15º Encontro Intereclesial das CEBs: pentecostes de espiritualidade ética e profética. Por frei Gilvander Moreira[1]
15o Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, MT. Fotos: Jakson MoreiraCelebramos 38 anos do martírio do Padre Ezequiel Ramin dia 24 de julho deste
ano de 2023, porque dia 24 de julho de 1985, padre Ezequiel Ramin, sendo missionário
comboniano e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi brutalmente
assassinado com 50 tiros em Cacoal, Rondônia, a mando de fazendeiros que
estavam expropriando os posseiros e expulsando-os da terra que pertencia a eles.
Dom Pedro Casaldáliga dizia: “Feliz de um
povo que não esquece seus mártires!” Para honrar a memória espiritual e
profética de Ezequiel Ramin, dia 23 de julho último aconteceu a 8ª Romaria Padre
Ezequiel Ramin, em Rondolândia, no Mato Grosso. Padre Ezequiel Ramin, semente viva na
Amazônia! Aconteceu também na noite do dia 21 de julho de 2023, no 4º dia do
15º Intereclesial das CEBs uma Romaria
dos Mártires e Defensores da Vida, da Praça dos Carreiros até o Cais do Rio
Vermelho, em Rondonópolis, MT. Em estandartes, as fotos de dezenas de mártires
nos faziam recordar de tantos/as que, como Jesus Cristo, foram assassinados/as
por estarem nas lutas dos/as injustiçados/as do campo e da cidade. O sangue
dos/as mártires precisa continuar circulando nas nossas artérias. Temos que
honrar o legado de doação e profecia que nos deixaram.
Dia
25 de julho é dia do/a trabalhador/a rural, dia de renovarmos nosso
compromisso com os/as trabalhadores/as do campo que, como assalariados,
acampados, assentados ou pequenos agricultores, produzem mais de 70% do
alimento que chega à mesa do povo brasileiro, enquanto o agronegócio não produz
alimento, mas produz: a) commodities para exportação para gerar lucro e
acumulação de capital para poucos capitalistas; b) produz desertificação de
territórios pelo desmatamento desenfreado, pela irrigação que seca os rios e
chupa águas dos lençóis freáticos em poços artesianos que esgotam as águas
subterrâneas; c) produz epidemia de câncer e de Alzheimer pelo uso
indiscriminado de agrotóxicos como o glifosato e centenas de outros venenos que
intoxicam a terra, as águas, o ar e os corpos dos animais, das plantas e dos
seres humanos adoecendo-os. Nossa homenagem ao lavrador/a, camponês/a,
trabalhador/a do campo, pois “se o campo não planta, a cidade não janta”.
Ainda em ‘estado de graça’ por ter
participado do 15º Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base – www.cebsdobrasil.com.br ), em
Rondonópolis, MT, de 18 a 22 de julho último (2023), e convicto de que devemos
partilhar e socializar as experiências que humanizam, mesmo ciente de que é
muito difícil, se não impossível, partilhar o esplendor da espiritualidade
ética e profética que vivenciamos no 15º Intereclesial das CEBs, um “Encontro
Nacional de representantes de CEBs do Brasil”, vamos lá ...
O tamanho: Participaram cerca de 1.500
lideranças de CEBs de todo o Brasil, entre as quais 60 bispos, uns 130 padres,
umas 130 freiras, alguns membros de outras Igrejas Cristãs, dezenas de
indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQIA+, observadores internacionais etc. Nove
grandes Equipes de Trabalho garantiram em um estupendo mutirão a
infraestrutura, alimentação e tudo o que precisava para o Intereclesial se
desenrolar bem. Os 1.500 participantes foram acolhidos e hospedados em casas de
centenas de famílias que graciosamente abriram o coração e hospedaram com
alegria todos/as nós. Enfim, milhares de pessoas contribuíram e participaram de
um grande mutirão que construiu e realizou o 15º Intereclesial das CEBs.
O tema
acolheu o que o papa Francisco vem nos pedindo desde o início do seu
pontificado: “CEBs: Igreja em saída na
busca da vida plena para todos e todas” e o lema, “Vejam! Eu vou criar
novo céu e uma nova terra” (Is 65,17a). Qual Igreja? A que se faz povo
de Deus com opção pelos pobres e opção de classe trabalhadora. “Em saída” para
onde? Para as periferias geográficas e sociais, na busca e construção de
condições objetivas e materiais que garantam vida plena para os humanos e para toda
a biodiversidade. “saída” que exige trabalho de base e formação bíblica,
teológica, política, ecológica etc.
Os momentos de oração e mística no
início de todas as manhãs nos conectaram com a Divina Ruah, o Deus trinitário
mistério de infinito amor, com os nossos ancestrais, as luzes e as forças dos/as
mártires da caminhada e com as mais diversas formas de vivenciarmos nossa
espiritualidade. “Orar faz bem”, melhor ainda quando de forma libertadora
envolvemos na nossa oração a comunidade, a sociedade e todos os seres vivos da
nossa Casa Comum. A Equipe de animação e cantoria, ao longo dos dias, nos
embalava com músicas libertadoras com letras e melodias críticas e entusiasmantes,
todas no Cancioneiro do 15º
Intereclesial das CEBs. Já dizia Santo Agostinho: “Quem canta uma música
boa (libertadora), reza duas vezes”. E ao contrário, quem canta uma música
alienante se aliena duas vezes.
Seguindo o método VER, JULGAR/DISCERNIR
e AGIR, todos/as tiveram oportunidade de se expressar e ouvir todos/as em
grupos pequenos, médios, plenárias/biomas e na plenária-mãe, nossa “Casa Comum”.
No 1º dia, para VER a realidade, todos/as os/as participantes foram distribuídos
em Plenárias com os nomes de Biomas: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal,
Amazônia, Pampas. No 2º dia, na Plenária-mãe, chamada de “Casa Comum”, foi socializada
a reflexão feita em mutirão no dia anterior e adentramos no JULGAR, discernindo
como enfrentar as injustiças que ofuscam o reino de Deus no nosso meio. Foram criticados
com veemência as relações sociais que geram o clericalismo, o patriarcado, o
machismo, o racismo, a homofobia, a devastação ambiental e outras violências
que aviltam a dignidade humana e reduzem a mercadorias a terra, as águas e toda
a biodiversidade.
Em contexto de efeito dominó dos 34 anos
de pontificado dos papas João Paulo II e Bento XVI, disseminando movimentos com
espiritualidades intimistas e fundamentalistas, cultivando o clericalismo, muitas
pessoas clamavam “basta de muito rito e pouco Cristo” e houve apelo para que as
CEBs se tornem autônomas e que não fiquem esperando muito apoio dos padres e
dos bispos. Buscar outros areópagos e ser profetas como Eldad e Medad fora da
Tenda (Nm 11,26-29 ): nas ocupações urbanas e camponesas, e nas periferias das
cidades. A caminhada das CEBs persiste e resiste, apesar de todas as
dificuldades, mas deve se enraizar também fora da estrutura das paróquias. As
Ocupações de luta pela terra e por moradia são na prática CEBs, mas na maioria
das vezes sem rótulo e no geral sem ou com pouco acompanhamento das paróquias
onde se encontram. Com Marcelo Barros, sugerimos a continuidade das CEBs, mas “com caráter mais autônomo em relação às
paróquias e mesmo às dioceses, ligadas às Igrejas locais, mas com estrutura
mais autônoma e mais laical e ecumênica, talvez animada a partir do CONIC[2]
e de entidades irmãs que possam junto com as pastorais sociais assumirem junto
com Movimentos Sociais Populares a tarefa de dar maior visibilidade e solidez
às Comunidades Ecumênicas de Base ou mesmo Comunidades Humanas de Base.”
No julgar e discernir foi enfatizado que
cultivar a vida comunitária é um sagrado antídoto ao espírito capitalista que
solapa as relações comunitárias e injeta o vírus do individualismo e do
egocentrismo. Foi alertado que fazer missão não pode ser reduzido a tentar
envolver de forma proselitista “os de fora” na “minha igreja”, mas testemunhar
o que Jesus Cristo e os profetas e profetisas ensinaram e testemunharam
revelando o que constrói o reino de Deus no nosso meio. Não podemos nos calar!
Crucial continua sendo sermos profetas e profetisas, não adivinhadores do
futuro, mas quem nas entranhas da trama histórica lê os sinais dos tempos e dos
lugares e no meio do povo aponta os caminhos a serem seguidos para superação do
capitalismo que em crise aguda segue superexplorando não só a classe
trabalhadora, mas também sacrificando no altar do mercado idolatrado os bens
naturais – terra, águas, minerais e todo que pode ser transformado em
mercadoria nos biomas e ecossistemas.
Três clamores foram destacados: os
clamores dos povos negros diante das relações sociais escravocratas que
reproduzem cotidianamente racismo estrutural; os clamores dos povos indígenas
vítimas de genocídios e de invasão de seus territórios e ainda sob ameaça da
brutal tese do Marco Temporal já aprovado na Câmara Federal. Houve um
fortíssimo grito para que o inconstitucional e esdrúxulo Marco Temporal não seja
aprovado no Senado Federal e nem no Supremo Tribunal Federal; os clamores das
Juventudes também vítimas de genocídio e da amputação de oportunidades para
desabrochar seu infinito potencial de humanização.
Enfim, na atual conjuntura da Igreja
Católica no Brasil, de um retorno à Grande Disciplina, de hegemonia de
fundamentalismo, clericalismo, moralismos e de “comunidades entocadas”
priorizando ajuntar dízimo e reduzindo a fé cristã a autoajuda, o 15º
Intereclesial foi ato público de resistência em que militantes e pessoas da
caminhada libertadora das CEBs expressaram de cabeça erguida que as CEBs estão
vivas e seus membros mantêm viva e forte a profecia da espiritualidade
libertadora ecumênica e inter-religiosa. Vivenciamos dias de verdadeira
manifestação do amor de Deus na força e luz da Divina Ruah, fecundando as
CEBs! Dom Guilherme Antônio Werlang, bispo da Diocese de Lages, SC, foi
aplaudido por todos/as de pé ao bradar: “Quem
se deixa levar pela correnteza das maiorias, é como um corpo morto ou um tronco
já derrubado e sem vida e que é incapaz de reagir e lutar pela vida sua e dos
outros. Nadar contra a correnteza nunca foi fácil, mas essa deve ser a atitude
de quem deseja ser cristão ou cristã.”
A caminhada continua e o trem das CEBs
segue agora para seu berço, o estado do Espírito Santo, que acolherá e sediará
o 16º Intereclesial das CEBs em 2027. Que a Divina Ruah e a Trindade Santa continuem
nos guiando com muito amor no coração na utopia do reino de Deus, com olhar e
pés no chão das periferias, ao lado dos periferizados, lutando pelos seus
direitos e também pelos direitos da natureza. Que os/as que foram sejam multiplicadores, que o XV
Intereclesial das CEBs ressoe nas Paróquias e Comunidades... no meio do povo!
Apesar de tantas forças contrárias na sociedade e na própria Igreja, sigamos na
construção de uma Igreja viva, em saída, sinodal, a partir dos/as pobres,
injustiçados/as.
Em tempo: Registramos em vídeo cerca de 13
horas nos cinco dias do 15º Intereclesial e estamos aos poucos disponibilizando
no youtube no canal “Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos”. Assista se
quiser e sinta-se à vontade para baixar e republicar em outros canais.
25/07/2023.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto
tratado, acima.
1 - XV
Intereclesial das CEBs, Rondonópolis, MT: celebração de abertura, beleza
espiritual e profética!
2 - VER de forma crítica
a realidade, 1ª parte da manhã 2º dia XV Intereclesial de CEBs, Rondonópolis/MT
3 - Pedro Ribeiro analisa
Realidade Eclesial: 2a parte dia 19/7 -XV Intereclesial CEBs, Rondonópolis/MT
4 -
Cantoria, Acolhida, Oração e Mística no 2o dia do XV Intereclesial das CEBs,
Rondonópolis/MT: luzes!
5 - Destaques
do XV Intereclesial das CEBs em Rondonópolis/MT, segundo participantes, CNBB e
Rede Vida
6 - https://cebsdeminas.com.br/4774-2/
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas;
prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo
Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com
, www.brasildefatomg.com.br
, www.revistaconsciencia.com
, www.racismoambiental.net.br
e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2] Conselho Nacional de Igrejas
Cristãs do Brasil – www.conic.org.br
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