ELEIÇÕES 2024: “E AGORA, JOSÉ?” - Por frei Gilvander Moreira[1]
Luta por moradia em São Paulo, SP. Foto: Reprodução/MSTRespire fundo. Passado o 1º
turno das Eleições Municipais no Brasil dia 06 de outubro de 2024, já
eleitos/as 5.417 prefeitos/as e os/as vereadores/as de 5.568 Câmaras Municipais,
restando apenas em 50 municípios com mais de 200 mil eleitores – 15 capitais –
onde terão 2º turno dia 27 de outubro, é hora de fazermos avaliação crítica,
autocrítica e tirarmos todas as lições da campanha eleitoral e dos seus
resultados. Alegramo-nos com as vitórias de lideranças populares eleitas em
partidos de esquerda, mas que serão minoria nas Câmaras Municipais ou minoria
entre os/as prefeitos/as.
No geral, o centrão, a direita e a extrema
direita venceram as eleições de 2024, pois controlarão mais de 80% das prefeituras
e das Câmaras Municipais dos municípios. Esta base de poder é será a referência para a
disputa de 2026 e pode alavancar a retomada do Poder Executivo
Federal em 2026 e desde já pressionar mais ainda o Governo Lula para mais
concessões além do muito já concedido em Governo de conciliação de classes, o
que aniquila a efetivação de políticas de transformação estrutural, pois o
centrão só tolera políticas compensatórias. A esquerda saiu vitoriosa em menos
de 20% dos municípios brasileiros, sem vitória nas capitais, pelo menos até agora, e
conquistando cidades do interior. Sabemos que o poder local nem sempre está de
acordo com as orientações partidárias. As honrosas vitórias da esquerda não podem
ocultar a realidade ampla e profunda do coronelismo político que segue se
reproduzindo a todo vapor. O sol não pode ser tapado com a peneira.
Atualmente,
no Brasil, há dois tipos de esquerda: a institucional neoliberal – “os
moderados” -, que fica voltada para as eleições como centro de sua prática política,
e a Esquerda Social, a que participa do processo eleitoral como um espaço de
fazer a discussão com o povo e divulgar as propostas políticas socialistas.
Esta Esquerda Social não abandona as lutas sociais – greves, ocupações,
solidariedade internacional, lutas socioambientais e lutas por direito à terra,
à moradia, entre outros direitos constitucionais.
A cada dois anos um semestre está sendo
dedicado a campanha para eleições, seja municipal ou para governadores,
Assembleia Legislativa, Congresso Nacional e Executivo Federal. Ou seja, em 25%
do tempo as atenções e as preocupações da maior parte das lideranças se voltam
para as eleições.
Para cada liderança de esquerda neoliberal eleita
mais de 20 lideranças de lutas populares passam a integrar a assessoria do
mandato. Isto causa um desfalque grande no meio da militância nas lutas por
direitos, pois a orientação de “esquerda” da maioria dos mandatos é de
reproduzir a conciliação de classes e a linha da pequena burguesia (sempre com
medo de perder o pouco que tem) acabam inibindo muitas lutas sociais. No
entanto, se os mandatos tidos como esquerda fossem efetivamente em maioria de
esquerda, isso serviria para impulsionar as lutas, pois toda liderança da
assessoria teria um pé na institucionalidade e outro pé cravado no meio do povo
animando e fomentando lutas concretas por direitos. Somente os/as eleitos/as da
Esquerda Social poderão implementar isso.
O atual sistema eleitoral está organizado em
uma lógica e estrutura que privilegiam a reeleição de quem está no cargo, seja
de prefeito/a ou vereador/a, ou governador/a, presidente e deputados/as ou
senadores/as. Os parlamentares passaram a ter o direito de distribuir muito
dinheiro público por meio de emendas parlamentares, do absurdo “orçamento
secreto”, ou seja, administram parte do orçamento que deveria ser exclusividade
do Poder Executivo. As emendas parlamentares e o grande Fundo Eleitoral que vão
principalmente para os maiores partidos, os que reproduzem o status quo capitalista e opressor, atualizam
o clientelismo político em currais eleitorais contemporâneos. Os novos
candidatos enfrentam uma disputa em grande desigualdade de condições.
A história do Brasil mostra que, via de
regra, quem vence as eleições é quem tem o maior poder econômico e/ou
midiático, pois ao investir muitos recursos nas eleições acabam por “comprar”
votos de muitas formas. Há grande distorção dos recursos para os
partidos e também internamente nos partidos, brutal desigualdade. As melhores lideranças
populares são, salvo exceções, os mais pobres e sem recursos econômicos. Assim,
o poder econômico acaba determinando mais de 80% do resultado das eleições. Inclusive,
medidas que na aparência limitaram o poder do capital, como o financiamento
público de campanha, se tornou um fundo bilionário com distribuição capitaneada
pelo centrão de dois em dois anos via Congresso Nacional e que impõe ainda
maiores dificuldades à esquerda e em especial aos partidos que não contam com
representação no Congresso Nacional.
Partidos revolucionários com programa popular
não têm direito ao horário eleitoral gratuito na TV e rádio, não têm acesso ao
fundo partidário e têm apenas uma ínfima migalha do fundo eleitoral. Ao invés
de diminuir o número de partidos fisiológicos, está aumentando a força do
centrão e da extrema-direita. Um exemplo: o PL, partido golpista e de
orientação fascista, contou com quase 900 milhões de reais apenas de fundo
eleitoral; de outro lado, a UP (Unidade Popular pelo Socialismo), partido mais
novo do Brasil, que tem um programa e prática efetivamente de esquerda, contou
com apenas 0,06% do fundo para ser usado nas eleições em todo o Brasil. Desta
forma, a disputa que já era desigual, se tornou uma enorme injustiça que quebra
com os princípios constitucionais de isonomia e de liberdade de organização
partidária.
Para piorar a disputa, atualmente a
predominância de igrejas fundamentalistas e moralistas tem se transformado em
currais eleitorais, onde pastores, por interesses escusos, usando indevidamente
o nome de Deus, abusando da fé das pessoas, acabam determinando o voto do seu
rebanho.
As eleições criam a ideia de que estamos em uma
democracia plena, pois há eleições de dois em dois anos. Ledo engano! A
história demonstra que é mais fácil ganhar na loteria do que conseguir eleger
uma maioria de candidatos éticos, justos e comprometidos com as reivindicações
populares, o que viabilizaria fazer transformações reais na política
brasileira. Mas o sistema é organizado para se criar a ilusão de que “na próxima eleição, mudaremos e será melhor!”,
porém na realidade, parodiando a música Espinheira,
de Duduca e Dalvan, “entra eleição e sai
eleição e a vida do povo só vai piorando” e as mudanças estruturais para se
superar o capitalismo com a brutal desigualdade social que ele fomenta vão
sendo adiadas ad infinito.
As
eleições criam a falsa ideia de que o poder político estaria separado do poder
econômico. Falsa porque o poder econômico domina a produção, a vida social e as
eleições. É necessário ampliar a democracia para além das eleições como
previsto na Constituição Federal, realizando Plebiscitos Populares sobre
questões que dizem respeito à vida do povo brasileiro, como: reestatização da
mineradora Vale S/A, controle das multinacionais no nosso país, sobre onde e
como se deve minerar, sobre medidas que garantam um ambiente saudável e
sustentável...
Da forma como se estruturam os poderes
políticos no país, a força e a vontade popular são na maior parte facilmente
"conduzidas e induzidas" por marketing, por inteligência artificial,
por fake news, havendo uma poderosa indústria midiática que direciona o voto
popular com estratégias cada vez mais sedutoras. Como não há no país uma
cultura de discussão política sobre os reais problemas sociais, como o domínio das mineradoras e a devastação
ambiental, política agrária, população de rua e política habitacional, política
de juros e endividamento da população, saúde, educação, assistência social, a
população acaba iludida de que através da eleição de pessoas éticas e
compromissadas, esses dilemas passarão a fazer parte da pauta de discussões.
É ilusória a crença segundo a qual será via
eleições que conquistaremos a superação do capitalismo, esta brutal máquina de
moer vidas. Com esta crença se foca na luta institucional, o que gera
dependência no eleitorado que joga nas
eleições a solução dos problemas gerados pela lógica do capitalismo. E, o/a
eleitor/a cruza os braços após as eleições esperando que as pessoas eleitas
possam representá-lo/la. Ledo
engano!
Outra questão que contamina as eleições é o
analfabetismo político, ou melhor, a falta de educação política do povo. O
altíssimo índice de abstenção, votos em branco ou nulo apontam várias coisas: a
alienação dos/as eleitores/as que não se sentem corresponsáveis na definição
dos destinos da vida em sociedade e o repúdio ao atual tipo de política
partidária existente no nosso país.
Para que as eleições não sejam de forma
predominante um jogo de cartas marcadas, para termos eleições idôneas e éticas é
necessário uma democrática e popular Reforma Política com regras justas e
igualdade de poder econômico entre os/as candidatos/as e a realização de um
intenso processo de educação política e de superação do analfabetismo político.
Sem isso, as eleições, de fato, se configuram como uma grande ilusão que
emperra as lutas populares e, pior, constitui-se em uma capa de legitimidade da
democracia forma, representativa e burguesa.
Para que seja diferente, o centro das nossas
ações deve ser as lutas populares e a participação nas eleições somente deve ser
aceita se ajudar a fortalecê-las e impulsioná-las. A participação da verdadeira
esquerda nas eleições deve ser pautada, portanto, pelo crescimento de
impulsionamento das lutas por direitos, na propaganda permanente que outro
mundo é possível e que este mundo é o Socialismo e isto tudo deve desembocar no
crescimento do partido, das lideranças dos/as militantes e na sua formação
política, caso contrário significará enxugar gelo e fortalecer a influência da
burguesia sob a classe trabalhadora e o povo.
A história do Brasil demonstra que todos os
direitos conquistados pelo povo não foram a partir de eleições e
consequentemente pela institucionalidade da democracia formal, burguesa e
representativa, mas foram conquistados com muita luta, suor e sangue, por meio
de lutas coletivas concretas cada vez mais massivas. Tanto é que construímos
nas lutas populares o lema “Só com lutas
concretas e coletivas se conquistam direitos!”. Direito não se pede de
joelho, mas se exige de pé, de cabeça erguida e nas lutas populares.
Uma liderança popular convivendo no meio do
povo, organizando e animando lutas coletivas por direitos tem muito mais poder
que um/a parlamentar que, sendo minoria, sempre perde nas votações no Poder
Legislativo. Frei Betto aponta o caminho: “se requer um intenso e sistemático trabalho de
educação política, já que toda a população sofre uma deseducação política
profunda, capilar, seja pela cultura que se respira, seja pela família, escola,
religião e, sobretudo, redes digitais.”
Enfim, em
um olhar crítico sobre os resultados do 1º Turno das Eleições/2024 mostramos a
fragilidade da Democracia, em uma disputa desigual que fere a Democracia. As
mazelas da democracia burguesa vieram à tona. Não só no Brasil, mas, salvo
exceções, em todos os países tidos como democráticos, nos quais o compromisso
das eleições é garantir a reprodução do sistema capitalista com verniz de
democracia. Quando se tem alguma ameaça ao sistema, as eleições são uma forma
de superá-las trazendo de novo a ilusão para o povo de que vai resolver as
injustiças históricas. O exemplo do Chile, do presidente socialista Salvador Allende,
em 11 de setembro de 1973: resolve-se com o assassinato do presidente que
pretendia fazer mudanças estruturais. Ou no Brasil em 2016, derruba-se a
presidenta Dilma Rousseff com um golpe parlamentar sem fundamentação jurídica
para impor a destruição das políticas sociais vigentes.
“E
agora, José?” Após a eleição é hora de voltar às bases, conviver no meio do
povo, cativar o povo com compromisso de vida doada às causas dos
injustiçados/as e em todos os cantos e recantos gestar organização do povo para
as lutas populares necessárias e urgentes por direitos, que é o que mais educa
politicamente o povo.
10/10/2023.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo,
versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - EM
BH/MG, ATO EM MEMÓRIA DO 1º ANO DO GENOCÍDIO PALESTINO, + DE 50 MIL MORTOS POR
‘israel' GENOCIDA
2 - Paz e
Bem #2154- Dossiê Teologia da Libertação- Poemas de Pedro Casaldáliga
(E.Sbardelotti)-9.Out.24
3 - Preservação
do cerrado é vital para a vida. VII Colóquio Internacional Povos Tradicionais.
Vídeo 39
4 - “Se
nos despejar daqui, nos porá no caixão." Há 70 anos UNIÃO AUXILIADORA DOS
CEGOS DE MG. Vídeo 2
5 - Braulino:
“Agronegócio matou quase todos os rios do norte de MG.” Zezé, MAM. VII
Colóquio. Vídeo 37
6 -
Marta, de Moçambique, Jana, da Alemanha: “Cerrado como Floresta e Savanas
visíveis?” VII Co Vídeo 34
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação
pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em
Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de
livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander
– Facebook: Gilvander Moreira III