A Comunidade Quilombola Braço
Forte, em Salto da Divisa, MG não aceita despejo e lutará até o fim pela
retomada de seu território.
Reunião no Salão da Comunidade Quilombola Braço Forte, em Salto da Divisa, MG, dia 30/3/2017. Foto de Edivaldo |
A Comunidade Quilombola Braço Forte, no município de Salto da Divisa, baixo Jequitinhonha, MG, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, está com ordem de despejo (reintegração de posse) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e no dia 09 de agosto pode ser retirada à força pela Polícia Militar de seu território, caso não seja efetivado um justo processo de negociação. Tal decisão foi encaminhada, ontem, dia 28 de junho de 2018, em reunião com o Comando da Polícia Militar do 44º Batalhão de Almenara, MG, com presença do prefeito de Salto da Divisa, agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), representantes do Espólio de Euler Cunha Peixoto, da Fazenda Talismã, e as famílias da Comunidade Quilombola Braço Forte. Nessa reunião se discutiu o despejo das famílias do território que está em processo de retomada. Depois de muitas discussões, foi encaminhado que a Comunidade tem até o dia 30 de julho próximo (2018) para sair da terra voluntariamente. Caso contrário, a Polícia Militar poderá fazer a retirada forçada das famílias no dia 09 de agosto de 2018.
Entretanto, com apoio jurídico da
Defensoria Pública do estado de Minas Gerais da Área de Conflitos Agrários e
Povos Tradicionais, do Ministério Público de Minas da área de Conflitos
Agrários e do Ministério Público Federal, a Comunidade Quilombola Braço Forte,
a CPT, o CEDEFES e a Federação dos Quilombolas do estado de Minas Gerais
reafirmam que a decisão judicial que manda reintegrar na posse da fazenda
Talismã o espólio do latifundiário Euler Cunha Peixoto e, consequentemente,
despejar as dezenas de famílias quilombolas é uma decisão ilegal,
inconstitucional, imoral – UMA INJUSTIÇA QUE CLAMA AOS CÉUS! - e que não pode
ser executada pelo Governo de Minas Gerais e nem pela Polícia Militar de Minas
pelos argumentos expostos na Nota Pública divulgada ontem, dia
28/6/2018, disponível no link http://www.cptmg.org.br/portal/tjmg-manda-despejar-comunidade-quilombola-braco-forte-em-salto-da-divisa-mg-ilegalidade-e-injustica-gritantes/
Entendemos que o justo e ético é
a abertura de autêntico processo de negociação, sob coordenação da Mesa de
Negociação do Governo de Minas Gerais com as Ocupações e Comunidades
Tradicionais envolvidas em conflitos fundiários. Não é justo que a Comunidade
Quilombola Braço Forte tenha seus direitos territoriais desrespeitados, pois os
direitos territoriais das comunidades quilombolas estão garantidos no Artigo
68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição
Federal de 1988. Neste artigo, a Constituição reconhece os direitos
territoriais das Comunidades Quilombolas e diz que o Estado Brasileiro é
responsável pela titulação das terras das comunidades quilombolas, mesmo que
estas terras estejam sob o poder de terceiros. Tal direito foi regulamentado
pelo Decreto Presidencial nº 4.887/2003. Neste sentido, o Governo Federal é
responsável por meios de seus órgãos Federais - Ministério Público Federal,
Fundação Cultural Palmares, INCRA e a Justiça Federal – por garantir os
direitos da Comunidade Quilombola Braço Forte.
Caso ocorra o despejo, o Governo
Federal será responsabilizado pela injustiça causada e não nos
resta dúvida que será por cumplicidade do mesmo. Mas ainda dá tempo
de agir, não deixando a comunidade ser despejada. Para tanto, é necessário
que os órgãos governamentais, principalmente do Governo Federal, façam sua
parte e suspendam o despejo transferindo o processo para a Justiça
Federal, que é competente para julgar processos que envolvam comunidades
quilombolas e encaminhe ações que garantam o Território da Comunidade
Quilombola Braço Forte.
A justiça estadual (TJMG) decidir
sobre assunto de competência da justiça federal é um absurdo jurídico e ético
repugnante. Frisamos que a competência jurídica pelas comunidades quilombolas é
da Justiça Federal e, assim sendo, não compete ao TJMG mandar ou não
despejar a Comunidade Quilombola Braço Forte. Esperamos que o TJMG
reconheça sua incompetência para julgar esse caso e acolha petição do
Ministério Público estadual nesse sentido.
É necessário garantir o alcance
do referido aparato jurídico, que tem por prerrogativa identificar e assegurar
os direitos territoriais dessas comunidades, buscando combater arraigadas
práticas de exclusão que, historicamente, incidem no dia a dia das
comunidades quilombolas que em seus processos de lutas históricas vêm buscando
o direito à dignidade humana.
A identificação das terras
públicas devolutas em poder de latifundiários no município de Salto da Divisa
poderá abrir caminho para a solução justa e pacífica desse conflito agrário e
fundiário sem precisar de uso da força policial. Alertamos que “72,2% das
terras do município de Salto da Divisa são presumivelmente terras públicas
devolutas” (Tese de Doutorado na UFMG, MOREIRA, 2017). Há sérios indícios de
grilagem de terra na região. Apenas duas famílias - Cunha e Peixoto - controlam
a quase totalidade das terras do município.
A história mostra que jamais
polícia resolve problema social. Problema social se resolve de forma justa e
pacífica com Política e jamais com polícia. É inadmissível cumprir uma decisão
judicial sem base jurídica e constitucional. Os direitos territoriais e todos
os outros direitos das Comunidades Quilombolas precisam ser assegurados.
Alertamos também que a prefeitura
de Salto, a assistência social de Salto e a EMATER têm missão de cuidar de
todos os seus munícipes e não devem se curvar diante de decisões judiciais
injustas oferecendo paliativos para a realização de despejo de Comunidade
Quilombola.
Ressaltamos que a região do Vale
do Jequitinhonha é a 2ª região em maior número de comunidades
quilombolas do Brasil.
Repudiamos a forma tendenciosa do
major Walter Aparecido, do 44º BPM, que demonstra postura pró latifúndio e
pressiona pelo cumprimento de uma decisão judicial que, sabemos, é ilegal e
inconstitucional, pois não é competência do TJMG decidir sobre conflitos que
envolvem comunidades quilombolas. Repugnante ler na Ata da reunião com a PM, de
ontem, 28/6/2018, que a prefeitura de Salto da Divisa se compromete a oferecer
auxílio moradia, caso aconteça o despejo, para apenas cinco famílias, sendo
200,00 por famílias e por apenas 3 meses, prorrogáveis por mais 3 meses. Isso é
migalha da migalha. Os quilombolas têm direito ao seu território e a todos os
direitos constitucionais e não apenas a migalhas. Uma quilombola perguntou ao
prefeito se ele arrumaria casa e emprego de forma definitiva para todas as
famílias. O prefeito de Salto da Divisa disse que pode auxiliar apenas de forma
humanitária, ou seja, com paliativos que provocam morte lenta, mas jamais
respeitarão a dignidade humana.
Reiteramos a solicitação
ao Ministério Público Federal (MPF) para manifestar judicialmente sua
competência técnica e jurídica para atuar nesse conflito agrário e solicitar a
transferência do Processo para a Justiça Federal, cumprindo, assim, sua missão
que é a de defender todas as Comunidades Quilombolas.
Solicitamos ao Coordenador da
Mesa de Negociação do Governo de MG com as Ocupações e Comunidades
Tradicionais, Tadeu Davi, que convoque COM URGÊNCIA reunião da Mesa de
Negociação para tratar do Conflito Agrário e fundiário que envolve a Comunidade
Quilombola Braço Forte.
Solicitamos também ao
Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que por meio da SEDA (Secretaria
Extraordinária de Desenvolvimento Agrário) analise a cadeia dominial da fazenda
Talismã e da Fazenda Pratinha, fazenda contígua à área em processo de retomada
pela Comunidade Quilombola Braço Forte, e identifique as terras devolutas
existentes nas duas fazendas.
DESPEJO, NÃO; NEGOCIAÇÃO, SIM!
Pelos direitos dos quilombolas, lutaremos sempre!
Assinam essa Nota Pública:
Coordenação da Comunidade Quilombola Braço Forte;
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG);
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES);
Federação das Comunidades Quilombolas do estado de
Minas Gerais.
Belo Horizonte, MG, 29 de junho
de 2018.
Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra a
Nota, acima.
Comunidade
Quilombola Braço Forte, em Retomada/Salto da Divisa, MG/A luta pela
terra/09/6/2016.
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