Que caminho trilhar em uma
pesquisa e como?
Por
Gilvander Moreira[1]
Perspectivas
geográficas e históricas não podem ser separadas, pois são imprescindíveis para
evidenciar as relações históricas que se constituíram no território. Por outro
lado, a história resgatada da perspectiva dos oprimidos exige trazer à tona as
relações com o território: os conflitos e as violências se dão sempre em cima
de um lugar, em um território. “A separação da geografia e da história e o
domínio do tempo sobre o espaço têm o efeito de produzir imagens de sociedades
separadas de seu ambiente material, como se surgissem do nada” (CORONIL, 1996,
p. 23). “Eu não confio na pesquisa
solitária, confio na pesquisa solidária”, dizia Jean Piaget. Nas últimas
décadas, houve e continua de pé um debate acalorado sobre os pressupostos
epistemológicos da pesquisa no qual as/os pesquisadoras/res, profissionais ou
aprendizes, nunca foram tão questionados em suas certezas. Perguntas
interpeladoras sobre epistemologia[2] –
ciência do conhecimento - e metodologia ainda continuam sem respostas
consistentes. “Antes do domínio de determinadas técnicas, pesquisar implica
capacidade de escutar, um escutar denso, intenso e (im)paciente” (STRECK, 2006,
p. 265). Sob o cansaço causado pela repetição da ciência de além-mar - esquemas
eurocêntricos, positivistas e funcionalistas - e vendo as desigualdades sociais
se reproduzirem em progressão quase geométrica, na América Latina irromperam
sujeitos reivindicando uma ciência que fosse “nossa”. José Martí, ainda em
1891, em Nossa América, apresenta sua
utopia de universidade: “Os povos se levantam e se cumprimentam. Como somos?
Perguntam-se. E uns e outros vão dizendo como são. Quando aparece um problema
em Cojimar[3] já
não vão buscar a solução em Dantzig[4]”
(MARTÍ, 1983, p. 199).
A ciência
não é neutra, - também ninguém é neutro e nem apolítico. Entretanto, se
construída dentro de parâmetros científicos, a ciência gera conhecimento que
pode ajudar a revelar o que é ocultado. “O desvelamento de um aspecto antes
velado vale mil vezes mais do que um belo discurso valorativo que mantenha
escondido, aos olhos de quem quer se libertar, um elo das correntes que o
oprimem” (IASI, 2011, p. 141). Ser objetivo é algo inatingível, pois muitas
vezes o pretenso rigor científico que pretende atestar objetividade escamoteia
o mais das vezes – mas não sempre – o direcionamento da pesquisa. “As técnicas
de pesquisa não somente recolhem os dizeres, mas também forçam a dizer” (LE
BOTERF, 1987, p. 76), consideram uns dizeres e desconsideram outros.
Necessário
se faz superarmos uma visão dicotômica da relação envolvimento-distanciamento
ao investigar, por entendermos que em uma pesquisa científica um devido
distanciamento é imprescindível, mas também o é certo nível de envolvimento. Buscar
distanciamento, sob certos aspectos, em um processo de vigilância
epistemológica, mas também se envolver, ciente de que todo conhecimento exerce
um poder imenso nas relações capital versus
trabalho, seja para emancipar, seja para legitimar a reprodução do capital com
toda sua (super)exploração. Impossível compreensão à distância e de forma
asséptica. “Há um engajamento em todo ato de compreensão” (GADAMER, 1997, p.
216).
Antes de ler referências teóricas imprescindíveis
para a pesquisa, experienciar que, muitas vezes, a sabedoria – saber com sabor
- pode estar mais nos indivíduos – nas suas práticas e conhecimentos - do que
nos livros, primeiro ouvir atentamente pessoas que estão militando na causa a
ser pesquisada. Buscar ouvir as falas das pessoas envolvidas nas linhas e nas
entrelinhas, suas posturas e seus compromissos. O tempo todo, no processo de
pesquisa participante, devemos estar antenados, buscando o que é e como
acontece, se é que acontece, a hipótese
pesquisada. Em um segundo momento, buscar as luzes de referências teóricas e as
adicionar ao processo de análise do objeto-sujeito em questão.
Não
podemos apresentar uma análise fossilizada como se quiséssemos engessar e
paralisar o objeto-sujeito pesquisado. “Se o real está em movimento, então que
nosso pensamento também se ponha em movimento e seja pensamento desse
movimento. Se o real é contraditório, então que o pensamento seja pensamento
consciente da contradição” (LEFEBVRE, 1979, p. 174). A lógica dialética critica
com pertinência a lógica formal: “Tudo aquilo que é pode entrar na fórmula da
identidade abstrata: “a árvore é a árvore”, “o círculo é o círculo”, “o homem é
o homem”. E, não obstante, esse pensamento tautológico é vazio, precisamente
por ser geral. Não diz o que “é” concretamente a árvore, o círculo, o homem.
Precisamos por convir a tudo, “o ser” abstrato e geral não convém a nada”
(LEFEBVRE, 1979, p. 175).
O
pensamento metafísico abre caminho para dualismos abstratos que não encontram
concretude no real e, por isso, mais mistificam a realidade do que a
compreendem. Não há como, por exemplo, tentar compreender a luta pela terra sem
analisar o conflito entre sem-terra em uma grande diversidade camponesa e os
que detêm a propriedade capitalista da terra, sejam latifundiários ou empresas,
sempre ancorados pelo capital. Em uma pesquisa emancipatória é preciso
entabular análise do objeto-sujeito pelo pensamento concreto e dialético, que
implica contradição. Mas o que é contradição? ““Contradição” não significa
absurdo. “Ser” e “nada” não são misturados, ou infinitamente destruídos um pelo
outro. Descobrir um termo contraditório de outro não significa destruir o
primeiro, ou esquecê-lo, ou pô-lo de lado. Ao contrário, significa descobrir um
complemento de determinação. A relação entre dois termos contraditórios é
descoberta como algo preciso: cada um é aquele que nega o outro; e isso faz
parte dele mesmo. Essa é sua ação, sua realidade concreta” (LEFEBVRE, 1979, p.
178). Enfim, eis uma proposta de
caminho a trilhar e de como pesquisar.
Referências.
CORONIL, Fernando. Beyond Occidentalism: Toward Nonimperial Geohistorical
Categories. In: Cultural
Anthropology, Vol. 11, n. 1, 1996.
GADAMER, Hans Georg. Verdade e método. Petrópolis: Vozes, 1997.
IASI,
Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e
emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
LE BOTERF, Guy. Pesquisa participante: propostas e reflexões
metodológicas. In: BRANDÃO,
Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a
pesquisa participante. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1987.
LEFEBVRE,
Henri. Lógica formal / lógica dialética.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
MARTÍ,
José. Nossa América: antologia. São
Paulo: HUCITEC, 1983.
STRECK,
Danilo R. Pesquisar é pronunciar o mundo. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues;
STRECK, Danilo R. (Org.). Pesquisa
participante: o saber da partilha. 2ª edição. Aparecida/SP: Ideias &
Letras, 2006.
Belo
Horizonte, MG, 31/7/2018.
Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o
texto, acima.
1
- Em Buritizeiro/MG, clamor de Cassimira, 7 filhos, despejada de Canabrava pela
PM/fazendeiros
2
- Ocupações da Izidora/Paulo Freire/Maria Vitória, ruas de BH, 02/07/15:
Wanderley clama por moradia.
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
[2]
Episteme, na língua grega, significa
conhecimento, e logia, ciência.
Epistemologia investiga a natureza do conhecimento, seus fundamentos e
critérios que validam tal conhecimento como verdadeiro.
[3]
Pequeno vilarejo de pescadores próximo a havana, em Cuba.
[4]
Cidade semi-autônoma que existiu entre 1920 e 1939, habitada por alemães e
atualmente é Gdanski, na Polônia.
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