Comunidade
Quilombola Braço Forte, de Salto da Divisa, MG, conquista decisão favorável na
Justiça Federal e apoio junto à Mesa de Negociação do Governo de Minas.
Reunião na Comunidade Quilombola Braço Forte, em Salto da Divisa, MG, dia 20/5/2018. Foto: E. Ferreira. |
Seguindo a luta em prol dos direitos dos
Povos Quilombolas, dia 16 de julho de 2018, realizamos na Cidade
Administrativa, em Belo Horizonte, MG, reunião da Mesa de Negociação do Governo
de Minas com as Ocupações urbanas e do campo e também comunidades tradicionais
envolvidas em conflitos socioambientais. A reunião foi convocada pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), CEDEFES e Federação das Comunidades Quilombolas de
Minas Gerais. Como coordenador da Mesa de Negociação, Tadeu David coordenou a
reunião. A pauta da reunião foi conflito agrário e fundiário que envolve a
Comunidade Quilombola Braço Forte, no município de Salto da Divisa, na região
do Baixo Jequitinhonha, MG.
No início da reunião, foi noticiado que, como
um alento, dia 13 de julho de 2018, a juíza federal Célia Regina Ody Bernardes,
da Subseção Judiciária da Justiça Federal, em Teófilo Otoni-MG, acolheu Ação
Civil Pública (ACP) promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) na defesa
da Comunidade Quilombola Braço Forte e contra a União e o INCRA. A juíza
suscitou o conflito de competência, alegando que a competência jurídica é da
Justiça Federal e solicitou ao TJMG a revogação da Liminar de Reintegração de
Posse deferida a favor do espólio do latifundiário Euler da Cunha Peixoto, o
que implicava no despejo da Comunidade Quilombola Braço Forte. Escreveu na
decisão a juíza da Justiça Federal, Célia: “Determino seja expedido ofício para
a 16ª Câmara Cível do TJMG, informando o juízo estadual sobre o conflito de
competência suscitado e solicitando a suspensão dos efeitos da decisão de reintegração
de posse proferida no bojo dos autos nº 6091077 - 54.2015.8.13.0024 (apelação nº
1.0000.16.001556-6/002)”.
Na reunião, Jorge Alexandre, representante da
Comunidade Quilombola Braço Forte, explicou que já houve várias ordens de
despejo e que a Comunidade Quilombola está retomando uma fazenda onde um juiz é
um dos herdeiros do espólio. Foi dito que em reunião com a Polícia Militar em
Salto da Divisa, o major da PM, Wálter, concedeu apenas 30 dias para as
famílias saírem. O prazo terminaria dia 30 de julho próximo (2018). Entretanto,
em articulação da CPT, Fundação Palmares, CEDEFES e Federação Quilombola de
Minas Gerais, a Comunidade Quilombola Braço Forte conquistou a decisão da
Justiça Federal que decide que a Justiça estadual não tem competência jurídica
para mandar despejar comunidade quilombola. Isso é o óbvio que o TJMG já
deveria ter compreendido sem precisar suscitar conflito de competência. Disse
que o território ocupado pertence a uma comunidade tradicional e que eles não
irão sair de lá. Jorge pediu para registrar que depois da última reunião com a
PM de MG, em Salto da Divisa, começaram a filmar a comunidade, com o uso de drones,
e um pequeno avião também sobrevoou a região. Jorge ressaltou as ameaças que
sofreu, por telefone. Jorge já foi incluído no Programa de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos ameaçados de morte.
Frei Gilvander, da CPT, disse que o município
de Salto da Divisa está marcado pela violência contra os povos indígenas e o
povo negro. Disse que em Salto da Divisa existe a maior concentração fundiária
do Mundo: 97,5% das terras do município estão controladas por apenas duas
famílias: Cunha Peixoto e Pimenta. As únicas comunidades camponesas existentes
na zona rural de Salto da Divisa são o Assentamento Dom Luciano Mendes, o
Assentamento Irmã Geraldinha e a Comunidade Quilombola Braço Forte. Todas as
outras famílias da zona rural foram expulsas para a periferia de cidades.
Recordou também que o Vale do Jequitinhonha é a região de Minas que apresenta o
maior número de Comunidades Quilombolas. Assinalou ainda que pesquisa de
doutorado demonstrou que 72,5% do território de Salto da Divisa é de terra
pública devoluta, terras que estão griladas nas mãos de poucos latifundiários e
empresários. É necessário que a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SEDA)
faça o levantamento da cadeia dominial das propriedades da região.
Um funcionário do governo de MG ressaltou que
muitos casos de grilagem de terra foram legalizados, o que não garante a
legitimidade do título de propriedade.
O representante da Comunidade Quilombola
Braço Forte, Jorge Alexandre, informou também que nasceu e foi criado na região
de Salto da Divisa e que tem conhecimento de que as fazendas Pratinha e
Farpão/Talismã não eram divididas e que isso só foi ocorrer posteriormente.
Disse que o poder político e econômico dos latifundiários da região é grande, e
por causa disso a comunidade está sofrendo pressão.
Luci Rodrigues, representante do INCRA na
reunião, disse que os relatos apresentados representam o cotidiano do INCRA e
que merecem atenção especial. Considerou importante somar esforços com o Estado
de Minas, por meio da legislação estadual – Lei Estadual dos Povos e
Comunidades Tradicionais, para viabilizar a solução mais célere desse conflito
agrário e social.
Antônio Miranda, ouvidor agrário do INCRA,
sugeriu a criação de um Termo de Cooperação Técnica entre o Estado de Minas,
INCRA e Fundação Palmares para a efetivação elaboração de
laudo antropológico e o início de processo administrativo de delimitação, demarcação
e titulação da área territorial em que vive a Comunidade Braço Forte, em
atenção ao disposto no art. 68 do ADCT da Constituição da República.
Após muita discussão e reflexão, foram
acordados os seguintes encaminhamentos:
1
- A Mesa de Diálogo do Governo de Minas, juntamente com a Casa Civil, tentará
reunião com o Desembargador Alberto Diniz, do CEJUS Social, para
encaminhamentos a cerca do conflito de competência, suscitado pelo Juiz Federal
de Teófilo Otoni.
2
- A Mesa de Diálogo e a Superintendência de Povos e Comunidades Tradicionais,
da SEDPAC, irão encaminhar, no início de agosto próximo (2018), um diálogo com
a Fundação Palmares, INCRA e SEDA, para tratar da possibilidade de um Termo de
Cooperação Técnica para a regularização fundiária da área ocupada pela
Comunidade Quilombola Braço Forte.
3
- A Mesa de Diálogo solicitará à SEDA o levantamento da Cadeia Dominial da área
ocupada.
Enfim, seguiremos na luta na certeza de que
só na luta coletiva se conquistam direitos.
Constante na Decisão da juíza da Justiça
Federal, Dra. Célia Regina Ody Bernardes, cumpre destacar pérolas de direitos
arrolados:
1
– O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, após a decisão que revogou o
efeito suspensivo da apelação, manifestou-se nos autos requerendo declínio de
competência em favor da Justiça Federal, considerando a origem quilombola dos
moradores da Comunidade Braço Forte.
2
– O artigo 109, inciso III, da Constituição da República, e a Convenção nº 169
da OIT, que trata de direitos das comunidades quilombolas, afirmam a
competência da Justiça Federal para apreciar matéria relativo às comunidades
quilombolas.
3
- A Fundação Cultural Palmares, entidade constituída com a finalidade de
promover a preservação dos valores socioculturais e econômicos das comunidades
afrobrasileiras, em 2/3/18, certificou que, conforme a declaração de
autodefinição e o processo em tramitação, que a “Comunidade Braço Forte”,
localizada no município Salto da Divisa/MG, registrada no Livro de Cadastro
Geral n.º 018, Registro nº 2.578 fl.199, de acordo com o Processo nº
01420.008841/2017-33, é remanescente das comunidades dos quilombos.
4
- O Decreto nº 4.887/2003 foi reconhecido o direito à autoatribuição como único
critério para identificação das comunidades quilombolas: “§ 1o Para os fins
deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos
será atestada mediante autodefinição da própria comunidade”.
5
- O Decreto nº 4.887/2003, art. 3º, parágrafos 2º e 3º, em harmonia com o
disposto na Convenção nº 169 da OIT, estabelece como terras ocupadas por
remanescentes de quilombos, as utilizadas para a garantia de sua reprodução
física, social, econômica e cultural, sendo levados em consideração para a
medição e demarcação das terras os critérios de territorialidade indicados pela
comunidade quilombola.
6
- Ressoa evidente que as demandas judiciais as quais envolvam a posse de áreas
quilombolas repercutem, de todo o modo, no processo demarcatório de
responsabilidade da autarquia federal agrária. Logo é inarredável o interesse
federal em tais demandas, razão pela qual deve ser fixada a competência da
Justiça Federal para o seu processamento e julgamento, consoante o art. 109, I,
da Constituição Federal.
7
– Caso o INCRA continue enrolando e protelando os processos de titulação dos
territórios quilombolas, a juíza fez referência ao já julgado pela desembargadora
federal Selene Maria de Almeida, do DJF1: “a omissão do Poder Público,
cristalizada pela inércia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - INCRA quanto à prática dos atos administrativos necessários à efetiva
conclusão do procedimento administrativo instaurado com a finalidade de
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas pela comunidade de quilombolas descrita nos autos, afronta o exercício
pleno desse direito, bem assim, a garantia fundamental da razoável duração do
processo, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, no âmbito
judicial e administrativo (CF, art. 5º, inciso LXXVIII), a autorizar a estipulação
de prazo razoável para a conclusão do aludido procedimento”.
Assinam
essa Nota Pública:
CPT (Comissão Pastoral da Terra – www.cptmg.org.br );
CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira
da Silva – www.cedefes.org.br )
Belo Horizonte, MG, 20 de julho de 2018.
Obs.: Eis, abaixo, vídeo reportagem sobre a
Comunidade Quilombola Braço Forte, em Salto da Divisa, MG.
1 -
Comunidade Quilombola Braço Forte, em Retomada/Salto da Divisa, MG/A luta pela
terra/09/6/2016.
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