Nota pública. Belo Horizonte, MG, 10
de janeiro de 2018.
Com muita alegria e satisfação, recebemos a notícia de que o despejo da Ocupação Vila Esperança – no
Betânia, região oeste de Belo Horizonte, MG, entre o Anel Rodoviário (BR 040) e
a Av. Tereza Cristina -, que estava marcado para acontecer a qualquer momento,
a partir do dia 11/01/2018, foi suspenso por decisão liminar do Desembargador
Federal Jirair Aram Meguerian, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF1), no recurso apresentado pelo Defensor Público Federal da
Defensoria Pública da União (DPU), Dr. João Márcio Simões, (Agravo de
Instrumento número 1013837-47.2017.4.01.0000), que representa juridicamente as
cerca de 140 famílias.
O Desembargador
Federal Jirair Aram Meguerian escreveu na decisão: “não me parece razoável que os agravantes tenham que desocupar a área
por força de medida judicial de urgência ou sem a garantia de um plano de
remoção e realocação das famílias. [...] DEFIRO, por ora, o pedido tão somente
para atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento, devendo a agravada se
abster de reintegrar-se na posse daquela área, tampouco usar de força policial
para obrigar a desocupação”.
Em sua decisão, o Desembargador Federal não aceitou o fato das famílias
serem despejadas e verem suas casas sendo demolidas, o que foi reconhecido como
uma medida irreversível, além do fato de entender ser não razoável a juíza
Gabriela Alvarenga Silva Lipienki, da 8ª Vara Cível Federal de Minas Gerais,
determinar, a título de liminar, decisão cujo caráter se baseia na urgência, o
despejo de famílias, cuja presença no terreno onde construíram a Ocupação-Comunidade
Vila Esperança se data pelo menos no ano
de 2011 - “O início da Ocupação foi em 2009”, diz o desembargador Jirair Aram
-, e mais ainda, sem que haja qualquer remoção e realocação das famílias de
forma digna e prévia.
Mais uma vez, expressamos nossa indignação com a decisão injusta,
covarde, imoral e inconstitucional da juíza Gabriela Alvarenga Silva Lipienki,
da 8ª Vara Cível Federal, que não levou em consideração a dignidade da pessoa
humana e o direito à moradia – princípio e direito constitucional - e a
repercussão socioeconômica dramática de um eventual despejo, que só
acrescentaria mais 140 famílias, em extrema vulnerabilidade social, ao já gigante
déficit habitacional de Belo Horizonte – cerca de 120 mil moradias faltam em BH
-, além de usar de argumento falacioso de “defesa da vida humana”, uma vez que
ninguém logrou êxito em provar nos autos que qualquer morador da Ocupação Vila
Esperança tenha sequer se machucado no Anel Rodoviário de BH nos últimos 6 anos.
Se assim fosse, as demais 37 ocupações/vilas que margeiam o Anel Rodoviário
deveriam ser despejadas imediatamente! “Uma ordem judicial não pode valer uma
vida humana”, como já disse o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília,
em decisão de relatoria do Ministro Og Fernandes, que suspendeu o despejo das 8
mil famílias das ocupações urbanas da Izidora, em BH e Santa Luzia (RMS
48.316).
Além disso, merece
mais indignação e repúdio os dizeres da juíza Gabriela, que dentre outras
falas, diz que a mesma “compareceu ao local por 2 vezes, uma antes da primeira
audiência de conciliação, em 10/08/2017 e outra em 20/10/2017, tendo visto uma
substituição dos barracões de madeira por tijolos, todos ao mesmo tempo e
claramente visando alterar a situação de fato, certamente financiados por
alguém”. Ora, quer dizer então que as pessoas que resolvem construir suas casas,
para não mais se submeter à pesada cruz do aluguel ou humilhação de morar de
favor, substituem barracões de madeira por tijolos ao mesmo tempo para
claramente alterar uma situação de fato? As pessoas ocupam porque precisam
morar! E quem as financiam, são elas mesmas, com o o suor de seu trabalho digno
que constrói “como João de Barro”, pouco a pouco, e coloca esse país em
funcionamento!
E também merece nosso repúdio e indignação a postura dos entes públicos.
Conforme já denunciamos, até o presente momento, onde estão as autoridades
constituídas para resolverem o problema do direito à moradia das famílias? O prefeito
de BH, Alexandre Kalil, não está honrando a sua promessa de campanha de não
deixar despejar as ocupações urbanas, e, além disso, a URBEL, companhia
municipal responsável pela urbanização e políticas públicas de direito à
moradia, mais uma vez, cumpriu seu papel ao fazer relatórios com informações
inverídicas e antipovo. Escreveu a URBEL/PBH em relatório: “é possível
verificar que várias pessoas mudaram para o local quando ficaram sabendo que a
área estava sendo invadida e que poderiam obter uma indenização. Muitas moradias
eram ocupadas por apenas um jovem do sexo masculino e que antes morava com os
pais. Ou seja, o que se percebe é que não há necessidade destas pessoas estarem
neste local, apenas criou-se uma forma fácil de obter uma indenização do poder
público. Poucas famílias realmente necessitam de uma ajuda estatal, porém é
certo que muitas outras que também necessitam estão aguardando na fila dos
programas assistenciais governamentais”. Esse relatório da URBEL não fala a
verdade, violenta a dignidade das 140 famílias que estão lutando para se
libertarem da cruz do aluguel e conquistar moradia própria e digna. Portanto,
URBEL fez relatório que criminaliza o povo em uma luta justa e legítima. Governador
Fernando Pimentel, onde está a Mesa de Negociações que até agora não apareceu?
Se o desembargador federal não tivesse tido sensatez, você enviaria mais uma
vez as tropas da Polícia Militar para junto com a polícia Federal realizarem o
despejo? E o Governo Federal, através do golpista Michel Temer, que nada fez
além de prever orçamento zero para moradia popular em 2018? E quanto ao DNIT e
Concessionária 040, que, mesmo tendo 39 milhões de reais para realizar
reassentamento de famílias que moram na beira do ANEL e para dar função social
a suas áreas de domínio, por que nada fazem além de se esquivar e requerer
judicialmente o despejo? As 140 famílias são seres humanos e têm direito à moradia
digna, não são lixo e nem descartáveis.
A decisão do Desembargador Jirair Aram é digna de aplausos, pois os
movimentos populares, comunidades e juristas populares sempre insistem que, em
geral, nas lutas pelo acesso ao sagrado e humano direito para acessar a terra
(seja para viver e trabalhar no campo, ou seja, para morar e trabalhar na
cidade), não pode haver despejos por meio de liminar cujo cumprimento
acarretará na irreversibilidade do despejo (já que as casas estarão demolidas)
e de que, acaso o poder público entenda por retirar famílias de seus locais de
moradia, isso não pode ser feito sem alternativa de moradia digna e prévia às
famílias, sob pena de se aumentar mais ainda a violação dos direitos humanos
fundamentais, a violência social, o problema do enorme déficit habitacional ao
se jogar mais famílias nas ruas (lembrando o que já disse o desembargador
Newton Teixeira, da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, “as
pessoas ao serem despejadas não viram pó, elas não somem”).
Aliás, não podemos esquecer que no início da semana, ao ser questionada
pela imprensa acerca do despejo, a empresa Concessionária Via 040 informou que
tinha deixado a cargo da Prefeitura de Belo Horizonte realizar o despejo, e que,
após a Justiça Estadual impedir a sua realização por meio de decisão da 4ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sob relatoria da
Desembargadora Heloisa Combat (recurso de número 1.0000.15.0489961/001),
resolveu entrar na Justiça Federal (claramente uma atitude de litigância de má
fé, descumprindo ordem da Justiça Estadual de 2ª instância, agora reforçada por
uma decisão da Justiça Federal de 2ª instância, O TRF1, em Brasília)
Abaixo, confiram um
trecho da referida decisão da 4° Câmara Cível do TJMG:
"(...) Trata-se de Agravo de
Instrumento interposto pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais contra
a r. decisão da MMª. Juíza da 6ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal
da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da Ação Cautelar Preparatória de
Ação Civil Pública com Pedido de Liminar em caráter de Urgência, indeferiu a
liminar para que o ente federativo se abstenha de demolir as moradias
construídas entre o anel rodoviário da BR 040 e o a Avenida Tereza Cristina, em
Frente a RRPV, CEP: 30.390-085, sem a ordem judicial correspondente. (...) O
cerne da questão trazida a esta sede recursal cinge-se em verificar a
possibilidade de concessão de liminar, nos autos da Ação Cautelar Preparatória
de Ação Civil Pública, que consiste na determinação que o Município de Belo
Horizonte se abstenha de demolir as moradias construídas entre o anel
rodoviário da BR 040 e a Avenida Tereza Cristina, em frente a RRPV, CEP:
30.390-085. A d. Magistrada a quo indeferiu a liminar, baseando-se, em síntese,
no poder de polícia conferido à Municipalidade e na ausência de recurso
administrativo pelos notificados.
Depreende-se dos autos que fiscais da
Prefeitura de Belo Horizonte juntamente com Policiais Militares compareceram ao
local, em 14 de maio de 2015, por volta das 05 da manhã, e iniciaram a
demolição de cercas e muros, tendo apenas cessado a demolição após a
intervenção da Assistente Social da Regional Oeste. Novamente em 12 de junho de
2015, por volta das 09 horas da manhã, compareceram novos fiscais acompanhados
de três viaturas da Polícia Militar e procederam com a demolição de 5 (cinco)
residências. Sabe-se que em casos como o dos autos, a prudência deve
permear a decisão, mormente por ser a demolição medida drástica e irreversível.
Posto isso, vislumbro os requisitos necessários para concessão da medida de
urgência pleiteada.
Tenho que a manutenção da r. decisão
agravada, nesse momento processual, poderá causar às famílias residentes no
local imenso dano, uma vez que terão suas residências demolidas antes mesmo da
fase de instrução da Ação Civil Pública já ajuizada, conforme documento ordem
39. (...) À luz de tais considerações, na esteira do parecer ministerial, DOU
PROVIMENTO AO RECURSO, para determinar
que o Município de Belo Horizonte se abstenha de realizar demolições das
moradias existentes no local entre o anel rodoviário da BR 040 e a Avenida
Tereza Cristina, em frente à RRPV, CEP:30.390-085, sem a ordem judicial
correspondente. Custas ex lege. DESA. ANA PAULA CAIXETA - De acordo com a
Relatora. DES. RENATO DRESCH. V O T O. “Os atos da administração pública no
exercício do poder de polícia somente podem recair sobre bens. As ações contra
pessoas, como a demolição de imóveis habitados dependem de autorização
judicial. Voto de acordo com a relatora. SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO
RECURSO".
Por fim, conclamamos as forças vivas e democráticas a se manterem em alerta,
pois por ser uma decisão liminar, ela pode, ao menos em tese, ser revista.
Portanto, devemos continuar atentos na defesa ao direito sagrado e humano à
moradia das famílias da Ocupação-Comunidade Vila Esperança e reiteramos que
nossos direitos somente virão com muita luta coletiva!
Enquanto morar for um privilégio,
ocupar é um direito e um dever! Resiste, Vila Esperança!
Belo Horizonte/MG, 10 de janeiro de
2018.
Assinam essa nota:
Coordenação da Ocupação-Comunidade Vila
Esperança
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas
e Favelas (MLB)
Associação de Moradores da Vila da
Luz
Obs.: Assistam também aos videorreportagens de frei Gilvander, na Ocupação
Vila Esperança, dia 04/01/2018, nos links, abaixo:
1) Ocupação Vila
Esperança/Betânia/BH/MG: Despejo - Injustiça que clama aos céus . 1ª Parte –
04/1/2018
2) Ocupação Vila
Esperança/Betânia/BH/MG: NEGOCIAÇÃO, SIM. DESPEJO, NÃO. 2ª Parte – 04/1/2018
3)Ocupação Vila
Esperança/Betânia/BH/MG: LUTA E RESISTÊNCIA CIONTRA DESPEJO. 3ª Parte –
04/1/2018