Comunidade
Cigana da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo, MG: luta por território e pelo
direito de ser cigano/a. 18/6/2018.
O Acampamento Cigano localizado ao lado da
Lagoa de Santo Antônio, no município de Pedro Leopoldo, Região Metropolitana de
Belo Horizonte (RMBH), luta e resiste em defesa de seus direitos. Diversas
forças vivas da sociedade organizada têm apoiado esta luta. No dia 14 de junho
último (2018), mais uma visita foi realizada à comunidade. Lideranças da
Comunidade Cigana de São Pedro (em Ibirité, MG), da CPT (Comissão Pastoral da
Terra) e representante do Kaipora (Laboratório de Estudos Bioculturais (UEMG –
Unidade Ibirité) foram muito bem acolhidos pela comunidade, que relatou seus
principais desafios. Visitamos as tendas das 14 famílias da Comunidade. Percorremos
toda a área. Reunimo-nos com a Comunidade e fizemos uma longa reportagem, em
vídeo e fotos, que será divulgada em breve. Isso para fortalecer a luta pelos
sagrados direitos da Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro
Leopoldo. E, também, para fortalecermos a luta pela revitalização da Lagoa de
Santo Antônio.
A cidade de Pedro Leopoldo foi fundada em 27
de janeiro de 1924, todavia, uma das ocupações humanas mais antigas em Minas
Gerais foi identificada exatamente neste município, na caverna Lapa Vermelha,
que data de 11.500 anos atrás. Trata-se, assim, de uma cidade com uma história
milenar onde homens, mulheres e crianças de grupos culturais e étnicos
distintos em passado remoto percorreram e utilizaram as grutas e lagoas
calcárias da região como ponto de apoio em busca da sua subsistência, deixando
impressas as marcas e vestígios da sua produção cultural e passagem. Hoje uma
grande relíquia e herança patrimonial de todos! Segundo o IBGE – dados de 2017 -, Pedro
Leopoldo abriga uma população de 63.837 habitantes, entre os quais estima-se a
existência de mais de 200 famílias ciganas. A presença cigana em Pedro Leopoldo
é, assim, histórica, e marcadamente tradicional. Da mesma maneira que os
munícipes e o poder público têm demonstrado tanto orgulho das terras de Pedro
Leopoldo terem servido de abrigo para a comunidade da mulher “Luzia”- fóssil
humano que reacendeu questionamentos acerca da teoria da origem do homem
americano - deveriam também ter muito orgulho em acolher as tradicionais comunidades
ciganas. Mas o quadro tem sido outro, lamentavelmente. Via poder judiciário e
pressão da Polícia Militar, a prefeitura de Pedro Leopoldo já expulsou 31
famílias de ciganos de outro Acampamento na cidade, onde outras quatro famílias
resistem em casas de alvenaria, mas respondendo processo judicial movido pela
prefeitura para expulsá-las.
A beleza da Comunidade Cigana contrasta com a
grande precariedade de condições reais de vida. Estão sobrevivendo com migalhas
e improvisos de água e de energia, e sem nenhuma estrutura de saneamento
básico.
A Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio
vem sendo alvo do descaso e da discriminação do poder público desde quando se
instalou no local, há 10 anos. Não há nenhum tipo de atendimento de serviços
públicos como saneamento e fornecimento regular de energia e água – direito garantido
deste vulnerável povo tradicional! Há vários casos de ciganos/as com
necessidades graves e urgentes de tratamentos de saúde que não estão sendo
atendidos no sistema SUS. Assim como as demais comunidades ciganas espalhadas
pelo país, as ciganas e os ciganos do Acampamento da Lagoa de Santo Antônio
enfrentam o preconceito e a discriminação racial. Não bastasse a situação de
violação de direitos humanos básicos em que sobrevivem, no início de 2018, a
comunidade foi notificada pela Polícia Militar e Prefeitura de Pedro Leopoldo
para que saíssem do local. Desde então, a comunidade relata que há constante
vigilância e perseguição, tornando o seu cotidiano ainda mais angustiante e
incerto. Grupos de defesa do meio ambiente também têm acusado a comunidade de
impactar negativamente o ecossistema da Lagoa de Santo Antônio. Todavia, o que
se percebe na região é que os principais impactos ambientais facilmente identificados
na Lagoa de Santo Antônio, e que são muitos, são puramente resultados da
ausência de políticas públicas efetivas de saneamento, expansão urbana
desordenada e de preservação ambiental na mesma e seu entorno, além da
degradação de áreas de nascentes, possivelmente decorrentes também de atividades
de mineração. O Acampamento Cigano, portanto, é vítima e não a causa da
degradação da Lagoa de Santo Antônio. É importante lembrar ainda que esta
localidade encontra-se no coração da Área de Preservação Ambiental - APA Carste
Lagoa Santa[1],
unidade de conservação federal que visa garantir a conservação do patrimônio
paisagístico do seu sistema hídrico e cultural, visando o uso racional dos
recursos naturais da região. Vi e ouvimos os clamores da Lagoa de Santo Antônio
gritando por revitalização. Fomos informados que a Lagoa era “mil vezes maior”
e está sendo secada, vítima de injustiça socioambiental. É urgente revitalizar
toda a bacia da Lagoa de Santo Antônio.
Diante disso, denunciamos a ausência de
políticas públicas que garantam o direito ao território e outros direitos
humanos fundamentais para a comunidade cigana da Lagoa de Santo Antônio. Reivindicamos
que o Poder Público arrume terreno adequado, em tamanho e qualidade, para que
todas as Comunidades Ciganas possam viver com dignidade e cultivando sua linda
tradição cultural. Ao mesmo tempo, anunciamos a vida, a força, a beleza e a
coragem da Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio: mulheres, homens e
crianças que lutam, junto com uma Rede de Apoio, pelo direito à vida e de viver
a partir de sua própria cultura!
Acolhendo os clamores também da Comunidade
Cigana da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo, MG, uma Rede de Apoio se
formou, constituída pelo CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
– www.cedefes.org.br ), pela CPT-MG
(Comissão Pastoral da Terra – www.cptmg.org.br ), pela Associação Nacional das Etnias Ciganas do Brasil (ANEC), por Advogadas
e Advogadas Populares da RENAP (Rede Nacional de Advogadas e Advogados
Populares – www.renap.org.br ), pela
Procuradoria Geral do Ministério Público Federal (MPF), por meio do Dr. Edmundo
Antônio Dias Neto Júnior, Núcleo de Prática Jurídica (NPJURIH) do Centro
Universitário Metodista Izabela Hendrix, Professoras/res da UEMG Unidade de
Ibirité, Núcleo de Estudos Ciganos da
UFMG, Defensorias pública estadual (DPE/MG) e da União (DPU); e MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e
Favelas), entre outros, mobilizando-se em defesa da Comunidade Cigana da
Lagoa de Santo Antônio.
Alertamos para os direitos ciganos prescritos
na Constituição Federal, no Estatuto dos Povos Ciganos (em tramitação no
Congresso Nacional), tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário,
como a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que exige
respeito aos direitos dos Povos Tradicionais, entre os quais estão os Povos
Ciganos. Reivindicamos que a prefeitura crie uma Política Pública Municipal
voltada especificamente para as Comunidades Ciganas, o que é exigência da
Política Nacional de Povos Tradicionais e, agora também, estadual, pois há
alguns meses o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, regulamentou a
Lei que trata dos Povos Tradicionais. Portanto, o poder público municipal tem o
dever, pra ontem, de garantir território para assentamento de todas as famílias
ciganas existentes no município e todas as políticas públicas nas áreas de
saúde, educação, assistência social etc. Criar um Centro de Tradições Ciganas é
também um dever do poder público e direito do povo cigano.
Feliz quem reconhece as belezas milenares da
cultura cigana e se compromete na luta em defesa destes povos que dignificam a
plural cultura brasileira!
Todo apoio e solidariedade aos Povos Ciganos
nessa luta por terra e por respeito aos seus direitos, à sua dignidade!
Assinam
essa Nota Pública:
Liderança
da Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo, MG;
Lideranças
da Comunidade Cigana de São Pedro (em Ibirité, MG);
CPT
(Comissão Pastoral da Terra);
Kaipora
(Laboratório de Estudos Bioculturais (UEMG – Unidade Ibirité);
CEDEFES
(Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva).
Pedro Leopoldo, região metropolitana de Belo
Horizonte, MG, 18 de junho de 2018.
[1] A APA foi criada pelo Decreto Federal n. 98.881 de 25 de Janeiro de
1990, em função da relevância que as associações cársticas têm em âmbito
nacional, em termos paisagísticos, de fauna e flora, de riquezas subterrâneas
cênicas, minerais e fossilíferas, em aspectos históricos, pré-históricos,
culturais e nas particularidades de seu sistema hídrico. O objetivo
da APA é garantir a conservação do conjunto paisagístico e da cultura
regional, proteger as cavernas e demais formações cársticas, sítios
arqueológicos e paleontológicos, a vegetação e a fauna, conciliando o
patrimônio natural e científico às condições de intenso desenvolvimento urbano
e industrial próprias à região. Confira o link, a seguir:
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