Foto de Gilvander Moreira na 20a Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais, em Unaí, MG, dia 23/7/2017. |
No Brasil, as classes trabalhadora e camponesa lutam muito. Que tipo de luta pode ser emancipatória? Por luta não nos referimos à luta diária individual e familiar para sobreviver de um/a trabalhador/a que recebe mensalmente apenas um salário mínimo, ou batalhando na economia informal como camelô ou fazendo bicos. É óbvio que esse tipo de luta é necessária e imprescindível para a sobrevivência de grande parte da classe trabalhadora. Não tratamos também de luta individualista na escalada de competição que o sistema capitalista desencadeia e fomenta aos quatro ventos: luta para entrar em uma universidade, luta de uma pessoa para ser aprovada em um concurso público, luta para se tornar um/a empreendedor/a, luta para enriquecer e se tornar uma pessoa opressora, às vezes ou muitas vezes, sem ter intenção deliberada de oprimir. Enfim, não é luta como trabalho no sentido de doulos, trabalho análogo à situação de escravidão.
Referimo-nos à luta pela terra e por todos os
direitos sociais no sentido de um processo conflituoso, permanente, militante e
que se constrói nas brechas das leis que sustentam a ordem estabelecida do
capitalismo. Na luta, contamos com a contribuição do Direito Alternativo –
brechas na legalidade do Estado capitalista -, ou luta travada como
desobediência civil, dentro da consciência de que ou se conquista na marra ou
não se conquista. Nessa perspectiva, nos inspiramos no Direito Achado na Rua -
Direito Subversivo – www.odireitoachadonarua.blogspot.com - para conquistar
transformações sociais por meio de conquistas de direitos sociais, entre os
quais está o direito de acesso a terra. Segundo Roberto Lyra Filho, “direito é
processo, dentro do processo histórico: não é uma coisa feita, perfeita e
acabada; é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos de libertação das
classes e grupos ascendentes e que definha nas explorações e opressões que o
contradizem, mas de cujas próprias contradições brotarão as novas conquistas”
(LYRA FILHO, 2003, p. 86).
Essa luta coletiva e subversiva envolve
vários aspectos e dimensões: a) Trabalho de base para reunir os camponeses
injustiçados, os sem-terra e despertar neles que somente através da luta
coletiva, na união e com organização, se conquistam direitos sociais; b)
Formação contínua para despertar nos sem-terra sua força e o seu potencial de
emancipação muitas vezes abafado e acorrentado pela ideologia dominante; c) Organização
e realização de Ocupações de latifúndios que não estão cumprindo sua função
social; d) Organização interna nas ocupações, o que passa pela criação de
núcleos de famílias, realização de reuniões e assembleias ordinárias
diariamente, ou de dois em dois dias, ou pelo menos semanalmente. A
organicidade da luta em uma ocupação exige a criação de Comissões de Segurança,
de Saúde, de Cozinha e Alimentação, de Comunicação, de Ética e Disciplina, de
Infraestrutura etc.; e) Organização e realização de lutas coletivas, tais como
marchas, bloqueio de rodovias, acampamento diante do Tribunal, ocupação de
prédios públicos onde são tomadas decisões que agridem a dignidade humana do
campesinato; f) Constituição e cultivo de Redes de Apoio, como, por exemplo, Coletivos
de advogados populares como a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
(RENAP – www.renap.org.br ), a Associação dos
Advogados dos Trabalhadores Rurais no estado da Bahia (AATR – www.aatr.org.br ) e Terra de
Direitos – www.terradedireitos.org.br ; parcerias com
igrejas, ONGs, professores e estudantes de universidades a partir de Programas
de Extensão Universitária e outras organizações de luta por direitos humanos,
nacionais ou internacionais.
A história da luta pela terra demonstra que a
construção e o cultivo de todas essas dimensões e aspectos, de forma bem
articulada e entrosada, são imprescindíveis para o êxito da luta, isto é, para
que processos emancipatórios irrompam e se desenvolvam.
A luta pela terra diz respeito à disputa por
território, questão também de soberania no sentido macro e de autonomia em
sentido micro. O campesinato não precisa do capitalista e nem do proletariado
porque, ao conquistar a terra, ele pode plantar e produzir o necessário para
seu sustento e se reproduzir, mas o capitalista e o proletariado precisam do
campesinato, pois sem a produção da agricultura camponesa, o proletário e o
capitalista não se alimentam. Sem se alimentar, o proletário não terá força de
trabalho para ser vendida no mercado ao proprietário dos meios de produção do
capital. Eis um dos aspectos que nos faz levantar a hipótese de que a luta pela
terra seja fator de emancipação humana.
A luta pela terra acontece por meio de luta
coletiva. Não é via trabalho individual segundo o slogan “que cada um faça sua
parte”, que é engodo. Cada um fazendo sua parte apenas tranquiliza
consciências, mas não mexe em nada nas estruturas opressoras do sistema
capitalista. Apenas migalhas se conseguem, o que doura a pílula, mas não retira
o amargo. “O Estado brasileiro é como uma panela de feijão velho: só cozinha na
base da pressão do fogo que se acende com os gravetos debaixo da panela. Os gravetos
somos nós, empobrecidos e oprimidos, na luta coletiva” (Sebastião Mélia Marques,
54 anos, Sem Terra assentado no PA Primeiro do Sul e integrante da coordenação
regional do MST do sul de Minas).
Referência
LYRA
FILHO, Roberto. O que é direito. 17ª edição. São Paulo: Brasiliense, 2003.
Belo
Horizonte, MG, 20/6/2018.
Obs.: Os vídeos, abaixo,
ilustram o texto, acima.
1)
Reocupação
da Fazenda Canta Galo/Nova Serrana/MG: pelo rio Pará, por terra e moradia.
25/5/2018.
2)
Respeito
às 200 famílias da Carolina de Jesus/BH: Negociação, sim; Despejo, não. 3ª
Parte. 09/5/2018.
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo
Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e
Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos”
no IDH, em Belo Horizonte, MG.
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