escolher. Impossível cercar um país e isolá-lo da convivência internacional, o que traz inúmeros benefícios para os povos como a troca de experiência cultural e, óbvio, a ajuda em força de trabalho. Imagine os Estados Unidos sem os 11 milhões de imigrantes ilegais que atualmente fazem uma série de trabalho que os estadunidenses se recusam a fazer: serviços de limpeza, construção civil, cuidador/a de idosos/as, segurança, serviços gerais, cozinhar, servir...

Absurdo também o Trump vociferar que vai “perfurar, perfurar, todos os poços de petróleo inexplorado no país e que não estará nem aí para transição energética” e assinar decreto retirando novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris, que exige redução das emissões de gás carbônico para reduzir o colapso ambiental e frear a ferocidade dos eventos extremos cada vez mais frequentes e letais. A promessa é de devastar o que resta do Planeta, nossa única Casa Comum, em nome de lucros imediatos.

Até a mãe natureza boicotou a posse de Trump por ter imposto à capital Washington a temperatura de 5º celsius negativos com sensação térmica de 10º negativos. Milhares de trampistas ficaram fora da festa da posse pela severidade climática que impediu cerimônias ao ar livre. Alardear o negacionismo científico e fazer discurso populista criticando que o Joe Biden não conseguiu pôr bombeiros e defesa civil para apagar o fogo apocalíptico que varreu uma região da Califórnia é lorota, pois se acelerar a indústria petrolífera nos Estados Unidos, o império será devastado com maior rapidez, pois a natureza virá rugindo como um leão na selva e devorará tudo o que encontrar pela frente. Ou seja, negar a necessidade de frear o desenvolvimentismo econômico à custa de brutal devastação dos bens naturais – terra, águas, ar – será acelerar a marcha em um desfiladeiro para o precipício e a morte final de todos e todas. Será como a anedota contada por Franz Hinkelammert, para ilustrar a irracionalidade do racionalizado sistema capitalista: dois homens que competem – com muita eficiência, cada qual com um motosserra mais poderoso – para cortar o galho em que estão sentados à beira do precipício. Assim atua o Trump, toda extrema-direita pelo mundo afora, a turma do agronegócio, do hidronegócio, das mineradoras, todos os capitalistas, fascistas ou não, e seus adeptos que estão sacrificando o planeta Terra no altar do mercado idolatrado.

Retirar os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde e perdoar milhares de criminosos que invadiram o Capitólio tentando impedir que o Joe Biden, que havia sido eleito, tomasse posse é absurdo dos absurdos, é insistir em voltar à idade das trevas, é sepultar de vez a hipocrisia da democracia burguesa e declarar à luz do sol o imperialismo nu e cru.

Ainda bem que a história demonstra também que não há varinha mágica que tenha o poder de transformar em políticas públicas idôneas discursos populistas que enganam os incautos. Em breve, quem elegeu Trump abrirá os olhos ao perceber que a vida real não se transformará na 8ª maravilha com “prosperidade e glória”, porque os grandes coronéis do mundo, magnatas como Elon Musk e Marc Zuckerberg sempre usaram o povo para se enriquecer e nunca serão idôneos para contribuir com políticas públicas que construam relações sociais de justiça, paz, respeito e amor.

A história demonstra também que diante das opressões a resistência cresce. Não há império que dure para sempre, e a força dos povos, unidos em luta pelo bem comum, é o motor da verdadeira transformação. A América Afrolatíndia, berço de coragem e esperança, será a tumba do neofascismo/neonazismo global. Inspirados/as pela aurora austral (boreal), que são raios de luzes em noites escuras, ou descobrindo luzes no túnel e não apenas no final do túnel, construiremos a partir dos últimos um mundo com justiça, paz e amor, onde todas as fronteiras serão abertas e todos os muros derrubados. A Internacional da direita neofascista/neonazista não passará, é vencível, pois está recheada e podre de contradições! A força e a luz do justo, ético e da verdade, o que nos faz mais humanos, terão a última palavra.

Por fim, a luta, a resistência e a história continuam e é animador ter a certeza de que a humanidade aspira um projeto social pautado por relações sociais de justiça, paz e amor, cuja colaboração entre os povos prevaleça sobre a barbárie prometida com a ascensão da extrema direita internacional, engendrada como ovos de serpente no útero do capitalismo que superexplora não só a dignidade humana, mas também todos os bens da natureza.

22/01/2025

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Frei Gilvander sobre o genocídio do Povo Palestino: “Governo de Israel fascista, racista e genocida"

2 - Votar em Projeto de Vida ou de Morte? Na Democracia ou no fascismo?- Por frei Gilvander - 26/10/2022

3 - STF, anule o indulto! Só no nazismo indulto assim. NÃO PODEMOS PERMITIR q um DITADOR SUBSTITUA O STF

4 - Frei Carlos Mesters fala sobre Contexto e Luta de frei Tito Brandsma morto pelo nazismo de Hitler

5 - Frei Gabriel Haamberg e Frei Tito Brandsma, prof., jornalista, martirizado pelos nazistas em 1942



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

[2] Grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado de inovação e tecnologia.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

NATAL, ONTEM E HOJE, LÁ E CÁ. Por Frei Gilvander

NATAL, ONTEM E HOJE, LÁ E CÁ. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Presépio com Jesus palestino na casa de Geralda Soares, pesquisadora indígena e ardorosa defensora dos direitos humanos e socioambientais. Foto: Gerada Soares, a Gêra.

Alegra-te! Coragem! “Não tenham medo! Eu vos anuncio uma notícia libertadora, que será grande alegria para os povos: hoje, na cidade de Davi – Belém -, nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo, nosso Senhor” (Lc 2,10-11), bradou um/a mensageiro/a do divino aos pastores. “Nasceu numa manjedoura” (Lc 2,12), em um cocho de ração para animais. “Olhe a glória de Deus brilhando...”, canta Zé Vicente.

Considerados impuros, discriminados e os mais excluídos da sociedade escravocrata do Império Romano, “os pastores foram, às pressas, e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura” (Lc 2,16). “Todos os que ouviam os pastores anunciando o nascimento do divino no humano, ficaram maravilhados” (Lc 2,18).

Em tempos de políticos opressores como o rei Herodes, na periferia do escravocrata Império Romano, na Palestina, o evangelho de Mateus (Mt 2,1-12) diz que, magos, seguindo a “estrela de Belém”, o divino irradiando no humano em todas as culturas, “encontraram Jesus com Maria, sua mãe, em uma casa” (Mt 2,11) – não no templo nem na sinagoga e nem em palácios -, o reverenciaram e “voltaram para seus territórios por outro caminho” (Mt 2,12), driblando o repressor rei Herodes.

Atualmente, em uma sociedade capitalista superexploradora, com idolatria do mercado, com um monte de dualismos perpassando as experiências humanas e religiosas, o mais comum é vermos pessoas celebrarem o Natal olhando só para o nascimento de Jesus Cristo, nosso Mestre, Salvador, Libertador, porque testemunha e ensina um jeito divino de convivermos, mas não perceberem Jesus (re)nascendo cotidianamente no nosso meio e em nós. Esse dualismo distorce o sentido mais profundo e libertador do Natal, porque nos induz a olhar só para dois mil anos atrás e reforça a mágica que diz “só Jesus tem poder!” e, assim, nós seríamos zero à esquerda, impotentes, para enfrentar e superar as injustiças.

Faz bem nutrirmos profunda gratidão, admiração, reverência e respeito por Jesus Cristo, Filho de Deus encarnado no humano, nascido há dois mil anos, mas precisamos ver outros Jesus (re)nascendo atualmente em nós, no nosso meio, perto e longe de nós, pois o mesmo Espírito Santo que guiava e inspirava Jesus Cristo continua agindo em nós e espera que sejamos “outros Cristos”, como dizia dom Oscar Romero, antes de ser martirizado pela ditadura militar-civil-empresarial que se abatia sobre o povo em El Salvador.

O evangelho de Jesus Cristo diz várias vezes sobre a necessidade de compreendermos que Cristo está no irmão e na irmã, especialmente nos empobrecidos como nos mostra Mateus 25,31-46: Jesus está presente em quem está preso, passa fome, está nu, doente, é migrante, é estrangeiro, sedento, violentado, injustiçado. “Eu estava preso e você não me visitou, com fome e você não me alimentou, com sede e você não me deu água, nu e você não me vestiu, eu era estrangeiro e você não me acolheu” (Mt 25,35-36). O amor a Deus só é autêntico se amarmos o próximo, que inclui toda a humanidade e todos os seres vivos da biodiversidade, inclusive as pedras que também são vivas. Quem não vê Deus e Jesus no próximo e no distante não está no caminho libertador.

O sensato é superarmos o dualismo e vermos Jesus (re)nascendo, ontem e hoje, lá e cá. O Natal é como uma moeda que tem duas faces: em uma, Jesus Cristo que nasceu pobre no meio dos pobres há dois mil anos lá na Palestina, e na outra face da moeda, Jesus segue (re)nascendo atualmente, em nós, perto e longe de nós, a partir dos últimos da sociedade, dos/as mais violentados/as.

Jesus nasce de Maria, mulher do povo e revolucionária que “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes” (Lc 1,52), como Jael, mulher estrangeira do povo quenita, do cântico da juíza Débora (Jz 4,17-21; 5,24-27) e Judite (Jt 13,18; cf. Gn 14,19-20), mulheres reconhecidas como BENDITAS por terem golpeado os generais Sísara e Holofernes, opressores do povo. Jesus diariamente segue renascendo em mães solos que, em uma sociedade patriarcal e machista, se tornam heroínas que criam, cuidam e educam seus filhos que nascem nas periferias, sem-terra, sem-teto.

Jesus contou com o apoio de José, seu pai, “homem justo” (Mt 1,19) como Noé, um dos primeiros Chico Mendes que se dedicou a salvar “um casal de cada espécie” no dilúvio, como tantos pais hoje que, operários ou camponeses, são pais justos com consciência de classe trabalhadora e não apenas vendem sua força de trabalho, mas com justiça e ética constroem relações sociais libertadoras.

Jesus nasceu sem-terra na periferia de Belém no porão/estacionamento de uma pensão como milhões de pessoas que nascem em países com a terra em cativeiro, aprisionada por latifundiários e empresários do agronegócio e, por isso, são obrigadas a migrarem e a se tornarem mão de obra barata.

Jesus nasceu sem-teto como milhões que, após amargarem a pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor sendo peso nas costas de parentes ou por terem sido jogados nas agruras das ruas e ficarem expostos às suas intempéries, ocupam terrenos ou prédios abandonados e lutam aguerridamente construindo mais casas do que o poder público. Só em Belo Horizonte, MG, os sem-teto construíram 50 mil casas em 150 ocupações em 18 anos. Muitos já me disseram: “Como servente de pedreiro ou como pedreiro, já ajudei a construir mais de 200 casas/apartamentos, mas só aqui na Ocupação estou construindo a casa da minha família, graças a Deus e à nossa luta coletiva”. “Trabalhei 27 anos como faxineira no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Quando adoeci me demitiram. Só aqui na Ocupação estou construindo minha casa e resgatando minha saúde, pois quatro filhos meus com suas famílias também estão construindo as casas deles aqui na Ocupação Esperança. Isso me faz dormir em paz. Só na luta coletiva conseguimos nos libertar da pesadíssima cruz do aluguel que adoece e mata muita gente aos poucos”, diz emocionada dona Nadir.

Jesus nasceu sendo acolhido por pastores considerados impuros e os mais discriminados e Jesus renasce a cada dia nas pessoas LGBTQIA+, no povo do candomblé, da Umbanda, do Espiritismo e em todas as outras pessoas discriminadas na nossa racista e hipócrita sociedade.

Jesus foi encontrado pelos magos do oriente, onde o sol sai e fertiliza as infinitas expressões de vida e de culturas. Atualmente, Jesus renasce nos Povos Originários (Indígenas), no Brasil, em mais de 300 Povos que, com mística e espiritualidade libertadora, são guardiões da floresta, do cerrado, da natureza e, com sabedoria ancestral, convivem em harmonia com o ambiente impedindo a “queda do céu”.

Jesus nasceu de Maria e de José, que com coragem questionaram o rigorismo farisaico e o dogmatismo judeu e renasce hoje e sempre nas pessoas, que, com muito amor, combatem os fundamentalismos, os moralismos e a extrema-direita fascista é usa e abusa o nome de Deus e versículos bíblicos para encobrir as políticas de morte que defendem com truculência.

Jesus nasceu no movimento popular religioso que vinha de longe, de profetas e profetisas, e hoje renasce nos/as militantes de Movimentos Sociais e de Pastorais Sociais que irmanam os povos no campo e na cidade para lutarem coletivamente pelos seus direitos e pelo bem comum.

Despertemos do sono da mediocridade, da escuridão da omissão/cumplicidade e da indiferença que a sociedade capitalista impõe. Abramos os olhos para ver e sentir que "Ele está no meio de nós." Jesus está no meio de nós, especialmente nos pequenos, em tantas pessoas e na Mãe terra, oprimidas e violadas em seu direito de viver com dignidade. Que a luz do Natal seja a luz a nos guiar na direção de Jesus que está clamando por vida, no meio de nós! Enfim, é Natal, ontem e hoje, lá e cá. Sejamos Natal, presença do divino no mundo a partir dos últimos!

18/12/2024.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Peneirando o sentido do Natal de Jesus Cristo - Por frei Gilvander - 30/12/2021

2 - Frei Carlos Mesters: “O sentido verdadeiro do Natal de Jesus Cristo.” – 17/12/2021

3 - Homilia de frei Gilvander na Matriz de Arinos/MG: "Natal, divino no humano. Honrar pais/ancestrais!"

4 - Natal autêntico c 220 famílias, Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG: Nós c moradia própria e saúde

5 - Natal na Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG: "Livres da cruz do aluguel, construindo nossas casas"

6 - Que maravilha crianças e mães em Natal Solidário na Ocupação Rosa Leão, na Izidora, BH/MG. Vídeo 2



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

sábado, 16 de novembro de 2024

ESPIRITUALIDADE INSPIRA E ORIENTA O MOVIMENTO DAS COMUNIDADES POPULARES. Por frei Gilvander

ESPIRITUALIDADE INSPIRA E ORIENTA O MOVIMENTO DAS COMUNIDADES POPULARES. Por frei Gilvander Moreira[1]

3º Encontro de Formação do Movimento das Comunidades Populares (MCP), no Instituto Padre João Geisen, na cidade de São Lourenço da Mata, na região metropolitana de Recife, PE. Foto: José
Alves, do MCP.

De 8 a 11 de novembro de 2024 tive a alegria e a responsabilidade de participar e assessorar o 3º Encontro de Formação do Movimento das Comunidades Populares (MCP), no Instituto Padre João Geisen, na cidade de São Lourenço da Mata, na região metropolitana de Recife, PE. O tema: Espiritualidade Libertadora. Com a participação de dezenas de lideranças do MCP de oito estados, o Encontro foi muito bom e inspirador.

Com 55 anos de história e lutas permanentes em onze estados[2], o MCP segue construindo comunidades autônomas com vida comunitária e uma série de projetos que primam por ações coletivas em busca dos direitos dos pobres e do bem comum, atuando sempre a partir dos últimos da sociedade, os mais injustiçados. Além de acompanhar luta de posseiros pela terra, de sem-terra por moradia, de quilombolas por território, na linha da Economia Solidária – Economia de Francisco e Clara -, o MCP organizou e coordena Bancos Comunitários chamados de GIC (Grupo de Investimento Coletivo), onde os mais empobrecidos se associam com investimentos mínimos, com juros abaixo do mercado idolatrado e viabilizam empréstimos com juros mínimos que torna possível às pessoas que sobrevivem com pouquíssimo dinheiro comprar o que necessitam e se desenvolverem na vida sem se tornarem escravas da agiotagem das transnacionais de cartão de crédito e dos empréstimos de bancos capitalistas com juros abusivos e extorsivos.

O MCP organiza consórcio de 10, 20 ou 30 pessoas, mais ou menos, para se constituir um fundo que a cada mês, por sorteio, um dos membros pode acessar o dinheiro necessário para comprar algo que se fosse na engrenagem legal do capitalismo, a pessoa teria que se endividar muito. Fazem também consórcio para compras coletivas da semana para o sustento. Ao comprar coletivamente para 10, 20 ou 30 famílias se consegue desconto de até 20% e as despesas de transporte ficam muito menores e o tempo das pessoas fica mais livre também, porque todos/as não precisam ir às compras semanalmente. Organizam e sustentam Mercados Coletivos, Casas de Material de Construção Coletivas, Grupo de Trabalho Coletivo na Construção Civil, Grupo de Costureiras, Refeição Coletiva uma vez por mês para fortalecer a amizade, a convivência, celebração de aniversários, avaliar as ações coletivas e agradecer a Deus pelas conquistas. Criaram escolinhas comunitárias que são mantidas pelas famílias sem ajuda de prefeitura e nem de empresas. Tudo isso para as pessoas experimentarem que é possível e mil vezes melhor viver fora de relações escravocratas que o sistema capitalista impõe a todos/as, superexplorando até chupar a última gota de sangue no altar do ídolo mercado/capital. Ter patrão é aceitar ser escravizado.  O MCP Busca de forma coletiva construir vida comunitária com autonomia, buscando romper com as dependências que o sistema do capital impõe.

Morando nas comunidades das periferias das cidades ou no campo, os irmãos e irmãs do Movimento das Comunidades Populares (MCP) há 55 anos se dedicam a construir Comunidades Populares com 10 Colunas. Ei-las:

1ª coluna: SOBREVIVÊNCIA COLETIVA (economia), que integra: Grupo de Investimentos Coletivo (GIC), Grupos de Produção Coletiva (GPC), Grupos de Compras e Vendas Coletivas (GVC ), Grupo de Trabalho Coletivo para prestação de serviço (GTC), com o lema: "Onde há cooperação, não existe exploração!".

2ª coluna: RELIGIÃO LIBERTADORA. Refeições Coletivas, Semana Santa e Natal. Se Deus é Pai, nós somos irmãos e irmãs. Por isso, devemos viver em Comunidade. Lema: "Quem ama de verdade vive no coletivo e não passa necessidade!"

3ª coluna: FAMÍLIA COMUNITÁRIA, que inclui realizar Chá de Bebê, creche, escola infantil. Clubinhos ou Grupo de Crianças e Adolescentes. Dia das Mães, dia dos Pais, Dia dos/as Avós e Dia dos Idosos. Lema: "No campo ou na cidade, família de verdade é na Comunidade!" A partir do processo de realização do 1° Congresso do MCP, descobrimos que a primeira e melhor escola de formação é a barriga da mãe, o colo do pai e os braços da Comunidade.

4ª coluna: SAÚDE, com o lema: "Para o corpo remédio caseiro, para a alma amor verdadeiro.” Tarefas: organizar grupo de saúde popular na comunidade; produzir as plantas medicinais e fazer remédio caseiro; criar caixinha e fundo comunitário de saúde; organizar espaço para acolher as pessoas doentes; tratar as doenças emocionais e não só as físicas; lutar para melhorar a saúde pública dentro e fora da Comunidade.

5ª coluna: MORADIA e URBANIZAÇÃO. Lema: "Moradia e urbanização, só com luta e mutirão!" Lutar por terrenos, casa e saneamento. Ocupação, Reivindicação ou Mutirão.

6ª coluna: ESCOLA. Lema: “Construir escolas comunitárias e lutar para melhorar a escola pública.”

7ª coluna: ESPORTE. Organizar o esporte comunitário, principalmente o futebol. Lema: "Mais importante do que vencer é participar"!

8ª coluna: ARTE. Dança, canto, poesia, teatro, grupos musicais, capoeira... Lema: "Arte popular, para juventude se unir e o povo participar.”

9ª coluna: LAZER. Festas, passeios... Lema: "Lazer com bebida, não; nós queremos união."

10ª coluna: INFRAESTRUTURA. Espaço comunitário para pôr em prática as dez colunas. Lema: "Limpa, bonita e organizada, assim deve ser nossa morada!"

Dedicamos o 1º dia do Encontro para resgatarmos a história, a práxis e a espiritualidade do Movimento “Encontro de Irmãos”, “batizado” por Dom Hélder Câmara na Festa de Pentecostes do ano de 1969, anos de chumbo da ditadura militar-civil-empresarial com brutal repressão às lideranças populares que defendiam os direitos humanos fundamentais e, por isso, contestavam a ditadura que violava de forma atroz a dignidade humana impondo o arbítrio e o autoritarismo político-militar que impôs a miséria, a fome, o analfabetismo e o endividamento dos povos no Brasil, concedendo isenção de impostos para empresários que invadissem a Amazônia, expulsassem os posseiros e expropriassem a terra que eles usavam em harmonia com a floresta.

O Movimento popular-religioso “Encontro de Irmãos”, com o lema “pobre evangelizando pobre”, tinha o objetivo de, a partir da espiritualidade libertadora, superar a fome, a miséria, o analfabetismo e todas as injustiças que se abatiam sobre o povo. Com a bênção e o incentivo de Dom Hélder Câmara, o Encontro de Irmãos se disseminou pela Arquidiocese de Recife em Grupos de Irmãos que faziam semanalmente Círculos Bíblicos, de casa em casa, nas comunidades das periferias e nos campos, envolvendo quem precisava, com acolhida, abraço solidário. Em círculos de poucas pessoas buscava-se ouvir a Palavra de Deus, os apelos divinos, a partir da realidade e da Bíblia.

Ficou evidenciado neste 3º Encontro de Formação do MCP que Espiritualidade une as pessoas e os povos, enquanto as religiões e igrejas como instituições, via de regra, ao priorizarem a reprodução de si mesmas, estão, na prática, desunindo as pessoas e os povos, usando e abusando da fé do povo simples e humilde, usando indevidamente o nome de Deus, catando versículos bíblicos que lhes interessam, em leitura fundamentalista e literalista, para justificar a acumulação de capital de seus chefes (pastores, padres, bispos... – dois dos dez homens mais ricos do Brasil são pastores) e defender políticas de morte capitaneadas pela extrema-direita fascista, que de forma idolátrica tem como lema “Deus acima de todos.”.

Enfim, espiritualidade torna o ser humano mais humano e, assim, verdadeiramente comprometido com a vida, que seja plena para todos, todas, todes e para toda a criação, sempre a partir da sabedoria dos últimos da sociedade, os mais violentados. Feliz quem se torna aprendiz dos/as empobrecidos/as e assimila a fraternidade que eles e elas testemunham. Mais do que Círculo Bíblico, é preciso Encontro de irmãos e irmãs, o que tem o poder de implodir o sistema do capital idolatrado e apontar o caminho para a construção de uma sociedade justa economicamente, com paz e amor.

16/11/2024.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Frei Betto fala sobre Espiritualidade no 12º Encontro Nacional de Fé Política. em BH/MG. Vídeo 2


2 - Espiritualidade de Encontros humanizadores: Palavra Ética com frei Gilvander Moreira – 21/12/23

3 - Marcelo Barros: Livro OS SEGREDOS DO NOSSO ENCANTO - fé cristã e espiritualidades indígenas e negras

4 - COM FÉ E MÍSTICA DOS MÁRTIRES, O POVO PALESTINO VENCERÁ! Fora, Israel genocida! Por frei Gilvander

5 - Afeto, amor e cuidado em Espiritualidade Libertadora no 3º dia do XV Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, MT, na Plenária-mãe “Casa Comum”. Vídeo 10 - 20/07/23

6 - Momento Orante de Espiritualidade libertadora no 3º dia do XV Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, MT, na Plenária-mãe “Casa Comum”. Vídeo 9 - 20/07/23

7 - TOQUE DO COLETIVO ALVORADA: A Espiritualidade humanista e militante de Frei Gilvander - 30/3/22

8 - Semeando Espiritualidades 52: Espiritualidade e luta pela terra. Por Frei Gilvander - 06/12/21


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. 

E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br

www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

[2] Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

CASA-LAR DOS CEGOS DE MG: linda comunidade ameaçada de despejo! Por frei Gilvander

CASA-LAR DOS CEGOS DE MG: linda comunidade ameaçada de despejo! Por frei Gilvander Moreira[1]

Renato Leonardo, presidente da Associação União Auxiliadora dos Cegos de MG, na porta do prédio da entidade ameaçada de despejo. Foto: Frei Gilvander

Nossa atuação no meio dos empobrecidos na luta pelos seus direitos se inspira no Deus da vida, que ouviu os clamores dos escravizados sob as garras do imperialismo dos faraós no Egito e em Jesus Cristo, que cresceu na periferia da Palestina sofrendo todas as injustiças e as discriminações que se abatiam sobre os Povos colonizados pelo Império Romano e discriminados pela religião oficial, o judaísmo ritualista e moralista. Neste contexto, por amor, Jesus Cristo se esmerava em empatia e, por isso, abraçou a causa dos considerados impuros: os empobrecidos, os adoecidos, os cegados, os paralisados e os jogados para fora da convivência social. Ao optar pelos “impuros” consolava-os e incomodava os exploradores.

Ao fazermos opção pelos empobrecidos, primeiro nos comovemos e ficamos indignados diante das injustiças que se abatem sobre pessoas e grupos que, geralmente, sozinhos, têm mais dificuldade de se defender. Aproximamos para conhecer, nos fazemos solidários e tentamos entabular lutas que levem à superação das injustiças reinantes. Pelas primeiras impressões vemos a carência e as necessidades das pessoas. Entretanto, com a convivência e o aprofundamento da luta por direitos, na convivência com as pessoas injustiçadas, ficamos encantados ao descobrir e perceber a existência de belezas e maravilhas que revelam um poço de humanidade, de sabedoria e força de resistência infinita que o povo injustiçado tem.

Assim está acontecendo na luta para impedirmos o despejo da Casa-Lar dos Cegos de Minas Gerais, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, MG, onde a sede única da Associação filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de Minas Gerais está com despejo decretado por um desembargador do Tribunal Regional Federal 6ª Região (TRF6)[2], decisão  que violenta a dignidade humana e todos os direitos humanos fundamentais dos cegos que moram na Casa-Lar dos Cegos de MG, vários há mais de 45 anos, vários negros e sem parentes ou qualquer vínculo afetivo fora do ambiente em que vivem e, portanto, sem rede de apoio para além da União Auxiliadora.

O prédio da União Auxiliadora dos Cegos de MG, em decisão injusta, foi leiloado por 720 mil reais, sendo que, se fosse para vender, o prédio vale mais de 5 milhões de reais. Esta decisão precisa ser revista. Clamamos ao desembargador do TRF6 para que reveja esta decisão. Já enviamos Ofício à Ministra Macaé Evaristo, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reivindicando que o Governo Federal abra uma Mesa de Negociação que exclua a decisão de leilão do prédio e o despejo dos Cegos do seu histórico lar no bairro Santa Tereza em Belo Horizonte. Esperamos que o Governo Federal – Lula, Haddad e Macaé – tenha sensibilidade humana e perdoe a dívida de INSS de 50 anos atrás e deixe a Associação Filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de MG em paz, melhor dizendo, que destine à União Auxiliadora dos Cegos de MG recursos necessários para ela ser revitalizada para voltar a ser espaço de acolhida de centenas de cegos que clamam por apoio em BH, Região Metropolitana, MG e Brasil.

Toda vez que volto à Casa-lar dos Cegos da União Auxiliadora aprendo muito com eles e experimento os valores que nutrem o dia-a-dia de uma verdadeira comunidade. O Sr. Renato Leonardo, presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG, cuida com muito carinho e dedicação de todos. Há sete anos, mensalmente, Renato doa sangue para colher plaquetas que são vitais para dez pessoas que precisam melhorar a saúde. “Somos cegos, mas não somos mendigos. Não aceitaremos migalhas. Lutamos pelo nosso direito de continuar na nossa Casa-Lar. Não aceitamos despejo jamais”, pontua Renato.

Trabalhando em um notebook no quarto dele, encontrei o Edson, cego natural de Barbacena, MG, que mora há 9 anos na Casa-Lar dos Cegos de MG, Além do braile, é formado em massoterapia e Tecnologia da Informação. Ele trabalha produzindo livro em áudio. Revelando profundo amor pela Casa-Lar União dos Cegos de MG, Edson nos contou que muitos cegos que foram acolhidos e moraram na casa enquanto estudavam, hoje são profissionais trabalhando no Ministério Público, no Tribunal de Justiça e em outros órgãos públicos. São advogados, massoterapeutas, muitos trabalham com tecnologia da informação. “Cheguei nesta casa 9 anos atrás sem eira e nem beira. Aqui é um cego ajudando o outro. Minha vida se transformou depois que fui acolhido nesta casa-lar. Nas Décadas de 50 e 60 do século XX, os cegos que aqui chegavam saíam pedindo ajuda para construir esta casa. O esforço e o trabalho de todos que contribuíram para construir esta casa precisa ser considerado. Não se pode pisar na memória de todos que batalharam para construir esta casa. Esta casa, nosso lar, tem sido mãe para muitos cegos de MG e de outros estados. Todos que passaram por aqui, mais de mil em sete décadas, construíram aqui mais de mil sonhos que não podem jamais serem destruídos. Dói muito pensar nesta decisão judicial que poderá devastar vidas e sonhos,” diz emocionado Edson, enquanto produz mais um audiolivro.

O Sr. Juvenal, 80 anos, nascido em Itagi, no sul da Bahia, chegou cego e como mendigo em Belo Horizonte dia 30 de novembro de 1971 – ele não esquece a data que chegou em BH! Sobreviveu 1,5 ano em um abrigo público em BH. Depois foi para um barraco na favela no morro da Serra. Mora na sede da União Auxiliadora dos Cegos de MG há 44 anos. Faz questão de dizer: “Nosso companheiro Zé Dias mora aqui há 50 anos. Ele foi para a igreja agora, como vai toda semana.” “Foi aqui nesta nossa casa-lar que aprendi a andar nas ruas da cidade. Antes eu só ficava sentado. Uma professora que tinha aqui durante um mês me ensinou a andar nas ruas. Agora, se precisar, ando para qualquer lugar. Se eu encontrasse o desembargador que decidiu leiloar nossa casa e nos expulsar daqui, eu diria para ele: “Coloque-se no lugar de nós, cegos!” Eu ajudei na grande campanha para arrecadar dinheiro para construir esta casa. Todos os cegos que faziam parte da Associação União Auxiliadora dos Cegos saíam pedindo e o povo na época era solidário e ajudava. Esta nossa casa-lar foi construída com dinheiro do povo, “tijolo a tijolo. Como pode tomar algo que foi construído pelos cegos com apoio do povo e entregar para um grande empresário?! Não é justo tirar nossa casa-lar de nós que precisamos para entregá-la para quem não precisa,” diz indignado Juvenal, revelando profunda sabedoria.

Feliz vendo a luta contra o despejo crescer, o Sr. Elvécio, 74 anos, diz: “Esta é nossa casa-mãe, um presente que caiu do céu, pois eu, cego, morava em um barraco na favela no Alto do bairro Vera Cruz, mas, com uma doença nas pernas, eu não conseguia subir mais o morro. Fui acolhido aqui e ganhei vida nova. Aqui somos uma família. Vivemos uns ajudando os outros.”

Amanda, tesoureira e secretária da Casa-Lar dos Cegos de MG, revela o carinho e o amor com que organiza a documentação, o bazar e uma sala de visita, “o cantinho do sonho”, com sofás e ornamentação em uma sala espaçosa reservada para os cegos receberem visitas e conviver à vontade. “Aqui não é apenas uma associação. Somos uma família. Todos aqui são cuidado com muito amor. Aqui é o lar dos cegos de MG. Retire esta decisão de despejo, por favor”, pede Amanda. A cozinheira Maria prepara com muito amor e dedicação as refeições de todos da casa.

Murilo, cego que veio de Fortaleza, no Ceará, e mora na Casa, nos mostra como os cegos aprendem a ler e a escrever em braile, e alerta: “A União Auxiliadora dos Cegos de MG é também uma escola, que tem garantido para centenas de cegos a possibilidade de escudar e se desenvolver na vida”.

Como o profeta Zacarias, clamamos: “Administrem a verdadeira justiça, mostrem misericórdia e compaixão uns para com os outros” (Zc 7,9). Reverter a decisão de despejo dos cegos da Casa-Lar dos Cegos de Minas Gerais é praticar justiça social, é praticar empatia, demanda constante do Deus da vida. 

31/10/2024.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - DESPEJO? SEDE DA UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG com decisão do TRF6 p despejo de 8 cegos. Vídeo 1



2 - “Se nos despejar daqui, nos porá no caixão." Há 70 anos UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 2



3 - “DAQUI SÓ SAÍMOS NO CAIXÃO. NÃO ACEITAMOS SER DESPEJADOS. UNIÃO AUXILIADORA DE CEGOS DE MG Vídeo 3



4 - “Aqui, nosso lar. 70 anos de história. Despejo, JAMAIS!” UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 4


5 - “TRF6, Lula, Macaé Evaristo e empresário, pelo amor de Deus, não nos despeje. Somos cegos”. Vídeo 5



6 - CEGOS de MG: “JOGAR NÓS PRA RUA..?" UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG sob ameaça de despejo. Vídeo 6



7 - CASA-LAR DOS CEGOS DE MG, DESPEJO por TRF6: ““TIRAR DE QUEM PRECISA?” Santa Tereza, BH/MG. Vídeo 7



 

8 - POR DENTRO DA CASA-LAR DOS CEGOS DE MG AMEAÇADA DE DESPEJO em BH/MG. Não pode ser destruída. Vídeo 8



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. 

E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br

www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no you tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

[2] Processo n. 0036885-69.2015.4.01.3800