Levantemo-nos! À luta por direitos, já! Por Frei Gilvander Moreira[1]
Legenda para a foto: Os últimos raios de sol do dia 07/02/2020, ainda iluminavam o fim da tarde em União dos Palmares, na Zona da Mata de Alagoas, quando em marcha, cerca de 200 jovens, de bandeiras nas mãos,cantando canções de liberdade, inauguravam o Bosque da Resistência Ana Primavesi. Lá, as mãos dos filhos e filhas da luta pela terra, plantaram mil mudas de árvores simbolizando a disposição na luta pela terra e pelos bens da natureza. Foto: Matheus Alves
O dia 30 de outubro de 2022 entrará para a história
como o dia em que o povo brasileiro conseguiu eleger pela terceira vez Luiz
Inácio Lula da Silva para presidente do Brasil, impedindo que o país se
descambasse para um novo período de ditadura, de tirania, de Fake News, de
ódio, de intolerância e de superexploração da dignidade humana e de toda a
biodiversidade. Com a eleição de Lula inaugura-se um novo período de esperança,
de amor e de reconstrução do país. Momento propício para mostrarmos a
importância da luta pela terra e por todos os direitos humanos fundamentais,
sociais e ambientais.
Em um país que reproduz cotidianamente há 522 anos uma
iníqua estrutura fundiária pautada no latifúndio – aprisionamento e cativeiro
da terra -, a luta pela terra e na terra é imprescindível, pois enquanto
perdurar a injustiça agrária não teremos justiça social, nem urbana e nem
ambiental. Entretanto, a luta pela terra, para ser emancipatória, precisa ser
protagonizada pelo campesinato Sem
Terra e da perspectiva deles. Jamais pode ser luta para os sem-terra e nem por
eles, pois, se assim for, recai no assistencialismo que, além de fomentar a
cultura da dependência e de tranquilizar a consciência de quem antes acumulou
e, por isso, pode repartir algumas migalhas, reduz a pessoa humana de sujeito a
objeto, abafando nela a capacidade de ser sujeito, de criar, de construir, de
dialogar, enfim, de lutar e de se emancipar. “O assistencialismo é uma forma de ação que rouba da pessoa humana
condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua alma – a
responsabilidade” (FREIRE, 2002, p. 66), capacidade de responder por algo,
tomar decisões diante de problemas, sejam eles pequenos ou grandes, que afete a
outros e/ou a si mesmo, sentindo-se comprometido com eles.
Na metodologia de trabalho e de luta da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST) e de
dezenas de outros movimentos sociais camponeses, os Sem Terra se tornam
responsáveis e corresponsáveis uns pelos outros e por toda a luta pela
distribuição de tarefas envolvendo todos os Sem Terra do Acampamento ou do
Assentamento, em reuniões de Núcleos de Base e/ou em Assembleias Gerais, onde
se planejam as ações que precisam ser executadas, como deve ser posta em
prática e depois se avaliam todas as atuações. Quando cada Sem Terra recebe uma
tarefa, uma responsabilidade, a primeira coisa que reflete positivamente é a
elevação da autoestima. Segundo, a pessoa desenvolve-se como sujeito e, assim,
cresce a consciência de que o êxito da luta depende da corresponsabilidade de
todas/os. Esse jeito pedagógico acorda o infinito potencial da pessoa,
adormecido, negado e reprimido na opressão do sistema do capital. Assim, os Sem
Terra, na luta pela terra, resgatam o lema do semanário Revolutions de Paris, publicado em Paris, de julho de
A luta pela terra emancipa as camponesas e os
camponeses de quê? E a luta pela moradia e por todos os outros direitos humanos
fundamentais emancipa de quê? Do medo, da servidão consentida, da desesperança,
da passividade, da alienação, do individualismo etc. A luta pela terra e por
todos os direitos sociais enquanto pedagogia de emancipação humana é uma luta
por liberdade, luta libertária, mas não liberdade como um estado de espírito,
mas um processo permanente que implica luta e conquista de direitos sociais,
muito mais do que direitos individuais. Não é a liberdade de um capitalista que
pensa, por ser livre, poder açoitar um trabalhador negro escravizado, conforme
denuncia Marx e Engels: “Um ianque vem à Inglaterra, é impedido pelo juiz de paz
de açoitar seu escravo, e grita indignado: “A
isto você chama de país livre, onde um homem não pode surrar seu próprio negro?”
(MARX; ENGELS, 2007, p. 2006).
A maior parte dos sem-terra e dos sem-teto não se
engaja na luta pela terra e por moradia adequada por medo. Medo da repressão da
polícia e/ou dos jagunços dos fazendeiros, medo de a luta não ter êxito. Mas,
na luta pela terra e por moradia, pouco a pouco vai se desconstruindo a
ideologia dominante que inculca nos oprimidos que eles não têm poder. Na luta
coletiva por direitos desperta-se a força interior de cada camponês/a ou
sem-teto que se torna militante. Esvai-se o medo e a coragem vai sendo
cultivada. A luta por direitos gera esperança.
Há várias maneiras de analisar se a luta pela terra,
tal como protagonizada pelo MST, nos últimos 38 anos, e pela CPT, nos últimos
47 anos, pode ser compreendida como emancipatória ou não. E, se sim, em que
termos? Uma maneira é olhar de forma panorâmica o longo período de história de
luta pela terra. Nessa perspectiva, a perseverança da CPT e do MST com milhares
de Sem Terra que, de cabeça erguida, não abriram mão da luta, é sinal de algo
emancipatório. Outra maneira de olhar a luta pela terra é compreender que as
transformações substanciais e profundas são processuais e exigem o cuidado
permanente com pequenos detalhes, com o cotidiano e o miúdo da convivência humana
e da luta. Isso passa pela integridade pessoal e pelo cultivo de virtudes e
valores tais como a humildade e a retidão de caráter. Outra maneira é analisar
o início, todo o processo de luta e algum final, em uma visão globalizante. Por
essa perspectiva, dá para dizer que a sociedade brasileira não seria a mesma e,
certamente, seria muito pior se não tivesse surgido e se não estivessem atuando
no Brasil a CPT e o MST ocupando latifúndios que não cumprem sua função social,
criando consciência emancipatória e desmascarando injustiças tremendas
produzidas pelas relações sociais de superexploração do capital. Quando a CPT e
o MST estiverem celebrando cinquenta ou cem anos de luta pela terra, poderemos,
provavelmente, ver com mais nitidez o processo emancipatório da luta pela
terra. Nessa proposta de análise plural e mesclada em várias perspectivas,
estamos em sintonia com o que pondera o historiador Christopher Hill ao
analisar as ações e as ideias subversivas dos grupos radicais de trabalhadores que
protagonizaram a Revolução Inglesa de 1640: “Há duas maneiras de vermos uma revolução. Podemos contemplar os gestos
que simbolizam e concentram longos períodos de luta. [...] Mas também existem
mudanças mais demoradas, mais lentas, mais profundas nos processos mentais, sem
as quais os gestos heroicos ficariam totalmente desprovidos de sentido. Estas
mudanças nos escapam, se nos perdemos no detalhe; somente podemos apreciar a
dimensão das mudanças se nos dispomos a examinar o começo e o fim da Revolução
– se é que palavras tão vagas podem se aplicar a um processo que sempre começa
e nunca termina. De uma perspectiva mais distanciada podemos medir as colossais
transformações que precipitaram a Inglaterra no mundo moderno. E talvez
possamos manifestar certa gratidão a todos esses radicais anônimos que
anteviram e tentaram implantar não o nosso mundo contemporâneo, porém algo
muito mais nobre, algo que ainda não se realizou: o mundo de ponta-cabeça”
(HILL, 1987, p. 365-366).
Enfim, a história não para e é preciso se fazer erguer um imenso mutirão de reconstrução do nosso querido Brasil, assolado pela fome, pela miséria, pela injustiça agrária, social e ambiental. Levantemo-nos! À luta por direitos, já!
Referência
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A
Ideologia Alemã: crítica da mais
recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e
do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo:
Boitempo Editorial, 2007.
1º/11/2022
Obs.: As videorreportagens nos links,
abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – Preservar Área de
Proteção Permanente e 220 casas: Famílias da Ocupação Terra Prometida,
Ibirité/MG
2 - CPT e MLB c Ocupação Terra Prometida, em Ibirité/MG: luta
por moradia p se libertar da cruz/aluguel
3 - “A gente só quer um pedacinho de terra”: 120
famílias da Ocupação Vila Maria, em BH, MG - Vídeo 3
4 - (2a parte) Culto Ecumênico na Ocupação Dom
Tomás Balduíno/Betim/MG. "A terra é de Deus para todos."
5 - Ocupação do MST/Campo do Meio/MG: despejo, NÃO!
ALMG/Dr. Afonso Henrique/Vídeo 2. 22/11/18
6 - Ocupação Prof. Edson Prieto, do
MSTB/Uberlândia: 2,200 famílias/casas de alvenaria. 20/11/2012
7 - Cativeiro da Terra no Brasil. A luta pela
superação do Racismo, com Frei Gilvander Moreira
8 - Dom Tomás Balduíno, da CPT, no Cenários, da
TVC/BH: Romarias da terra e Luta pela Reforma Agrária
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
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– Facebook: Gilvander Moreira III