Quanto mais capitalismo, mais superexploração. E a luz da cruz? Por Frei Gilvander Moreira[1]
Durante a marcha histórica do capitalismo, “a força externa que impunha a atividade ao
indivíduo se internalizou; agora no contexto da igualdade “natural” dos indivíduos,
cada um aparece como um sujeito atomizado buscando seu próprio interesse
enquanto, de fato, realiza o interesse do capital social total” (IASI,
2006, p. 217). Mas como tudo o que é sólido se desmancha no ar, com a evolução
desenfreada das forças produtivas, o que faz aumentar a exploração dos
trabalhadores, dos camponeses, da terra, das águas e de toda a biodiversidade,
as ideias da classe dominante por si mesmas não conseguem mais justificar a
crescente opressão: exploração e expropriação, crescentes em progressão
geométrica. Cria-se uma crise ideológica e muitos trabalhadores adquirem uma
consciência diferente ao perceber que o interesse da classe dominante não é
interesse universal, mas ilusões e hipocrisias deliberadas que sopram vento no
moinho do capital. “Quanto mais a forma
normal das relações sociais e, com ela, as condições da classe dominante acusam
a sua contradição com as forças produtivas, quanto mais cresce, em decorrência,
o fosso cavado no seio da própria classe dominante, fosso que separa esta
classe da classe dominada, mais naturalmente se torna nestas circunstâncias,
que a consciência que originalmente correspondia a esta forma de relações
sociais se torna inautêntica: dito por outras palavras, essa consciência deixa
de ser correspondente, e as representações anteriores que são tradicionais
desse sistema de relações [...] degradam-se progressivamente em meras fórmulas
idealizantes, em ilusão consciente, em hipocrisia deliberada” (MARX;
ENGELS, 2007, p. 283).
Uma segunda forma possível de consciência como
processo não linear em movimento trata-se da consciência em si que pode ocorrer quando as pessoas agem coletivamente e
vislumbram, para além da possibilidade de se revoltar isoladamente, uma
possibilidade de alterar as relações de
espoliação do capital. Nesse ponto, as trabalhadoras e os trabalhadores agindo
em grupo tecem relações que explicitam os elos e a identidade do grupo e seus
interesses próprios, que contrastam com os interesses de quem lhes são opostos.
Nessa fase, “o proletariado ao se assumir
como classe, afirma a existência do próprio capital. Cobra desse uma parte
maior da riqueza produzida por ele mesmo, alegra-se quando consegue uma parte
um pouco maior do que recebia antes” (IASI, 2011, p. 31). É a fase
corporativa, aquela que pauta a luta por reivindicar melhores salários e
melhores condições de trabalho “para mim,
para nós”: os trabalhadores de uma
empresa específica. Não questionam o sistema do capital, apenas reivindicam uma
fatia um pouco maior das migalhas que recebem ao vender sua força de trabalho
ao patrão. “Quem reivindica ainda
reivindica de alguém. Ainda é o outro que pode resolver por nós nossos
problemas” (IASI, 2011, p. 31). Trabalhadoras e trabalhadores que assim
lutam ainda estão dentro das relações do capital e muito longe de emancipação
humana, que é fazer a história com as próprias mãos, superando todo e qualquer
tipo de exploração, seja humana, seja ecológica. Apenas se reconhecendo como
classe proletária os trabalhadores negam o capitalismo afirmando-o,
questiona-o, mas aceitam-no como modo de vida social.
Nós, seres humanos, – trabalhadores e camponeses -
temos condições de construir a nossa história com as próprias mãos, mas não de
forma independente como quisermos. “Os
homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea
vontade, pois não são eles quem escolhe as circunstâncias sob as quais ela é
feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram” (MARX,
2011, p. 25). Na sociedade capitalista o indivíduo é o foco como se fosse uma
célula isolada e autossuficiente; é levado a agir dentro do seu tempo de vida,
até a morte. Diferentemente, em perspectiva emancipatória da classe que age em
grupo, coletivamente, a história é feita por nós, mas continua sendo feita após
nossa morte. Assim, na luta pela terra e por moradia, os Sem Terra e os Sem
Teto não terminam em si mesmos, pois se tornam raios de luzes para os que nos
seguirão após nossa morte. Nesse tom, canta Victor Jara sobre a morte do padre
Camilo Torres, tombado no fronte de luta dos revolucionários colombianos, dia
15 de fevereiro de 1966: “Onde caiu
Camilo nasceu uma cruz, porém não de madeira, mas de luz”.[2]
O conceito marxiano de emancipação humana se coloca na contraposição de emancipação política e aparece na obra Sobre a questão judaica como crítica a Bruno Bauer. Para Marx não basta perguntar quem seria emancipado, porque “não há mais emancipação pura e simples. Seu problema é precisamente esclarecer de que emancipação se trata” (MARX, 2010, p. 21). Marx alerta que não dá para se contentar apenas com emancipação política. Diz ele que “desde 1844, não se trata mais de refazer o caminho da Revolução Francesa, de marchar sobre seus rastros, mas de empreender uma revolução inédita, inaudita, sem precedente. Não se trata de obter somente a emancipação política, mas de atingir a emancipação humana” (MARX, 2010, p. 16). Até porque a tríade da Revolução Francesa era liberté, égalité e fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), mas com o fortalecimento do poder econômico da burguesia a fraternité desapareceu e foi substituída pela onipotente proprieté (Propriedade), que no capitalismo ganhou ares quase absoluto reduzindo a liberté e a égalité aos seus aspectos formais e abstratos.
12/10/2021
Referências
IASI,
Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e
emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
_______. As metamorfoses da consciência de classe: o
PT entre a negação e o consentimento. São
Paulo: Expressão Popular, 2006.
MARX,
Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São
Paulo: Boitempo, 2012.
______. Sobre a questão judaica. São Paulo:
Boitempo, 2010.
MARX, Karl; ENGELS,
Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em
seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em
seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Rodoanel na
Fazenda do Rosário, Associação Pestalozzi, Jd. do Rosário, Ibirité/MG. Vídeo 7
–10/10/21
2 - Rodoanel
afetará brutalmente a região da Fundação Helena Antipoff em Ibirité, MG. Vídeo
6 – 10/10/21
3 - Em Ibirité,
MG, o Rodoanel do Zema e da Vale S/A trará brutal devastação também. Vídeo 5 –
10/10/21
4 - "Tem que
garantir moradia p/ famílias da Ocupação Irmã Dorothy, Salto da
Divisa/MG." (Dr. João, DPU)
5 - Território Geraizeiro, norte de MG: atentado brutal, incêndio
criminoso, no município de Grão Mogol
6 - Gigante Ato
Público e Marcha por “FORA, BOLSONARO!”, Belo Horizonte/MG. Por Frei Gilvander,
02/10/21
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da
CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB
(Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] https://www.youtube.com/watch?v=_rllf7Df10o&feature=youtu.be
: 50 anos do martírio de Padre Camilo Torres.
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