quinta-feira, 10 de outubro de 2024

ELEIÇÕES 2024: “E AGORA, JOSÉ?” - Por frei Gilvander

ELEIÇÕES 2024: “E AGORA, JOSÉ?” - Por frei Gilvander Moreira[1]

Luta por moradia em São Paulo, SP. Foto: Reprodução/MST

Respire fundo. Passado o 1º turno das Eleições Municipais no Brasil dia 06 de outubro de 2024, já eleitos/as 5.417 prefeitos/as e os/as vereadores/as de 5.568 Câmaras Municipais, restando apenas em 50 municípios com mais de 200 mil eleitores – 15 capitais – onde terão 2º turno dia 27 de outubro, é hora de fazermos avaliação crítica, autocrítica e tirarmos todas as lições da campanha eleitoral e dos seus resultados. Alegramo-nos com as vitórias de lideranças populares eleitas em partidos de esquerda, mas que serão minoria nas Câmaras Municipais ou minoria entre os/as prefeitos/as.

No geral, o centrão, a direita e a extrema direita venceram as eleições de 2024, pois controlarão mais de 80% das prefeituras e das Câmaras Municipais dos municípios. Esta base de poder é será a referência para a disputa de 2026 e pode alavancar a retomada do Poder Executivo Federal em 2026 e desde já pressionar mais ainda o Governo Lula para mais concessões além do muito já concedido em Governo de conciliação de classes, o que aniquila a efetivação de políticas de transformação estrutural, pois o centrão só tolera políticas compensatórias. A esquerda saiu vitoriosa em menos de 20% dos municípios brasileiros, sem vitória nas capitais, pelo menos até agora, e conquistando cidades do interior. Sabemos que o poder local nem sempre está de acordo com as orientações partidárias.  As honrosas vitórias da esquerda não podem ocultar a realidade ampla e profunda do coronelismo político que segue se reproduzindo a todo vapor. O sol não pode ser tapado com a peneira.

Atualmente, no Brasil, há dois tipos de esquerda: a institucional neoliberal – “os moderados” -, que fica voltada para as eleições como centro de sua prática política, e a Esquerda Social, a que participa do processo eleitoral como um espaço de fazer a discussão com o povo e divulgar as propostas políticas socialistas. Esta Esquerda Social não abandona as lutas sociais – greves, ocupações, solidariedade internacional, lutas socioambientais e lutas por direito à terra, à moradia, entre outros direitos constitucionais.

A cada dois anos um semestre está sendo dedicado a campanha para eleições, seja municipal ou para governadores, Assembleia Legislativa, Congresso Nacional e Executivo Federal. Ou seja, em 25% do tempo as atenções e as preocupações da maior parte das lideranças se voltam para as eleições.

Para cada liderança de esquerda neoliberal eleita mais de 20 lideranças de lutas populares passam a integrar a assessoria do mandato. Isto causa um desfalque grande no meio da militância nas lutas por direitos, pois a orientação de “esquerda” da maioria dos mandatos é de reproduzir a conciliação de classes e a linha da pequena burguesia (sempre com medo de perder o pouco que tem) acabam inibindo muitas lutas sociais. No entanto, se os mandatos tidos como esquerda fossem efetivamente em maioria de esquerda, isso serviria para impulsionar as lutas, pois toda liderança da assessoria teria um pé na institucionalidade e outro pé cravado no meio do povo animando e fomentando lutas concretas por direitos. Somente os/as eleitos/as da Esquerda Social poderão implementar isso.

O atual sistema eleitoral está organizado em uma lógica e estrutura que privilegiam a reeleição de quem está no cargo, seja de prefeito/a ou vereador/a, ou governador/a, presidente e deputados/as ou senadores/as. Os parlamentares passaram a ter o direito de distribuir muito dinheiro público por meio de emendas parlamentares, do absurdo “orçamento secreto”, ou seja, administram parte do orçamento que deveria ser exclusividade do Poder Executivo. As emendas parlamentares e o grande Fundo Eleitoral que vão principalmente para os maiores partidos, os que reproduzem o status quo capitalista e opressor, atualizam o clientelismo político em currais eleitorais contemporâneos. Os novos candidatos enfrentam uma disputa em grande desigualdade de condições.

A história do Brasil mostra que, via de regra, quem vence as eleições é quem tem o maior poder econômico e/ou midiático, pois ao investir muitos recursos nas eleições acabam por “comprar” votos de muitas formas. Há grande distorção dos recursos para os partidos e também internamente nos partidos, brutal desigualdade. As melhores lideranças populares são, salvo exceções, os mais pobres e sem recursos econômicos. Assim, o poder econômico acaba determinando mais de 80% do resultado das eleições. Inclusive, medidas que na aparência limitaram o poder do capital, como o financiamento público de campanha, se tornou um fundo bilionário com distribuição capitaneada pelo centrão de dois em dois anos via Congresso Nacional e que impõe ainda maiores dificuldades à esquerda e em especial aos partidos que não contam com representação no Congresso Nacional.

Partidos revolucionários com programa popular não têm direito ao horário eleitoral gratuito na TV e rádio, não têm acesso ao fundo partidário e têm apenas uma ínfima migalha do fundo eleitoral. Ao invés de diminuir o número de partidos fisiológicos, está aumentando a força do centrão e da extrema-direita. Um exemplo: o PL, partido golpista e de orientação fascista, contou com quase 900 milhões de reais apenas de fundo eleitoral; de outro lado, a UP (Unidade Popular pelo Socialismo), partido mais novo do Brasil, que tem um programa e prática efetivamente de esquerda, contou com apenas 0,06% do fundo para ser usado nas eleições em todo o Brasil. Desta forma, a disputa que já era desigual, se tornou uma enorme injustiça que quebra com os princípios constitucionais de isonomia e de liberdade de organização partidária.

Para piorar a disputa, atualmente a predominância de igrejas fundamentalistas e moralistas tem se transformado em currais eleitorais, onde pastores, por interesses escusos, usando indevidamente o nome de Deus, abusando da fé das pessoas, acabam determinando o voto do seu rebanho.

As eleições criam a ideia de que estamos em uma democracia plena, pois há eleições de dois em dois anos. Ledo engano! A história demonstra que é mais fácil ganhar na loteria do que conseguir eleger uma maioria de candidatos éticos, justos e comprometidos com as reivindicações populares, o que viabilizaria fazer transformações reais na política brasileira. Mas o sistema é organizado para se criar a ilusão de que “na próxima eleição, mudaremos e será melhor!”, porém na realidade, parodiando a música Espinheira, de Duduca e Dalvan, “entra eleição e sai eleição e a vida do povo só vai piorando” e as mudanças estruturais para se superar o capitalismo com a brutal desigualdade social que ele fomenta vão sendo adiadas ad infinito.

As eleições criam a falsa ideia de que o poder político estaria separado do poder econômico. Falsa porque o poder econômico domina a produção, a vida social e as eleições. É necessário ampliar a democracia para além das eleições como previsto na Constituição Federal, realizando Plebiscitos Populares sobre questões que dizem respeito à vida do povo brasileiro, como: reestatização da mineradora Vale S/A, controle das multinacionais no nosso país, sobre onde e como se deve minerar, sobre medidas que garantam um ambiente saudável e sustentável...

Da forma como se estruturam os poderes políticos no país, a força e a vontade popular são na maior parte facilmente "conduzidas e induzidas" por marketing, por inteligência artificial, por fake news, havendo uma poderosa indústria midiática que direciona o voto popular com estratégias cada vez mais sedutoras. Como não há no país uma cultura de discussão política sobre os reais problemas sociais, como o domínio das mineradoras e a devastação ambiental, política agrária, população de rua e política habitacional, política de juros e endividamento da população, saúde, educação, assistência social, a população acaba iludida de que através da eleição de pessoas éticas e compromissadas, esses dilemas passarão a fazer parte da pauta de discussões.

É ilusória a crença segundo a qual será via eleições que conquistaremos a superação do capitalismo, esta brutal máquina de moer vidas. Com esta crença se foca na luta institucional, o que gera dependência no eleitorado que joga nas eleições a solução dos problemas gerados pela lógica do capitalismo. E, o/a eleitor/a cruza os braços após as eleições esperando que as pessoas eleitas possam representá-lo/la. Ledo engano!

Outra questão que contamina as eleições é o analfabetismo político, ou melhor, a falta de educação política do povo. O altíssimo índice de abstenção, votos em branco ou nulo apontam várias coisas: a alienação dos/as eleitores/as que não se sentem corresponsáveis na definição dos destinos da vida em sociedade e o repúdio ao atual tipo de política partidária existente no nosso país.

Para que as eleições não sejam de forma predominante um jogo de cartas marcadas, para termos eleições idôneas e éticas é necessário uma democrática e popular Reforma Política com regras justas e igualdade de poder econômico entre os/as candidatos/as e a realização de um intenso processo de educação política e de superação do analfabetismo político. Sem isso, as eleições, de fato, se configuram como uma grande ilusão que emperra as lutas populares e, pior, constitui-se em uma capa de legitimidade da democracia forma, representativa e burguesa.

Para que seja diferente, o centro das nossas ações deve ser as lutas populares e a participação nas eleições somente deve ser aceita se ajudar a fortalecê-las e impulsioná-las. A participação da verdadeira esquerda nas eleições deve ser pautada, portanto, pelo crescimento de impulsionamento das lutas por direitos, na propaganda permanente que outro mundo é possível e que este mundo é o Socialismo e isto tudo deve desembocar no crescimento do partido, das lideranças dos/as militantes e na sua formação política, caso contrário significará enxugar gelo e fortalecer a influência da burguesia sob a classe trabalhadora e o povo.

A história do Brasil demonstra que todos os direitos conquistados pelo povo não foram a partir de eleições e consequentemente pela institucionalidade da democracia formal, burguesa e representativa, mas foram conquistados com muita luta, suor e sangue, por meio de lutas coletivas concretas cada vez mais massivas. Tanto é que construímos nas lutas populares o lema “Só com lutas concretas e coletivas se conquistam direitos!”. Direito não se pede de joelho, mas se exige de pé, de cabeça erguida e nas lutas populares.

Uma liderança popular convivendo no meio do povo, organizando e animando lutas coletivas por direitos tem muito mais poder que um/a parlamentar que, sendo minoria, sempre perde nas votações no Poder Legislativo. Frei Betto aponta o caminho: se requer um intenso e sistemático trabalho de educação política, já que toda a população sofre uma deseducação política profunda, capilar, seja pela cultura que se respira, seja pela família, escola, religião e, sobretudo, redes digitais.”

Enfim, em um olhar crítico sobre os resultados do 1º Turno das Eleições/2024 mostramos a fragilidade da Democracia, em uma disputa desigual que fere a Democracia. As mazelas da democracia burguesa vieram à tona. Não só no Brasil, mas, salvo exceções, em todos os países tidos como democráticos, nos quais o compromisso das eleições é garantir a reprodução do sistema capitalista com verniz de democracia. Quando se tem alguma ameaça ao sistema, as eleições são uma forma de superá-las trazendo de novo a ilusão para o povo de que vai resolver as injustiças históricas. O exemplo do Chile, do presidente socialista Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973: resolve-se com o assassinato do presidente que pretendia fazer mudanças estruturais. Ou no Brasil em 2016, derruba-se a presidenta Dilma Rousseff com um golpe parlamentar sem fundamentação jurídica para impor a destruição das políticas sociais vigentes.

“E agora, José?” Após a eleição é hora de voltar às bases, conviver no meio do povo, cativar o povo com compromisso de vida doada às causas dos injustiçados/as e em todos os cantos e recantos gestar organização do povo para as lutas populares necessárias e urgentes por direitos, que é o que mais educa politicamente o povo.  

10/10/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - EM BH/MG, ATO EM MEMÓRIA DO 1º ANO DO GENOCÍDIO PALESTINO, + DE 50 MIL MORTOS POR ‘israel' GENOCIDA

2 - Paz e Bem #2154- Dossiê Teologia da Libertação- Poemas de Pedro Casaldáliga (E.Sbardelotti)-9.Out.24

3 - Preservação do cerrado é vital para a vida. VII Colóquio Internacional Povos Tradicionais. Vídeo 39

4 - “Se nos despejar daqui, nos porá no caixão." Há 70 anos UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 2

5 - Braulino: “Agronegócio matou quase todos os rios do norte de MG.” Zezé, MAM. VII Colóquio. Vídeo 37

6 - Marta, de Moçambique, Jana, da Alemanha: “Cerrado como Floresta e Savanas visíveis?” VII Co Vídeo 34



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –     Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 1 de outubro de 2024

PRESOS E FAMILIARES SOB VIOLÊNCIA ATROZ. “LIBERTAI-OS”, DIZ JESUS! Por frei Gilvander

PRESOS E FAMILIARES SOB VIOLÊNCIA ATROZ. “LIBERTAI-OS”, DIZ JESUS! Por frei Gilvander Moreira[1]

Falta de acesso à água, dormitórios superlotados, falta de assistência à saúde e dificuldade de acesso à informação são algumas dificuldades enfrentadas pelas pessoas em privação de liberdade - Foto: Arquivo Agência Brasil

O Brasil é o país que tem a 7ª maior população do mundo, mas está em 3º lugar entre os países no número de encarcerados. Já são mais de 800 mil presos em um sistema penitenciário já caracterizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como “um estado de coisas inconstitucional”. Contando quem já cumpriu pena, há no Brasil milhões de famílias com algum parente que já foi preso ou está preso. Massacres de presos já aconteceram em muitas prisões no Brasil.[2]

Assisti outro dia ao filme documentário O Grito – Regime Disciplinar Diferenciado”, direção de Rodrigo Giannetto, sobre o sistema penitenciário no Brasil, disponibilizado na Netflix. Fiquei estarrecido ao ver e ouvir os depoimentos de ex-presidiários, de mães de presos, de parentes, de advogados/as e constitucionalistas e até do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. O filme O Grito interpela com veemência nossa consciência, pois conta de forma comovente e instigadora histórias de famílias de prisioneiros que foram afetadas pela portaria 157/2019 do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Portaria que proibiu o contato físico e privou detentos nos presídios federais de segurança máxima de manter seus laços sociais e afetivos. Impôs o banimento ao impor a incomunicabilidade do preso.



Hoje, sofrem de forma brutal não só os presos e suas famílias, mas também funcionários públicos, como agentes penais e diretores de presídios.  No Brasil, o encarceramento em massa está a todo vapor. Ano a ano aumenta-se vertiginosamente o número de presos. Ao superexplorar a dignidade humana e aumentar violentamente a desigualdade socioeconômica, a sociedade capitalista se torna uma fábrica de “criminosos” e se deleita com requintes de vingança e sadismo ao empurrar o povo negro, empobrecido e periférico para detrás das grades. São jogados em presídios superlotados, com insalubridade, comida azeda, com poucos agentes penitenciários e mal remunerados, o que piora mais a situação.

A Lei de Execução Penal, Lei n. 7.210/1984, diz que a pena que alguém deve cumprir após ser condenado por ter cometido um crime é a restrição do direito de ir e vir, ou seja, ficar preso, mas todos os outros direitos da pessoa humana precisam ser garantidos pelo Estado. E diz que a pena não deve passar do apenado. Deve-se restringir a liberdade e não a dignidade humana. Mas na realidade as prisões brasileiras, salvo honrosas exceções, são masmorras e brutais campos de concentração que desumanizam, vingam e castigam quem cometeu crime, julgado por um poder judiciário predominantemente integrado pela classe dominante que mais defende a propriedade privada capitalista do que o direito à vida e a dignidade humana.

Por vários anos, enquanto conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais, após receber denúncias com frequência de maus tratos e tortura em presídios de Minas Gerais, integrando Comissão de apuração de denúncias, visitei vários presídios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG. Calamitosa e horrorosa a situação. Presos amontoados em celas superlotadas, submetidos ao arbítrio de agentes penitenciários que, volta e meia, surgiam com uma “tropa de choque” exclusiva deles para reprimir com brutal covardia. Comida estragada, ausência de banho de sol, falta de água, condições de insalubridade, ter que dormir em celas com “boi” fedorento. Com julgamento não concluso no STF, a revista íntima é vexatória e viola a dignidade humana, humilham mães, avós, esposas ou namoradas... Esta revista íntima é uma violência atroz perpetrada contra familiares de pessoas presas. Eis sinais de cárceres sendo na prática novas senzalas.

40% das pessoas presas estão presas provisoriamente, ou seja, estão presas sem terem sido condenadas. Enquanto membros da classe dominante continuam soltos com manobras judiciais intermináveis após terem sido condenados. 40% dos presos nunca puderam sentar na frente de um juiz para contar seu lado da história. E o direito de defesa? E o devido processo legal? E o direito ao contraditório? 70% das pessoas encarceradas são negras e seus crimes são envolvendo drogas sem ligação nenhuma com facções. Com tanta tecnologia existente não se estrangula o tráfico de drogas porque há poderosos que lucram muito.

O sistema carcerário é constituído dos regimes fechado, semiaberto e aberto. Em 2003 foi criado legalmente e implantado em 2006 o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), de restrição drástica, “regime fechadíssimo”. Hoje temos cinco presídios federais de segurança máxima, com muralhas de nove metros de altura e com base profunda no solo, paredes capazes de resistir a bombardeio de alto calibre, celas individuais, onde os presos permanecem isolados 22 horas por dia. Qual é o ser humano que resiste a esta atroz segregação e infame isolamento? Visitas com excessiva restrição sem nenhum contato físico, pois entre o preso e a pessoa visitante há um vidro muito grosso à prova de bala. A comunicação apenas por interfone com tudo registrado em câmeras que monitoram tudo em áudio e vídeo.

Os presídios federais não são para qualquer tipo de preso, mas exclusivamente para presos com ligação com facções. Logo, empresários e políticos que tenham cometido crimes de “colarinho branco” não são jogados em presídios federais, ou seja, não são violentados brutalmente na sua dignidade. Ou seja, braço pesadíssimo do Estado em cima da classe empobrecida e mão leve com os da classe dominante. E, pior, chamam isto de Justiça.

Os depoimentos doloridos de pais, mães e parentes de presos demonstram que as famílias também estão sendo afetadas violentamente pelas penas atribuídas aos seus filhos, o que é inconstitucional. Adoecimento mental, ansiedade e depressão estão levando presos e agentes penitenciários ao suicídio em número cada vez mais alarmante. Cortar os vínculos de comunicação com a família é brutalidade que empurra o preso para o adoecimento. Ninguém é de ferro para resistir sobreviver sem contato pelos menos com sua família e com pessoas que mais amam. Os presos estão pedindo socorro.

O STF reconheceu, dia 04 de outubro de 2023, a violação massiva de direitos fundamentais no violento sistema prisional brasileiro. Com a conclusão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o STF deu prazo de seis meses (Prazo vencido dia 04/04/2024!) para que o Governo Federal elaborasse um plano de intervenção para resolver a situação de desumanidade nos presídios, com diretrizes para reduzir a superlotação dos presídios, o número de presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou por tempo superior ao da pena. As condições degradantes dos presídios degradam as pessoas, ao invés de ressocializar transformam os presídios em fábricas de criminosos.

Já está demonstrado que o sistema prisional que ressocializa é o das APACs, Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, “prisões alternativas” com apenas dezenas de presos, onde os presos são respeitados na sua dignidade, tratados com amor e cuidado.  “Aqui entra o homem, o delito fica lá fora.” Eis o lema que rege a vida diária nas APACs.

Por que não se segue a criminologia defendida por Eugenio Raúl Zaffaroni, jurista e magistrado argentino, que propõe imputar ao Estado parte da pena de um criminoso pelos direitos que foram negados a ele antes de ele cometer um crime, sendo que na maioria das vezes o jovem é empurrado para o crime pelas violações de direitos que sofre desde o ventre materno?

Após ser criado na Galileia (periferia da Palestina), convivendo com o povo empobrecido, Jesus de Nazaré, antes de se tornar mestre, se tornou discípulo do grande profeta João Batista. Ao saber que o profeta João Batista tinha sido encarcerado em uma prisão de Segurança Máxima[3] e condenado à pena de morte, Jesus foi tomado por uma ira santa e sentiu dentro de si a voz do Pai: “É chegada a minha hora!” (Mc 1,14). Por solidariedade a um preso Jesus começou sua missão pública.

Na pequena sinagoga de Nazaré, Jesus lançou seu programa de ação pública: libertação integral de todos. “Vim para libertar os presos!” (Lc 4,18). Isto se trata de libertação política, pois quem prende é a polícia a mando do rei, poder político. Logo, todo preso é um preso político.

Pelo seu ensinamento libertador, respaldado por uma prática amorosa e libertadora, Jesus Cristo reintegra os violentados, entre os quais estão os presos. Por isso, Jesus foi preso e condenado à morte. Na cruz (regra do Império Romano para escravizados e subversivos!), Jesus acolheu outro prisioneiro, dizendo-lhe: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Assim, segundo os evangelhos, Jesus inicia sua missão pública acolhendo o clamor de um preso e termina estendendo a mão ao outro preso. Por uma sociedade sem prisões sigamos lutando!

1º/10/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Maria Criseide e Wellington, INOCENTES, mas pena 15 anos de prisão, presos a 4 anos, tortura/estupro

2 - Jorge Almeida, militante da luta pela Reforma Agrária em MG: 4,5 anos presos, poeta, de Buritis/MG

3 - II Palavra Ética na TVC/BH: APAC de Lagoa da Prata/MG. Jeito humano de lidar com os presos

4 - Palavra Ética na TVC/BH: Direitos Humanos dos presos, c/ Aylton Magalhães/DPE/MG. 02/04/16

5 - Dona Tereza defende direitos dos presos de MG e critica promotores da área criminal. 14/03/16

6 - Palavra Ética com frei Fernando Brito: preso 4 anos nos porões da ditadura militar. 21/11/2012

7 - Pastoral Carcerária: José Raimundo de Freitas, após 38 anos preso, artista. 2a parte. 20/05/2012

8 - Dona Teresa - Presidenta do Grupo dos parentes dos presos - DIREITOS HUMANOS - 10/12/2011



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] “56 mortos em presídio em Manaus, dia 02/01/2017”. Essa é a informação oficial. No massacre do Carandiru, em 02/10/1992, em São Paulo, SP, oficialmente foram 111 mortos, mas segundo o padre da Pastoral Carcerária, na época, o massacre pode ter atingido letalmente mais de 200 presos. Em um presídio de Ponte Nova, MG, no dia 23 de agosto de 2007, 25 presos morreram queimados durante um incêndio. Outros oito presos foram queimados vivos em Rio Piracicaba, MG, em janeiro de 2008, e outros três, em uma cadeia de Arcos, MG. Em menos de um ano, em 2008, só em Minas Gerais, 36 presos morreram queimados em prisões; feridos, centenas. E pelo Brasil afora ...

 

[3] Pesquisas arqueológicas indicam que, provavelmente, João Batista tenha sido encarcerado na Prisão de Maquerontes, uma das fortalezas do rei Herodes.

 

terça-feira, 24 de setembro de 2024

PLATAFORMA DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS, FERRAMENTA PARA DEMARCAÇÃO! Por frei Gilvander

PLATAFORMA DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS, FERRAMENTA PARA DEMARCAÇÃO! Por frei Gilvander Moreira[1]

Curso/Encontro em Brasília, na Escola Superior do Ministério Público da União. Foto: Reprodução do site do MPF

Enquanto uma gigantesca nuvem de fumaça tinha se formado e se mantinha na maior parte do Brasil[2], adoecendo milhões de pessoas e com incêndios que incineram vivos milhões de seres vivos, em uma realidade brutal que mostra o exaurimento do modelo de sociedade capitalista, máquina brutal de moer vidas, barbárie que nos empurra para o colapso final das condições de vida no planeta Terra, neste contexto, com mais de 300 participantes, presencialmente e on-line, entre membros e servidores do Ministério Público Federal (MPF), representantes do Poder Público Federal e da sociedade civil, Movimentos Sociais, organizações não-governamentais e professores/as de Universidades, dias 17, 18 e 19 de setembro de 2024, participamos em Brasília, na Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), de um Curso/Encontro de aperfeiçoamento com o tema “Territórios tradicionais não demarcados: o que fazer?”, promovido pelo MPF, ESMPU e pelo Projeto Territórios Vivos, do MPF, coordenado pelo combativo procurador Dr. Wilson Rocha Fernandes Assis. Foi muito bom e inspirador o Curso/encontro para qualificar as lutas justas e necessárias para garantir que os Territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais sejam demarcados, o que só acontecerá com autodemarcação. “Não dá mais para esperar que o Estado cumpra sua missão constitucional”, alertam muitas lideranças de Movimentos Sociais. Sem pressão, o Estado não atua a favor dos Povos Tradicionais e do povo injustiçado em geral.

Discutimos estratégias para consolidar e ampliar uso da Plataforma de Territórios Tradicionais[3], que é um portal na internet criado para acolher a autodeclaração de Povos e Comunidades Tradicionais apresentando seus Territórios Tradicionais, inclusive. Já que o Estado está sendo mais do que omisso e moroso, mas cúmplice de quem não quer a demarcação dos Territórios Tradicionais, as Comunidades Tradicionais podem e devem apresentar ao Estado, via autodeclaração seus Territórios Tradicionais. 

A Plataforma de Territórios Tradicionais é fruto de parceria entre o MPF, a Agência de Cooperação Técnica Alemã (GIZ) e o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), criado pelo presidente Lula. Elaborada e alimentada pelos Povos e Comunidades Tradicionais, a Plataforma utiliza o georreferenciamento para que as Comunidades registrem seus modos de vida, histórias, demandas, ameaças territoriais e contribuições à conservação da sociobiodiversidade. Ela também fornece um panorama da situação fundiária desses Povos no Brasil, a fim de respaldar políticas e mecanismos efetivos para a proteção dos territórios tradicionais. Atualmente, a Plataforma conta com 357 territórios cadastrados, dos quais 208 já aprovados pelo Conselho Gestor.

Se há o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é feito por autodeclaração pelos proprietários de terra, por que não há um autocadastro de Povos e Comunidades Tradicionais? Lançada em 2020, a Plataforma de Territórios Tradicionais busca preencher esta lacuna no Estado brasileiro. Além de usarem o Protocolo de Consulta, as Comunidades Tradicionais agora podem e devem se autocadastrar na Plataforma de Territórios Tradicionais para dizerem que existem e dar um passo importante na luta pela autodemarcação de seus Territórios.

Dr. Wilson Rocha, do MPF, enfatizou: “O objetivo de nosso trabalho é que o Poder Público se aproprie da Plataforma para conhecer e levar em conta os Territórios não demarcados na condução de suas políticas públicas. Precisamos observar o Enunciado 47, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que reconhece a autodeclaração territorial, e trabalhar para aprimorar a governança fundiária em nosso país no sentido de reconhecer a posse tradicional como um direito fundamental.”

No MPF, 6ª Câmara tem a missão de defender os Povos Tradicionais. E 4ª Câmara do MPF tem a tarefa de cuidar e defender as Unidades de Conservação. Os Povos e as Comunidades Tradicionais não podem ser expulsos das Unidades de Conservação, primeiro porque estavam lá muito antes da criação das Unidades de Conservação, segundo, porque não podemos aceitar um ambientalismo que exclua o direito ancestral de posse que famílias tradicionais exercem. Terceiro, a experiência demonstra que os Povos Tradicionais são guardiões das florestas, do cerrado... e não podem ser arrancados de seus espaços de vida históricos.

A Constituição Federal de 1988 prescreve a demarcação de terras indígenas e o reconhecimento de terras quilombolas.[4] Na velocidade atual, em passo de tartaruga, o Estado precisará de mais de 2.000 anos para demarcar (se demarcar!) os Territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais. Lideranças de Povos e Comunidades Tradicionais denunciam: “Não temos direito a Escola Indígena, Quilombola, e a muitas outras políticas públicas, porque nossos Territórios não foram ainda demarcados. Demarcar os Territórios é a reivindicação mãe que viabiliza a conquista de muitos outros direitos.” Com um ano e nove meses de governo Lula, somente dez Territórios Tradicionais foram demarcados.

O MPF abrigou o Projeto Territórios Vivos que levou à construção da Plataforma para reforçar a luta dos Povos Tradicionais com Territórios não demarcados. O Enunciado 47 da 6ª Câmara do MPF estimula os procuradores do MPF a defender os direitos dos Povos Tradicionais. A ex-Procuradora Geral da República Dra. Raquel Dodge, presente na abertura do Curso/Encontro, diagnosticou: "Usando instrumentos tradicionais não temos conseguido o Reconhecimento e a Demarcação de Territórios dos Povos Tradicionais. Temos que arrumar novos instrumentos. A criação da Plataforma de Territórios não demarcados inova nesta luta justa."

Os Povos estão cansados e perigosamente correndo o risco de perderem seus Territórios não demarcados. Enquanto não emanciparmos todas as pessoas e os Povos e Comunidades Tradicionais, que passa necessariamente pela superação do aprisionamento da terra, pelo fim do cativeiro da terra[5], ou seja, acesso à terra a começar pelo campesinato e Povos e Comunidades Tradicionais, a abolição de relações sociais escravocratas estará inconclusa.

A FUNAI nos últimos anos tem devolvido dinheiro do seu orçamento, porque não consegue implementar várias políticas públicas indígenas. Em 2016, os golpistas fizeram reformas estruturantes, entre as quais a aprovação da Emenda Constitucional 95, que reduziu drasticamente o orçamento para políticas públicas, acabou com a possibilidade de o Estado realizar políticas públicas que beneficiem o povo. De 2019 a 2022, com a extrema direita no Poder Executivo Federal, houve assédio institucional que desmontou a estrutura do Estado. Há um imenso passivo a ser superado. Ledo engano esperar que o governo federal vai conseguir reconstruir o que foi desmontado, pois está manietado por um Congresso Nacional com ampla maioria de direita e de extrema direita, ou seja, inimigos dos Povos.

A história da luta dos Povos Tradicionais mostra o Estado violando os Territórios dos Povos com a implantação de Parques nacionais e estaduais e outras grandes obras de interesse do capital. A Constituição Federal (CF/88) determinou a criação de Unidades de Conservação ambiental. A ideia de espaços vazios é um mito, viabiliza colonização do cerrado e da Amazônia. A CF/88 precisa ser lida integralmente. Desde Luzia encontrada por arqueólogos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com idade estimada de 11 mil anos, o bioma Cerrado tem sido ocupado por muitos Povos Tradicionais: Sertanejos, Geraizeiros, Veredeiros, Groteiros, Pescadores, Vazanteiros, Apanhadores de flores sempre-viva etc. A Amazônia sempre foi ocupada por Povos Amazônidas Tradicionais. Nos Pampas, entre os Pampeiros estão há muitos séculos pescadores artesanais, Povos Indígenas como os Guarani, Kaingang e Charrua etc. No Pantanal vivem há séculos os Pantaneiros em uma grande diversidade cultural. Na Caatinga estão os catingueiros. Enfim, todos os Territórios sempre foram muito ocupados por muitos povos Tradicionais.

Dia 7 de fevereiro de 2007, o presidente Lula, pelo Decreto 6.040, instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais que incorpora a Convenção 169 da OIT[6]. A Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais surge para viabilizar o que prescreve o Decreto 6.040 e a Convenção 169. No Livro Comunidades imaginadas, de 1983, o pensador Benedict Richard O'Gorman Anderson discute as diferenças entre Comunidades imaginadas, idealizadas, e comunidades reais, onde as pessoas se conhecem mutuamente.

Os Povos e Comunidades Tradicionais continuam padecendo de grande invisibilidade. Só os Quilombolas entraram no censo do IBGE de 2022. A Plataforma de Territórios Tradicionais busca ampliar a visibilidade e potencializar as lutas concretas pela demarcação de seus territórios e os outros direitos. No Censo do IBGE, de 2022, em Belo Horizonte e Região Metropolitana, 6.476 pessoas se autodeclararam INDÍGENAS, em contexto urbano, desterritorializados.[7]

No Brasil, há um passado colonial capitalista que insiste em se reproduzir. Grande problema do Brasil é que somos um país sem memória. Deixar as pessoas invisíveis é ótimo para matá-las aos poucos. Faz bem assistir ao filme História de amor e fúria, do diretor Luiz Bolognesi, de 2013, com enredo que, mesclando ficção e realidade, conta a história de um homem que está vivo há 600 anos no Brasil. O protagonista passa por momentos marcantes da história do país, desde os conflitos indígenas na época da invasão dos portugueses, passando pela Balaiada, no Maranhão, pela ditadura militar de 1964 a 1985 e a guerra pela água em um futuro não tão distante em 2096, podendo ser bem antes com o avanço da Emergência Climática e dos Eventos Extremos.

Em uma sociedade capitalista com lógica colonialista, a terra e o Território deixam de ser importantes. A idolatria da vida em cidades mercantilizadas desenraiza as pessoas e as arranca do campo. Passa a valer estudar e ser mão de obra para o mercado. Meu pai José Moreira de Souza, sempre dizia diante de convites para deixar o campo e ir morar na cidade: “Nasci na roça e na roça vou morrer.” Com esta determinação, terminou seus dias aqui na Terra, na beira do rio Claro, em Arinos, MG.

Plataforma de Territórios Tradicionais: que beleza! A terra é matriz do poder. No sistema capitalista quem manda são as grandes empresas transnacionais, tais como Nestlé, Bayer, Bradesco, Vale S A, entre outras. A comida envenenada servida ao povo brasileiro com exagero de agrotóxico e os enlatados estão gerando pessoas com ansiedade. Falta-nos a alimentação de verdade dos Territórios Tradicionais. Comida de verdade era a feita pela vovó a partir das hortas agroecológicas.

Precisamos de um novo mote de mobilização de lutas concretas por direitos. A educação no Brasil tem que ser diversa, com vários Ministérios da Educação e Cultura (MECs). A Corte Interamericana de Direitos humanos fala em muitos julgados de Direitos Territoriais e não de direito de propriedade. O poeta Olavo Bilac advertia: "Não se curve nem diante de seus pais". Não se curve diante de quem ameaça seus direitos.

Sem Territórios, os Povos e Comunidades Tradicionais não serão solução para frear as brutais mudanças climáticas. Os custos socioambientais e os prejuízos dos grandes projetos do capital foram sempre jogados sobre os Povos e a Natureza. Emitir título de propriedade coletiva não é garantia jurídica. É preciso autodemarcação e soberania sobre o Território.

A Procuradoria Geral da República afirma no enunciado 47: "A autodeclaração é legítima e gera direitos que devem ser respeitados". A posse tradicional é imprescindível, é direito que precisa ter primazia sobre o direito de propriedade.

Existem 45 milhões de terras públicas na Amazônia que ainda não foram destinadas. Serão destinadas para quem? Para Povos e Comunidades Tradicionais? O Governo Lula quer destinar 30 milhões de hectares de terras públicas para Comunidades Tradicionais, seguindo a Lei de Florestas Públicas, de 2006. Há terras públicas da União, estadual e privadas em Territórios Tradicionais. Que se abra a matrícula para as Comunidades Tradicionais!

Identificar sítios arqueológicos ajuda a proteger os Territórios Tradicionais. O IPHAN[8] precisa se dedicar a identificar os sítios históricos e arqueológicos.

A ausência de demarcação é uma brutal violência. A falta de reconhecimento e demarcação das terras dos Povos tradicionais têm provocado o aumento de violência contra os legítimos donos dos territórios. Existem de 500 lideranças populares em Programas de Proteção só no programa nacional.

O jurista e advogado Carlos Marés aponta: "A primeira consequência do direito de existir é o direito à territorialidade." Os Povos Tradicionais lutam pelos territórios para garantir o direito à territorialidade. A autodefinição, autodeclaração é direito exclusivo dos Povos. Nenhum outro tem poder para dizer se o povo existe ou não. Ninguém pode exigir critérios para definir Povos. A autodeclaração dos Povos com seus Territórios é uma ótima forma de fortalecer a conservação e a preservação dos territórios. A autodeclaração é uma injunção e não uma alternativa. O Estado e a sociedade devem reconhecer e pronto. Uma idosa quilombola: "Eu vou morrer sem vocês reconhecerem nosso Território? Nós já o autorreconhecemos."

Dra. Edelamare Melo, subprocuradora do Ministério Público do Trabalho, presente no Curso/Encontro: "Temos que repensar a noção de trabalho, pois trabalho escravo contemporâneo acontece não apenas em relação formal de contrato, mas a negação do direito aos Territórios gera uma escravização dos Povos e Comunidades Tradicionais."

De Povos extintos há também Territórios Tradicionais não habitados que são sagrados, que devem ser preservados.

A cúpula do MPF precisa ser mais comprometida e dedicar um número maior de procuradores para defender os Povos e Comunidades Tradicionais. Não podem ser só 45 no Brasil, menos de dois por estado. Não pode continuar priorizando o criminal.

24/09/2024

Obs.: As videorreportagens no link, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Dr. Wilson Rocha, do MPF, no Quilombo Lapinha: "Plataforma de Territórios Tradicionais, ferramenta"

2 - Dr. Wilson Rocha/MPF Plataforma de Territórios Tradicionais no Quilombo Lapinha, VII Colóquio. v.11

3 - “PLATAFORMA DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS, LUTAS NO PA E MG”, Quilombo Lapinha no VII Colóquio. Vídeo8

4 - Marta, de Moçambique; Universidades e Crianças no Quilombo Lapinha, no VII Colóquio Inter. Vídeo 18

5 - Na Ilha da Ressaca indo p rio São Francisco, Zilah: luta do Quilombo Lapinha, VII Colóquio. Vídeo 17

6 - Isabel, quilombola da Lapinha: “Sou mulher da roça, desta terra não saio...” VII Colóquio. Vídeo 16

7 - História emocionante do Quilombo Lapinha, por Manoel, Leninha: VII Colóquio Internacional. Vídeo 15



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese e Hermenêutica Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Lutas Populares. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Imagens da NASA via satélites mostrou a maior parte do Brasil coberto por nuvem de fumaça, dia 16/09/24.

[3] Veja a Plataforma de Territórios Tradicionais no site: https://territoriostradicionais.mpf.mp.br/#/inicial

[4] Cf. art. 215, 231 e 232 da CF 88 e Art. 68 da ADCT.

[5] Se não leu ainda, sugiro a leitura do livro O Cativeiro da Terra, de José de Souza MARTINS. 9ª edição. São Paulo: Contexto, 2013.

 

[6] Organização Internacional do Trabalho da ONU, Organização das Nações Unidas.

[8] Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.